Minha Cabeça
Em uma movimentada avenida situada em uma selva de pedra, pode-se comtemplar o mais lúdico dos espetáculos. Uma cena, que de tão comum, e gratuita, não mais retém os olhares que outra se prendiam em fascínio, choque e desdém.
A Música
A avenida mais se parecia com o coliseu do tempo dos gladiadores, onde o domínio do som era bravamente disputado entre as buzinas dos carros, o maquinário de um prédio em obras, os gritos de vendedores ambulantes e pombos, que de assustados soltavam arrulhos frenéticos. De repente, um homem de aparência pouco notável, semblante inóspito, parou em meio a essa orquestra, retirou um saxofone de sua maleta e começou a tocar. Ao inicio era apenas mais um barulho tentando se destacar em meio a tantos, mas conforme as melodias iam sendo semeadas aos quatro cantos, uma ordem quase que inquisidora começou a silenciar os outros sons.
A Paz
Fui arrebato à um estado de serenidade. Aos poucos aquelas ondas sonoras começaram a atrair a atenção dos transeuntes, ainda que por poucos segundos. Olhei ao meu redor e enquanto meus ouvidos se tornavam súditos daquele saxofone, meus olhos se tornaram testemunhos de uma declaração de amor. Um casal de idosos, que ali passava, parou próximos a um caminhão que descarregava flores, e em um gesto de cavalheirismo o senhor pegou uma flor, se ajoelhou e pediu sua amada em namoro. Ainda que idosa, apoiando-se em uma bengala, pode-se ouvir o SIM como dito por uma jovens após o baile de formatura. Eles se abraçam, e como se existisse apenas os dois naquele momento, começaram a dançar.
O Caos
Fui desperto de meu transe aos sons do gritos e batidas. Conforme ia retornando a realidade, minha cabeça girava sob meu pescoço empenhada em encontrar a fonte de tal perturbação. Foi então que avistei um homem sem camisa, estatura mediana, cabelos longos e pretos, bermuda com a cueca branca a mostra, meias altas e chinelo. Este soltava gritos de "oh meu Deus, oh meu Deus!" de forma frenética, enquanto se jogava contra a fachada de uma loja, dando tapas e chutes. Conforme ele gritava, o som do saxofone foi sendo abafado e a atenção dos ali presente voltaram-se para aquela cena triste, revoltante, cotidiana. Aos poucos o duelo pelo domínio do som foi se reinstaurando, conforme o barulho de sirenes iam ficando cada vez mais próximos.
As Cores
Enquanto olhava para aquele, pensando nos motivos que poderiam tê-lo levado a tal comportamento, tive meus pensamento interrompidos por uma imagem um tanto quando feliz. Ao fundo, do ato principal, vinha se aproximando uma mulher negra, alta, magra. Caminhava elegantemente, como se estivesse em uma passarela, totalmente avessa ao cenário e seus figurantes. Puxava um carrinho de compra de um lado, e do outro carregava duas bolsas, enquanto mexia no celular. Em sua cabeça um grande chapéu rosa, usava óculos escuros e brincos de argolas. Ela vinha como um arco-íris em um ensolarado dia de chuva. Sim, um arco-íris, pois vestia um macacão de ginastica tão colorido, que tonava sua presença uma exposição de arte.