EXISTE MESMO MÚSICA BOA OU RUIM?

Sou músico há uns trinta anos. Já fiz parte de várias bandas com diferentes estilos, tanto tocando guitarra quanto assumindo o vocal. Amo a música. Sou do tipo que se senta especificamente para ouvir música, em vez de usá-la somente como pano de fundo para qualquer outra coisa. Acredito que sou bastante eclético no que escuto e toco. Quando o negócio é bom, eu paro para conferir, o menos preconceituosamente possível. Um tema com o qual me deparo vez por outra ao conversar com os amigos é se existe mesmo música boa ou ruim. Tenho a sensação que na maioria das vezes não sou muito bem compreendido ao falar disso, por isso resolvi escrever este texto. Então, vamos lá!

Primeiramente, para mim, tudo que se faz pode ser bem feito ou mal feito, pois de outro modo, ou consideraríamos tudo como excelente, ou rebaixaríamos tudo à insignificância. Seguindo o raciocínio do professor Cortella: ao acharmos que tudo é bom, perdemos a capacidade de reconhecer quando algo é ruim. Assim, se o relativismo metodológico visa compreender certo objeto de estudo sem as influências de nossos preconceitos, relativizar por relativizar, por outro lado, não leva a lugar nenhum. Aquele que diz que tudo é relativo está cometendo uma contradição em termos, pois ao fazer essa afirmação está impondo uma regra que não suporta exceções, ou seja, determinismo puro.

Sempre pensei: se existe filme ruim, livro ruim, comida ruim e por aí vai, por que não existiria música ruim? Já vi gente dizendo que isso de boa música foi uma criação da galera da MPB para se auto afirmar, já que um bocado deles eram intelectuais. Por outro lado, muitos dos grandes nomes dessa mesma MPB possuem origens simples, com currículos bem modestos no que se refere à educação formal. Francamente, não acho que a condição social é um determinante para a produção ou apreciação de uma música de maior ou menor qualidade, considerando os critérios abaixo apresentados.

Creio que sim, existe música boa e música ruim, sob pelo menos dois aspectos, o subjetivo e o técnico ou artístico. Do ponto de vista subjetivo não há muito a falar além de que depende de cada um. O que é bom para mim pode não ser para você, e tá tudo bem. Todavia, não é por que uma música é subjetivamente boa que ela necessariamente vai ter qualidade técnica ou artística. E aí chegamos em um ponto importante. Na maioria das vezes as discussões sobre música limitam-se a esse aspecto subjetivo, e então vai se incorporando essa ideia de que não existe música boa ou ruim, por que depende da preferência de cada um, como se a música não possuísse referenciais próprios que a constituem como tal, independentemente de como os indivíduos a percebem de forma isolada. Então você pode dizer: Mas, Rubens, a música não é um resultado da subjetividade do artista? Sim. Mas no momento que ele musicaliza essa subjetividade ela passa por um processo de objetivação que tem como base os elementos musicais.

Imagino que a última parte do parágrafo acima talvez cause alguma confusão, mas já vou resolver isso, espero! O ponto que quero abordar agora nos leva ao segundo aspecto que pode ser levado em consideração ao avaliar uma música. Trata-se de uma avaliação técnica ou artística, que possibilita critérios mais objetivos acerca de uma qualidade musical, além de reconhecer características que são intrínsecas a música, servindo elas mesmas, e não a opinião de cada um, como parâmetros de avaliação para a qualidade musical. Estou falando dos elementos constitutivos da música, harmonia, melodia, ritmo e poesia. A música é o amálgama desses elementos, e a excelência na coordenação de todos e na execução de cada um como expressão artística, pode sim ser considerada um necessário critério de qualidade musical.

Obviamente que a depender do estilo, um ou outro elemento musical pode se sobressair em relação aos outros. Por exemplo, o Rock não possui em geral harmonias tão complexas quanto a bossa nova ou o samba, com seus acordes dissonantes, mas exibe uma clave rítmica muito mais variada, com contra tempos e diferentes ritmos tanto em uma mesma música quanto em suas demais vertentes, isso sem falar na riqueza melódica expressa em solos e rifes sofisticados. O rap, por sua vez, compensa harmonias e melodias mais simples com letras bem elaboradas, tanto do ponto de vista do rigor da métrica nas rimas, quanto da relevância social dos temas apresentados, só para citar alguns casos. Como se pode notar, independentemente do gênero, toda música oferece possibilidades de uma maior exploração dos elementos que a constituem, ou seja, seus próprios referenciais. Ocorre que, não raro, algumas vezes, certas músicas são concebidas e consideradas com base em elementos alheios a própria música, o que eu não vejo com bons olhos, pois, para mim, a música, antes de mais nada, tem que está subordinada a própria música. Só depois vem o resto, que, aliás, deve ser consequência.

Aí tem gente que ganha notoriedade musical por que faz uma dancinha engraçada, ou sensualiza, ou tem milhões de seguidores ou um monte de outras coisas que não possuem nenhuma relação com a qualidade artística de suas composições musicais. Tem muita gente que confunde o artista com a celebridade. O artista sempre tem algo a dizer com a arte, independentemente do quão suas ideias possam ou não cair no gosto do público. Ele busca a liberdade criativa. Por outro lado, tem gente que simplesmente quer ser famoso ou rico, e vai repetir o que as tendências ou os mercados determinam. Aí vou ser obrigado a dizer que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!

Quero ressaltar que não acho que preferência musical faz alguém melhor ou pior que ninguém. Em geral, mesmo em minha subjetividade, costumo levar em consideração o aspecto técnico de uma música no processo-experiência de classifica-la como boa ou ruim. Por outro lado, tem músicas que mesmo reconhecendo como obras de valor artístico, eu simplesmente não consigo apreciar, embora respeite. Olha aí a minha subjetividade! Aliás, uma música técnica ou artisticamente boa nem sempre vai ser subjetivamente boa e vice versa. Logo, sempre que alguém vem querendo fazer uma pegadinha comigo, sabendo que sou músico, perguntando-me: e aí, cara, existe mesmo essa coisa de música boa ou ruim? Eu respondo: depende! Você tem paciência para me escutar?