🔴 Capitalismo selvagem

A inflação arruinou uma das maiores diversões do brasileiro: assistir o “estouro da boiada” para aproveitar as ofertas de aniversário dos supermercados Guanabara. Quem é do Rio de Janeiro conhece, mas quem tem acesso à internet já pôde ver verdadeiras batalhas por jogos de panelas.

Uma tradição foi quebrada. Nesse dia, era permitido que pessoas excluídas da corrida capitalista participassem do zigue-zague das prateleiras com embalagens sedutoras. Porém, o substantivo corredor foi confundido com o verbo. A corrida consumista virou uma literal tradição, de modo que, o prejuízo causado pela destruição dos produtos deve estar calculada pela loja.

Sim, o que sobra são fragmentos de biscoitos vitaminados, manchas do que parecem produtos de limpeza e pacotes de arroz arrebentados. Com muita sorte — como uma trilha de formigas carregando folhas muito maiores que elas — clientes conseguem equilibrar aparelhos de som ou televisores de muitas polegadas. O clima de fim de festa reflete a real intenção de tornar a loja conhecida e executar aquela máxima: “O aniversário é nosso, mas é você quem ganha”. O resultado é animalesco.

Para quem é paulistano saber do que estou falando, o equivalente da capital paulista era o tradicional ataque ao bolo de aniversário de São Paulo, no Bixiga. O “self service” do fim do mundo fazia o bolo sumir em segundos.

Eu mesmo, escapei de disputar as promoções do Magazine Luíza. Indisposto para executar golpes de arte marcial, encontrei uma loja devastada por consumidores, onde apenas restavam alguns eletrodomésticos quebrados.

O avanço da multidão ao bolo lembra um ataque de piranhas; depois do começo da abertura das portas, a invasão do supermercado Guanabara parece uma corrida “vale-tudo”, onde é permitida a colisão dos veículos. Entretanto, minha aventura no Magazine Luíza mostrou que é necessário um pouco de disposição física para aproveitar as ofertas do folheto.

“De um lado esse carnaval, do outro a fome total”*, enquanto isso, as batalhas da fome são um retrato do Brasil. Essas concessões ao consumo são espetáculos que sabidamente serão uma rinha humana.

Nos anos 80, circulava a sabedoria popular que recomendava tomar muito cuidado com as palavras para conservar os dentes; entusiastas da ditadura cubana veem na magreza um benefício causado pela fome; inspirado por esse raciocínio, concluo que a inflação é boa para a integridade física.

* A Novidade, música de Gilberto Gil e Herbert Vianna.

RRRafael
Enviado por RRRafael em 08/11/2024
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