Baixa da Maia - XVIII

Baixa da Maia

Baixa da Maia – XXVI

A morte da onda do meio de Rabo de Peixe, enlutou os bodyboarders da Ilha. Onde ir com mar ‘grosso’ em Santa Bárbara e no Monte Verde? Na ressaca daquela morte, Ricardo Moura (então, esperança do bodyboard e futuro campeão de desportos motorizados) e o seu grupinho chegado de amigos, descobrem a onda da baixa da Maia: ‘Procurávamos sítios e vimos aquela onda na Maia.’ ‘Fiz parte [Ricardo Moura] do grupo das primeiras pessoas que entraram na Maia, entre 94 e 96.’ Uma onda ‘potente, rápida e tubular.’ Assim a define Sérgio Rego (o Serginho) que chegou (logo depois) à Maia. A conjugação ideal para esta ‘onda pointbreak de esquerda’ calha nas maré baixa, com o vento sul, sendo a (melhor) direcção ‘sweel de oeste, noroeste.’ ‘Também dá para surf mas é muito melhor para bodyboard. Por isso, diria que é frequentada por 99% de bodyboarders.’ Arremata Serginho. Em 2015, com obras de consolidação de arribas projectadas, temeu-se que lhe acontecesse o que acontecera à (defunta) de Rabo de Peixe. Houve alerta (geral) tanto na imprensa local como na da especialidade. Receio (felizmente) infundado: feitas as obras (com ou sem mudanças aos planos) a onda mantém-se como dantes (garantem-me).

Sendo até 2005, conhecida por muito poucos, a partir de 2005 viria a ser conhecida por muitos. Nesse ano, juntamente com a onda de Santa Bárbara (e a do Monte Verde, apesar de não vir aí referida), ganharia projecção ‘global.’ Causa disso? Um filme ‘realizado pelo multitalentoso fotógrafo, músico, artista e surfista Mickey Smith, (…) contando com alguns dos melhores bodyboarders australianos da época, Brenden Newton, Harry Dixon, Brandon Foster e Adam Benwell (…).’ A reportagem veio a público na ‘Riptide,’ uma revista australiana. Resultado? ‘Os Açores e as ondas da Maia e dos Areais de Santa Bárbara,’ foram atirados ‘para o centro do radar dos bodyboarders de todo o mundo.’ Na Maia, atento às novidades, Eduardo Almeida, guia de turismo e bombeiro, agarra a oportunidade. Em parceria com a ‘Casa do Povo da Maia, Junta de Freguesia, Direcção Regional da Juventude e alguns apoios comerciais e privados,’ aproveita uma das suas Maia em Actividade e Semanas de Juventude, para contratar (em 2006 ou em 2007) o bodyboarder Sérgio Rego (Serginho). Já antes disso, na década de cinquenta, talvez ainda antes, como sucedia em outros locais ao redor da Ilha, ‘ia-se às inchas’ (aqui) ainda dentro da baía (fazia-se uma espécie de carreiras). Na década de noventa, imitando o que viam fazer fora da Baixa Ricardo Ferreira, Serginho, Miguel Reis e C.ª, Gastão e Duarte Sousa, dentro da baía, ensaiavam um bodyboard (instintivo). Porém, em 2006 (ou 2007), passa-se da imitação à aprendizagem. Começou pela prospecção de candidatos (ou ‘baptismo’ no dizer de Eduardo Almeida). Reuniu (no acto) mais de 70 miúdos. Destes ‘baptizados,’ praticaram (por algum tempo) (uns) vinte e nove. Entre eles, havia uma rapariga (que logo desistiu), um rapaz dos Calços da Maia (que ainda pratica) um outro do Burguete, sendo todos os restantes oriundos do centro da freguesia. Entre 2006 e 2014/5, terá tido (recorda-o Sérgio Rego) ‘16 miúdos,’ dos 7 aos 9 anos, que, entretanto, por desistência ou desinteresse, acabaria em ‘10 ou (pouco) mais.’ Em Dezembro de 2009, os que persistiram, puderam viver momentos que jamais esquecerão (dizem-me): Mike Stewart - o grande campeão -, visitou a Maia. Miguel Feleja (desse grupo) conta: ‘Na Trincheira toda a gente de boca aberta. Num pé só, fomos buscar pranchas e canetas a casa.’ De 2011 a 2015, com provas realizadas na Maia e atletas a alcançar bons resultados, a Maia atingiu o topo. Porém, em 2016-2017, deu-se o declínio. Porquê? O Serginho cansou-se de bater em vão às portas de patrocinadores (privados e públicos), e a maioria dos miúdos (já então crescidos) emigraram ou foram estudar para fora.

Maia? É Frutuoso quem nos diz essas coisas desses tempos iniciais, porque Inês Maia (de quem nada mais nos diz) terá sido a que ‘principiou e começou e primeiramente morou’ naquele Lugar. Implantado na fajã lávica basáltica da Maia (formada pelas escoadas do pico do Funchal). Enquanto fez parte do Concelho de Vila Franca, por aquele Concelho ser vasto e separado por uma cadeia de montanhas, foi ‘cabeça de toda a banda do Norte’ daquele Concelho. A sua jurisdição ia do Porto Formoso à Achada. Contou ‘com oficiais próprios: escrivão do público, judicial e notas, para efectuar todos os actos tabeleónicos; rendeiro do verde e seu(s) jurado(s), para vigiarem a colocação indevida de gados em terras de cultivo e cobrarem as respectivas multas; afilador de pesos e medidas; arruador, para determinar o traçado das ruas e os limites das paredes exteriores das casas.’ Que se saiba, desde o início tentou (sem sucesso) ser elevada a Vila: ou devido a catástrofes naturais que a foram empobrecendo ou à oposição frontal de Vila Franca que (entretanto) fora cedendo território e poder aos quatro Concelhos que se foram criando na Ilha a partir de 1499/1507. No século XVII (apesar de continuar pertencendo a Vila Franca) integrou a Ouvidoria da Ribeira Grande. Integrar-se-ia na Ribeira Grande em ano entre 1820 e 1825. A partir de 1907 (ano em que a Lomba da Maia se tornou freguesia) a Maia é constituída pelos núcleos dispersos da Lombinha da Maia (que ainda em 1979 e depois tentou ser freguesia), pelos Calços da Maia e Gorreana. Na própria área central da Freguesia, ainda uns anos depois do 25 de Abril a população da Chada (depois da ponte) dizia que ia à Maia. Ainda havia o Penedo (mais próximo da subida para a Lombinha da Maia).’

De que é feito o território da onda da Maia? De ladeiras, arribas, cursos de água, nascentes e do Calhau da Areia com o porto (de pesca, de cabotagem e local de banhos). Na ponta poente da baía, existiu um reduto militar (conhecido por ‘castelo’). Hoje (dele) apenas resta uma memória (muitíssimo difusa). Nas ladeiras (a nascente da baía) cultivavam-se (sobretudo) vinhas. No ângulo Sul, no arranque para as ladeiras, desagua a (hoje problemática) ribeira da Laginha (ou da Grota). A curta distância do casario, o tanque (alimentado por uma nascente que a gente da terra diz ser ribeira) onde as mulheres iam lavar roupa. A fechar a baía do lado Nascente, a ribeira da Faleira. O Calhau da Areia (nem sempre de areia, como acontece à Viola) é de areia esverdeada (de olgivina). O areal, abraçado a dois calhaus, numa dança permanente, ora avança ora recua. Presentemente, não terá cem metros de extensão (medidos em Outubro de 2024). Ali ficavam o porto velho e o novo (nomes pomposos, claro). Já no início do povoamento, ao que se sabe, aquele porto destacava-se na cabotagem e na pesca. Em 1800 e 1813, dava trabalho a ‘15 homens do mar.’ A cabotagem que, fazendo circular ao redor da Ilha novidades e pessoas, ligava os ‘portos’ da costa Sul aos do Norte, reduzir-se-ia (drasticamente) com a construção da estrada do Norte em meados do século XIX. E perderia utilidade com a introdução do transporte automóvel a partir das décadas de vinte/trinta (já no século XX). Comparando os homens do mar da Maia (nem todos seriam pescadores) com os ‘camaradas’ da costa Norte, em 1800/1813, os primeiros ultrapassavam os 6/7 do Porto Formoso, os 6/3 dos Fenais da Ajuda e (ligeiramente) os 14 do Nordeste. No entanto, eram largamente superados pelos 35/32 da Ribeira Grande (porto de Santa Iria) e (sobretudo) pelos 45/64 de Rabo de Peixe. Saltando um século para o ano de 1968, a relação de forças (em desfavor da Maia) seria enorme. Nesse ano, para ‘uma dezena e meia de embarcações,’ no Porto Formoso, havia ‘478 pescadores,’ e ‘(…) 75 barcos – 27 motorizados e 48 à vela e a remos,’ em Rabo de Peixe. Em 2008, a Maia ficara ‘reduzida a três embarcações pequenas de boca aberta, que são tripuladas por cerca de uma dúzia de pescadores que pescam peixe de fundo nos pesqueiros mais próximos.’ Quando acabou a pesca profissional na Maia? ‘O último pescador com barco a sério e com companhia foi o do meu sogro que faleceu há seis ou sete anos. Depois veio um rapaz de Rabo de Peixe (que já morreu) que era só ele no barco. Não deu certo.’ Porque acabou? ‘Principalmente devido ao porto não apresentar condições de operacionalidade e protecção principalmente de inverno. A ondulação ultrapassa facilmente a baixa de pedra que protege (parcialmente) atingindo a rampa de varagem (a qual também não é das melhores), reduzindo a operacionalidade.’ Só por isso? Não creio. O chicharro (desde há muito) vinha de Água Retorta (e de outros partes). Rabo de Peixe (principalmente) ficava próximo dos maiores núcleos populacionais da Ilha. Com acesso fácil por terra ao mar do Sul (quando o mar do Norte não permitia).

E banhos no Calhau da Areia? A ida a banhos de água salgada (em detrimento dos termais) entra muito lentamente nos usos da Ilha a partir do terceiro quartel do século XIX. Ganharia força nas décadas de 50 do século XX por diante. Mais ano menos ano, a Maia não fugirá (em muito) a este cenário. Para a década de cinquenta, Luísa Ramalho, uma das (raras) mulheres que frequentavam o Calhau da Areia em plena luz do dia, relembra: ‘Durante a semana, ia mais umas amigas e primas. Duas primas tinham montado duas barracas de lona às riscas. Iam lá os seminaristas e os estudantes em férias. Aos Domingos de Verão, os homens iam tomar banho nus ou em cuecas transparentes. As mulheres nem se atreviam a lá ir. Havia um ritual: nadar até à pedrinha, era o primeiro passo, depois era ir até à Baixa e por fim dar um mergulho do Piloto.’ Para a década seguinte e seguintes, Roberto Rodrigues (filho da terra), diz outro tanto.

Mas aquilo ali não é (nem nunca foi) só o que se vê da Trincheira ou do lado de lá da baixa, avisa Roberto Rodrigues: ‘A Baixa, no Calhau da Areia, é um lugar mítico. É o destino final de qualquer aprendiz de nadador, depois de ultrapassadas várias outras etapas intermédias: o “Possinzinho”, o “Possão Grande”, a “Pedrinha”e a “Corrente”. Só depois e finalmente vem a “Baixa.” Ir a nadar até à Baixa, sem ajudas e sem paragens intermédias, é como que a obtenção do diploma de nadador. Quem vai e volta da Baixa é um nadador certificado e capaz de todos os desafios (…).’ Os bodyboarders da Maia? O bodyboard (a sério) começou com a aposta de Eduardo Almeida no Serginho: ‘Iniciei contactos, promovi baptismos, comprei primeiro 15 pranchas baratas e depois 10 para os jovens as comprarem pelo preço do custo e a prestações. O Miguel deu aulas a um preço simbólico. A alguns até deu de graça. Além disso, estava disponível e dava-se bem com os miúdos.’ O que diz Miguel Feleja (um dos miúdos que mais longe foi na competição)? ‘Sem ele, talvez o desporto na freguesia não tivesse chegado tão longe. Costumava acampar na canada e, por vezes, dormia dentro do seu velho VW preto. Por vezes, alguns miúdos nem comiam para estar junto do mestre. Outros, traziam-lhe comida: queijo fresco, pão caseiro quentinho. Tudo servia para tentar que o ídolo ficasse mais tempo e pudesse partilhar as suas experiências com todos.’ Que balanço faz o Serginho da sua acção? ‘Tentei dinamizar. Formar miúdos. Levá-los à competição. Levei o Miguel Feleja ao continente e estava de olho no Pedro Pereira. Não houve apoios oficiais. Não havia visão. Aliás, depois de mim, não há bodyboard de formação na Ilha.’ Balanço geral? A onda da Maia continua a ser muito procurada pelos de fora, contudo, da Maia, apenas três continuam (de forma mais ou menos regular) a praticar: Miguel, Pedro e Furtado (mas deixaram de competir). Na ilha, para além dos que o fazem por recreação, há somente dois (mas excelentes) bodyboarders de competição: Miguel Rijo e Pedro Correia (patrocinados – em parte -, pelo Ricardo Moura que apesar de ter trocado o bodyboard pelos motores não esquece as origens). Isso (pequena nota histórica) quando os primeiros bodyboarders da ilha (conforme tese de Pedro Arruda, à qual ele pertence) haviam começado na década de oitenta na Praia das Milícias. E logo (logo) procurando outras ondas à volta da Ilha, chegam aos areais da Ribeira Grande, à onda de Rabo de Peixe e à de Santa Iria. Aqui acrescento (porque vi) que em Junho de 1983 o Pipoca e o Tiaguinho já o faziam na onda do Castelo (na Ribeira Grande que iria à vida em 2003-5).

Sem virar a cara ou carregar nas tintas, só os cegos negarão que a água da baía (como a da Ilha inteira) está (frequentemente) doente. Sem tirar os musgos do grupo dos suspeitos, considerados (este ano) culpados, ali, quando chove ‘a ribeira da Lajinha arrasta tudo das vacas e dos pastos e chega aqui.’ Além disso, ‘aqui ao lado – vai para anos – a ETAR está avariada e tudo das casas chega ao mar [Trata-se não da ETAR mas da Estação elevatória 2].’ Daí que na Maia, os Frades (piscinas naturais ali ao lado) tenham bandeira Azul (sinal de excelência) e o Calhau da Areia esteja vedado a banhos (sinal de desgraça). Sem ser ingénuo ou néscio, digo assim: se cada um cumprisse o seu dever de cidadania e se quem nos representa passasse da realidade/virtual das palavras (para União Europeia ler) à realidade concreta da vida, haveria motivos para ter esperança. Li (com um pé atrás) que se irá (através da formação) ‘assegurar a transição para fileiras agrícolas mais sustentáveis.’ Esse é o caminho certo, até porque os ‘Açores têm a certificação Ouro como Destino Sustentável.’ E (quanto ao futuro do bodyboard), haverá esperança, se alguém der nova força à modalidade na Maia. Valerá a pena.

Trincheira, Maia (Concelho da Ribeira Grande)

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 06/11/2024
Reeditado em 07/11/2024
Código do texto: T8190591
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