ARQUITETURA DO SONETO
Este texto apoia-se nas lições do poeta Emmanuel Santiago, um dos grandes nomes da poesia contemporânea brasileira, e nas ideias transmitidas por Brian Belancieri nas aulas do curso "A Arte do Verso".
Como dar forma a um soneto que reverbere? Como articular ideias, metáforas e os blocos do texto para alcançar o impacto desejado?
Primeiro, o essencial: a leitura de sonetos é uma trilha inevitável, e quanto mais variadas forem as épocas e línguas, mais vasto será seu repertório. Mesmo que seja através de traduções cuidadosas, absorver a musicalidade e a lógica de outras tradições fortalece a intuição formal. Contudo, se a intenção é realmente decifrar as convenções e sutilezas do gênero, volte-se à fonte: Petrarca, um arquétipo insuperável. Em seguida, abra espaço para a força e o lirismo de Camões, a precisão de Shakespeare, o sarcasmo de Gregório de Matos, a fluidez de Bocage e a delicadeza de Bilac. E, para uma visão menos ortodoxa, Baudelaire, que desestrutura e enriquece a forma com suas sombras e paradoxos.
Dois princípios práticos podem guiar a construção. Primeiro, a estrutura dialética do soneto tradicional: os quartetos expõem a tese, os tercetos apresentam a antítese, e a chave de ouro resolve a tensão com a síntese. É um movimento de confrontação e resolução que exige uma lógica interna, quase filosófica. Embora os sonetos modernos dispensem essa rigidez, compreender essa articulação dialética ainda é um recurso poderoso para dar profundidade ao poema.
Outra dica é evitar que cada verso funcione como uma unidade sintática fechada, que se encerre em si mesma. Isso cria uma espécie de “corrida de obstáculos” onde a rima se torna mais um artifício do que uma extensão orgânica do sentido. No soneto, as pausas precisam ser controladas com delicadeza, conduzindo o leitor sem rupturas bruscas.
Vale destacar, ainda, a importância da “volta” – aquele instante em que o soneto desdobra-se, oferecendo uma nova perspectiva ou resolução. Nos quartetos iniciais, há a proposição do argumento; em seguida, os tercetos introduzem uma contra-argumentação, guiando o poema a uma síntese que, no caso do soneto italiano, acontece na chave de ouro, e no soneto inglês, no dístico final. O soneto de Camões, “Busque Amor novas artes, novo engenho”, é um exemplo magistral desse “torneio dialético” chamado de “volta”, em que a ideia se transforma, como se o poema nos levasse de volta ao ponto inicial, mas com uma compreensão renovada.
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