A enigmática arte literária e o amor pelas palavras
Toda vez que vejo certo distanciamento - virtual ou não - de pessoas que poderiam dar incentivo a quem se dedica à arte, sinto vontade de soltar uns verbos acintosos e gritar alto contra essa intelectualidade dita “donos do saber” que assola meios de comunicação, colégios particulares, universidades públicas sem estruturas adequadas ao ensino... e, agora, o modismo do canudo adquirido em universidades particulares. Claro, não posso, jamais, generalizar; mas, negar tal fato hodierno, seria admitir uma hipocrisia maior ainda – e essa não é a minha praia.
E como não sou iluminado – sofro apenas do mal “Escrever é arte de corromper palavras diariamente” - vou tentar transformar em texto tudo que aprendi fora das salas de aula sobre a arte de escrever nesta “verve da dificuldade” que me persegue desde o primeiro texto, escrito nas sombras da brisa do meu Rio Marataoan, cidade de Barras, no sofrido sertão do Piauí.
A ENIGMÁTICA ARTE LITERÁRIA E O AMOR PELAS PALAVRAS
(Ao meu amigo TOPO GIGIO, que me deu o prazer da leitura antes que eu viesse a sucumbir com a leptospirose da ignorância proveniente da urina dos governantes sem preocupação com a educação do povo mais pobre.)
O mundo das palavras contém, desde o início do registro da história – e, até mesmo, nos primórdios da conscientização de existência do homem –, as mais variáveis narrativas, distribuídas nas mais diversas formas de expressão (in)úteis ao ser humano. A narrativa - através da linguagem articulada (oral ou escrita) e outras formas de expressões que ao longo do tempo o homem foi assimilando - está presente em todas as formas de manifestação, desde o mito à banalidade novelesca dos dias atuais, transcendendo no tempo, lugares... E formas diversas de sociedade. Tem, portanto, o ato de narrar, um caracter universal.
Segundo estudiosos, nas estruturas narrativas do discurso da forma literária, convém-se analisar, sempre em primeiro plano – mesmo a rele escrita do não renomado nas letras - o problema (sempre presente) que aflige estudiosos e escribas ficcionais: “perceber quem narra e o que se passa num romance ou conto... Pois, na arte da narrativa, o narrador nunca é o autor”. Os sentimentos dos personagens nem sempre traduzem o sentimento do autor; nessa dualidade literária, o narrador é um ser ficcional autônomo, liberto do ser real do escritor – este pode, através dos personagens, transmitir sua axiologia, ou seja: digno de ser dita – ou melhor ainda: o axiomático da verdade universal por parte do autor. A este, cabe uma realidade histórica enquanto ao narrador o universo é imaginário, com característica – entre literatos e filósofos – de um sujeito ontológico: “um ser concebido por natureza comum – na filosofia, o ser enquanto ser”.
Entre divergências didáticas e criticas literárias, as regras podem ficar pós ao sentimento artístico e espontâneo – segundo Matoso Camara – este é inerente no homem. Analisando sob um ângulo diferente, ante as novas diretrizes das formas de inteligência do homem – dividida entre diversos novos conceitos -, numa acentuação da lingüistica, pode concluir-se que, no pensamento do estudioso acima, a arte de escrever não se adquire dentro dos meios acadêmicos. Aqueles que se entregam a esse fazer, trazem reminiscências a partir da primeira cria literária (ou mesmo, leitura) rumo, quem sabe, ao apogeu do mais distante enigma literário. Convenhamos: nas universidades, através da didática literária, a arte de escrever poderá desabrochar com mais impetuosidade.
Através da aprendizagem – em colóquio com o dom – aprimoramos a correta utilização de regras gramaticais, aprendemos sobre formas narrativas. Passamos a ver várias visões de narrador; descobrimos a beleza do texto com um “autor implícito” – dotado do poder da onipresença, conhecedor (a)temporal e espacial de todo o enredo e o mais íntimo sentimento do personagem por ele criado. Passamos a enxergar a imparcialidade nas diversas atitudes de personagem; ou mesmo quando estes procedem a opiniões ou tomam partidos no desenrolar da criação. É através dos olhos dos vários tipos de narrador – protagonista, dramático, testemunhal...- que a enunciação se correlaciona com o enunciado e seus personagens vivos nos chegam –à nós receptores – em forma de arte literária.
Estudiosos diversos se digladiaram com os elementos ficcionais das obras de arte literária – Vladimir Propp (morfologia da narrativa), Greimas (formulou o modelo actancial da personagem de ficção)... Todos, como eu, simples leigo que manuseia a página de um romance, deixam se levar pela magia da série de fatos, organizados em enredos e com personagens que vivem os acontecimentos. Leitor, autor e estudiosos numa união indissolúvel, criando uma estrutura ficcional através da morfologia da narrativa.
As mais diversas formas de narrativa – desde a arte literária até a televisão – sempre mereceram estudo à parte por “experts” no assunto; da forma mais simples à forma mais culta. O mito, a lenda, o conto popular,... são formas simples que nascem juntamente com o próprio enigma do homem no mundo – seus anseios e seus temores. São os mistérios da natureza humana tomando forma lingüisticas através das narrativas. As formas cultas – criações individuais: poesia, novela, romance... – muitas vezes com suas oscilações para os termos que a determinam, até mesmo na passagem de um módulo para outro (simples para culta) – confrontam-se com as primeiras (as simples), mas mantém um estreito relacionamento diante do quadro que determina as artes literárias.
Estudarmos com profundidade todos as formas de narrativas, desde o mito utilizado por Aristóteles até a crônica de Luiz Ventura, ou a singeleza da poesia que brota no nosso dia-a-dia, é um aprendizado necessário àqueles que buscam aprimorar a “arte” de fazer arte literária, não importando o traçado de uma adivinhação anônima ou o termo mais erudito do criador da moderna short story – Edgar Allan Poe.
Especificando, miudamente, o estudo sobre arte, encontramos dois caminhos nunca opostos: prosa e poesia. Uma está para a outra, assim “como o amor está para a amizade”. Fica apenas a indagação aonde se coloca a linha que separa os dois segmentos. A poesia será sempre a forma mais completa da expressão humana. Nada melhor para corroborar tal pensamento do que a poesia que emana pelas nossas tórridas terras sertanejas.
Nós, poetas - desculpe a presunção -, não narramos necessariamente o que acontece, representamos, segundo Aristóteles: “a imitação da ação”; ou seja: aquilo que pensamos ser possível. Através do tempo a poesia ganhou formas e espécies métricas. Nomes famosos juntaram-se a anônimos e criaram o lirismo, a elegia, o épico... uma gama de criação e recriação: criados tornando-se criadores no universo da arte poética. Poesia é a revelação sensível do espírito através das formas de arte. O processo, às vezes, comparativo, emblemático, baseando-se “no princípio da percepção da interioridade pela interioridade”, ou seja: diferente das outras artes a poesia é “capaz de representar de modo mais completo do que qualquer outra arte a totalidade de um acontecimento, o desenrolar completo de movimentos interiores, de paixões... A poesia representa o espírito para o espirito, sem dar às suas expressões uma forma visível e corpórea.”
A poesia é elo enigmático, ligando homens através das palavras.