A banalidade do mal em Matsangaíssas, de Leya Langa : A guerra como instrumento de desumanização do homem
A banalidade do mal em Matsangaíssas, de Leya Langa :
A guerra como instrumento de desumanização do homem
Matsangaíssas é o nome que dá título ao texto que inaugura a leitura da obra “contistica” escrita pelas mãos adestradas do escritor angolano Lucas Cassule e a escritora moçambicana Leya Langa.
O conto faz parte da obra “KARINGANA, 2 povos, 2 contos” lançada no ano 2021 sob o cunho editorial da #ésobrenós editora, num projecto coordenado pelo escritor angolano Lucas Cassule.
Em Matsangaíssas, Leya Langa elege a velha cidade de Lourenço Marques, Moçambique, num dia 30 de Junho do ano 1977, inolvidável para o povo moçambicano pelo seu impacto na memória coletiva de um povo que, assim como povo angolano, teve que experimentar a guerra fratricida pós-independência para conhecer uma paz volátil e viver sob o pesado manto do antropônimo de país subdesenvolvido.
Neste conto, para além dos problemas sociais como a fome e a instabilidade política, Leya Langa desperta a atenção para o problema da guerra e sua grande capacidade de desumanização do homem-soldado, ao que Arendeth chamou de superfluidade do homem enquanto homem.
Inevitavelmente, Leya Langa busca compreender , na condição de jovem vítima dos problemas da atualidade, a ingerência da guerra como fator de instrumentalização do home para o alcance de fins ideológicos individuais mais do que interesses nacionais. Para que tal desígnio possa ser alcançado, a proposta de reflexão é baseada na trama que implica um grupo de soldados denominados Matsangaíssas e uma mulher viúva, Maria Moiasse, que é obrigada pelo comandante dos Matsangaíssas a assassinar o próprio bebê pilando-o em um almofariz, um comando a que a mesma se nega a obedecer e, portanto, é obrigada a assistir o ato cruel perpetrado pelo homem que liderava os Matsangaíssas, para depois ser abusada pelos soldados deixando-a sem uma razão para viver .
Muitas vezes as consequências da guerra são refletidas da das essencialmente sob o ponto de vista do sofrimento que as guerrilhas impõe aos civis, sem se levar em conta a condição psicológica daquele antes homem agora homem-soldado sujeito à várias atrocidades no processo de moldura do combatente eficaz e obediente, sem espaço em si para discussões de índole moral na prossecução dos seus atos.
Leya Langa, traz por meio de Maria Moiasse a vítima inocente sujeita à brutalidade do homem desumanizado e convertido a instrumento pela própria guerra tornando-o supérfluo, conforme sugere Arendeth: “O mal se realiza quando o homem deixa de ser um fim em si mesmo … e torna-se um meio, um instrumento. Sua existência não se justifica por si mesma mas se torna condicionada por um valor utilitário …”. Os soldados , neste caso específico os Mantsangaíssas( nome usado para indicar aqueles afetos à Renamo ) são o exemplo usado por Leya Langa para demonstrar a instrumentalização do homem por meio de violência gratuita .
A maneira indiferente com que o comandante dos Matsangaíssas joga o bebê e amassa em um almofariz representa nitidamente o resultado da desumanização de que o soldado é também vítima. “Nessa relativização de valor a vida humana perde , também, o seu significado, deixando de ser necessária e essencial, para ser inconsequente e banal.
Para concluir, devemos apontar aqui que a guerra assume-se como pano de fundo no processo desumanização do homem e sua posterior objectificação. No caso dos Matsangaíssas, a guerra fratricida (apelidada de guerra civil ) e os seus diversos contornos políticos foram as bases para instrumentalização de homens que lutavam por interesses questionáveis e muitas vezes estranhos a si mesmos.