Ideal Águia Memórias da bola (uma achega)

Mário Moura

Ideal

Águia

Memórias da bola

(uma achega)

2009

Ribeira Grande

FICHA TÉCNICA

Texto: Mário Moura

(Este trabalho, agora refundido e ampliado, foi inicialmente apresentado em 1996 no Museu da Ribeira Grande – e, sob outra forma, publicado no jornal Estrela Oriental em 2001)

Pesquisa: Mário Fernando Oliveira Moura

Fotografia: Mário Moura

Capa: Francisco Veloso

Digitalização: Mário Moura, Marília Dias, Rafaela Cardoso, Carlos Arruda

Revisão do texto: Marília Dias

Revisão de transcrições: Mário Moura

Dedico este trabalho a Álvaro dos Santos Raposo Moura e a Mário Raposo Moura: irmãos, compadres e rivais.

O primeiro, meu pai, deu tudo o que tinha pelo seu Ideal, o segundo, irmão de meu pai e meu padrinho, que me deu o nome, foi mais de uma década presidente do Águia.

Quero ainda dedicá-lo às duas tias que me ajudaram a criar, felizmente ainda vivas, irmãs de meu pai e de meu padrinho, uma do Águia, a tia Natália, a viver na Ribeira Grande, a outra suponho que do Ideal, a viver em Bristol, Rhode Island, a tia Fernanda.

Índice

Introdução

Capítulo I

Futebol em São Miguel I

Em busca dos primórdios

Quando se iniciou a prática do Futebol na Ilha de São Miguel?

Onde terá ocorrido a primeira partida de Futebol?

Como terá o futebol surgido na Ilha?

Os vermelhos e os azuis, primeiro torneio local e encontro internacional

Os vermelhos e os azuis, primeiro torneio local e encontro internacional

Quem dinamizou o futebol na Ribeira Grande e de onde veio a bola?

Quem terão sido os primeiros atletas ribeiragrandenses?

As primeiras equipas ribeiragrandenses: os Amarelos e os Verdes

Primeira saída: derrota em Ponta Delgada

Exibição pública na Ribeira Grande, entre um grupo local e outro de Ponta Delgada, para fins caritativos

Capítulo II

Em busca do futebol II

Ribeira Grande: grupos sem nome

Capítulo III

Gaspar Frutuoso Foot-ball Club ou

Os Gasparinhos

Açor Foot-ball Club

A Fundação do Praia Sport Club Praia

Praia Sport Club: entrada na Associação de Futebol de São Miguel: 1923/24

Praia Sport Club: fracasso na Associação de Futebol de São Miguel: 1924

Capítulo IV

Águia Sport Club

Maio de 1924: a fusão do Açor e do Praia leva ao nascimento do Águia Sport Club

II participação na Associação de Futebol de Ponta Delgada: Renascimento do Águia

Participação na Liga Desportiva Micaelense

De novo na Associação de Futebol de S. Miguel: Pátria Foot-ball Club da Ribeira Grande

De novo o Águia: 1932

Participação no I Campeonato de Vilas e Aldeias

Campeonato mais de perto

Campeonato mais de perto

Águia: reabre em 1961

Mudança de nome: Benfica Águia Sport: 1963

Artista Sport Club: nascimento

Oriental

Capítulo V

Protagonistas da Liga Desportiva Ribeiragrandense

União Sport Estrela

Grupo Desportivo da Fábrica da Ribeirinha

União Ribeira grandense

Fio condutor

Capítulo VI

Rivalidades & Rivalidades

Em busca do Ideal I

Nascimento: ‘o Ideal Velho’

Adenda: achega ao nascimento do Ideal

A origem na memória

Perfil

Hermano Ferreira Grota

Diálogos: Hermano Ferreira Grota, José da Silva Tavares e Manuel do Rego

Capítulo VII

Em busca do Ideal II: a memória escrita

Do renascimento à fusão: ‘Ideal Novo’

Fracasso do Ideal Velho

Fracasso da Liga Desportiva

Ribeira-grandense

Necessidade de um campo decente: o Estádio do Rosário

Crónica da inauguração do ‘Estádio do Rosário’

Fracasso do Estádio do Rosário

Renascimento: Ideal Novo

De novo o desejo de um campo decente: Campo de Jogos Municipal

O António ‘Buraca’ do Ideal

Capítulo VIII

Em busca do Ideal II: a memória oral

Renascimento: ‘Ideal Novo’

Introdução

Diálogos: versões

Capítulo IX

Oficialização do Ideal e do Águia: gémeos rivais

A Fusão dos gémeos rivais: em busca de melhores perspectivas

Fio condutor

Capítulo X

Futebol Clube da Ribeira Grande (1956-1961): A História de uma desilusão

Em busca do Águia e do Ideal III: a memória escrita

Porquê juntar os trapinhos?

Preparativos: Fusão e criação

do novo clube

Preparativos: processo de

legalização do clube

Legalização do clube nas instâncias competentes: início de actividade

Início da competição oficial:

II Divisão da AFPD

Canto do Cisne

Últimos momentos de vida

Capítulo XI

De novo separados: cada um para seu lado

Fim do sonho e reaparecimento

do Águia e do Ideal

Porquê o fim? ‘Casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’

José Furtado Cabral

José Correia do Águia

Em busca do Águia e do Ideal III: memória oral

Futebol Clube da Ribeira Grande (1956-1961): A História de uma desilusão

Edmundo Manuel Pacheco

Álvaro dos Santos Raposo Moura

Viriato Tavares Moreira

Manuel Borges Garcia

Manuel Carreiro Moniz

João Manuel Pacheco Alves

Armindo Moreira da Silva

Fernando Torres Santos

APÊNDICE DOCUMENTAL

Introdução

O futebol principiou a ser jogado na ilha de São Miguel em Ponta Delgada por estudantes à margem das escolas. Eram rapazes oriundos das classes altas e médias. Só uma década mais tarde é que algumas escolas aceitaram o futebol. Jogar à bola era uma ocupação mal vista por pais e professores. Nem os jornais davam atenção ao novo desporto. O Diário dos Açores foi o primeiro e o único durante algum tempo a acreditar nas virtudes do novo desporto.

O futebol terá sido jogado pela primeira vez em 1895 por um grupo de alunos do Instituto Fisher nas pedreiras da doca artificial de Ponta Delgada. Haviam pedido ao padre James, seu professor, que lhes mandasse vir uma bola de Inglaterra. O padre James, que sabia jogar futebol, talvez para não afrontar o Instituto, ter-se-á então limitado a mandar vir a bola de Inglaterra.

Do grupo, fazia parte António Ayalla, cujo pai era o engenheiro Kopke da doca. O engenheiro Kopke, ao contrário de outros pais, não terá visto grande mal no futebol, e permitiu que os rapazes utilizassem aquele espaço. Seriam rapazes que andariam à volta dos dez, onze, doze a treze anos. Jogavam pelo puro prazer do jogo, à margem do Instituto Fisher.

Eram não só de Ponta Delgada, havia também rapazes de outras ilhas, por exemplo do Faial, e de outras partes da ilha, como da Ribeira Grande, talvez do Nordeste e de Vila Franca do Campo. Só para falar dos que reconhecemos. Iam jogar às pedreiras da doca às quintas e aos domingos.

Num segundo momento, dois anos depois do primeiro, é Ayalla quem nos diz, apareceu outro grupo. Já não era constituído por rapazes em idade dos dez aos doze, treze anos, em que muitos eram de fora de Ponta Delgada, mas era agora composto na sua maioria por rapazes da elite local de Ponta Delgada um pouco mais velhos, dos quinze, dezasseis e dezassete anos. Mas também lá havia, meses depois, pelo menos um jogador da Ribeira Grande e outros de fora de Ponta Delgada.

Uns haviam regressado dos seus estudos em Inglaterra, outros ainda por lá andavam, outros faziam tenção de para lá irem. Não se limitaram a pedir uma bola ao padre James, pediram-lhe também que os orientassem. Desta vez, talvez porque Aires Jácome Correia tivesse mais peso do que o filho do engenheiro Kopke, talvez ainda pelo facto de se tratar de um grupo mais crescido, já todos adolescentes, ou porque o padre James estaria menos ocupado, ou porque haviam outros ingleses com que podia contar para o auxiliarem, o padre James não se limitou a arranjar a bola. Aceitou e trouxe consigo para o projecto um outro inglês. Deste grupo, fazia parte o Conde de Jácome Correia e Rolando Viveiros. Terão começado a jogar por volta de 1897. Poré, o Diário dos Açores só começa a dar conta do novo desporto em Junho de 1898.

O padre James, professor do Instituto Fisher e compatriotas seus funcionários do cabo submarino, terão tido a responsabilidade de gizarem o plano de desenvolvimento do novo desporto. São criados os dois primeiros teams da ilha: o azul e branco e o vermelho e branco. Em 1899, na Ribeira Grande, seriam criados os dois primeiros fora de Ponta Delgada: o verde e o amarelo.

Porque se pretendiam teams competitivos, escolhiam-se intervenientes equilibrados, sendo, por este motivo, flexíveis: os atletas mudavam de jogo para jogo, quando não no próprio jogo. Querendo ir mais longe na competição, ainda em 1898, da reunião do Café Teatro saiu a intenção de se fundar um clube. A ideia era estabilizar os teams.

Luís Bernardo Leite de Ataíde, cronista do segundo momento, não valoriza o primeiro, talvez porque considere o segundo como aquele em que verdadeiramente se começou a jogar futebol: com método e regras.

Este segundo grupo, ainda que não fosse levado muito a sério pelos adultos, o jornal Persuasão é exemplo disso, Francisco Maria Supico referiu-se em tom jocoso às suas actividades como coisas da juventude, consegue atrair o interesse do Diário dos Açores. Sem conhecer por que razão terá o Diário dos Açores achado interessante, não resisto a pensar que tal interesse possa ter algo a ver com o estatuto social de Aires Jácome Correia. Mas poderia ter sido porque pretendia atingir um público diferente da concorrência.

Fazendo o balanço à acção destes grupos, pode bem dizer-se que abriu os alicerces onde se ergueria o edifício do novo desporto: organizou e divulgou o futebol em Ponta Delgada e na Ribeira Grande. Lançou as sementes que iriam germinar nas duas décadas seguintes.

Ara exemplificá-lo, veja-se. Por acção de um destes antigos rapazes do segundo momento, deveria estar na casa dos trinta, Rolando de Viveiros, que estudara em Inglaterra, surge em 1923 a Associação de Futebol de São Miguel.

Em 1924, por iniciativa de outro rapaz, mas do primeiro momento, António Kopke Ayala, também na casa dos trinta, surge O Sport dos Açores, jornal semanário dedicado ao desporto.

Entretanto, o exemplo do modelo de clube lançado pelos do segundo momento ainda em 1899, produz os seus continuados frutos nos finais da década de dez. Mas, sobretudo nas duas seguintes.

Porém, há muito por investigar na década seguinte, pelo que temos que ser prudentes nas afirmações.

A Ribeira Grande segue o exemplo. Criam-se em 1923, creio que para competir na nova Associação de Futebol de São Miguel, o Açor e o Gaspar Frutuoso. Porém, só o Praia, que se forma do Açor, a Ribeira Grande entra na Associação. Sobrevive pouco tempo, e aparece o Águia. No final da década, mantém-se o Águia, e surgem o Artista e o Estrela.

Mas ainda que queira descobrir os primórdios do futebol na Ilha de São Miguel, faço-o para compreender o interesse central deste trabalho: conhecer o nascimento e os primeiros passos do Ideal Velho. Iremos segui-lo até à reabertura do chamado Ideal Novo em 1941.

A História do Ideal deve ser entendida de maneiras tais que se consiga perceber De que falámos?

Quando foi fundado o Ideal? Antes de respondermos à pergunta, precisamos de saber de que falámos. Não se conhece nenhuma acta, ou algo que se aproxime de uma acta, em que os fundadores houvessem registado o acto e as circunstâncias da fundação, nem alvará do Governo Civil ou de outro organismo, concedendo vida legal à nova equipa, ou estatuto aprovado, que confirmasse a sua existência jurídica. Não se trata, por conseguinte, no caso do Ideal, como da maioria dos clubes de então, de uma fundação reconhecida oficialmente.

Neste caso, o Ideal, só teria tido nascimento oficial na década de trinta, por volta de 21 de Abril de 1933, quando a Liga Desportiva da Ribeira Grande deu conhecimento da sua existência à Associação de Futebol de São Miguel? É possível.

Ou, quando muito, ainda sem estatuto, mas já reconhecido pela Associação de Futebol de Ponta Delgada na década de quarenta. Ou seguindo ainda este mesmo raciocínio, por alturas já do seu primeiro estatuto, algo que viria a suceder já na década de cinquenta ou na de sessenta? Possivelmente.

Não se conhecendo documento oficial fundador, estaremos claramente perante uma fundação espontânea. Uma em que, é licito imaginar, num dado momento, ou em vários momentos, uma ou mais pessoas, manifestou vontade em criar uma nova equipa. Terá sido o caso? É muito provável.

Sabendo mais ou menos como terá nascido, seria bom sabermos quando terá tal acontecido.

Sabendo pormenores que hoje em dia seria bom saber, que se sumiram nas suas memórias gastas de velhos, sem registo escrito, os fundadores, Manuel Costa, Hermano Grota, Manuel do Rego, José Tavares Silva, não imaginando então que viria um dia em que a sua lembrança fresca lhes iria falhar, já com a memória baralhada dos setenta e oitenta anos, devem ter-se arrependido em confiarem à memória a data e as circunstâncias da fundação do seu clube.

Quando nós os confrontámos com as perguntas, para responderem, calcularam o ano da fundação pela idade que no momento de entrevista pensavam ter na altura da fundação. Diziam: haveria de ter para aí. Resultado, outra coisa não seria de esperar: oscilam entre 1930 e 1933.

Aparentemente, já que se diz que teria sido no dia de Nossa Senhora da Estrela, como sendo uma data bem lembrada, seria mais fácil, mas nem assim são unânimes. Hermano Grota, que, por evidentes lapsos de memória, entra várias vezes em contradição, parece ser o único que diz que talvez tenha sido. Nenhum deles, porém o confirma sem ambiguidades: um fá-lo com hesitação os outros nem se lembram.

Ao respondermos à pergunta de quando nasceu o Ideal, estamos, quase sempre, a referir a sua fundação espontânea. Entre esta e o nascimento oficial, terão decorrido apenas meses ou alguns anos. Considerando só a espontânea, ainda assim, teremos de distinguir dois momentos iniciais: um antes do convite feito pelo grupo de jovens fundadores ao Sr. Gildo Paiva, o grupo inicial era constituído por adolescentes de Santo André, e outro, já com o grupo revigorado com novas aderências dirigido por Gildo Paiva.

Portanto, o período do Ideal Velho, como se referem os Idealistas mais velhos ao período que decorre da fundação até cerca de 1934, tem de ser subdividido como anteriormente se propôs: em um momento antes e outro já com o Sr. Gildo Paiva.

Pela mesma ordem de ideias, importará saber se, da fundação espontânea do Ideal até hoje, em rigor, estaremos perante um só ou vários Ideal. De acordo com o estipulado actualmente pela lei, sempre que uma instituição mude de nome, e o Ideal mudou reconhecidamente três vezes de nome, à face da lei, morre a velha instituição e nasce uma nova.

O Ideal aparece na década de trinta com o nome Ideal Sport Club, na de quarenta, com o de Ideal Futebol Clube, e na de sessenta, como Sporting Clube Ideal. Entre 1956 e 1961, sensivelmente, deixa de existir por completo e com o Águia, que também se extinguira, passa a ser o Futebol Clube da Ribeira Grande. Terá estado também fechado algum tempo entre os meados da década de trinta e o início da década de quarenta, ou seja entre o Ideal Novo e o Ideal Velho. Nestas circunstâncias, estaremos a falar de um único e mesmo Ideal? Em face da lei do país, não, em face do coração dos Idealistas, sem dúvida.

Portanto, antes de entrarmos na discussão da origem do Ideal, há que ter em conta que, apesar de, em face da lei, não ter havido um só Ideal, para o Idealista, sempre existiu apenas um Ideal.

Apesar de tudo, porque para as agremiações desportivas a lei do coração é superior à lei geral, vamos, pois, tratar aqui da fundação espontânea e de um único e mesmo Ideal.

O Ideal foi criado por Manuel da Costa, Manuel do Rego, Hermano Rego, José Leite, José Tavares Silva, jovens aprendizes de sapateiro, de ferreiro e de marceneiro quase todos da rua Direita de Santo André. Desejando um melhor futuro para o seu Ideal, tiveram a sorte de pedir ajuda a dois empregados de comércio, um na Cascata, o outro, defronte do Jardim, e, provavelmente ainda neste momento, a um cabo de cantoneiro, cunhado de um deles.

Por uma série de golpes que o acaso é por vezes fértil, alguém trouxe um equipamento verde e branco da América, e o Ideal, que até aí usava camisas de meia brancas, passou a ser verde e branco. Por outras razões favoráveis, pelo vazio deixado por outras equipas da freguesia, Estrela e Artista, pela habilidade e vontade de ascensão social dos dirigentes, tornou-se na equipa da Matriz que fazia frente ao Águia, a equipa da Conceição. Sem a rivalidade com o Águia o Ideal não teria chegado a ser o que é: um clube da Ribeira Grande.

A partir de Junho, Julho de 1930, deixamos de ler notícias nos jornais de grupos de futebol da Ribeira Grande, situação que se manterá até Outubro de 1932, data a partir da qual surgem notícias de confrontos que terminam, em regra, em touradas. O Ideal terá surgido certamente neste período de tempo.

Já se jogava à bola na vila há mais de três décadas, o exercício inaugural foi a 6 de Janeiro de 1899, o novo desporto havia-se enraizado. Jogava-se em todo o lado, nas ruas, nos largos, nas praias. Sem campeonato na Liga ou na Associação de Ponta Delgada, tendo desaparecido o Estrela e o Artista, o grupo de rapazes escolheu o Sr. Gildo Paiva para os organizar. Que qualidades viram nele? Por ser mais alguém velho de confiança? Por o acharem competente? Teria tido experiência antes directa ou indirectamente no Artista? O patrão Aires Teixeira fora seu presidente. A mercearia do Sr. Aires Teixeira, no canto da Cascata, onde Gildo Paiva trabalhava, ficava na rua do Ideal. Fosse porque razões fossem, conseguiram aproveitar o vazio: a crise transformou-se em crescimento.

E é tanto mais intrigante, se pensarmos porque terá o Ideal sobrevivido e crescido e o Artista e o Estrela desaparecido. Ou porque desapareceram grupos como Beira-Mar ou o Lusitânia que nos chegaram pela memória oral e o Ideal ficou. Ou outros que nem sequer chegaram até porque não tiveram quem falasse deles?

Para tentara apreender a sequência do aparecimento do Ideal, creio ser útil usarmos uma proposta de arrumação funcional dos dados que temos.

Um proto-Ideal: Sem nome, nem intenção de vir a sê-lo, sem equipamentos a não ser as roupas que usavam, usando bolas rudimentares, descalços, começaram a jogar juntos no largo de Santo André aos 10, 11 anos de idade. Com esta idade veriam aos Domingos no campo das reses jogar o Açor, depois o Praia e o Águia, mais tarde terão acompanhado o Artista e o Estrela.

Eram todos, menos um, José Tavares que veio depois, da rua direita de Santo André e andaram juntos na escola do professor Laurindo de Melo Garcia. A escola ficava na rua ao lado e o professor morava na sua deles.

A julgar pelas idades que dizem ter na altura, este proto-Ideal teria existido entre 1925 e 1930.

Ideal: Os rapazes mais crescidos, aproveitando a crise do futebol a partir de Junho/Julho de 1930, já rapazolas, decidiram criar um grupo a que deram o nome de Ideal. Arranjaram uma sede. Jogavam com camisas brancas.

Será por esta altura, Hermano Grota alega não ter bem 16 anos (nasceu em Junho de 1914), portanto, em 1930 ou já em 1931, ter-se-á dado o primeiro jogo do Ideal com o Águia que terminou na pesada derrota por 7 a 1. O mesmo disse Manuel do Rego, que, foi proibido pelo pai de jogar.

Aos quinze, dezasseis anos, no período de crise do futebol na vila, um período de recomposição de equipas na terra, desaparecera o Artista e o Estrela, cresceram na sua ambição. Tiveram a ousadia de desafiarem o Águia, o vice-campeão do I Campeonato de Vilas e Aldeias, e apesar de perderem, ganharam aprendendo com os erros.

Não desistiram, pediram a desforra, que tendo sido no Domingo seguinte, foi interrompida quando ganhavam o Águia por 2 a 1. Pelos vistos, corrigiram erros.

Os fundadores do Ideal, morando quase todos na mesma rua, eram pela mesma idade, haviam sido alunos do professor Laurindo de Melo Garcia, vizinho de rua, e feito a catequese e o crisma com o Sr. Prior Evaristo Carreiro Gouveia.

Ideal organizado: Antes de Janeiro de 1933. Compraram os equipamentos verdes e branco. Contrataram directores e treinadores. Entram na Liga da Ribeira Grande. Outro mistério: porque será que havendo outras equipas na vila, foram eles os escolhidos para inaugurar o Estádio do Rosário?

Por terem já uma boa equipa? Por lhes haver sido reconhecido a qualidade de equipa da Matriz? Não se sabe.

Aos directores, chamemos assim os que eles foram convidar para os organizar, eram mais velhos: Gildo Paiva era quatro anos mais velho do que Hermano Grota e cinco do que Manuel da Costa, trabalhava ao balcão da mercearia do sr. Américo Aires Teixeira. Era filho da freguesia, o patrão fora presidente do Estrela, se calhar seguira o patrão enquanto presidente daquele clube.

Conhecia bem a freguesia e área, e, pelos vistos, foi escolhido como sendo a pessoa ideal para renovar a organização do clube. Era uma pessoa metódica, prudente e organizada.

Arsénio Bravo era três anos mais velho do que Gildo, trabalhava numa outra mercearia, que ficava defronte do Jardim Municipal, e fora dirigente do Estrela. Era impulsivo e combativo. Tais traços do seu carácter levá-lo-iam a entrar em finais de 1933 em conflito com a Liga Desportiva da Ribeira Grande e os proprietários do Estádio do Rosário, facto que ocasionaria a sua demissão em janeiro de 1934.

Manuel de Sousa Pereira, cunhado de Gildo, era o mais velho dos três. Nascera em 1902, estava já na casa dos trinta. Nascera na humilde Cova do Milho. Vindo da direcção do Águia, era um homem esperto ao ponto de conseguir aliciar jogadores da sua antiga equipa para a sua nova, o que fez com que O Ideal batesse o pé ao Águia.

Em comum, os fundadores do clube e os dirigentes que deram o impulso decisivo, tinham o facto de serem naturais e residentes na Matriz, de frequentarem a igreja Matriz e andarem muito perto uns dos outros.

Os seus fundadores, querendo ter por lema o ideal desportivo, baptizaram-no de Ideal Sport Club, passando em 1963, a pedido dos sócios, a Sporting Clube Ideal, mas toda a gente o conhece simplesmente por Ideal da Ribeira Grande.

Hoje em dia, é o único clube em actividade na cidade da Ribeira Grande, é o terceiro clube activo mais antigo inscrito na Associação de Futebol de Ponta Delgada, conquistou no dia 7 de Abril de 2002 o seu quinto campeonato de seniores da I divisão, por isso teve pela segunda vez direito a participar na III Divisão, série Açores.

Quando se iniciou a prática do Futebol em Portugal?

‘O futebol entra em contacto com o povo português, após ter sido codificado e disciplinado em Inglaterra, em 1863, no último quartel do século XIX, sendo que o primeiro local onde se disputou um jogo desta modalidade em território luso nos ofereça dúvidas. Oficialmente, considera-se o ano de 1888 como o primeiro em que se jogou futebol em Portugal, em Cascais, tendo como organizadores os irmãos Pinto Basto (Guilherme e Eduardo). Estes, ao terminarem os seus estudos em Inglaterra, trazem na bagagem uma bola do jogo da moda no Reino Unido e fazem-na rolar com mais uns amigos na Parada de Cascais, no final de 1888. Este jogo, por não ter obedecido a todos os preceitos que um desafio de futebol tem de satisfazer (não foi praticado num campo com as medidas regulamentares, existiam jogadores que não tinham conhecimento total das regras, não houve uma rigorosa aplicação das mesmas ao longo do tempo de jogo que por sua vez não deve ter sido regulamentar, etc.), pode ser considerado como um jogo de futebol espontâneo.

Por seu turno, em Janeiro do ano seguinte disputa-se, aquele que podemos considerar como o primeiro jogo de futebol organizado em território nacional. Neste repto, um grupo de portugueses da alta roda social lisboeta, liderado pela família Pinto Basto, defronta um grupo de ingleses do Cabo Submarino de Carcavelos (…) Todavia, apesar de 1888 ser a data que as autoridades do futebol consideram como oficial do primeiro jogo em Portugal, existem fortes indícios de a primeira partida em solo português ter sido disputada, em 1875, na Camacha, tendo como organizador um inglês que morava na madeira, de nome Harry Hinton. Este juntara os amigos para um jogo de foot-ball, sendo possível que o mesmo tenha sido disputado por ingleses e por portugueses.

Neste sentido, em rigor, podemos concluir que: o primeiro jogo organizado obedecendo a todos os preceitos e normas de um encontro de futebol foi o de 1889, no Campo Pequeno; o primeiro jogo de (ainda de forma espontânea) em Portugal continental foi, provavelmente, o de Cascais em 1988, sendo que o primeiro jogo em território português foi, muito verosimilmente, o da Camacha, no ano de 1875.

Por esta altura, o desporto, de acordo com o conceito moderno do termo – de actividade e educação física -, era parcamente praticado em terras lusas, sendo exercitado unicamente pelas classes mais abastadas. A concepção do desporto sofre, ao longo do século XIX, uma profunda metamorfose em toda a Europa, pois passa-se, gradualmente, de um desporto rudimentar, tradicional, secular (de caça e de guerra, ligado a actividades nobres e aristocráticas onde despontam desportos como o tiro, a esgrima, entre outros), para um desporto de educação física, de cultivo do corpo, mais consonante com a democratização que as sociedades estavam a sofrer. Destacam-se o ciclismo, o futebol, o hipismo, o pedestrianismo e o ténis como desportos mais praticados, sendo o primeiro, durante alguns anos, o desporto-rei entre as massas populares portuguesas.’

Serrado, Ricardo, O Jogo de Salazar: a Política e o Futebol no Estado Novo, Casa das Letras, 2009, pp. 39-41

Capítulo I

Futebol em São Miguel I

Em busca dos primórdios

Quando se iniciou exactamente a prática do futebol na Ilha de São Miguel?

Terá sido em 1895, como afirmou sem hesitar em 1924 António de Barboza Kopke Ayalla?

Assim: ‘Em 1895 um grupo de alunos do Instituto Fisher [ ] então existente em Ponta Delgada mandou vir de Inglaterra por intermedio do seu ilustre professor Mr. James a primeira bola que veio para S. Miguel.’

Ou à volta de 1897, como avançou hesitantemente Luís Bernardo Leite de Ataíde em 1949?

Diz assim: ‘Foi aí por 1897, salvo erro, que se jogou pela primeira vez o foot-ball em São Miguel (…).’

Kopke Ayalla, já director do jornal o Sport dos Açores, ocupando toda a primeira página do número 8, em os Elementos para a história de foot-ball em S. Miguel, afirma que:

‘(…) Nesse ano [de 1895] e seguinte esse grupo iniciou varias partidas d’esse jogo nas pedreiras do porto artificial da mesma cidade.’

A ter em consideração Kopke Ayalla, 1895 terá sido o ano do primeiro momento do futebol na ilha. O local escolhido dever-se-ia ao facto de o pai ser o ‘engenheiro da doca.’ Como ainda é conhecido.

No mesmo trabalho, mas um pouco mais adiante, sem adiantar datas, reconhece a existência de um segundo momento.

Conta-o desta maneira: ‘Depois outros grupos se formaram (…).’ E, tendo referido as circunstâncias do aparecimento do seu grupo, refere as do grupo seguinte: ‘(…)por iniciativa de Mr. Darlimp, Eduardo Severim [oriundo dos Fenais da Luz que estivera no primeiro momento], Guilherme Leite Machado de Faria e Maia, Aires Jácome Correia e outros micaelenses entusiastas sportistas (…).’

Não nos explica, porém, a razão porque haveria apenas um dos elementos do primeiro grupo de integrar o segundo, no entanto, talvez se deva a factores de geração e de amizades distintas.

Ao contrário do que sucedera com o primeiro grupo, formado por rapazes de onze, doze e treze anos, sem sentido de futuro, o segundo, mais velho, soube perpetuar-se: ‘(…)existindo ainda interessantes photographias désses grupos que seguiram o exemplo d’aquelle excellemte professor que tão predoraveis recordações deixou em São Miguel (…).’

Talvez a data do aparecimento destes grupos a que Ayalla alude para o segundo momento, encaixe no foi por aí em 1897, salvo erro, referido por Leite de Ataíde, half back dos azuis. Se essa interpretação se sustiver, torna-se consistente a hipótese de um segundo momento na introdução do futebol.

Como surgiu ele [futebol] n’estas paragens? Leite de Ataíde responde à pergunta da seguinte maneira:

‘(…) alguns rapazes vindos de Inglaterra, onde haviam ido estudar, ou andavam a tirar cursos, propuseram-se a chutar à baliza da mornaça indígena (…) puseram-se à disposição de alguns súbditos ingleses aqui residentes os senhores Padre Jayme e Dalrimple, o entusiasta pelo foot-ball que julgo ter sido o iniciador deste sport nos Açores(…).’

Postas as duas versões em confronto, pode assumir-se que, enquanto Ayalla legitima um primeiro momento anterior a 1897 sem deixar de reconhecer um segundo depois daquela data, Leite de Ataíde só reconhece o segundo e ignora o primeiro.

Por que razão o terá feito? Seria pelo facto de pensar que era algo cuja existência se ficara a dever à imaginação de Kopke Ayalla? Não creio. Se assim fosse, de 1924 a 1949, haveria, porventura, quem houvesse corrigido o delírio de Ayalla. Aliás, Ayalla, logo no número seguinte do Sport dos Açores, veio emendar uma troca de fotografias do número anterior. Já envolvido na pesquisa histórica e antropológica, talvez até tenha sido Leite de Ataíde quem chamou a atenção de Ayalla para o erro.

Ou será, antes, que Leite de Ataíde considerava este momento irrelevante para a história do futebol na ilha? Tratar-se-ia, em seu entender, de uma coisa de miúdos da instrução primária, como era o caso dos alunos do Instituto Fisher? É provável.

Por conseguinte, pensaria que a verdadeira introdução do futebol se ficara a dever não ao primeiro mas ao segundo momento? Creio que sim. Partindo do critério de que para haver futebol haveria que haver regras e método, Leite de Ataíde não reconhece o período de Ayalla.

Fica-se com esta ideia ao seguir a notícia do primeiro exercício de futebol praticado no dia 6 de Janeiro de 1899 na Ribeira Grande.

Ainda que remota, há ainda a considerar, que esta ignorância deveria ao facto de não ter tido conhecimento dos jogos na pedreira da doca? Se fosse por ignorância, o argumento não serviria para negar o primeiro momento. Aliás, até poderia servir para admitir a possibilidade de terem existido outros momentos anteriores a 1895. Assim sendo, esta história seria outra.

Não teria sido em 1895 nem sequer em 1897 mas em Julho de 1898? Tanto poderá ser como não, faltam-nos provas importantes, em todo o caso, data de Julho de 1898 a primeira notícia conhecida de um jogo de futebol na ilha: vem no Diário dos Açores de 22 de Julho.

A notícia talvez se explique de duas maneiras, uma, como estratégia dos sportsmen para utilizarem a imprensa a seu favor, outra, como estratégia do próprio jornal, no sentido de procurar alcançar novos públicos.

Seja porque razão for, a partir daí, até nova descoberta, interessando ao jornal e aos sportsmen, começam a surgir regularmente notícias sobre o futebol. Pouco depois, já no número de Outubro, aparece mesmo uma primeira crónica de peripécias do jogo.

Contava-se exactamente deste modo: ‘Ontem de tarde, em S. Gonçalo, jogou-se muito animadamente o foot-ball ao qual assistiram muitos espectadores, entre os quais se viam algumas senhoras. Jogaram dois grupos de dez jogadores cada um, sendo capitães os srs. Alfredo Augusto Pinto e James Dalrymple. O resultado foi egual para ambos.’

A julgar pelo tom de corriqueira normalidade usado pelo cronista, fica-se com a ideia de que o futebol já era praticado há algum tempo. O que também vem dar força à data adiantada por Leite de Ataíde: ‘foi aí por 1897, salvo erro.’ Apontará, assim, para alguns meses antes, ainda no ano de 1898, ou até já em 1897. Em ambas as circunstâncias, parecendo dar razão à data lançada por Leite de Ataíde.

Muito embora, os únicos intervenientes dos primeiros passos do futebol na ilha a publicarem memórias, Kopke Ayalla, em 1924, e Leite de Ataíde, em 1949, indiquem 1895 ou 1897, as primeiras notícias de partidas de futebol de que há registo apenas surgem na imprensa de Ponta Delgada a partir de Julho de 1898. É um ponto assente, como já foi referido.

Mas, será que Ayalla e Leite de Ataíde se lembravam bem das datas dos factos? Leite de Ataíde confessa sinceramente que não, acabando, no entanto, por propor uma data que nos parece bastante aproximada. Ayalla parece não ter dúvidas, e, no entanto, não temos forma de o confirmar.

Mas, ainda que tenham acertado em cheio na data ou ficado por lá perto, levanta-se ainda outra questão: haverá forma de saber se terão esquecido momentos anteriores? Uma coisa é certa, se a versão de Ayalla estiver correcta, Leite de Ataíde esqueceu-se de dar conta de factos anteriores.

É bom não esquecer que o simples facto de a memória oral, passada a papel vinte e nove e cinquenta e um anos depois do acontecimento, hesitar entre o ano de 1895 e o de 1897 e só em 1898 a imprensa ter dado notícias do novo desporto, nos permite legitimamente lançar a hipótese de que o futebol possa ter sido jogado na ilha antes mesmo de 1895 ou de 1897.

Uns amigos à volta de uma bola improvisada em algum ponto da ilha? É possível. Mas, como confirmá-lo?

Seria admissível pensar que, apesar de o futebol ter sido codificado em Inglaterra trinta e dois anos antes, só em 1895 tenha havido um primeiro jogo na ilha de São Miguel? Sendo possível, ainda assim, convenhamos, torna-se difícil de admitir.

Entre 1863 e 1895, houve seguramente açorianos a frequentar colégios ingleses. Instituições escolares onde o futebol era considerado disciplina escolar. Além do mais, existiam em São Miguel famílias inglesas e a Ponta Delgada aportavam barcos vindos de Inglaterra. Ou a partir de 1892, com a abertura do Instituto Fisher, com professores, entre os quais alguns ingleses. Será, pois, pouco provável, apesar de poder ser verdadeiro, que o futebol não tenha sido aqui jogado antes de 1895.

Atente-se na ilha da Madeira. Para aquela ilha, há a notícia confirmada de o futebol haver sido jogado doze anos depois da codificação de 1863. A iniciativa deveu-se a um inglês nascido na Madeira de nome Harry Hinton. Ou mesmo do que se terá passado em Portugal Continental, onde um grupo de marinheiros ingleses terá jogado no Algarve ainda antes da partida nos anos oitenta em Cascais por iniciativa de antigos estudantes portugueses em Inglaterra.

Não será, pois, mais provável, que em São Miguel tenha havido um jogo, ou algo parecido, antes da década de 1895, sem que, no entanto, tal ocorrência tenha merecido o interesse da imprensa local? Creio que sim.

Porém, ainda que a História se construa em torno de conjecturas, não se faz apenas com suposições, para se erguer segura e manter firme precisa de provas consistentes. No caso da História do futebol na ilha, as provas apontam para a década de noventa.

Na Horta, o futebol teria surgido no ano de 1901. Terá sido praticado pela primeira vez no largo de Santa Cruz, naquela cidade, tendo a bola sido trazida, repare-se, por João Silveira Meneses no seu regresso do Instituto Fisher, em Ponta Delgada. Ayalla indica alguns nomes de faialenses para as partidas nas pedreiras da doca. Mas, ao que parece, esta versão não era seguida unanimemente na Horta em 1924.

E na Terceira? Segundo o Dr. Manuel Coelho Baptista de Lima ‘O futebol jogava-se, com certa assiduidade em Angra, desde 1908.’ E nas outras ilhas?

Em que local se terá praticado pela primeira vez futebol em São Miguel?

Num ponto, Ayalla e Leite de Ataíde estão de acordo, foi na cidade de Ponta Delgada. Todavia, há desacordo quanto ao local exacto: para Ayalla foi no ‘campo das pedreiras’ do porto artificial de Ponta Delgada, para Luís Bernardo foi no ‘campo dos Porcos,’ em São Gonçalo.

Ambos têm razões por motivos diferentes: cremos que estejam a referir-se a momentos diferentes. Um, Ayalla, refere-se ao primeiro grupo informal de1895, outro, Leite de Ataíde, ao grupo mais estruturado de perto de 1897. Para facilitar a clareza desta nossa exposição, passa-se a designar o primeiro por grupo Ayalla, seu cronista, e, o segundo, seguindo o mesmo raciocínio, por grupo de Leite de Ataíde. Em traços largos, o primeiro grupo caracterizou-se por juntar amigos e conhecidos em volta de uma bola, apenas pelo prazer do jogo, por isso dispensou os ingleses, o segundo, mais ambicioso e mais velho, quis estruturar o novo desporto, aprendendo a jogar como mandavam as regras e as estratégias de então, por isso contratou os ingleses. Da vontade deste segundo grupo em enraizar na ilha a prática do novo desporto, surgiram duas equipas iniciais e o início da competição a sério.

Como terá o futebol surgido na Ilha?

Antes de mais, convém colocar a questão em seu devido contexto. A partir de determinada altura, encontravam-se reunidos vários factores favoráveis ao desenvolvimento do novo desporto em Ponta Delgada: a chegada de um padre inglês professor do Instituto Fisher, as aulas iniciaram-se na Primavera de 1892, que não só gostava de futebol como o praticava, a chegada de dois funcionários ingleses para a companhia do cabo submarino, Wilkinson e Darlymple, o ano de 1893 assinala a ligação à Horta do primeiro cabo submarino, que também jogavam futebol, alunos açorianos de colégios ingleses, tais como, entre outros o conde Jácome Correia e Rolando Viveiros, ou alunos do Instituto Fisher, tais como, ainda entre outros, Ayalla e Eduardo Severim. Havia muito jovem estudante do Instituto Fisher de fora de Ponta Delgada com muito tempo disponível às quintas e aos Domingos, daí se explica que entre os grupos iniciais se encontrem muitos de fora da ilha e da Ribeira Grande, Vila Franca ou Nordeste. Mas, ainda que tenha sido começado por estudantes, o futebol só foi começado na ilha à sombra das instituições escolares. Veja-se que o padre James só serve em 1895 de intermediário para a vinda da bola e que apenas em 1897/98, avança com outros ingleses.

Não se sabe quem terá dado o primeiro passo, se os da terra, se os de fora dela que aqui residiam, certo e seguro, é que ambos terão desejado jogar futebol. Havia na terra ingleses residentes, que, sabendo jogar futebol, desejavam continuar a praticar aquele desporto na sua terra de adopção, e que, para esse efeito, terão tentado encontrar gente da terra que quisesse jogar com eles. Pelo lado dos da terra, estes terão também procurado os ingleses, para com eles melhorar os seus conhecimentos do novo.

Não teria sido difícil, apesar da resistência paterna e das escolas, certamente o padre James conheceria tanto os patrícios como os da terra, por isso, terá possivelmente servido de ponte entre os dois grupos.

Os locais, alunos do Instituto Fisher em contacto com o padre James, seu professor, em idade de frequentar o ensino elementar, ou seja entre dez, onze e doze, e os que haviam estudado em Inglaterra, cujas idades andariam pelos quinze dezasseis anos, terão desejado o mesmo. Já não eram só os tripulantes de navios que regularmente escalavam o porto de Ponta Delgada, supõe-se, que iam a terra dar uns chutos na bola para desentorpecerem as pernas das longas viagens, enquanto não seguiam viagem, eram também os que aqui residiam.

Depois deste panorama geral, entremos nos pormenores, tais como nos recordam Ayalla e Leite de Ataíde. Enquanto Ayalla atribui a iniciativa a um grupo de estudantes do Instituto Fisher, Leite de Ataíde atribui-a não só a elementos locais, sem mencionar se haviam ou não sido alunos do Instituto Fisher, mas também a actuais, antigos ou futuros estudantes açorianos em Inglaterra, sem referir se haviam ou não sido alunos do mesmo Instituto.

Ayalla: ‘(…) um grupo de alunos do Instituto Fisher (…) mandou vir de Inglaterra por intermédio do seu ilustre professor Mr. James a primeira bola de foot-ball que veio para S. Miguel (…).’

Leite de Ataíde: ‘Alguns rapazes vindos de Inglaterra, onde haviam ido estudar, ou andavam a tirar cursos (…) puseram-se à disposição de alguns súbditos ingleses aqui residentes os senhores padre Jaime e Dalrimple, o entusiasta pelo foot-ball que julgo ter sido o iniciador deste sport nos Açores, e organizaram-se os dois primeiros teams desta Ilha: o azul e branco e o vermelho e branco. Com estes magníficos jogadores e Mr. Wilkinson e os nossos, já passados por Inglaterra, e outros mais que, afeiçoados ao sport, quiseram aprender a jogar, formaram-se estes dois grupos iniciais. O padre Jaime professor do Colégio Fisher, Dalrimple e Wilkinson empregados do Cabo submarino, todos três jogadores de alta categoria, iam ser os treinadores e instrutores, e lá se meteram ombros à obra, e logo se deram os primeiros pontapés na bola que fora trazida de Inglaterra por Dalrimple.’

Poderão tais dados parecer antagónicos só no caso de se ler apressadamente os textos, já que, por uma leitura fina ficamos com a ideia de que Ayalla e Leite de Ataíde se referirem a dois momentos bem distintos: primeiro terá sido o grupo de Ayalla, depois, o de Leite de Ataíde.

Em abono da verdade, do grupo de Ayalla, a julgar pelo rol de nomes registados por ele e por Leite de Ataíde, pelo que pudemos identificar, só Eduardo Severim teria estado em um e em outro dos momentos.

Se restarem dúvidas quanto à plausibilidade desta interpretação, já não nos devem restar quanto ao papel que atribuem ao Padre Jaime, professor do Colégio Fisher: no caso de Ayalla, apenas intermediário na vinda da bola da Inglaterra para a ilha.

Ayalla destaca o papel de Darlimple no segundo momento e só refere Wilkinson na corrigenda ao primeiro artigo, publicada na semana seguinte ao primeiro. Leite de Ataíde destaca o papel de Dalrimple e de Wilkinson, dois funcionários ingleses do Cabo Submarino.

A bola, peça fundamental no jogo, para Ayalla, veio de Inglaterra por intermédio do Padre Jaime, não diz exactamente quem a terá trazido, podendo até ter sido Darlimple, enquanto que para Leite de Ataíde foi seguramente Dalrimple.

O que não contradiz necessariamente Ayalla, pois poderemos estar perante duas bolas diferentes destinadas a grupos diferentes em dois momentos distintos. E que teria sido trazida pela mesma pessoa.

Pondo de parte a importância que cada um concede aos dois momentos, registando-o ou ignorando-o, Ayalla não contradiz Leite de Ataíde nem Leite de Ataíde contradiz Ayalla: foram estudantes do Instituto Fisher e outros de Inglaterra mais os professores e funcionários do cabo submarino que estiveram, em dois momentos diferentes na origem dos primeiros jogos guardados pela memória oral e escrita realizados em Ponta Delgada.

Vamos, a partir de agora, seguir os momentos mencionados por Ayalla e por Leite de Ataíde.

Em nosso entender, confrontadas as listas de alunos do Liceu de Ponta Delgada para os anos de 1895 a 1899 com os nomes dos primeiros jogadores referidos tanto por Ayalla como por Leite de Ataíde, não nos restam dúvidas, há que conceder um lugar especial na introdução do futebol também a alunos do Liceu de Ponta Delgada.

1.º Momento de Ayalla: 1895

Correr atrás de uma bola sem mais

Mandada vir uma bola de Inglaterra em 1895 por um grupo de alunos do Instituto Fisher por intermédio do professor Mr. James, chegada a bola à ilha, jogou-se nas pedreiras do porto artificial de Ponta Delgada em 1895 e nos anos seguintes, às quintas e aos domingos.

Quem o diz é Ayalla, que também refere ter sido ‘quase sempre um guarda balizas (…) o outro o seu companheiro de carteira actualmente [Maio de 1924] Dr. Álvaro Leite Pereira Ataíde.’

Deste grupo de amigos, colegas do Instituto Fisher, faziam parte, rapazes de fora da ilha de São Miguel, da ilha do Faial, como Miguel da Silveira, António e Francisco da S. e Silva, Amaro de Azevedo e Castro e outros faialenses, como nos diz Ayalla, e de fora de Ponta Delgada, como nos parecem ser, da Ribeira Seca da Ribeira Grande, como sejam Manuel e Luís da Silva Melo e, da Vila propriamente dita, Armando de Castro Carneiro, ou de outras partes da ilha, da Lagoa, como poderá ser o próprio Álvaro Leite Pereira Ataíde, ou Ernesto Machado Macedo, de Nordeste. Evidentemente, só para mencionar os que conseguimos identificar.

Além destes, Ayalla ainda indica Domingos Machado Pereira, Guilherme Armas, José Pacheco de Amaral, José Bento Taveira, Pedro e Jacinto Botelho Arruda, José e Isidoro Barcelos, António Eduardo Kopke (ele próprio), António Menezes, Francisco de Lacerda Forjaz, Henrique Leonardo da Silva, Clemente Vasconcelos, António Botelho da Câmara, José Leandres de Chaves, António Moreira da Câmara, Eduardo Severim e outros açorianos.

Ainda antes de se proceder a uma pesquisa biográfica mais profunda, é bom dizer que esta gente, rapazes de 10, 11 e 12 anos, terão tido mais importância no desenvolvimento do futebol do que a que Leite de Ataíde lhes concedeu.

Álvaro Leite Pereira de Ataíde, que terá transitado para o Liceu Nacional de Ponta Delgada, onde se encontrava a frequentar o ano lectivo de 1899-1900, na 3.ª classe, era natural de Ponta Delgada. No ano seguinte, 1900-1901, frequenta a 4.ª classe.

Outro é António Eduardo Kopke Barbosa Ayalla que esteve no Liceu da 5.ª à 7.ª classes, de 1900 a 1903.

Outro identificado, mas de fora de Ponta Delgada, é Eduardo Barbosa Severim. Era natural de São Vicente Ferreira, filho de Artur de Oliveira Severim, estava em 1899-1900, na 4.ª classe.

De fora de Ponta Delgada, temos ainda Luís da Silva Melo, da Ribeira Seca da Ribeira Grande, o irmão Manuel por qualquer razão não vem referido nas listas do Liceu, esteve no Liceu em 1900-1901 e em 1901-1902 na 5.ª classe.

Outro ainda, e do núcleo da Vila da Ribeira Grande é Armando de Castro Carneiro. Esteve no Liceu de 1899-1900 a 1905-1906, frequentando da 4.ªa à 7 classes. Nasceu na Matriz de Nossa Senhora da Estrela, na Ribeira Grande, a 2 de Abril de 1884. Portanto, em 1995, teria uns onze anos de idade. Veio a falecer em Ponta Delgada, onde viveu, ia fazer setenta e três anos, a 18 de Março de 1957. Era filho de Silvio Machado Carneiro. Casou em 1910, quatro anos depois do Liceu, com vinte e seis ou a caminho dos vinte e seis anos de idade.

Como Presidente da Academia do Liceu, em 29 de Novembro de 1905, estava nos últimos anos do Liceu, fez uma representação à Câmara de Ponta Delgada por ‘constar que a classe clerical pretendia fazer à Câmara uma representação pondo obstáculo á ideia de no Largo de São Francisco no local do quiosque erigir um monumento ao imortal poeta [Antero do Quental].’

Muitos deles seriam rapazes de fora da cidade de Ponta Delgada, que residiam em Ponta Delgada no período lectivo e com muito tempo livre.

Mais de quatro são faialenses, quem o diz é o próprio Ayalla. Dos seis identificados, apenas dois são de Ponta Delgada: Ayalla e Álvaro Pereiro, havendo dois da Ribeira Seca da Ribeira Grande, Luís e Manuel Silva Melo e um da Matriz da Ribeira Grande, Armando de Castro Carneiro.

Terão escolhido o futebol como desporto, talvez por influência do seu professor James, talvez ainda por terem visto algum jogo naquele espaço das pedreiras da doca. Quem sabe até se praticado por alguma tripulação de barco inglês surto na baía de Ponta Delgada?

Ao que parece, não terão deixado registo fotográfico dos seus grupos, nem sequer registo escrito das suas partidas, nenhum jornal os referiu, como os seguintes fizeram, nem pediram ao professor ou aos dois funcionários do cabo submarino para lhes organizarem e treinarem. Talvez por jogarem por jogar, pelo puro prazer do jogo, sem organização e pelo facto de serem rapazes de fora de Ponta Delgada, sem ligação a Ponta Delgada a não ser ao Instituto Fisher, nem aos rapazes que viriam a fazer parte do segundo momento, foram esquecidos por Leite de Ataíde. E, no entanto, revelaram-se importantes para o desenvolvimento do novo desporto fora de Ponta Delgada e em Ponta Delgada. Eduardo Severim faria parte dos grupos do segundo momento, suspeita-se que destes terão saído alguns dos iniciadores do futebol no Faial, e na Ribeira Grande na fase das equipas com nomes, como é o caso de Luís da Silva Melo.

Sentiam-se um pouco mais livres do controle paterno, que neste tempo era bastante adverso ao futebol, e iam quase clandestinamente praticar o novo desporto. Talvez até nem quisessem que a sua paixão fosse divulgada, pois se o fosse, se chegasse aos ouvidos dos pais e encarregados de educação, poderiam ser proibidos de o fazer. Alguns até terão sido. Talvez por terem mais posses e conhecimentos, será certamente o caso de Aires Jácome, os grupos seguintes ousaram dar o passo em frente. Foram eles que deram passos decisivos na consolidação do futebol na ilha, muitos, por exemplo, estão presentes na formação do clube União Micaelense: Rolando de Viveiros, Conde Jácome Correia, entre outros.

2.º Momento de Leite de Ataíde: c. 1897

A aprendizagem a sério do jogo e a sua divulgação fora de Ponta Delgada

A criação de dois teams: os vermelhos e brancos e os azuis e brancos

Em 1897 ou já em 1898, alguns rapazes vindos de Inglaterra, onde haviam ido estudar, ou andavam a tirar cursos, puseram-se à disposição de alguns súbditos ingleses. Esta é a expressão repetida por Leite de Ataíde: foram ter com eles e puseram-se à sua disposição.

Havendo Dalrimple e o padre Jaime aceite o convite, é de crer que por alvitre destes, convidou-se Wilkinson, outro inglês: ‘todos três magníficos jogadores de alta categoria, iam ser os treinadores e instrutores.’

Outra das medidas adoptadas para fomentar a competição foi a imediata criação dos dois primeiros teams da ilha: o azul e branco e o vermelho e branco. Segundo Ataíde.

Entretanto, como Wilkinson tivesse uma bola trazida de Inglaterra, rapidamente se pôde começar a jogar.

Ainda outra medida foi a de angariar novos candidatos a sportsmen: ‘outros mais que afeiçoados ao sport, quiseram aprender a jogar.’ (Leite de Ataíde)

Certamente que os primeiros contactos com a bola que Wilkinson trouxera de Inglaterra, ter-se-ão verificado antes de se jogar a sério. Não se sabe, contudo, quanto tempo decorreu entre o convite dos jovens micaelenses aos ingleses e a realização do seu primeiro jogo a valer, todavia, ainda que isso possa ter acontecido logo de seguida, pode ser que só tenha acontecido após algum treino, tanto mais que, pelo menos os novos jogadores haviam de ter recebido alguma instrução inicial, sobretudo, os quatorze nativos mais somenos. Como diz Leite de Ataíde.

Ou poderá ter sido jogado logo, pois assim via-se logo a potencialidade e o nível dos candidatos.

Quando os treinadores acharam conveniente, jogou-se no campo dos porcos, em São Gonçalo: ‘(…) foi, jogado, o foot-ball, pela primeira vez n’esta ilha, para lá indo, nós todos, à tarde, dar pontapés (…).’ Segundo Leite de Ataíde.

Não diz se foi uma partida com público a assistir ou se foi só vista pelos sportsmen intervenientes, referee e pouco mais. Nem se indica a data do primeiro jogo. Porém, se se incluir no grupo inicial que participou naquele primeiro jogo, os estudantes que andavam ainda a estudar em Inglaterra, é provável que a data deste jogo tenha coincidido com o período de férias escolares. Férias de 1897 ou férias de 1898? Pelo tom da primeira notícia conhecida, Julho de 1898, já se jogaria há algum tempo atrás. Quando exactamente? E quando eram então as férias escolares?

Quanto ao aspecto do campo dos Porcos, em São Gonçalo, em Ponta Delgada, Leite de Ataíde descreve-o:

‘O campo era declivoso e achava-se povoado, de bicos de pedra á vista, firmes e vindos das entranhas da terra, que nos moíam os pés, maceravam as carnes, e feriam impiedosamente, quando por pouca sorte, nos estendíamos. (…) Não havia árvores no terreno; a baliza, do lado norte, era marcada por três paus tortos, e a do sul pela entrada central da arribana que lá está ainda (…).’

O ambiente em que os jogos se desenrolavam? Quanto ‘ao ambiente em que se desenvolviam as partidas. Os espectadores eram o velho guarda do Campo dos Porcos, e alguma garotada, a não ser em dias santos e feriados, nos quais por lá aparecia algum público mirone, que se conservava mudo e quedo como um penedo. (…).’

Por contraste com o que se passava em 1949, Leite de Ataíde diz: ‘Se alguém chamasse banana a um jogador, seria logo esbenigado [Que significará? Esmagado?] pelos vinte e dois numa liquidação relâmpago, e era rezar-lhe por alma.’

Aliás, Ataíde a este respeito assinala um paradoxo inicial: se por uma lado, predominava um espírito de seita entre todos os jogadores, face aos não jogadores, fossem de que team fossem, por outro, já se fazia sentir entre eles o despontar das rivalidade entre azuis e vermelhos. Escreveu Leite de Ataíde: ‘os rapazes mais débeis, românticos, amorudos, ou pelo sport não tinham particular interesse, continuavam afastados da nova seita, em que todos os consócios eram amigos, companheiros leais, e dedicados, notando-se, no entanto, e na verdade, uma certa frieza, entre azuis e vermelhos, que se prolongou um pouco pela vida fora, olhando sempre com uma estima especial para os do seu antigo grupo.’

Recorrendo ainda a Leite de Ataíde, ‘os jogadores micaelenses vindos de Inglaterra eram os senhores: - Rolando de Viveiros [estaria ligado ao União Micaelense, vindo a ser, em 1923, o fundador e primeiro presidente da Associação de Futebol de São Miguel], Marquês de Jácome Correia [que pelo seu entusiasmo e posição social iria desempenhar um papel fundamental na implantação do Futebol em Ponta Delgada e na Ribeira Grande], Edgardo Garcia, Weber Tavares, Alfredo Pinto [Alfredo Pinto emprestou a bola utilizada no primeiro jogo na Ribeira Grande a 6 de Janeiro de 1899] e não sei se mais algum: todos jogadores com escola e bom estilo, muito hábeis nas passagens, com excelente colocação, e pontapé rijo e certeiro.’

Rolando Viveiros, que não consta da lista dos alunos do Liceu de Ponta Delgada, estudou em Inglaterra, teria à altura uns quinze para dezasseis anos. Casaria aos vinte e quatro anos com Maria Clotilde Raposo do Amaral e viria a falecer aos oitenta e dois para oitenta e três anos. O Dr. Jorge Gamboa de Vasconcelos, que há-de aparecer mais á frente neste trabalho, casaria com a filha Maria Eugénia Raposo do Amaral Viveiros.

Aires Jácome Correia, 1.º Marquês de Jácome Correia, também estudou em Inglaterra, era pela mesma idade de Rolando Viveiros, nasceu em Lisboa em Agosto de 1882, e veio a falecer na cidade de Geneva, na Suíça, em 1937. Casou em 1914, nas Furnas, com Joana Chaves Borges de Sousa.

Retomando o fio à narração de Leite de Ataíde, acrescentava que ‘os dois teams, tinham, portanto, oito jogadores da 1.ª categoria à mistura com quatorze nativos mais somenos, todos, porém, bons corredores em geral, básicos, fortes, alguns deles, mesmo, atletas de peso médio, discípulos do meu falecido amigo, o senhor João Maria Sequeira, o excelente e saudoso senhor Sequeira da ginástica (…).’

Exemplifica, dando o nome de António da Câmara Velho Cabral, ainda vivo e de saúde em 1949.

Como seriam as regras de então? Sempre Leite de Ataíde: ‘Na conquista da bola, por exemplo, permitiam-se algumas liberdades como o pinhão (..) O jogador tinha o seu contrário bem marcado, e quando ambos corriam atrás da bola, se um pregasse, no outro, encontrão de virar, tudo continuava no melhor dos mundos possíveis e sem apito tutelar. O ponto culminante era, é claro, o de meter a bola e, quando os corredores atacantes passavam as últimas linhas de defesa, já em frente da baliza, e tendo de entrar a bola por fás ou por nefas, davam, então, as mãos, formando cadeia, e carregavam em conjunto sobre o keeper que de bola agarrada, lá ia de embrulhada como todos os restantes jogadores, numa misteriaga de corpos, às carabandelas, entrando tudo pela baliza dentro, a troncos e barroncos, de cambulhada; backs, keeper, corredores e bola.’

Quanto à disposição táctica dos jogadores no terreno de jogo? No que podemos depreender, pelos nomes atribuídos às suas funções, até mesmo por certas disposições nas fotografias, havia uma espécie de triângulo, cujo vértice era o keeper e a base larga era formada pelos cinco corredores: um keeper, dois backs, quatro half backs e cinco corredores.

Diga-se que nem guarda-redes nem jogadores, então, em geral, usavam caneleiras ou joalheiras. Neste tempo, que Leite de Ataíde, classifica de ‘asselvajado’, ou ainda, de ‘idade média do foot-ball’, continua ele, ‘a grande ciência estava, é claro, na passagem da bola, com consciência, certeza e em corrida veloz, sem perda de tempo, e com boa colocação, não deixando, no entanto, de ser motivo de vivo entusiasmo e aplauso delirante, o goal metido cá de muito longe com ponta-pé á laia de tiro de canhão e com larga trajectória.’

A juventude de então, além de estudar, pouco mais fazia do que andar pelos cafés a jogar bilhar, botequins como então se dizia, ou a namoriscar. Aqueles jovens ‘revolucionários,’ no dizer de Leite Ataíde, desejando ‘higiene moral e física’, continua Leite de Ataíde, puseram-se à disposição do padre Jaime e de Dalrimple. A maioria dos professores do liceu era adversa ao novo jogo, achavam que não promovia o estudo, e a maioria dos pais estava contra. Como excepções, dá como exemplos, em primeiro lugar: os doutores Aristides da Mota, João de Morais Pereira e Eugénio Pacheco.

Antes de entrarmos no registo dos jornais, talvez seja útil reler o que Ayalla deixou escrito sobre os grupos que vieram depois dos seus, ou seja dos do tempo de Leite de Ataíde: ‘outros grupos se formaram por iniciativa de Mr. Darlimp, Eduardo Severim [que participou no primeiro momento], Guilherme Leite Machado de Faria e Maia, Aires Jácome Correia, Rolando de Viveiros e outros.’

Apesar de incompleto, como tivemos oportunidade de constatar, não está incorrecto.

Deste grupo, continua Ayalla, existem fotografias, aliás, publica uma logo no primeiro artigo, mas, cuja legenda é incompleta e incorrecta, para, no segundo, emendando a informação, publicar outra em que já inclui uma legenda completa e correcta. Porque são raras as referências a este período, convém divulgar o pouco que existe.

Começa por rectificar a legenda à primeira fotografia, a que titula, talvez erradamente, o grupo de futebolistas do Instituto Fisher: ‘Por lapso, dissemos (…) melhor informados, sabemos ser um outro constituído (…) pelos senhores Eduardo Severim, Virgílio Silva, Ernesto Macedo, Xavier Pinto, M. J. Medeiros Silva, Darlimp, José Soares Pereira (…) e Guilherme Machado.’

E reproduz a fotografia do que continua a designar incorrectamente por team do Instituto Fisher: ‘da esquerda para a direita (de pé) José Vieira Vasconcelos – Francisco de Carvalhal, Dr. Luiz Bernardo [Leite de Ataíde] – Dr. Larocq [chegou a exercer a sua actividade profissional mais tarde na Ribeira Grande] – (sentados) João Borges Velho Cabral [João Borges era da Ribeira Grande, aparentado aos Velho Cabral, a cujo entusiasmo se deve a organização e prática correcta do futebol na Ribeira Grande. Reforçaria mesmo a primeira selecção que se deslocou da Ribeira Grande a Ponta Delgada. Outra pessoa a quem parece dever-se esta tarefa, será talvez Jacinto da Silva Moniz] – Jacinto Bicudo, Marquês de Jácome Correia – Wilkinson e António Bettencourt da Câmara.’

É até bem possível que fosse Leite de Ataíde quem corrigisse Ayalla, facto que o terá levado a rectificar a nota das fotografias. Mas, se Leite de Ataíde ou alguém discordou da pretensão do grupo de Ayalla à primazia da introdução do futebol na ilha, Ayala manteve a sua versão. Aliás, Leite de Ataíde não disputaria a pretensão, fazendo prova disso, apenas se limitou a ignorá-la.

Dos teams vermelho e azul à tentativa de criar um clube em Novembro de 1898

Vamos por ordem cronológica. A 22 de Julho de 1898, vem no Diário dos Açores a notícia de que ‘ontem de tarde, em São Gonçalo, jogou-se muito animadamente o foot-ball ao qual assistiram muitos espectadores, entre os quais se viram algumas senhoras.’ Portanto, numa tarde de verão, já era uma partida normal, não uma de exibição inicial. Atente-se agora nos pormenores: ‘Jogaram dois grupos de dez jogadores cada um, sendo capitães os senhores Alfredo Augusto Pinto e James Darlymple.’ Como conclusão, remata o cronista ‘o resultado foi igual para ambos.’

Cinco dias depois, no mesmo jornal, dava-se conta de um ensaio de futebol na tarde de terça-feira de preparação para o jogo da quinta-feira. Ensaio, ao que se supõe, quererá dizer treino: ‘no campo de São Gonçalo, sendo a grande partida amanhã às 5 horas da tarde.’ O jornalista reparara que ‘os grupos dos jogadores distinguem-se por umas fitas encarnadas e azuis, sendo o capitão do grupo das fitas encarnadas o Sr. James Darlymple e o das azuis o Sr. Alfredo Pinto.’

Entre todas as cores possíveis, haverá alguma razão para os dois primeiros teams da terra terem sido azul e branco e vermelho e branco? Terá sido fruto do acaso, como viria a ser no caso do verde e branco do Ideal, ou resultado de uma escolha consciente?

No caso de ter havido escolha, ter-se-á simplesmente escolhido o azul e o vermelho por serem cores bonitas? Ou haverá algo mais? Foram as cores azul e vermelha retiradas das cores da Union Jack do padre James e de Darlimple? Tendo sido aceites pelos antigos estudantes da terra em Inglaterra em homenagem aos seus instrutores e à pátria do Foot-ball Association? Terá ainda alguma coisa a ver com as cores da monarquia e da república? Esta última razão explicaria até a mudança do conde Jácome Correia dos vermelhos para os azuis? Sem quaisquer provas, apesar das conjecturas, resta dizer que as respostas ficam por dar.

Depois da nota de 27 de Julho, dá-se um valente salto para quarta-feira, 21 de Setembro. O facto de não ter havido crónica do jogo, ou de se não conhecer crónica, não quer dizer que o jogo de quinta-feira do dia 28 de Julho não se haja realizado.

Todavia, por que razão terá havido aquele interregno de quase dois meses? Poderá ter algo a ver com o período de veraneio, das vilegiaturas habituais. Época de ir para as quintas de fresco, ou para as termas, as Caldeiras eram um ponto de veraneio, as vindimas logo a seguir.

Em Setembro, anunciava-se para quinta-feira 22 de Setembro: ‘Foot ball/ Amanhã, pelas cinco horas da tarde, haverá jogo de foot-ball no campo de S. Gonçalo (…).’ Mas, à cautela, não fosse chover, avisava-se ‘se o tempo permitir.’ Logo a seguir na mesma linha da crónica, veja-se como o cronista prefere o termo português grupo ao inglês team, acrescentava-se a constituição dos dois grupos: ‘Azuis/ Alfredo Pinto, Mr. Wilkinson, Rolando de Viveiros, Joaquim Correia, Alberto Morais, José Vasconcelos, Manuel Silva, Mr. Foley [nome inglês ou britânico que pode reforçar a ideia de que já então se jogava há algum tempo na ilha], Raul Barboza Arnaud, Mr. James, Francisco Bettencourt de Medeiros e Câmara. Vermelhos/ Mr James Darlymple, Guilherme Leite, Ernesto Pinto, António Moreira da Câmara, Jacinto Bicudo, António da Câmara, José de Morais, José Pacheco, Mr. Noé [outro nome britânico que reforça a tese de que já então se jogava há algum tempo na ilha], conde Jácome Correia, Webwer Tavares.’

Competição: o vencedor ganha medalhas

Os primeiros comentadores

Pretendia-se certamente motivar jogadores e atrair público, daí que, já no Outono, a 2 de Outubro, entre a notícia de Setembro, alguém teve a brilhante ideia de promover uma disputa para conquista de medalhas. A crónica daquele jogo salientou que: ‘Apesar da chuva que caiu durante a tarde de ontem, correu animada a primeira partida de competência para as medalhas, assistindo mais de cem espectadores.’

A reportagem a propósito do jogo, constitui uma peça exemplar: de como promover e ensinar o novo desporto e contar o que se passou no campo a quem não pôde assistir ao jogo. Creio que, além dos treinadores iniciais, da formação dos dois teams, a conquista dos jornais para a causa do novo desporto, que não ocorreu logo no início, foi decisiva para a implantação do futebol na ilha. Esta primeira peça jornalística conhecida, do Diário dos Açores, que terá sido um dos seus arautos e propagandistas, é digna de figurar como um marco no jornalismo desportivo português. Daí que, além do seu interesse documental para a história do jogo do futebol na nossa ilha, tenha decidido transcrevê-la na íntegra.

O objectivo teria sido, apesar da chuva, em parte, atingido.

O jornalista, que não assina, e é pena (apesar de poder ser o novo director Manuel Resende Carreiro), de uma maneira bastante didáctica, passa a comentar enquanto narra com vivacidade o jogo. Faz-nos sentir como se estivéssemos presentes no campo de São Gonçalo a assistir ao jogo. Era algo, supomos, inédito para o futebol: ‘Começou a partida jogando os azuis para baixo. Os vermelhos deram o primeiro ponta-pé e atacaram em seguida, defendendo bem os azuis. O jogo, depois, foi muito igual, defendendo e atacando ambos os grupos alternadamente, até que os azuis forçaram um jogador dos vermelhos a pôr a bola para trás da sua linha de defesa, resultando um ‘corner’ (ponta-pé de canto) para os azuis.’

Atente-se na mestria narrativa do autor desta peça: ‘D’uma posição muito difícil o Sr. Conde de Jácome jogou com tanta certeza que a bola penetrou na baliza dos vermelhos, marcando assim o primeiro ponto para o seu lado (…).’ Nascera, talvez, a primeira estrela no pequeno universo da terra: Aires Jácome Correia. Estudara em Inglaterra, onde certamente aprendera a jogar á bola, e viria a ser decisivo na implantação do novo desporto. Estaria até na fundação do União Micaelense. Morreria em 1937, longe da ilha, na Suiça, aos 55 anos sem ver o campo a que dariam postumamente o seu nome.

Continua o jornalista: ‘não se fazendo nada mais até à hora de trocar as posições, apesar dos esforços que empregaram os vermelhos para se igualarem, pois foram todas as vezes repelidos pelo Sr. Foley que jogou admiravelmente (…).’ Como é difícil encontrar a palavra certa, a única, para construir a cena, e dar a emoção à narrativa, e, no entanto, o jornalista consegue-o: ‘A segunda parte não foi tão animada por cair muita chuva, o que fez com que os jogadores escorregassem na relva.’ E adianta: ‘Pouco distante da baliza dos vermelhos, o capitão dos azuis distinguiu-se mais uma vez dando um ponta-pé certeiro e marcando um ponto para cima das cabeças dos defensores.’ E, depois das peripécias, deu a notícia do resultado: ‘finalizou-se a partida ganhando os azuis por 2 pontos contra nenhum.’

Mas, faltava dizer algo no geral, um comentário final como se diria hoje, ou a crónica ficaria coxa, injusta até: ‘Do lado dos vencedores o campeão do jogo foi o Sr. Foley que fez uma defesa esplêndida e na vanguarda do mesmo lado os Senhores Conde de Jácome, James Machim [outro inglês? Ou está-se a referir ao padre James?] e Jacinto Bicudo distinguiram-se várias vezes.’

E do lado dos vencidos? Como o pendor atacante dos vencedores havia sido continuado, o cronista, com delicadeza, mas por certo com justiça, escreveu: ‘para os vencidos jogaram muitíssimo bem os da retaguarda Senhores Ernesto Pinto e Francisco de Medeiros. O jogo da vanguarda foi muito fraco havendo uma falta de combinação entre os parceiros, não jogando o capitão com a agilidade do costume.’ O jornalista era bom conhecedor dos jogadores e do jogo, como fica demonstrado. E conclui: ‘as nossa felicitações aos azuis.’

Ainda no Diário dos Açores, na edição de 8 de Outubro, ficamos a saber que o Sr. Conde Jácome Correia fora nomeado capitão do grupo azul, no que sucedia a Alfredo Augusto Pinto. Ter-se-á ficado a dever esta promoção do jovem conde, não só ao estatuto social de que gozava, o que explicaria a deferência, mas ao seu talento como jogador. Seria um justo prémio pelo seu extraordinário desempenho no jogo anterior. Também justificaria o seu empenho na difusão do futebol. O conde, que ainda em 21 de Setembro, fazia parte do grupo vermelho, a 2 de Outubro, mudara já para o azul e branco. Manter-se-ia para o resto no azul e branco. Por esta altura, Jácome Correia tinha dezasseis anos acabados de fazer a 9 de Agosto.

Aquele número do Diário dos Açores, em que se destaca como Foot-ball, na página 2, diz assim:

‘Amanhã [Domingo, dia 9] , pela 1 hora e meia da tarde [fora quebrado por qualquer razão que se desconhece o costume de jogar pelas quatro ou cinco horas], haverá uma partida de foot-ball no campo de S. Gonçalo.’

O Campo de São Gonçalo, nome afável do mercado dos Porcos, era então o campo de jogos. Hoje em dia, o que restou daquele recinto, está integrado no espaço Norte do campus da Universidade dos Açores. Era confinante com o espaço que na década de quarenta do século seguinte viria a ser o Campo Marquês Jácome Correia, então propriedade da família de Jácome Correia. Não deixa de ser curioso que, o campo da Ribeira Grande, inaugurado em 29 de Junho de 1952, também fosse feito em propriedade adquirida à família de Jácome Correia.

Era de tal modo reconhecido o entusiasmo que o conde dedicara a este desporto, que, certamente em homenagem póstuma, a família não terá dificultado a construção dos campos de Ponta Delgada e da Ribeira Grande em terrenos seus. Ou terá mesmo facilitado.

O jornalista, visivelmente um entusiasta do novo desporto, que o conhecia por dentro, se calhar até seria um dos que dentro do campo chutava a bola e fora usava a caneta, divulga um rumor que circulava: ‘consta-nos que foram encomendadas para Inglaterra onze medalhas, para serem distribuídas pelos jogadores do grupo que no fim de cinco partidas conseguir marcar maior número de pontos.’ E, acrescentava, ‘estas partidas começarão brevemente.’

Talvez até nem tivesse jeito especial para o futebol, mas tinha queda para o jornalismo: sabia fazer crónicas e era exímio no modo como dava as novidades. Sabia fazer despertar a curiosidade nos leitores. A ele e ao conde Aires, e aos ingleses, ficamos a dever o êxito, lento no princípio, mas fulgurante, depois, do novo jogo.

Os dois grupos, que já se defrontavam há algum tempo, apesar de mudarem de jogadores sempre que se queria equilibrar os teams, talvez estivessem a precisar de uma motivação suplementar. Por essa razão, e certamente também para despertar um maior interesse no público, estava-se a pensar em criar uma competição em cinco partidas. Nesta, o team que fizesse mais pontos receberia medalhas que haviam sido encomendadas de Inglaterra.

E tendo anunciado no Sábado o jogo para Domingo, o nosso cronista não preguiçou, pois, publicou a crónica do jogo logo na Segunda: ‘Foi pouco concorrida a partida de football realizada ontem no campo de S. Gonçalo.’ Diz num tom decepcionado. Para dar logo uma novidade: ‘jogando muitos cavalheiros pela primeira vez.’ O jogo podia não ter atraído muito público, mas atraíra novos jogadores. Aliás, servira para lançar novos jogadores. Em parte, o futuro estaria garantido. Aliás, é bem possível que a estreia destes novos jogadores obedecesse a uma estratégia calculada. É igualmente possível que se estivesse já a pensar na competição que se avizinhava. Também haveria jogadores que iam estudar para fora da ilha, sendo, neste caso, necessário conseguir substitutos.

Com as pinceladas certeiras do costume, de seguida, lança-se na crónica ao jogo propriamente dito: ‘Na primeira parte os encarnados atacaram [pendor atacante dos vermelhos] com muita força, mas foram sempre repelidos pelo Sr. Francisco Medeiros Bettencourt, que jogou com muita coragem e agilidade [o jogo apesar de colectivo era jogado por indivíduos. Havendo elogios individuais, a natureza humana é assim mesmo, motivar-se-ia os louvados e motivar-se-iam os que poderiam vir a sê-lo]. Até á hora do descanso ambos os grupos tinham marcado um ponto, mas depois de serem trocadas as posições, os azuis [cujo capitão era o conde de Jácome Correia] fizeram mais dois pontos ganhando assim 3 pontos contra um.’

Sendo o futebol um desporto de cavalheiros, já não era só a equitação, a esgrima e a caça, as crónicas haviam de tratar vencidos e vencedores com cortesia. Por conseguinte, o nosso cronista, primeiro: ‘Para o lado dos Vencedores.’ Continua: ‘os pontos foram feitos pelos senhores Conde Jácome Correia, Alberto Morais Carvalho e Mr. James Hinton (…).’ E, ‘para os vencidos o único ponto foi feito pelo capitão.’ De um modo galante, vitoriava-se os azuis e o seu capitão: ‘Felicitamos o sr. Conde de Jácome pelo seu sucesso na primeira vez que comandou o grupo azul.’

O dia grande da nova competição caiu no primeiro de Novembro

Prudente, o tempo de Outono quase sempre instável aconselha-o, por ser também um exímio narrador, o cronista abria o seu trabalho com um: ‘amanhã, se o permitir o tempo.’ Para de seguida dar a notícia: ‘(…) haverá, no campo de S. Gonçalo, a primeira partida de competência para as medalhas.’

Percebendo como os nomes são importantes, prefere chamar ao campo dos Porcos campo de São Gonçalo. De modo algum, seria suportável pensar-se que os sportsmen, filhos das boas famílias da terra, de entre os quais um conde, iriam praticar um sport das elites ingleses num campo de porcos de Ponta Delgada. Nem o público quereria, nem os pais o permitiriam.

Como no artigo anterior se referisse por alto à competição, limitara-se a divulgar rumores, entretanto, confirmados, considerou ser oportuno neste explicar as regras da competição: ‘As condições são as seguintes: jogar-se-ão cinco partidas e a cada um dos jogadores do grupo [os teams já são referidos como grupos: aportuguesamento apenas?] que no final tiver feito maior número de pontos, será entregue uma medalha.’

De entre as regras desta primeira competição conhecida, uma houve, que a médio prazo, promoveria a estabilidade orgânica e competitiva dos grupos: ‘Os jogadores não podem mudar-se de um grupo para o outro depois de começar a série de partidas.’

Para se conseguir um maior equilíbrio competitivo, a exemplo do que se fazia normalmente no início ou pouco antes de cada novo jogo, no caso desta competição para os cinco jogos seguintes, escolheram-se - certamente os capitães terão escolhido -, os jogadores: ‘de forma que as forças sejam iguais.’

Entre os dias dez e trinta e um de Outubro, os dois capitães, Jácome Correia, dos azuis, e James Dalrimple, dos vermelhos, distribuiriam os atletas pelos dois grupos. Não o sabemos, mas presume-se que o tenham feito algum tempo antes do primeiro jogo, para dar tempo aos grupos a prepararem-se para a competição.

Também não o sabemos, mas o fair play de ambos, continua a presumir-se, terá feito com que formassem duas equipas equilibradas. No entanto, quando a competição foi suspensa, os azuis venciam os vermelhos.

Terão tentado distribuir pelos dois teams sportsmen equivalentes, porém, o resultado final acabaria por ser diferente do inicialmente pretendido. Por que razão? Talvez, porque, afinal, não tenha havido tanto fair play. Talvez para ser agradável ao patrono do novo desporto na ilha, Dalrimple acabasse por ceder demasiado ao Conde? É uma hipótese. A situação talvez possa ser também explicada pelas vicissitudes no decorrer da competição: lesões de uns, subida ou abaixamento de forma de outros. É outra hipótese. Talvez ainda tenha a ver com a diferente estratégia dos capitães. Ou muito simplesmente porque no campo, os azuis conseguiram ser melhores que os vermelhos.

Há aqui um aspecto a ressalvar: a nomeação de um capitão, pelo menos no caso destes, um inglês, o outro, apesar de ser português, culturalmente anglo-saxónico, o primeiro, mestre no futebol, o segundo, um talentoso aprendiz, mas ambos prosélitos do novo desporto na ilha.

As equipas ficaram assim constituídas: ‘Azuis – Conde Jácome Correia (capitão), James Machim, William Soley, Jacinto Bicudo Correia [Será Jacinto da Cunha Bicudo Correia ainda parente do conde de Jácome? Têm uma ascendência comum, vide: Capitulo 27 das Genealogias de Rodrigo Rodrigues p. 607 a 690 título. Nasceu a 26 de Novembro de 1879, em São José, Ponta Delgada. Se for este, iria fazer dezassete anos no mês seguinte], Luís Bernardo(…).’

É a primeira vez que vemos Luís Bernardo Leite de Ataíde, talvez tenha sido um dos novos que jogaram a 9 de Outubro. Tinha quinze anos feitos no dia 25 de Abril. Nas memórias que publicou, que temos vindo a usar, já fala desta competição.

Outro aspecto a realçar é a quantidade de nomes ingleses que entram pela primeira vez em ambas as equipas.

Continuando no grupo azul: ‘José de Sousa [Seria José Velho Quintanilha de Sousa Larocq?], José M. Vieira, Joaquim Correia, António da Câmara, João Borges [Será João Borges Velho de Melo Cabral?], Francisco Carvalhal.’ A maioria deles, surge pela primeira vez. Serão dos que jogaram pela primeira vez em 9 de Outubro? É gente que joga informalmente em outros grupos? Em outros locais da ilha até? Não se sabe.

Será João Borges, João Borges Velho de Melo Cabral da Ribeira Grande? Se for, pode pensar-se que, a pouco mais de dois meses do primeiro exercício de futebol na Ribeira Grande, este Velho de Melo Cabral parente dos três Velho Melo Cabral que participaram no exercício de 6 de Janeiro, mas que não fez parte dos grupos, terá sido um dos responsáveis pela ideia de se começar a praticar regular e metodicamente o futebol na Ribeira Grande? Ele e os primos. É bem possível.

E agora, voltemos a nossa atenção para os vermelhos: ‘James Dalrimple (capitão), Weber Tavares, Manuel Silva, José Pacheco, Ernesto Macedo, José Morais, Raul Barbosa, José Carvalho [dois meses depois, viria a ter um papel importante na organização do futebol na Ribeira Grande], Ernesto Pinto [emprestaria a bola com que se jogou a 6 de Janeiro no campo dos Porcos da Ribeira Grande], Francisco Medeiros, Guilherme Leite Machado.’

Acontece o mesmo aos vermelhos: parte dos nomes referidos aparecem pela primeira vez.

O referee seria o Sr. Harry Wilkinson. Os termos técnicos do futebol na sua versão original em inglês, manter-se-iam por mais algum tempo, todavia, o autor da crónica no seu modo habitual de usar as crónicas para divulgar o futebol, cuidadoso com a nossa língua, entre parêntesis, traduzia referee por Juiz do Jogo. Fora convidado porque, aí se diz também por: ‘não poder jogar em consequência de estar doente d’um pé.’

A lesão no pé do Sr. Wilkinson revelar-se-ia benéfica à competição. Numa disputa a valer, o Juiz do jogo fora certamente escolhido por ser alguém respeitado por todos, evitar-se-iam: ‘assim questões entre os jogadores.’ O Sr. Wilkinson era-o. Recuperado da lesão pouco depois, participaria na competição como atleta.

A partida, para encerrar a notícia, começaria ‘às quatro da tarde em ponto.’

Este primeiro jogo, a contar para as medalhas, iria ser disputado numa quarta-feira, dia feriado de Todos os Santos, dia 1 de Novembro.

Não se conhece por fonte directa o seu resultado, mas gostaria de vir a sabê-lo, seja como for, a segunda partida, realizou-se nove dias depois na quinta-feira, dia 10 de Novembro. O nosso cronista, a propósito desta segunda partida, informa, atente-se nesta circunstância importante para o desfecho do jogo, que: ‘os vermelhos [cujo capitão, não nos esqueçamos era Mr. Darlimple] jogaram com dez jogadores (…).’

Que teria sucedido? Perguntaria quem não tivesse assistido ao jogo. E o nosso cronista, respondeu: ‘faltando o Sr. Weber Tavares por incómodo de saúde.’

A sorte foi bem madrasta para a equipa vermelha: primeiro a lesão no pé do seu capitão, Sr. Wilkinson, que o impediu de alinhar na equipa no jogo inaugural, depois, surgiu o incómodo de saúde do Sr. Weber, vítima talvez um resfriado de Novembro, no segundo, que fez com que a equipa jogasse com menos um jogador. No primeiro, o capitão, peça fundamental na estratégia do jogo, sendo nomeado referee tinha de ser neutro. No segundo, o capitão já jogava, mas, a sua equipa estava reduzida a dez jogadores. Eram contingências próprias de um jogo praticado ao ar livre, que promovia o contacto físico dos adversários.

Começando por anunciar quando se realizou o jogo, dando a seguir a explicação das circunstâncias especiais em que o jogo fora disputado, o cronista passou à apreciação do jogo em si mesmo: ‘Tanto na primeira como na segunda parte os azuis atacaram quase sempre, sendo raras as vezes que a bola chegou à sua baliza.’ Eis, em poucas palavras, o sentido geral da segunda partida: com mais um jogador em campo, os azuis atacaram e os vermelhos defenderam. Mas será que ganharam?

Faltava dar alguns exemplos e referir o essencial do jogo: ‘O Sr. Conde de Jácome Correia [de novo o às] marcou dois pontos, o Sr. Machim um e o Sr. A. Wilkinson [já recuperado do pé, outro].’

Quem vencera? Os azuis. Apesar da inferioridade numérica dos vermelhos, os azuis ganharam por mérito. Diz-se assim: ‘ganhando assim os azuis por 4 pontos contra um.’

Quem fora o autor do ponto de honra dos vermelhos? O próprio capitão da equipa: ‘O Sr. James Darlimple marcou o único ponto para os vermelhos.’

E, somando os pontos, ficamos a saber da classificação ao fim das duas primeiras partidas: ‘Contam, pois, os azuis 6 pontos e os vermelhos 1 ponto.’ Afinal, mesmo sem ter a crónica da primeira partida, ficamos a saber que os azuis haviam ganho por 2 pontos a zero a primeira.

Mas, avisava o cronista, faltavam ‘ainda três partidas para serem jogadas.’

Muita coisa iria, entretanto, acontecer.

Na quinta, dia 17, jogar-se-ia a terceira. Dizia-se assim: ‘Há amanhã a terceira partida de competência para as medalhas, no campo de S. Gonçalo, devendo começar às 4 horas da tarde.’

Entretanto, as nossas notas saltam de 16 para 25 de Novembro, deixando-nos sem o resultado da terceira partida.

Quanto ao desfecho da quarta partida, vamos ver. A crónica relata o jogo do dia anterior, quinta, dia 24, no campo de S. Gonçalo. O jogo foi disputado em circunstâncias bastante adversas para um dos lados: ‘o grupo azul jogou com oito jogadores e os vermelhos com dez.’

Como resultado final da quarta partida, os azuis perderam por dois pontos a zero, todavia, no total das quatro partidas disputadas, ganhavam por oito pontos a três.

Vamos ver o que se terá passado nesta quarta partida: ‘os vermelhos começaram primeiramente de cima para baixo.’ Ou seja, jogaram na primeira parte do lado Norte para o lado Sul do campo. Com menos três jogadores, os azuis tiveram de defender-se: ‘Na primeira parte os azuis estiveram sempre na defensiva, conseguindo o capitão dos vermelhos [Mr. Darlimple] marcar dois pontos.’

Com menos jogadores, impedidos de atacar, os azuis foram mantidos à defesa.

Este recuo no terreno dos azuis, obrigando a um sacrifício colectivo, produziu efeito, já que, ‘na segunda parte não foi marcado ponto algum.’ Do mal, o menos, o grupo azul perdeu, mas o vermelho não conseguiu marcar na segunda parte. Jogando do Sul para o Norte, talvez com o vento pelas costas: ‘ficando o grupo vermelho vencedor por 2 pontos contra nenhum.’

Apesar de não vir mencionado, o Conde Jácome Correia pode bem ter sido uma das três baixas registadas pelos azuis. O grupo sem o seu capitão jogaria decapitado.

O cronista, ao contrário do que habitualmente fazia, referindo primeiro os vencedores para depois referir os vencidos, nesta crónica só refere os vencidos. Por que será? Será isto sinal de que tira parte pelos azuis? Diz assim: ‘Do lado dos vencidos jogou muitíssimo bem o Sr. José de Sousa, defendendo com muita coragem.’ Equipa que defende brilha? Será o caso?

Portanto, recapitulando, ‘até agora os azuis 8 pontos e os vermelhos 3 pontos.’

Apesar do desaire na quarta partida, que, por força das circunstâncias, acabara por ser uma derrota honrosa, o grupo azul acumulara oito pontos: dois na primeira, quatro na segunda, e dois na terceira. Os vermelhos tinham feito apenas três pontos: dois na quarta e um na segunda.

Antes de mais, façamos um balanço à competição: sem capitão a orientá-los, os vermelhos perdem a primeira partida, já com o seu capitão recuperado de volta à equipa, mas com menos um jogador, voltam a perder a segunda, e por motivos que se desconhecem, voltam a perder a terceira. Tendo o jogo de futebol tanto de físico e táctico como de mental, talvez uma conjugação destes factores explique o fracasso dos vermelhos. A derrota inicial dos vermelhos deu ânimo aos azuis e desânimo aos vermelhos? É possível.

E, terminava a crónica da quarta partida, anunciando a quinta e última da competição: ‘a última partida será no dia 8 de Dezembro. ’ Na sequência das marcações das partidas anteriores, de sete em sete dias, a quinta, em circunstâncias normais, deveria ser marcada para 1 e não para 8 de Dezembro. Primeiro mistério: por que razão se terá alterado a sequência? Mau tempo? Demasiadas baixas? Ninguém nos explica a razão, nem mesmo o nosso excelente cronista habitual.

Segundo mistério: por que razão, faltando apenas jogar um jogo, se cancelou bruscamente a competição? Sem explicação adicional, não se percebe a razão pela qual a competição, que apesar das vicissitudes, parecia estar a correr bem, não chegou ao fim. Não seriam certamente os azuis que o teriam desejado, já que os vermelhos para os igualarem teriam de marcar cinco pontos e para ganharem teriam de marcar seis. Obviamente, sem que os azuis lograssem marcar quaisquer pontos em resposta: o que, dado o padrão dos jogos anteriores, não seria de esperar.

Não pensaram assim os intervenientes. Antes do dia marcado para jogar a derradeira partida do torneio das medalhas, o último jogo havia sido na quinta, foi convocada para o domingo uma reunião geral de emergência. Foi exactamente a 27 de Novembro, no Café Teatro: ‘dos footballers d’esta cidade.’ Reunião, acrescenta-se, ‘comparecendo todos os jogadores.’

Ainda no rescaldo dos falhanços dos últimos jogos, a assembleia magna dos footballers de Ponta Delgada, talvez pretendendo tão-só inicialmente resolver problemas pontuais, acabaria no decorrer da reunião por tomar medidas que sendo implementadas dariam uma volta de cento e oitenta graus ao rumo do futebol local. Uma destas medidas foi a de: ‘(…) formar-se um club.’

Intenção de se criar o primeiro clube da Ilha: 27 de Novembro de 1898

Feito o balanço àqueles frenéticos meses de competição e de treino, ter-se-á concluído que o passo seguinte teria de ser dado com a criação de um clube de futebol. Já não apenas com dois teams.

Que distinguiria naquela época um team de um clube? Tanto mais que o novo clube iria representar os dois teams? Ou integrá-los? Seria possível conciliá-lo?

Não se sabe bem. Talvez o clube tivesse sido concebido para coordenar os dois teams existentes ou até outros futuros. Se assim fosse, seria uma espécie de Associação de Futebol?

Que era um team? Seria cada um dos dois grupos de onze jogadores que se repartiam em cada nova partida de futebol. Para distinguir os dois teams no campo, foram escolhidas as cores vermelha e azul. Inicialmente, os dois capitães, que um dia tanto podiam envergar uma camisa vermelha, como no seguinte, uma azul, escolhiam onze jogadores equilibrados. A situação começou a mudar ainda antes da competição pelas medalhas, mudando, porém, completamente com aquela competição. Primeiro, estabilizam-se os capitães, por exemplo, o conde é nomeado capitão dos azuis, ao mesmo tempo, talvez por força dos afectos pessoais, estabilizam-se igualmente os jogadores.

Uma das regras, a de cada team manter os mesmos jogadores do princípio ao fim da competição, foi decisiva na consolidação do espírito de solidariedade entre cada um dos membros entre si em face do team. As emoções das partidas, derrotas ou vitórias, forjaram o espírito de uns e de outros: fizeram com que os azuis continuassem a ser azuis e os vermelhos a ser vermelhos. Podendo ser esta uma hipótese provável, não será menos verdade a hipótese de que a opção definitiva individual tenha também seguido ligações à monarquia ou à república.

Mercê do crescimento da lealdade às cores, forjada na rivalidade entre as cores, a prazo, tornar-se-ia insustentável a solução de haver um clube para dois teams. O clube certamente não pretenderia acabar com a rivalidade entre os teams, talvez pretendesse contê-la em termos racionais. Mas o problema é que o futebol é antes de tudo um estado de emoção. Como seria para uma direcção formada por representantes dos dois teams gerir as diferenças ocorridas no campo entre vermelhos e azuis?

O Diário dos Açores, de 5 de Maio, publica um desmentido, aparentemente bastante inócuo, mas, no fundo, bastante revelador: ‘Informa-nos o sr. F. C., pertencente ao grupo azul [Será Francisco Carvalhal? É provável. Segundo Leite de Ataíde, companheiro de equipa, era guarda-redes], que alguns jogadores vermelhos afirmam que a bola não tocou as mãos do jogador azul, como se disse na notícia publicada aqui ultimamente. Muito folgamos em sabê-lo.’

De que modo poderemos interpretar este esclarecimento, além do fair play evidenciado pelo jornalista, que tendo sido chamado à atenção pelo erro cometido, o emendou delicadamente? Duas coisas. Para além do fair play entre vermelhos e azuis, em Maio, pode afirmar-se que existem já duas identidades: a dos vermelhos e a dos azuis.

Em breve os acontecimentos iriam pôr em causa o modelo de dois teams e um só clube. O Diário dos Açores, a 21 de Abril revelava que se estava ‘organizando outros grupos de jogadores comandados pelo Sr. Abel Coutinho.’ Iriam ser integrados ou iriam fazer parte de outro clube. Seja como for, a serem criados mais teams, além dos dois também já criados na Ribeira Grande, no início do ano de 1899, a solução viria a ser a de Associação de Futebol. Em Portugal, chegaria antes do derrube da monarquia, em São Miguel só na década de vinte.

Ainda não se sabe ao certo, mas é provável que os primeiros clubes estáveis da ilha, que surgem decididamente na década de vinte, mas já com um ou outro antecedente, tenham ficado a dever ainda que indirectamente a esta primeira tentativa de fundação. Não se sabe até se fracassada.

Desta importante reunião, saíram decisões que mudariam o rumo do novo desporto. Não conhecemos o teor das discussões, mas podemos, no entanto, especular o seguinte: começara-se inicialmente por convidar treinadores, formaram-se duas equipas, teams, a azul e branca e a vermelha e branca, por necessidade de aprofundar o espírito de competição, iniciara-se um campeonato, chegara altura de consolidar a prática do novo desporto, a exemplo do que se passava na Inglaterra e em outros países da Europa, incluindo Portugal. Quis-se criar um clube e criou-se um, em que os jogadores foram (ou seriam) os fundadores.

Não havendo clube sem uma direcção, e para que essa reflectisse a vontade das duas equipas existentes, a azul e a vermelha, foram eleitos ‘(…) Representantes do grupo azul srs: Conde de Jacome Correa, Harri H. Wilkinson, Francisco Leite do Carvalhal, Jacintho Bicudo e António da Câmara, e do grupo vermelho: srs. James Darlimple, William Foley, Ernesto Pinto, Manuel Silva e Guilherme Leite Machado (...).’

De entre eles, sairia na reunião seguinte o primeiro presidente do novo clube. Sem perda de tempo, o Conde Jácome Correia, representante do grupo azul, e um sério candidato à presidência do clube, propôs ‘(…) que fosse anulada a competência para as medalhas e entregues estas à direcção do club, para outra série de partidas em melhores condições.’

Eis o motivo que levou a suspender a competição pelas medalhas: pretendia-se organizar ‘outra série de partidas em melhores condições.’ À falta de mais dados sobre o assunto, será suficiente concluir que o Conde dera voz à razão dos factos: faltavam condições. Postas as coisas nestes termos, a situação resumia-se assim: ou se tomavam medidas ou se deixava tudo como estava. Pretendendo implementar o novo desporto, optou-se pela primeira solução: mudar o que estava mal.

Como a querer refrear a ânsia do provável director do novo clube, não esquecer que Aires Jácome Correia tinha apenas dezasseis anos de idade, alguém mais calejado terá prudentemente lançado a sugestão, aceite, de que ‘este assunto, assim como a nomeação d’um presidente [ficassem] para serem discutidos em nova reunião, que se realizará amanhã, pelas 5 horas da tarde (…).’

O local da reunião, sensível como se previa, não seria no café do theatro, local público onde fora tomada a decisão da criação do clube, mas na própria casa do Conde: ‘(…) no palacete do sr. Conde de Jácome Correia.’

O palácio de Santana fica situado a Norte da cidade de Ponta Delgada. O morgado José Jácome Correia dera início em 1846 à sua construção e à dos jardins anexos. Não se sabe ao certo quem tenha sido o arquitecto do palácio, mas, há indícios seguros de que foi o arquitecto inglês David Mocatta. O mesmo se dirá dos jardins, provavelmente da autoria do inglês Peter Wallace.

Por morte do tio, que não completaria a obra, o sobrinho Pedro Jácome Correia, 1.º Conde Jácome Correia, vem a herdar os seus bens e prossegue as obras.

Aires Jácome Correia, que nascera em Lisboa, na paróquia de Santa Isabel, filho de Pedro Jácome, filho único, herda do pai o palácio quando este falece em Maio de 1896 em Ponta Delgada.

Pedro Jácome casara tarde, ia fazer sessenta e nove anos, a esposa, ainda não tinha feito trinta e um.

Pelo que, em Novembro ou Dezembro de 1898, quando os sportsmen vão à reunião do palácio de Santana, Aires Jácome Correia é o Senhor do palácio. Ficara órfão de pai aos treze anos de idade.

Segunda competição pelas medalhas:

Início previsto para finais de Janeiro

Seria bom saber o que ficou decidido naquela reunião: quem foi de facto eleito Presidente, o nome do clube, se chegou mesmo a ser criado e se a competição seria melhorada. Nada do que se passou dentro dos muros do palácio, porém, chegou até nós.

Passada a quadra natalícia, no dia a seguir ao primeiro dia do ano, saía uma notícia interessante no quase sempre bem informado Diário dos Açores. Repare-se no processo hábil e simples de divulgação do evento; pelos vistos fora mesmo decidido reorganizar a prova. Fica-se a pensar se um dos erros da prova anterior, entretanto, suspensa, não teria tido a ver com uma falha na sua divulgação. Para o prevenir, anunciava-se que ‘na montra do Sr. Manuel I. Correia [um comerciante do largo da Matriz], estão expostas ao público as medalhas para a competência de foot-ball que deve começar no fim do corrente mês.’

Apesar das questões do Café Teatro encontrarem pouco eco na notícia de 2 de Janeiro, o anúncio do início de uma competição para o fim daquele mês, em que os prémios seriam novamente medalhas, leva-nos a desconfiar de que a prova anterior fora anulada e substituída por uma nova. Ainda há a considerar a hipótese de ter sido continuada sem ser divulgada. Ainda que possível, cremos ser pouco provável.

Iria dispor de melhores condições? Não se sabe. Mas a exposição pública dos prémios na montra da loja na Matriz do Sr. Manuel I. Correia é já um indício importante de uma atitude diferente.

Será Manuel I. Correia o mesmo que Manuel Inácio Correia? Da Ourivesaria Correia e Picanço? Com um estabelecimento no Largo da Matriz? Se assim for, não poderia haver melhor sítio do que o Largo da Matriz para se divulgar a nova competição.

Era central, ficava a dois passos da igreja Matriz, da Alfândega, da Misericórdia, da Câmara, do porto, enfim toda a gente passava por lá.

As medalhas da prova anterior transitariam para a nova? É bem possível. O facto de nada mais ser revelado, não exclui a possibilidade de as demais propostas da reunião do Café Teatro não terem sido aceites: criação de um clube e nomeação da sua direcção. Ou, já agora, de terem sido aceites, pelo que, se deve deixar o assunto em aberto.

De regresso à nova competição, pode dizer-se que, pelo modo sedutor como o Diário dos Açores refere as medalhas, outra coisa não se terá pretendido que não fosse a valorização da própria prova. Ao valorizar-se o prémio final em jogo, as medalhas são descritas num tom de cobiça, valorizava-se a competição. Portanto, novo exemplo de mudança de atitude para com o público: ‘de prata com centros de ouro e têm gravadas as palavras football, Prémio.’

Como se não bastasse, para atribuir ainda mais valor à prova, e alimentar um crescente interesse em torno dela, para criar expectativa, a fechar a notícia, revelava-se que foram ‘oferecidas aos footballers pelo Sr. James Darlimple.’

Se fora um inglês quem oferecera, para as mentes provincianas da terra, seria razão suficiente para dar valor ao evento. Terá sido assim?

Saiu desta reunião, um novo espírito dinâmico de abertura à terra. Se o Football quisesse impor-se, os footballers tinham que tomar atenção à terra, tinham que sair de São Gonçalo e atrair gente. Foi o que fizeram: tentaram-se novos atractivos. Como já vimos e iremos ver outros agora.

O Football era temido pelos pais? Então, promoviam-se festivais. A 29 de Março, pela primeira vez na sua existência, o circunspecto jornal a Persuasão de Francisco Maria Supico, mordia a isca.

Na edição daquele dia, escrevia: ‘quinta-feira de tarde houve uma partida de foot-ball em São Gonçalo a que assistiram umas 250 pessoas entre estas mais de 100 senhoras.’

Se se ficasse só por aqui, talvez a Persuasão não tivesse dedicado uma linha que fosse ao acontecimento, muito menos se fossem só coisas da mocidade: ‘Foi festiva e alegre, como a mocidade que nela tomou parte.’

Mas houve mais, até porque o interesse era conquistar a simpatia das famílias ‘Como tinha sido dedicado às famílias dos sportsmen.’

Para provarem que os pais não tinham pouco a temer pelo facto de os filhos praticarem futebol, além de terem propositadamente jogado um jogo provavelmente mais manso do que o habitual, promoveram um espectáculo que extravasou o espaço do campo: ‘andaram eles em carruagens a saudá-las [às famílias] à noite com archotadas.’

E o jornal de Supico, ao concluir que eram ‘muito belas as expansibilidades alegres da juventude,’ depois de pôr o Futebol no seu devido lugar, coisas de rapazes, cansou-se de Futebol e deixou de publicar fosse o que fosse sobre aquele novo desporto.

Supõe-se que mesmo alguns dos leitores mais sisudos de Supico não terão resistido a lançar uma vista de olhos à da Persuasão. A imagem favorável daquele evento de futebol terá chegado a recantos insuspeitos da terra. A tal ponto que arriscamos a afirmar que se o Diário dos Açores tinha tido o mérito de ter apoiado o futebol desde o início, a Persuasão, de certo modo, dado o seu enorme prestígio, com este gesto isolado teria ajudado a legitimar o futebol.

Não vinha já longe o tempo em que o futebol também entraria nas escolas. Acredito mesmo que o muito perspicaz Supico tenha tido a noção do alcance da sua notícia.

Exceptuando-se talvez os funcionários do cabo submarino, ou o padre James do Instituto Fisher, os restantes intervenientes que identificámos, andariam pela mesma idade do conde. O estatuto social do conde foi usado para promover o novo desporto na cidade e na ilha. Veja-se o seu papel na difusão do novo desporto na Ribeira Grande.

Outro indício desta nova atitude saída da reunião de Santana, talvez seja a decisão de alastrar o futebol à ilha. Ter-se-á chegada à constatação de que se se quisesse que o futebol vingasse teria de implantar-se também fora de Ponta Delgada. A expansão para a Ribeira Grande, chamemos-lhe assim, por esta ordem de ideias, seria uma consequência lógica desta estratégia, sendo simultaneamente vantajosa quer para os futebolistas de Ponta Delgada quer para os futuros praticantes da Ribeira Grande.

Jogavam já há meses os, haviam criado ou tentado criar um clube, se havia gente na Ribeira Grande a querer praticar o novo desporto, por que não ir lá dar-lhes uma mão?

As crónicas do Diário dos Açores, terão feito vir gente de todos os pontos da ilha a São Gonçalo: certamente também da Ribeira Grande. Não há nada que nos indique ter havido uma relação entre as reportagens do Diário dos Açores e o primeiro exercício de futebol de 6 de Janeiro na Ribeira Grande, no entanto, é bem possível que tenha havido. Pensando melhor, até talvez haja, se considerarmos o facto de ter sido o Diário dos Açores o único jornal a cobrir circunstanciadamente o acontecimento.

Momento Um: Primeiro exercício de futebol

Quando foram dados os primeiros passos na Vila da Ribeira Grande?

Que se saiba, primeiro realizou-se em Janeiro um exercício, ou treino, depois, entre 6 de Janeiro e 21 de Maio, já instruídos, foi finalmente jogada uma primeira partida ou jogo. Deste modo, concretamente, o primeiro exercício de Foot-Ball com regras e método realizado na Ribeira Grande teve lugar a 6 de Janeiro de 1899, sendo a primeira partida conhecida de futebol realizada entre 6 de Janeiro e 21 de Maio.

Em que circunstâncias? Sabe-se que houve gente da Ribeira Grande presente nos primeiros teams de Ponta Delgada. Tanto nos do primeiro momento do futebol, descrito por Ayalla, como nos do segundo, narrado por Leite de Ataíde. Como exemplo damos: os irmãos Manuel e Luís da Silva Melo, ou Armando de Castro Carneiro. E, todavia, nenhum destes se encontra entre os primeiros sportsmen de 6 de Janeiro de 1898. Por que razão?

Há até apelidos entre os primeiros sportsmen que poderão querer indicar que fossem oriundos ou aparentados a gente da Ribeira Grande, como sejam os Velho Cabral. Se assim for, os Velho Cabral, terão algo a ver com este primeiro jogo divulgado na imprensa. Suspeito até que tenham sido os principais organizadores.

Onde terão sido executados o primeiro exercício e a primeira partida na Ribeira Grande?

O primeiro exercício, no sentido de treino, decorreu no chamado campo das reses ou dos porcos. Nada de especial, já que, em Ponta Delgada, o campo escolhido no segundo momento do grupo de Leite de Ataíde, fora também o dos porcos ou das reses. O campo dos porcos da Ribeira Grande, fazendo parte do novo complexo dos mercados, como registou anos mais tarde Manuel Emídio da Silva, um jornalista do Diário de Notícias de Lisboa, era um dos melhores recintos especializados das ilhas.

Porém, apesar de tudo, não só acharam que poderiam querer melhor como tiveram melhor, pois, a primeira partida, já decorreu no Campo da Avenida de Camões.

Considerando ainda os campos, regressemos ao Diário dos Açores, onde se revela o local do que foi considerado o primeiro exercício:

‘no campo das rezes d’esta villa, houve exercício de foot-ball.’

Contudo, já pelo menos em Maio, aparece o campo da Avenida Luís de Camões. A imprensa da terra, entretanto, entrava na onda do novo desporto. O Norte, jornal fundado em 1895, cujo proprietário e director era o Cónego Cristiano de Jesus Borges, dedicava uma secção intitulado Sport aqueles eventos desportivos. Aí, na edição de 20 de Maio, em que se anuncia a partida do dia seguinte, indica-se o novo local:

‘Amanhã [Domingo, dia 21] (…) no campo da Avenida de Camões n’esta Villa.’

A distância entre a rua do Estrela e a Avenida Luís de Camões, ou seja de um ao outro campo, não fazia aquecer nem arrefecer, bastava andar uns cinquenta passos e voltar à direita. Depois, era percorrer outros tantos e, sendo em um ou em outro dos lados, já se estaria no campo da Avenida Luís de Camões.

Apesar da curta distância, não se justificaria a mudança a não ser que as condições no novo espaço fossem melhores do que as do campo das reses. Dificilmente se encontraria um local pior do que o do campo das reses para a prática do futebol, se pensarmos que no meio havia uma araucária.

Este espaço, sem sabermos ao certo se no lado direito ou no esquerdo da Avenida Luís de Camões, seria ou o que antes fazia parte de uma antiga fábrica da chicória ou o terreno defronte dele.

O complexo dos novos mercados, a ponte dos Oito Arcos e a avenida Luís de Camões eram espaços recentes na malha urbana da vila. A partir do terceiro quartel de oitocentos, a vila voltara a crescer após a expansão dos séculos XVI e XVII.

Para se ficar com a ideia precisa da mudança urbanística do espaço onde ficavam situados os campos das Reses e da Avenida Luís de Camões, talvez seja adequado incluir a extensa citação que se segue: ‘a abertura de duas ruas, sendo uma central que atravessa os referidos mercados tendo entrada do lado do este pela rua denominada da areia, indo prolongar-se para leste com parte da rua do Saco na direcção da rua denominada das Pedras da freguesia Matriz, com a qual se deve de futuro ligar por uma nova ponte, que atravessa esta vila na direcção de sul ao norte, formando assim uma extensa rua pelo lado do norte da vila na direcção de oeste para leste. A outra rua é aberta no meio da rua direita desta vila na direcção do sul ao norte caindo quase perpendicularmente, sobre a primeira rua, que se pretende abrir e formando com esta e as ditas ruas direita e da areia um quadrilátero ou quarteirão quase rectangular.’

A razão para se pretender novas ruas, prendia-se com o ‘facilitar as comunicações de todos os moradores desta vila com os novos mercados (…) prestando-se a nova rua, que se pretende abrir do sul ao norte a novas edificações (…).’ O que, como já na década de cinquenta, houvera uma primeira tentativa frustrada, persistindo ainda a ideia em 1875 ‘para o futuro desta terra, crescente em prosperidade e população, e que já aspira à graduação de cidade.’

Para abrir da rua direita à nova rua dos mercados a rua que viria a chamar-se Luís de Camões, a autarquia teve que negociar a compra de uma casa, conforme a acta da sessão de 27 de Junho, ao pai de dois dos nossos impulsionadores do futebol na Ribeira Grande, que era vice-presidente da Câmara: Francisco de Paula Velho de Melo Cabral Jr.

Na sessão de 10 de Outubro de 1875, é dado o nome do presidente, rua do Estrela, à que vem do local onde se iria construir a ponte nova aos mercados. Para que a rua junto à do Saco ficasse corrente, compraram uma casa para a demolirem.

Na reunião de 9 de Junho de 1880, a um dia de se comemorar o tri-centenário de Luís de Camões, a Câmara aprovou por unanimidade dar o nome á que hoje se chama avenida de Camões rua de Camões. Os mercados foram abertos ao público no dia de reis de 1884.

A ponte tal como a vemos hoje pode dizer-se com alguma segurança que já estaria pronta em 1895.

Pairava uma imagem de vila florescente e sentia-se o orgulho dos seus habitantes que aspiravam à elevação à categoria de cidade. E esta imagem era reconhecida pela ilha.

Quem dinamizou o futebol na Vila da Ribeira Grande e de onde veio a bola?

Para ficarmos por dentro de um dos primeiros passos do novo desporto na Ribeira Grande, há que concentrar toda a nossa atenção de novo na crónica do correspondente da Ribeira Grande do Diário dos Açores. O Norte, que já então se publicava na Ribeira Grande desde 1895, se teve conhecimento do evento, e certamente terá tido, achou que não havia interesse em cobri-lo, por conseguinte, nem uma palavra dedicou a ele.

Apesar de não podermos teimar em dizer que este foi o primeiro exercício de futebol que a Ribeira Grande teve, pode dizer-se que foi seguramente o primeiro a ser seguido pela imprensa. Pode dar-se as voltas que se der, indo tudo dar ao mesmo, teoricamente, os eventos acontecem sem que para isso tenha de lá estar alguém a registá-los, porém, na prática, acabam por não existir quando ninguém está lá a registá-los. Terá sido o caso até antes deste exercício?

Não sabemos o grau de conhecimento de futebol que os novos jogadores detinham, sabemos, no entanto, que queriam aprender métodos e regras. Lendo bem a crónica, fica-se com a impressão de que poderiam até já ter jogado antes, porém, de uma maneira espontânea, sem regras nem método.

Este primeiro exercício de futebol, parece-nos, destinou-se a ser um ‘primeiro exercício’ de diagnóstico à capacidade dos da Ribeira Grande que se apresentaram no campo das reses a 6 de Janeiro.

O cronista, não se sabe se por lisonja ou apenas para não desencorajar os candidatos, talvez por ambos os motivos, revela a sua admiração pela ‘certeza de pontapé de muitos dos novos jogadores.’

É preciso dizer que a iniciativa partiu de um grupo de rapazes da Ribeira Grande. O repórter destacado para o evento, que se identifica como Um Ribeira Grandense, explica o motivou o acontecimento: ‘A pedido dos entusiastas footballers ribeira-grandenses, o sr. José Carvalho trouxe uma bola d’essa cidade [escrevia na Ribeira Grande uma notícia destinada a ser publicada no Diário dos Açores de Ponta Delgada].’

Na continuação do texto, acrescentaria: ‘e foi com ela que tiveram, ontem, o seu primeiro exercício (…).’

Que se pode tirar destas declarações? Que havia gente na Ribeira Grande que gostava do futebol, se calhar, jogando já um futebol rudimentar, talvez assistindo regularmente às partidas no campo de S. Gonçalo, ao ponto de querer aperfeiçoar os seus conhecimentos nas leis e técnicas do futebol.

Mais adiante ainda no texto, convém ler bem a notícia, isso mesmo fica dito nas entrelinhas: ‘(…) como aqui não há rapazes que conheçam as regras do jogo, e ninguém também que saiba jogar com verdadeiro método (…).’

A data calhara bem, coincidira com a altura em que, em Ponta Delgada, se estava a reformular a competição das medalhas. Previa-se o início dos jogos para o final do mês, além do mais, era dia de Reis.

Alguém do grupo dos rapazes entusiastas da Ribeira Grande, é bem provável que fosse um dos Velho Cabral, chegara à fala com o senhor José Carvalho. Havendo aceite, ficara combinado que se encarregaria de trazer uma bola de Ponta Delgada. Como as bolas eram raras e caras, pediu-a emprestada.

Sendo a primeira vez que um tal exercício daquela natureza rigorosa iria decorrer na Ribeira Grande, é provável que viessem com ele não só os dois capitães dos teams de Ponta Delgada, Aires Jácome Correia e James Darlymple, mas alguns outros atletas das duas equipas de Ponta Delgada. Neste exercício futebolístico de 6 de Janeiro, deverão ter estado presentes na mente dos formadores convidados dois objectivos: um, o de apresentar o novo desporto perante um público pouco ou nada conhecedor, levado a cabo por atletas já treinados, outro, o de, dando oportunidade aos da terra de se exibirem, fazer o diagnóstico às suas capacidades.

Para consegui-lo com eficácia, seria necessário pôr a jogar os principiantes da Ribeira Grande misturados com alguns práticos de Ponta Delgada. No final, após o balanço, traçar-se-ia um plano de desenvolvimento do futebol na Ribeira Grande.

Neste ponto, a opinião do cronista parece confundir-se com as pretensões dos próprios futebolistas da Ribeira Grande, quando diz que estes, para evoluir, precisavam de tomar várias medidas: ‘(…) requisitar uma bola de Inglaterra, para jogarem todas as quintas-feiras e domingos de tarde.’

Conseguir o apoio técnico de gente qualificada: ‘pedimos aos dois dignos capitães dos grupos azul e vermelho, senhores conde de Jácome Correia e James Darlymple, como o primeiro entusiasta neste género de jogo, aceda gostosamente ao nosso pedido.’

Angariar mais jogadores: ‘para perfazer o número de 22 jogadores, ficou encarregado o Sr Humberto Borges V. de M. Cabral de falar a mais alguns cavalheiros.’

Não se sabe qual terá sido o critério que Humberto Borges Velho de Melo Cabral usou para recrutar mais futebolistas na Ribeira Grande de modo a completar os 22 pretendidos.

Terá escolhido entre amigos e conhecidos, que o respeitassem como chefe, e que fossem considerados de boas famílias ou educados? De gente que tinha tido contacto com o que se passava em Ponta Delgada. De gente até que já jogava um futebol espontâneo sem regras e que teria de ser instruído nas verdadeiras regras do futebol? É possível.

Mas, nem todos terão podido fazer parte da nova tribo, porque os pais não lhes terão dado o consentimento. O futebol não era ainda uma actividade recomendável. E alguns não pertenciam certamente às famílias ricas da rua Direita, como é o caso de Egas Paulo da Rocha.

Qual a sua proveniência? Os Velho Cabral, os responsáveis pela introdução do futebol como devia ser, eram da freguesia da Conceição: haviam nascido nela e nela moravam. Os campos, quer o das Reses quer o da avenida de Luís de Camões ficavam na Conceição.

Indo agora às listas dos jogadores, quer à do primeiro exercício de 6 de Janeiro, quer a primeiro jogo a São Gonçalo, falando dos que reconhecemos:

BLA BLA BLA

Igualmente não se diz aqui, mas o facto é que por ser o campo das reses um mau sítio para a prática de futebol, por razões que não vêm aqui expressas, conseguiu-se o Campo da Avenida Luís de Camões.

Também não nos é dito, mas, para promover a competição, tal como se fizera em Ponta Delgada, foram criados dois grupos na Ribeira Grande: o amarelo e o verde.

Se o plano fosse cumprido, o jornalista acreditava que: ‘(…) a breve tempo, a julgar pelo entusiasmo com que jogaram ontem, tornar-se-iam óptimos jogadores.’

Por que terão escolhido o verde e o amarelo para os seus teams?

Em Ponta Delgada já existiam os vermelhos e os azuis, pelo que, na Ribeira Grande, não se poderia escolher aquelas, poder-se-iam escolher todas as cores menos aquelas duas. Parece lógico. Mas, de todas as outras cores, por que motivo terão escolhido precisamente aquelas duas? Por que não o preto ou o branco?

É duvidoso que algum dia se venha a conhecer a verdadeira razão da escolha do verde e do amarelo, tenha sido pelo verde da natureza ou pelo amarelo das searas, algo banal em toda a ilha, em particular à concha da Ribeira Grande, o verde da esperança ou o amarelo da energia, certo é que o verde é a cor do Ideal. Curioso? Mero acaso.

Momento Dois: Primeiras Partidas de Futebol na Ribeira Grande

Depois de 6 de Janeiro, só voltamos a encontrar uma nova referência ao futebol na Ribeira Grande passados quase cinco meses. Terá levado algum tempo mas não assim tanto para conseguir-se o essencial antes de dar início às competições entre os verdes e os amarelos: percebe-se que haja sido necessário esperar algum tempo para que a bola chegasse de Inglaterra, pouco menos para arranjar mais candidatos a footballer, um tempinho para treiná-los minimamente e uma palavrinha aos pais de Francisco de Paula para que permitissem usar o espaço na avenida Luís de Camões a que deram o nome de campo Luís de Camões. Não creio, no entanto, que só se tenha começado a jogar a sério em Maio.

E logo um anúncio de uma partida para o dia 21 de Maio: ‘Amanhã pelas 16 horas da tarde há uma partida de foot-ball no campo da Avenida Luís de Camões nesta Vila.’

Ao dar a novidade em primeira-mão, o Norte cometera a proeza de se antecipar em sete dias ao Diário dos Açores. Uma pequena vitória jornalística do astuto cónego Cristiano. Se o Diário dos Açores goza da primazia em ter dado a notícia do primeiro exercício de futebol na Ribeira Grande, o Norte poderá gozar do privilégio de ter anunciado a primeira partida?

Para sermos exactos, terá sido das primeiras, seguramente não a primeira. A crónica daquela partida vinda no Comércio Micaelense, ao contrário do anúncio feito no Norte, confirma a dúvida: ‘A partida jogada domingo [21 de Maio] no campo da Avenida de Camões foi, sem dúvida, uma das melhores que aqui se tem jogado.’

Se a partida de 21 de Maio, exagero ou não do jornalista, não interessa ao caso, foi uma das melhores que se haviam já jogado na Ribeira Grande, então, é porque, antes desta, terão havido certamente outras. Pelo que, se deve antes referir, até melhores provas, que a primeira partida não foi jogada naquele dia 21 de Maio, mas, em outro dia qualquer entre 6 de Janeiro e 21 de Maio

Alguém de apelido Silva Moniz (talvez seja o próprio capitão da equipa, Jacinto Silva Moniz) escreve a crónica do jogo para o jornal Correio Micaelense. Silva Moniz identifica-se como ‘jogador amador do grupo amarelo,’ afirmando ser amigo de José Carvalho (o que é provável dado a ligação aos amarelos), tratando-o mesmo por ‘nosso distinto amigo José Carvalho.’ O trabalho saiu na edição, de Sexta-feira, 26 de Maio. Ou muito nos enganamos ou terá sido a conselho dos seus orientadores, a exemplo do modelo de Ponta Delgada, que, entre Janeiro e Maio foram criados dois grupos na Ribeira Grande, o amarelo e o verde: ‘A partida jogada domingo [21 de Maio] no campo da Avenida de Camões foi, sem dúvida, uma das melhores que aqui se tem jogado.’

Primeiras equipas da Ribeira Grande: os Verdes e os Amarelos

Já em Janeiro, o correspondente na Ribeira Grande do Diário dos Açores, identificado por Um Ribeira-Grandense, adiantava algumas das tarefas a cumprir pelos footballers da Ribeira Grande:

‘(…) Para perfazer o número de 22 jogadores, ficou encarregado o sr. Humberto Borges de M. Cabral de falar a mais alguns cavalheiros. Ribeira Grande, 7 de Janeiro de 1899. Um Ribeira Grandense.’

A provar o interesse dos novos jogadores, passado apenas algum tempo do jogo de apresentação à terra, já a 21 de Maio de 1899, a exemplo do que se passara em Ponta Delgada com os grupos azul e vermelho, haviam-se formado na Ribeira Grande duas equipas: os amarelos e os verdes. Naquela data, mas no ‘campo da avenida Luís de Camões’, os amarelos, capitaneados pelo Sr. José Carvalho, ganharam por dois a zero aos verdes capitaneados por Francisco de Paula. E a provar o interesse dos da terra, não esquecer que tinha havido numerosa concorrência de senhoras e de cavalheiros.

São vários os meios de comunicação a dar a notícia: por que razão?

O Norte do dia seguinte ao Comércio Micaelense, azares, viera dizer o mesmo, mas, sem os laivos de euforia do partidário ‘amarelo’ Silva Moniz: ‘ganhou o grupo amarelo por 2 pontos contra um, marcado pelo grupo verde. Foi capitão do primeiro, o Sr. José Carvalho e do segundo o Sr Francisco de Paula.’

Se este Silva Moniz for a mesma pessoa que Jacinto Silva Moniz, é este o nome que surge na crónica do jogo em Ponta Delgada a 1 de Junho, viria ser o capitão dos amarelos. Leite de Ataíde falava, em 1949, em termos de uma nova seita do futebol, em 1898/99, mas que, no entanto, havia uma certa frieza entre azuis e vermelhos. Isto para Ponta Delgada. É provável que se passasse o mesmo entre os dois os verdes e os amarelos da Ribeira Grande.

Entretanto, o nome do Sr. José Carvalho não figura entre os seleccionados de Ponta Delgada que a 15 de Maio defrontaram no Campo de São Gonçalo um grupo de oficiais de dois vapores ingleses. Será caso para pensar-se: estava dedicado em exclusivo à Ribeira Grande? Ou estava lesionado ou não fora considerado à altura dos seleccionados? Quem sabe? Nos não sabemos.

Primeira saída e derrota em Ponta Delgada

Não se diz directamente aí, mas José Carvalho para ir a Ponta Delgada com um grupo da Ribeira Grande, para não envergonhar ninguém, terá ido buscar aos amarelos e aos verdes os que entendeu serem os melhores. Melhores em que? Talvez não só no aspecto técnico mas também no social. Não me parece que se deixaria atrás um Velho Cabral ainda que não fosse melhor do que um outro sem nome sonante.

Já haviam decorrido mais de quatro meses do dia 6 de Janeiro, entretanto, quando os patronos de Ponta Delgada acharam que alguns dos jogadores da Ribeira Grande não envergonhariam a terra indo a Ponta Delgada jogar.

A 23 de Maio, de novo o Diário dos Açores, faz saber que constava ‘que o Sr. James Darlymple vai organizar brevemente uma partida de foot-ball, entre jogadores da Ribeira Grande e os desta cidade.’

Darlymple, certamente um dos patronos, sendo o treinador no terreno o Sr. José Carvalho, riscos calculados, achou que chegara a hora de arriscar uma saída a São Gonçalo.

Conhecendo o valor do grupo de footballers seleccionados da Ribeira Grande, Darlymple terá escolhido um grupo de Ponta Delgada do seu nível competitivo. Mais forte o suficiente para puxar pelos da Ribeira Grande mas não tão forte que os esmagasse? É possível. De outro modo, iria desencorajar os da Ribeira Grande? Pelo que se pode ver, terá sido.

A partida é jogada a 1 de Junho de 1899. Que se saiba, foi a primeira vez que a Ribeira Grande foi a Ponta Delgada jogar futebol. Seria bom não confiar apenas nos que jogavam na Ribeira Grande, iam reforçados pelo treinador José Carvalho e por João Borges Velho Cabral, um dos azuis de Ponta Delgada, natural da Ribeira Grande.

Do grupo da Ribeira Grande faziam parte: José Carvalho, capitão, João Borges, Humberto Borges (guarda-redes), Francisco Paula, Manuel Pereira, Manuel Rodrigues, António de Sousa Cavaco, Egas Paulo da Rocha, Jacinto Moniz, João da Ponte e Silvano Machado Carneiro.

Dos dezasseis que participaram no exercício de 6 de Janeiro, foram convocados sete para o jogo de 1 de Junho:

Jacinto [Silva] Moniz, capitão dos amarelos, Francisco de Paula Velho de Melo Cabral, capitão dos verdes, Humberto Borges Velho de Melo Cabral, verde, encarregado a 6 de Janeiro de angariar mais atletas, António de Sousa Cavaco, não sei quem possa ser, Manuel Rodrigues, também não sei quem possa ser, Silvano Machado Carneiro, mais tarde professor de instrução primária, e João Ponte, talvez da família Ponte.

Porém, nove não foram:

Hermínio de Melo, Manuel de Arruda, Dinis Tavares de Melo (será da família do Dr. Jorge Gambôa de Vasconcelos?), José de Sousa Nuno Jr., Luís Gonzaga Raposo, José Duarte (dos Duarte da Conceição? Alfaiate?), Manuel Inácio de Melo (seria empresário do cinema) e José jacinto Jácome (o nome não parece muito nítido).

As razões pela falta destes nomes iniciais, pode ser explicada de maneira diversa. Porque não estariam disponíveis: doença, morte até, impedidos pelos pais, mudança de residência, terem ido estudar para fora; porque haviam desistido de jogar futebol; ou porque não foram considerados à altura de integrarem uma selecção.

Foram integrados dois novos elementos: Egas Paulo da Rocha, adolescente, talvez já aprendiz de serralheiro, e Manuel Pereira. E reforçada a equipa por outros dois elementos: o vermelho e treinador José Carvalho e o azul, natural da Ribeira Grande, João Borges Velho de Melo Cabral

Neste grupo, destacam-se três membros da família Velho Cabral: Humberto, guarda-redes, Francisco de Paula e João Borges. O último jogava nos azuis de Ponta Delgada e não fizera parte do exercício inicial em Janeiro. Diogo, que seria um quarto, e que entrara no exercício inaugural, desta vez não participaria.

O serralheiro Egas Paulo da Rocha, talvez devido à sua habilidade excepcional, fora convocado. Eram tudo jovens que não tinham ainda feito vinte anos.

Se dos dezasseis de 6 de Janeiro, vamos supor, só sobreviveram os sete que foram a 1 de Junho jogar a Ponta Delgada, Humberto Borges terão ido buscar quinze novos reforços para perfazer os vinte dois, se se mantiveram os dezasseis, então terá sido necessário apenas mais seis. Dos quais, dois seriam Egas Paulo e Manuel Pereira.

Todavia, estas contas não são certas, já que existem muitas variáveis que não dominamos.

Quem eram estes atletas? Idades, pais e ocupações. Para traçarmos com segurança os seus perfis, é preciso saber mais. Sabemos apenas de alguns, porém, ainda não identificámos a maioria. Dos Velho Melo Cabral sabemos que Humberto e Diogo são irmãos e primos de Francisco de Paula.

A confiar nos dados do recenseamento eleitoral de 1916, que quanto a idades não são fiáveis, Humberto teria à volta de 17 anos em 1899. Outros, porém, tais como ocupação, estado civil e residência serão mais fidedignos. Sem confirmar, dir-se-á que em 1916, Humberto era um proprietário, casado, com 34 anos, residindo na rua de Nossa Senhora da Conceição.

Casou, segundo outra fonte, na sua e na da esposa igreja paroquial da Conceição, no dia 11 de Dezembro de 1905. É provável que continuasse a jogar depois de casado? O primo Humberto jogou.

O irmão Diogo nasceu em 1875 na Conceição e faleceria com setenta ou perto de setenta anos em 1945. Portanto, teria já feito vinte e quatro anos ou ia fazê-los em 1899. Terá sido talvez a razão porque não foi jogar a Ponta Delgada a 1 de Junho? Já não tinha idade para o futebol? Não parece, pois o primo Humberto era mais velho e foi.

Casou na Fajã de Cima, paróquia da esposa certamente, um ano antes do irmão Humberto, a 10 de Dezembro de 1904. Diogo aparece no recenseamento de 1916, com trinta e nove anos de idade. A genealogia indica o ano de nascimento em 1875, o recenseamento remete para 1877: qual das duas fontes está correcta?

Era proprietário tal como o irmão e morava na rua de Nossa Senhora do Vencimento.

O primo Francisco seria mais velho que o primo Diogo, uns dois anos, a confiar na genealogia: nascera em 1873. Porém, o recenseamento de 1916, tira-lhe quatro anos: 1877. Vem a falecer em 1930. Casou duas vezes: o primeiro foi em 1898, o segundo, em 1930. Portanto, terá ido jogar já casado.

Regressando ao recenseamento, era proprietário, estava com 39 anos em 1916, residia tal como o irmão Humberto na rua de Nossa Senhora da Conceição.

Terão abandonado o futebol? Creio que a sua, resta ainda provar, há que seguir o trajecto do futebol na Ribeira Grande, desistência, terá feito com que o futebol estagnasse ou mesmo parasse. Sendo Francisco um dos grandes entusiastas do futebol, terá existido algum motivo pessoal que o tenha levado a desistir? Morte da esposa? Teria 22 para o recenseamento e 26 anos para a genealogia. Acabaria por ser da idade e por motivos de ocupação: era proprietário?

Excepto Humberto, que à altura contaria uns dezassete anos, os outros dois haviam ultrapassado os vinte anos.

Se estudarão, onde o terão feito? É um caso deveras curioso: não se encontrou nenhum dos três nas listas do Liceu de Ponta Delgada. Terão ido estudar no Instituto Fisher? Só Humberto teria idade para lá ter estudado. Mas não sabemos. Terão estudado em casa, ou em algum local da Ribeira Grande? Terão mesmo estudado na Inglaterra?

Se algum deles ou todos eles, estudaram na Inglaterra, não terão vindo com muito conhecimento de futebol.

Encontrámos um Silvano de Melo Carneiro nas listas do Liceu de Ponta Delgada, frequentando no ano de 1896-1897, a 1.ª classe, que pode bem ser o Silvano Machado Carneiro da lista dos futebolistas.

Era filho de Silvano Machado Carneiro. No recenseamento de 1916, aparece um Silvano de Melo Carneiro, com trinta anos de idade, residindo na rua do Alcaide, na paróquia da Conceição. A sua profissão era professor oficial. A ser ele, a ser a idade do recenseamento mais ou menos correcta, teria pouco mais de treze anos em 1899. Ou teria sido o pai?

Não pode ser o pai. Devem ter trocado os nomes do pai com o do filho. O filho nasceu quase um ano depois do casamento dos pais. Os pais haviam casado a 29 de Abril de 1882. Silvano, filho, nasceu a dezasseis de Abril de 1883 na Matriz de Nossa Senhora da Estrela. Portanto, teria dezasseis e não treze. O Melo poderá ter vindo do avô materno das Capelas Manuel de Sousa Melo e o Machado do pai. Sendo ambos Silvano, teria sido fácil a confusão.

Ao contrário dos Velho Cabral, que eram da Conceição, Silvano era da Matriz tal como Egas Paulo da Rocha. Este nasceu em Agosto de 1880 na Matriz de Nossa Senhora da Estrela. Portanto, teria dezoito anos feitos. Enquanto os Velho Cabral eram proprietários, Silvano Carneiro seria funcionário público e Egas Paulo serralheiro. Emigrou para os Estados Unidos da América do Norte e regressou à terra, onde faleceu em 1956 com setenta e cinco anos. Em 1916, ainda estava na Ribeira Grande, ou já havia regressado de lá, falta apurar, com 36 anos. A data aqui bate certo com a do termo de baptismo. Morava na Matriz, seria rua da Matriz, era casado, lojista e serralheiro.

Não conseguimos identificar com segurança os cinco restantes, tirando João Borges e José Carvalho: António de Sousa Cavaco; Manuel Rodrigues, João da Ponte, Manuel Pereira e Jacinto Moniz.

Jacinto Moniz, provavelmente Jacinto da Silva Moniz, capitão dos amarelos e cronista desportivo, não foi encontrado nem nas listas do Liceu nem na do recenseamento eleitoral de 1916. Quem será? Teve papel importante nos primórdios do futebol na Ribeira Grande.

Manuel Pereira também não aparece nas listas do Liceu. No recenseamento eleitoral, aparecem um Manuel Pereira, da Matriz, solteiro, amanuense da administração, residindo na Travessa Gaspar Frutuoso. Teria à altura 33 anos de idade. Se for este o nosso, com o devido desconto, teria pouco mais de dezasseis anos.

Para João da Ponte, Manuel Rodrigues e António de Sousa Cavaco não temos pistas seguras.

Além de ser uma selecção dos dois grupos da terra reforçada por dois elementos, era constituída por rapazes de ambas as paróquias. Além de incluir gente fora do círculo dos proprietários. As idades iam dos dezasseis dezassete até aos vinte e qualquer coisa. Claro que, com mais dados sobre as biografias, poderemos vir a alterar o perfil destes jogadores.

Não terão ido a Ponta Delgada apenas os jogadores, a acompanhá-los devem ter ido outras pessoas. É possível que conhecidos e amigos. Seria uma maneira de lhes dar uma confiança suplementar. Enfim, apesar de tudo, era precisos irem descontraídos. Ao fim e ao cabo iam ao campo de São Gonçalo, local onde já se praticava futebol a sério há pelo menos um ano.

Ponta Delgada venceu por três a zero a Ribeira Grande. Sobre o jogo temos duas notas, uma publicada logo no dia seguinte, no Diário dos Açores, e a outra, três dias depois, no jornal O Heraldo.

Quem fez a nota para O Heraldo até podia perceber bem de futebol, mas o resultado foi uma nota concisa, confusa e pouco interessante. Publicou-se assim: ‘muito animado o match de quinta-feira, em São Gonçalo, entre o club da cidade e o club da Ribeira Grande [Saberia a diferença entre team e club?] (…).’

Continuava: ‘ganhou o match por três pontos contra nenhum, o club de Ponta Delgada, cujos jogadores foram prendados com fitas.’

Um ou dois meses antes, na desforra pedida pelos azuis aos vermelhos na competição das medalhas, a julgar pelo testemunho de Leite de Ataíde, introduzira-se o uso de disputar partidas cujos prémios eram fitas.

E, a provar o crescente interesse, acerca da natureza do público: ‘Numerosa e selecta assistência.’

E mais não disse, por não saber ou por não querer. O Diário dos Açores já dera a notícia detalhada dois dias antes. Se calhar até os leitores de O Heraldo não estavam nem habituados nem interessados.

O Diário dos Açores daquela sexta-feira, dia 2, deve ter circulado por mãos interessadas em Ponta Delgada e na Ribeira Grande. Dada a natural vaidade humana, é provável até que o artigo tivesse sido recortado e guardado entre as recordações de mais interesse dos jogadores da Ribeira Grande.

Como já demos a constituição do grupo da Ribeira Grande, que por ser o convidado e ficar bem, foi referido na nota em primeiro lugar, passemos ao de Ponta Delgada. Começa por dizer ‘o dos jogadores desta cidade era composto dos senhores (…).’ São tratados sempre por senhores ainda que sejam, não sei neste caso, adolescentes. E enumera-os: ‘José Vieira (capitão), Francisco Medeiros, Jacinto Bicudo, Virgílio Silva, Ernesto Macedo, Eduardo Severim, Manuel Silva, José Alves, António da Câmara, Guilherme Leite Machado e José Morais.’

Quem são eles? Para ficarmos a saber, vamos comparar os nomes dos jogadores de Ponta Delgada escolhidos para o jogo de 1 de Junho, conforme o cronista do Diário dos Açores, com os que são referidos no trabalho de 1949 de Leite de Ataíde: a lista geral de jogadores da altura, conforme os recorda Leite de Ataíde e a legenda da fotografia tirada a 12 de Maio nos jardins do Palácio de Santana, também referida por Leite de Ataíde.

Dos onze de Ponta Delgada convocados, não conseguimos estabelecer a ligação apenas a Francisco de Medeiros e a Ernesto Macedo, que apesar de virem no Diário dos Açores, não aparecem no trabalho de Leite de Ataíde.

Dos restantes nove, três eram do team azul e seis do vermelho. Dos azuis saíram José Vieira, corredor, nomeado capitão da equipa, a peça mais importante do team, um back, António da Câmara Velho Cabral, e um half back, Jacinto Bicudo. No caso deste último, é possível que tenha actuado em posição diferente da sua. Isto porque, tendo nós identificado quatro half backs, quando as tácticas de então utilizavam apenas três, temos um além dos três necessários.

Dos vermelhos veio o segundo back, Guilherme Machado, três half backs, Virgílio Silva, José Alves e Eduardo Severim. Dos cinco corredores, a jogar ao lado do capitão José Vieira, alinhou o vermelho Manuel da Silva.

Talvez os dois jogadores não identificados, afinal, a respeitarem-se as posições, terão sido corredores.

Não alinharam vários dos habituais jogadores de Ponta Delgada, alguns deles influentes. Dos azuis, ficaram de fora, o marquês de Jácome Correia, Luís Bernardo Leite de Ataíde, Francisco Carvalhal, João Borges Velho Cabral, que jogaria pela selecção da sua terra, o padre James e Wilkinson .

Dos vermelhos também ficaram alguns elementos bastante influentes, José de Carvalho, treinador na Ribeira Grande, alinhou ao lado dos seus jogadores e Dalrimple.

Foi uma equipa forte mas sem as estrelas.

A terem jogado, a equipa de Ponta Delgada seria bem mais forte. As grandes estrelas de Ponta Delgada, conde Jácome, padre James, Wilkinson, e Darlimple, não jogaram e dois dos seus bons jogadores, ligados à Ribeira Grande, foram reforçar a Ribeira Grande: João Borges e José Carvalho.

Até prova convincente em contrário, há um nome, Manuel Silva, corredor dos vermelhos, que me deixa com a dúvida se seria Manuel da Silva Melo, da Ribeira Seca. Se assim for, não terá alinhado como não alinhou Luís da Silva Melo no exercício de 6 de Janeiro, provavelmente porque sendo naturais da Ribeira Seca não se consideravam da Ribeira Grande.

Ficando ambas a menos de um quilómetro de distância uma da outra, a distância identitária a separá-las era considerável. Só há pouço tempo, com integração da Ribeira Seca no espaço da cidade, primeiro ao nível legal, mais tarde, pela integração sua urbanística, é que se estarão mais próximas.

Algo a destacar, que talvez nos faça chegar aos verdadeiros responsáveis pela introdução do futebol na Ribeira Grande, é o facto de estarmos perante uma consonância de cinco nomes da família Velho Cabral: três participantes da Ribeira Grande no primeiro exercício eram Velho Cabral, dois irmãos e um primo. Um deles ficaria encarregado de angariar mais jogadores num total de vinte e dois necessários.

O campo da avenida Luís de Camões ficaria com muita probabilidade em terrenos daquela família. Além destes três Velho Cabral, de dois outros, um João, sendo da Ribeira Grande e jogava em Ponta Delgada e alinharia, como dissemos pela selecção da sua terra, e um segundo António Câmara Velho Cabral, dos azuis. Os Velho Cabral da Ribeira Grande eram verdes e em Ponta Delgada azuis.

Chegou agora à altura de pedir emprestadas as palavras ao nosso cronista do jogo. Adiante-se que os da casa, muito certamente por cortesia, cederam a parte mais favorável do campo aos visitantes, ou seja, porque o campo não era nivelado, ofereceram a parte que descia e ficaram com o lado do campo que subia, mas mesmo assim: ‘Pouco depois de começar o jogo o Senhor Macedo marcou um ponto.’ Para uma equipa experiente, começar um jogo fora logo a perder é sempre difícil, mas para uma equipa estreante começar o seu primeiro jogo fora logo a perder é ainda mais difícil. Explicava-se que o lance do golo, resultara ‘de um bonito ataque pelos forwards [traduzido por corredores. O Senhor Macedo era forward como suspeitamos].’

Talvez por causa dos nervos, o guarda-redes da Ribeira Grande tenha optado mal pela forma de defender a bola: ‘o guarda-baliza da Ribeira Grande, sr. Humberto, podia ter facilmente evitado este ponto se defendesse com as mãos (…).’

Mas, como a equipa da Ribeira Grande, viria a sofrer consecutivos ataques pela sua congénere de Ponta Delgada, Humberto teria amplas oportunidades para se redimir e redimiu-se: ‘este senhor jogou muito bem o resto do jogo’ E mais, como então se aplaudia quem jogava bem, sendo ou não da nossa equipa, Humberto conheceu o estímulo dos aplausos do público de São Gonçalo: ‘merecendo, por vezes os aplausos dos espectadores.’

Uma falha só se emenda com uma boa defesa, que animaram a equipa da Ribeira Grande. Mas não apenas ele, a Ribeira Grande não se limitou a defender, também atacou, graças ao seu reforço da terra que alinhava pelos azuis de Ponta Delgada e pelo treinador que alinhava pelos vermelhos: ‘os senhores José Carvalho [back] e João Borges [half back], jogando bem e animando os seus jogadores, chegaram, por duas vezes, a atacar bem e deram pontapés muito direitos a baliza mas a bola nunca passou do senhor Morais.’

O back José Carvalho, capitão da equipa, defendia e atacava e o half back João Borges também, mas equipa que não marca, arrisca-se a sofrer golos, e assim sucedeu, os de Ponta Delgada voltaram a marcar ainda antes do intervalo: ‘pouco depois o [half back] Sr. Virgílio Silva marcou outro ponto (…).’

Os da Ribeira Grande foram para o intervalo a perder por dois a zero. Um golo consentido logo no início contra uma equipa desfalcada de Ponta Delgada, terá feito tremer a equipa da Ribeira Grande. Porém, aguentou o embate inicial, batendo-se de igual para igual, havendo tido a infelicidade de o guarda-redes contrário ter defendido dois remates. Maior ainda, quando consentiu um segundo já perto do intervalo.

Levar um golo cedo e consentir outro próximo do descanso, terá perturbado bastante a equipa. Desanimados, os da Ribeira Grande, pelo contrário, animados, os de Ponta Delgada, ‘trocadas as posições e jogando os da cidade para baixo, tendo, a seu favor, o declive, foram como era de esperar, muito superiores (…).’

Não creio que a superioridade dos de Ponta Delgada na segunda parte se devesse apenas ao declive do terreno, creio que terá também muito a ver com a sua condição anímica.

Ainda se marcassem um golo cedo, mas não marcaram e terão sofrido um terceiro. E se não consentiram mais do que três golos, o facto ficara-se a dever á exibição do guarda-redes: ‘sendo só devido à boa defesa do senhor Humberto que não marcaram muitos pontos.’

Apesar das defesas do Senhor Humberto, ‘o senhor Bicudo [o azul Jacinto Correia Bicudo era half back] com um bonito pontapé de lado [não sei o que significa], marcou mais um ponto para os nossos jogadores, ganhando estes por 3 pontos contra nenhum.’

Logo nas primeiras crónicas em Julho de 1898, ia para um ano, o cronista começara por ser um divulgador isento no novo desporto, sem parecer tomar parte por nenhum dos dois teams, embora pendesse para o lado dos azuis, agora apresentava-se sem disfarces como sendo de Ponta Delgada: ‘mais um ponto para os nossos (…).’

Tal como sucedera no jogo de desforra do torneio das medalhas, ganho pelos vermelhos, certamente por ter então obtido enorme sucesso, era fácil de confeccionar e barato, este jogo Ponta Delgada – Ribeira Grande teve também como prémio fitas. Foram oferecidas pela comissão de senhoras da Cozinha Económica da cidade de Ponta Delgada.

O futebol estava deliberadamente a querer tornar-se simpático depois da reunião do Café do Teatro em finais de 1898: fora o festival na Primavera, agora este amigável entre as duas principais localidades da ilha.

Desporto de amadores educados, com um público seguindo os mesmos princípios, após a imposição das fitas no peito dos vencedores, os vencidos seriam saudados ‘com muitas vivas, o senhor Carvalho [capitão da equipa e treinador] e os seus jogadores.’

Também foram incluídos na saudação, do público e de todos os atletas presentes, supõe-se, ‘o senhor Wilkinson [seria o capitão de Ponta Delgada na deslocação à Ribeira Grande], a quem era dedicada a partida, e ao senhor Dalrymple, por ser o organizador do futebol.’

Era o reconhecimento público, cortês, da acção dos dois britânicos em prol do futebol: homenagem a quem organizava o futebol na ilha.

Apesar de ser um cronista de Ponta Delgada, ao encerrar o seu trabalho jornalístico, não deixou de cumprimentar ‘os senhores Francisco de Paula [verde] e Jacinto Moniz [amarelo], capitães dos dois grupos da Ribeira Grande.’

Esta nota final, pode ajudar a provar que a equipa que veio da Ribeira Grande a Ponta Delgada era (excepção a João Borges, que jogava nos azuis de Ponta Delgada) uma selecção dos verdes e dos amarelos. Porquê? Os dois capitães jogaram juntos e nenhum deles foi capitão. Porquê? Uma razão da escolha de José Carvalho, o capitão era alguém importante no desenrolar do jogo, prende-se com o facto de ele ser treinador. Mas, talvez outra fosse para não ferir as susceptibilidades dos dois teams.

Que pensar do facto de dois dos três pontos terem sido feitos por half backs e se calhar um só por um forward? Que a segunda linha aproveitava as falhas ou as segundas bolas para rematar com êxito à baliza contrária? É possível.

A viagem de regresso, não deve ter sido festiva. Certamente os da Ribeira Grande terão pensado antes do jogo que apesar de irem a São Gonçalo poderiam trazer um bom resultado.

Mas, já andariam a pensar no jogo da desforra na Ribeira Grande.

A retribuição dos da Ribeira Grande aos de Ponta Delgada

Exibição na Ribeira Grande destinada a fins caritativos entre um grupo local e outro de Ponta Delgada

Na sexta-feira, dia 9 de Junho, foi a vez de Ponta Delgada ir à Ribeira Grande jogar. O que a imprensa divulgou, um simpático jogo de benemerência, revelava apenas parte das intenções dos locais, já que os da Ribeira Grande terão querido aproveitar o encontro para se desforrarem da pesada derrota sofrida uma semana antes.

Porém, as notícias não eram nada animadores para as intenções dos futebolistas da Ribeira Grande. Ponta Delgada havia derrotado na véspera uma equipa inglesa e vinha de quatro vitórias consecutivas fora. Estava embalada e bastante moralizada. Talvez só houvesse algo a favor dos da Ribeira Grande, o cansaço dos jogadores de Ponta Delgada. Iriam disputar o terceiro jogo em pouco mais do que uma semana.

Mas vamos por partes, usemos a imprensa da época para nos orientar: o jogo seria disputado no campo da avenida Luís de Camões e a receita reverteria a favor das obras do altar-mor da padroeira da freguesia: Nossa Senhora da Conceição.

Na quarta-feira anterior, o Diário dos Açores anunciva que se projectava ‘(…) para sexta-feira próxima, uma partida de foot-ball no campo da avenida Camões, na Ribeira Grande.’ Que se pretendia que fosse ‘(…) em benefício do altar da capela-mor da igreja de Nossa Senhora da Conceição.’ Não diz se seria ou não uma selecção, apenas refere laconicamente que ‘tomarão parte os jogadores desta cidade [Ponta Delgada] e os daquela vila [Ribeira Grande].’

Se os da Ribeira Grande, tinham tido oito dias para recuperarem forças e curar mazelas, o mesmo não se poderia dizer dos seus adversários, que haviam jogado no dia anterior. Na opinião do cronista do Diário dos Açores, afecto aos locais, Ponta Delgada brilhara frente a uma equipa de tripulantes de um navio inglês. A mesma opinião, que se desconhece mas que se adivinha, não deveriam ter tido os ingleses derrotados: fora apenas uma mera equipa de recurso que defrontara os de Ponta Delgada.

A notícia ao chegar à Ribeira Grande deve ter assustado ainda mais os locais: iam defrontar uma poderosíssima equipa.

Os da Ribeira Grande menos experientes, sabiam que os de Ponta Delgada vinham cobertos pela glória do feito do dia anterior. Talvez para os descansar, o senhor Wilkinson tivesse sido o capitão dos da Ribeira Grande: era um estrela do futebol de Ponta Delgada. Os de Ponta Delgada teriam por capitão o conde de Jácome Correia: hábil jogador.

Não se conhece a composição das equipas que se defrontaram a 9 de Junho no campo de Luís de Camões, porém, é de crer que, não tendo havido lesões irrecuperáveis no dia 1 para os da Ribeira Grande, nem no dia anterior para os de Ponta Delgada, as equipas poderão ter alinhado quase da mesma forma. Excepções feitas aos dois capitães já referidos. Além destes, será que os senhores José Carvalho e João Borges alinharam pelos da Ribeira Grande?

E por Ponta Delgada? Será que jogaram o padre Jaime e Darlimple? As grandes estrelas?

Terão mesmo alinhado todos os jogadores que haviam jogado no dia anterior contra os ingleses?

Não se sabe.

A entrada para o jogo, segundo a mesma fonte, custaria 50 réis por pessoa, porém, não se esclarece aí quem paga, se se incluíam crianças, senhoras e idosos, além do mais, haveria uma despesa adicional para quem pretendesse ver o jogo sentado: 125 réis cada cadeira.

Era uma excelente oportunidade para os jovens desportistas afirmarem a sua dedicação às causas da comunidade. Além de mostrarem o seu apego à religião e aos bons costumes, valores que nem sempre eram associados aos primeiros futebolistas, era uma boa maneira de afirmarem a sua sensibilidade à cultura: seria celebrado no dia seguinte o poeta Luís de Camões. De certo modo, o poeta era o seu patrono e o do campo.

Sendo embora um encontro destinado à angariação de fundos, ainda assim, haveria por parte dos jogadores de ambos os lados da contenda uma motivação adicional: os de Ponta Delgada queriam manter a sua invencibilidade e os da Ribeira Grande pretendiam a desforra.

Como crescesse o interesse pelo novo desporto, outros jornais começam a seguir o futebol. Além do mais, o Diário dos Açores parecia ter deixado de lado a imparcialidade dos primeiros meses, agora que existia futebol na Ribeira Grande, passando abertamente a defender Ponta Delgada.

Dado o manifesto interesse da iniciativa, O Commercio Michaelense deu a notícia.

Saindo no mesmo dia do Diário dos Açores, usando, todavia, um estilo diferente, parece dizer basicamente o mesmo. Porém, passada a primeira metade da notícia, passa-se na metade restante a incentivar a população a ir ao jogo.

Para levar as pessoas ao campo da avenida Luís de Camões no dia 8 de Junho, o autor da notícia do Comércio Micaelense, cuja identidade se desconhece, opta por apelar ao bairrismo e à piedade cristã. Começa pelos sentimentos de bairrismo da população da Ribeira Grande: ‘É de esperar que para tão justo fim não passará despercebido o dia de sexta-feira para os ribeiragrandenses que tantas provas têm dado do seu entranhado amor pelo engrandecimento da sua Terra natal.’ Continua referindo o que estaria verdadeiramente em jogo: ‘Trata-se de um benefício para a continuação das obras na capela da igreja da Senhora da Conceição (…).’ Tocando no nervo da religião, termina afirmando não haver desculpa possível para quem faltasse: ‘ninguém que tenha no peito a chama ardente do amor pela religião, se recusará a ir lá deixar o seu óbolo em testemunho da mais viva veneração pela nossa Padroeira do Reino.’

Como fora anunciado amplamente, o encontro realizou-se na sexta-feira, no sábado, dia 10, o Diário dos Açores e o Norte dão a crónica do jogo. Enquanto O Norte trata exclusivamente ao jogo do dia anterior, o Diário dos Açores reparte-se entre o jogo de sexta e o de quinta contra os ingleses.

Do princípio ao fim da crónica, o Diário dos Açores rejubila com o quinto feito cometido por Ponta Delgada contra grupos de fora. Aliás, dedica apenas um mero quarto de crónica ao jogo da Ribeira Grande. Ainda assim é para realçar o quinto feito dos de Ponta Delgada.

A bordo do vapor inglês de recreio de nome Rhouma (tirar dúvida), conta o Diário dos Açores, vale a pena transcrever a notícia para se perceber as circunstâncias do jogo, ‘que esteve há poucos dias fundeado no nosso porto,havia um grupo de footballers, desafiou o seu capitão, por intermédio do Sr. Bessone, o capitão dos nossos, logo que teve conhecimento de que havia aqui amadores daquele sport. O senhor James Dalrymple aceitou o desafio, combinando-se uma grande partida para quinta-feira última, não chegando, porém, a realizar-se por ter o dono do vapor dado ordem para sair às 6 horas da tarde daquele dia. Ainda assim os ingleses organizaram um grupo, na quinta-feira, entre os tripulantes que não estavam de serviço, jogando contra os nossos foot-ballers, vencendo os micaelenses por um ponto contra nenhum. O sr. Morais [guarda-redes dos vermelhos] jogou tão brilhantemente, que foi cumprimentado pelos ingleses.’

Percebe-se que o grupo de Ponta Delgada ao jogar com estranhos tivesse pretensões a representante da ilha, sobretudo pelo facto de ter derrotado os ingleses, o cronista identifica-os como micaelenses, não se percebe, no entanto, bem a razão pela qual, pouco depois, decidiu incluir no grupo dos estranhos os da Ribeira Grande: ‘os nossos sportsmen têm um notável record, ganhando cinco partidas seguidas, contra grupos estranhos.’

Estranho porque nesta contabilidade entravam o jogo do dia 1, 3 a 0 e o do dia 9, 1 a 0: contra a estranha Ribeira Grande. Tanto mais que antes, havia referido que: ‘na partida de ontem de foot-ball na Ribeira Grande, venceram os jogadores de Ponta Delgada, por um ponto contra nenhum.’

Sem entrar em pormenores, o Diário dos Açores divulga o que renderam as entradas e a venda das cadeiras no jogo do dia 9: ‘(…) 41$400 réis.’

Como seria de esperar de um jornal da terra, ignorando as glórias recentes do do adversário, O Norte concede aos locais uma espécie de vitória moral: ‘não obstante o pouco exercício destes [dos da Ribeira Grande] os de Ponta Delgada só conseguiram um ponto contra zero.’ O jogo durara duas horas.

Por todo o alarde que se fez antes do jogo, seria de esperar que o campo da avenida Luís de Camões conhecesse uma enchente. E conheceu. É claro que esta notícia interessava a O Norte, que presta contas detalhadas aos seus leitores da Ribeira Grande: assistiram ao jogo 504 pessoas. Entravam nas contas crianças, idosos, senhoras? Não sei.

Este número de espectadores, ultrapassa o que se conhece para o campo de São Gonçalo. Claro, é provável, que nem todos os espectadores foram por serem amantes de futebol. Se calhar, teria seria a única e a última vez que iriam a um jogo de futebol. Aderiram à causa das obras da capela da Conceição mas não ao futebol.

Não se conhece o local exacto do campo da avenida de Luís de Camões, por conseguinte, não se poderá dizer se 504 pessoas encheram ou não o recinto.

Mas, pelo tom de O Norte, a iniciativa, muito para além da evidente boa prestação dos locais, fora um sucesso económico: valia a pena promover jogos de angariação de fundos. Além do mais, a imagem de fair play dos footballers terá ajudado.

As 504 entradas haviam rendido 25 165 réis, a de cadeiras dera 16 235 réis. O que quer dizer que 130 das 405 pessoas usaram cadeira. Ou seja um terço dos espectadores esteve sentado. Quem teria estado sentado? Presume-se que senhoras e idosos.

Do total, 41. 400 réis, batendo certo com o adiantado pelo Diário dos Açores, diz O Norte ‘deduzidas umas pequenas despesas, será entregue à Junta de paróquia de Nossa Senhora da Conceição para as obras da capela mor.’

No rescaldo, o que poderão ter pensado os da Ribeira Grande e os de Ponta Delgada?

Os mais optimistas, o que pensavam chegou às páginas do Norte, achavam que apesar do pouco treino só haviam perdido por uma zero. Haviam recuperado da pesada derrota por três a zero em São Gonçalo. Tinham batido o pé à poderosa equipa de Ponta Delgada que saíra vencedora de um jogo com uma equipa inglesa.

Os mais cépticos, não temos informação directa, poderão ter pensado de modo muito diferente.

Em pouco mais do que uma semana, fomos jogar reforçados com uma equipa desfalcada de Ponta Delgada e sofremos uma pesada derrota por três a zero, oito dias depois, de novo reforçados, recebemos uma equipa de Ponta Delgada cansada do jogo do dia anterior e, ainda que só por um a zero, voltamos a perder. Que futuro teremos?

Ao passo que os de Ponta Delgada, conforme o eco no Diário dos Açores, terão pensado o oposto.

Em pouco mais do que uma semana, obtivemos três vitórias contra equipas de fora (inclui as duas sobre a Ribeira Grande): nos dias um e nove de Junho contra a Ribeira Grande e no dia oito contra uma equipa de um vapor inglês.

Esta disponibilidade para jogos com estranhos, surge após a conclusão do torneio das medalhas e da desforra para as fitas.

No dia um ganharam em São Gonçalo por três a Zero, no nove, por um a zero no Campo da Avenida Luís de Camões, a oito, também pela mesma marca em São Gonçalo contra os ingleses. Haviam marcado feito cinco pontos, não havendo sofrido nenhum. Compreende-se que o guarda-redes José Morais tenha sido aplaudido pelos ingleses.

O jornalista do Diário dos Açores afirma mesmo que: ‘os nossos sportsmen têm um notável record, ganhando cinco partidas seguidas, contra grupos estranhos.’

As outras duas, haviam sido disputadas ainda em Maio: a primeira a 15, a segunda, a 20.

A 12 de Maio, as duas equipas locais, os vermelhos, vencedores das medalhas, e os azuis, vencedores das fitas, posaram para a máquina fotográfica nos jardins do conde Jácome Correia. Estavam longe de imaginar a série de cinco vitórias consecutivas.

Terá servido de pausa para descomprimir a normal tensão competitiva entre os dois teams. Talvez até tenham interrompido a competição na época estival e das colheitas, porque só voltamos encontrar um anúncio de novo jogos a 21 de Outubro. De jogos entre teams. Só fala do azul. Depois só a 28 de Dezembro. Sem referir quaisquer teams.

E depois as minhas fontes silenciam-se. Que terá acontecido?

Não recolhi o que havia? Ou recolhi o que havia? Para o responder, há que regressar às fontes. Quais?

Seguir sistematicamente o Diário dos Açores. Caso haja silêncio sobre futebol no Diário dos Açores, que pode significar que por qualquer motivo o cronista deixou de escrever para aquele órgão da imprensa, há que tentar descobrir outro órgão que se interessasse por futebol.

Ao mesmo tempo, ir às actas da Câmara de Ponta Delgada e ao Governo Civil em busca de vestígios.

HERE

Pelo que se disse, poder-se-á afirmar com prudência que, provavelmente, na Ribeira Grande o futebol ter-se-á iniciado de modo sistemático, a partir do dia de Reis do ano de 1899, sob a influência de Ponta Delgada, e de que a bola trazida por José Carvalho fora emprestada por Alfredo Pinto e que, José Carvalho, de quem desconhecemos as origens, terá desempenhado um papel de ligação entre os atletas de Ponta Delgada. Darlimple, Wikinson e o Marquês Jácome Correia como treinadores, e o ribeiragrandense Humberto Borges de M. Cabral como angariador de atletas, também terão sido elementos importantes.

Quem terão sido os primeiros atletas ribeiragrandenses?

Não estamos a excluir a hipótese de o futebol ter sido jogado na Ribeira Grande antes do exercício de 6 de Janeiro. Se assim foi, é provável que tenha sido nos mesmos modos do jogado em 1895 nas pedreiras da doca pelo grupo de Ayalla. Depois deste aparte a-propósito, voltemos a este primeiro jogo.

Do que foi já referido, fácil se torna compreender o papel importante dos sportsmen que praticavam o novo desporto em Ponta Delgada, alguns até da Ribeira Grande ou aparentados aos da Ribeira Grande, na introdução e no ensino do novo desporto na Ribeira Grande. Um papel que se estende ao nível da divulgação nos jornais daquela cidade, no empréstimo de bolas, no treino dos seus jogadores, até na disputa de jogos.

É seguro que os irmãos Manuel e Luís da Silva Melo e Armando de Castro Carneiro, para referir os que identificamos, tenham estado entre os primeiros que praticaram aquele novo desporto em Ponta Delgada. Vindos a casa de férias, é bem possível que tenham jogado na Ribeira Grande, antes ainda de 6 de Janeiro de 1899. Porém, nada disso chegou até nós.

É um mistério para nós a razão porque aqueles três não constam das primeiras equipas da Ribeira Grande. Será porque a 6 de Janeiro se encontravam em Ponta Delgada? Será porque não faziam parte do círculo de amizades dos que jogaram aquela partida?

Fossem quais fossem os motivos que levaram aqueles três a não participar, da primeira equipa conhecida da Ribeira Grande fizeram parte: ‘(…) Jacintho Moniz, Francisco de Paula Velho de Mello Cabral Jr., Diogo Tavares Velho de Mello Cabral, Humberto Borges, António de Sousa Nuno, Hermínio de Mello, Manuel Rodrigues, Manuel d’Arruda, António de Sousa Cavaco, Dinis Tavares de Mello, José de Sousa Nuno Jr., Silvano Machado Carneiro, Luís Gonzaga Rapozo, José Duarte, Manuel Ignacio Lopes, João da Ponte e José Jacintho Jacome (…).

Dois destes, são irmãos, Francisco de Paula era irmão de Humberto, que, eram primos direitos de Diogo. Humberto ficou encarregue de conseguir mais atletas para perfazer vinte e dois. Talvez o campo da Avenida de Luís de Camões ficasse em terrenos da família Velho Cabral.

Francisco de Paula teria 26 anos, o irmão Humberto, não sei ainda, talvez perto dos 22, o primo Diogo, tinha 24 anos de idade. Haviam nascido na Conceição eram bem mais velhos do que os de Ponta Delgada.

Manuel Inácio Lopes tinha cerca de 17 anos e Silvano de Melo Carneiro, 16. Eram da Matriz.

‘Até sensivelmente 1902/1903 o futebol (assim como todo o desporto moderno) estará em processo de aculturação, adaptação e modelação a uma sociedade que, em parte, se mostrava desadaptada à prática de qualquer desporto moderno, o que dificulta, em certa medida, a divulgação do futebol (desporto viril e, em certa medida, violento, no sentido de ser um jogo de contacto e de choque) nestes primeiros anos. As mães, por exemplo, nutriam sérias preocupações em relação a este novo jogo do pontapé, que elas consideravam prejudicial para os seus filhos, os quais chegavam a casa, não raras as vezes, com os joelhos esfolados, com os pés fracturados ou com as cabeças partidas.

O futebol, pela sua prática barata e democrática – bastam uma bola e um espaço aberto para se poder praticá-lo -, rapidamente se desprende da sua base aristocrática, sendo adoptado rapidamente pelos estratos sociais mais desfavorecidos e sofrendo, ainda na primeira metade do século XX, sobretudo em Lisboa, um processo rápido de popularização.

Em 1906, assiste-se à criação do primeiro torneio de futebol (torneio Viúva José Alexandre Senna), em Lisboa, e ao I Campeonato de Lisboa (temporada de 1906/1907). No final da década (sobretudo a partir de 1908), o futebol começa já a desprender-se do seu carácter despreocupado para se tornar um desporto mais sério e competitivo. Entre 1907 e 1910, o número de jogadores inscritos aumenta de 96 para 507, o que demonstra bem a expansão e popularização do jogo.

Por sua vez, esta consolidação do futebol coincide com a fundação de alguns daqueles que são, ainda hoje, os maiores clubes portugueses: em 1903, funda-se The Boavista Footballers, depois Boavista Futebol Clube; em 1904, funda-se o Sport Benfica, que, em 1908, depois de uma fusão com o Grupo Sport Benfica, forma o Sport Lisboa e Benfica; em 1906, nasce o Sporting Clube de Portugal; e, no mesmo ano (re)nasce (?) o Futebol Clube do Porto, depois de ter sido criado, em 1893, um grupo, com o mesmo nome, que estamos convictos não ter qualquer relação com o clube de idêntica designação nascido 13 anos depois. Em 1910, funda-se a Associação de Futebol de Lisboa e, em 1914, a União Portuguesa de Football (depois Federação Portuguesa de Futebol).

A década de 10 do século XX assiste à definitiva afirmação do futebol no país, ultrapassando concludentemente os outros desportos e espectáculos, como a tourada (o grande desporto dos séculos XVIII e XIX), o ciclismo e o teatro. A decisão de se decretar, a 10 de Janeiro de 1911, o domingo como dia de descanso semanal obrigatório para todos os assalariados foi importante para a expansão do futebol, permitindo aos operários dedicarem mais tempo à modalidade ou assistirem aos jogos. Exemplo disso é o jogo, em 1914, entre o Benfica e o clube inglês Third Lanarck, onde estão presentes cerca de 10 000 espectadores, o que é verdadeiramente impressionante para a altura.

É também nesta década que os encontros entre clubes de diferentes países começam a ser cada vez mais comuns e regulares, o que também é decisivo para a popularização do jogo.’

Serrado, Ricardo, O Jogo de Salazar: a Política e o Futebol no Estado Novo, Casa das Letras, 2009, pp. 41-43

Capítulo II

Em busca do futebol II

Ribeira Grande: grupos sem nome

Depois da notícia dos começos, dos grupos Amarelo e Verde, os dois primeiros registados para a Ribeira Grande, em 1899, só voltamos a encontrar nova referência ao futebol na Ribeira Grande, dois anos depois, no jornal ribeiragrandense Girasol de 17 de Abril de 1902. Reza assim:

‘Dizem-nos que alguns rapazes da nossa melhor sociedade, pretendem em breve dar algumas partidas de foot-ball no mercado de gado d’esta villa.’ De novo no mercado do gado.

Um hiato de dois anos, em 1904, numa quarta-feira de Setembro, por ocasião de um piquenique na Chã do Rego de Água, espaço limítrofe dos dois concelhos, um grupo de jogadores da Ribeira Grande defrontou um outro da Lagoa. O resultado saldou-se num empate.

No ano seguinte, e no Globo, outro jornal da Ribeira Grande, de 20 de Setembro de 1905 dá-se a notícia de que fora ‘(...) concorrídisima a partida de foot-ball realizada domingo no campo das rezes d’esta villa. Haverá Domingo nova partida para a qual há também grande enthusiasmo.’

O Diário dos Açores, a respeito deste encontro é mais preciso, referindo que, ‘na Villa da Ribeira Grande realiza-se hoje [27 de Setembro], pelas 4 horas da tarde uma partida de foot-ball, em despedida ao jogador daquele sport, sr. Alberto Vargas, que segue no ‘S. Miguel’ para Lisboa, a continuar o seu curso de medicina.’

Nada refere a respeito de equipas. De novo no Diário dos Açores, mas de 26 de Outubro de 1905: ‘Domingo próximo haverá uma partida de foot-ball na villa da Ribeira Grande, pela uma hora da tarde, por um grupo de amadores d’esta cidade com os amadores daquelle sport n’aquella villa.’ A 28, o jornal ribeiragrandense O Trabalho, relata o mesmo acontecimento, apontando a sua realização para o dia seguinte. A 8 de Novembro, no jornal O Globo diz-se que os de Ponta Delgada venceram.

Em 1909, a 4 de Dezembro, na II Série de A Estrela Oriental, aparece um artigo defendendo a prática do novo desporto, intitulado ‘Deve prohibir-se o Foot-Ball?’ Sinal de que haviam detractores na vila?

Só volvidos sete anos, a 30 de Novembro de 1912, da no Correio do Norte, outro jornal da Ribeira Grande, se volta a ter notícias de futebol e de vários teams: ‘No próximo domingo 1 de dezembro terá logar às 3 horas da tarde no campo em frente do mercado d’esta villa, uma renhida partida de foot-ball, jogada entre o Rival Sport Club de Ponta Delgada e um dos teams organisados ultimamente n’esta villa.’

O mesmo jornal, mas do dia 7 de Dezembro, anota o resultado desfavorável de um a zero para os locais e anuncia uma nova partida para o dia oito entre os grupos da Ribeira Grande.

Ainda no Correio do Norte, mas de 28 de Dezembro, de 1912, chama-se a atenção do Administrador do Concelho ‘para o jogo de foot-ball realisado, pelo rapazio, nas ruas d’esta villa.’ O futebol começava a alastrar.

‘Com o despoletar da Primeira Guerra Mundial, há um certo abrandamento na evolução do jogo, devido à chamada de portugueses e ingleses para incorporarem os respectivos regimentos. Contudo, a partir de 1919, surgem numerosas associações regionais reguladoras do futebol em diversos pontos do país, o que testemunha bem o advento de um fenómeno de massas em progressivo crescimento. É efectivamente, nos anos 20 que se assiste a um maior incremento de clubes e associações regionais de futebol, na década que podemos designar como a da institucionalização a nível nacional do futebol. De facto, entre 1920 e 1930 criam-se 14 das 22 associações regionais de futebol.

O futebol português, no entanto, por esta altura sofria ainda da carência de uma prova de âmbito nacional, como já sucedia noutros países da Europa há alguns anos, o que só viria a acontecer em 1922 (com o nome de Campeonato de Portugal – antecessor directo da Taça de Portugal -, disputada por eliminatórias), sendo que apenas em 1934 surge a primeira prova verdadeiramente estruturada a um nível nacional, disputada em poule, a duas volta, que podemos considerar o primeiro verdadeiro Campeonato de Portugal, embora ainda não com todas as associações regionais presentes.

Os anos 20 ficam marcados também pela estreia da selecção nacional, em 1921, contra a Espanha (derrota por 3-1). Apenas em 1925 Portugal consegue a sua primeira vitória, frente à Itália, por 1-0.

Em 1928, a selecção portuguesa, com Cândido de Oliveira como seleccionador principal, tem uma participação auspiciosa nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, chegando, imprevisivelmente, aos quartos-de-final e classificando-se em sétimo lugar. (…) Todavia, exceptuando esta campanha de sucesso no ano de 1928, a carreira de Portugal no mundo de futebol foi relativamente negativa durante este período, especialmente a partir do fim daquele ano, altura em que se instala um sentimento de estagnação do futebol nacional, que se manterá durante alguns anos.

O futebol português já a partir dos anos 20 começa a movimentar somas avultadas de dinheiro, com a criação de cercas á volta dos campos (nos anos 10) e a cobrança de entrada. Ainda na década de 20, eram já vários os jogos que contavam com largos milhares de espectadores, o que esbarrava, contudo, com as precárias condições de infra-estruturas dos clubes para albergarem comodamente tanta gente.

Dentro desta dinâmica, o futebol evolui a partir, fundamentalmente, da segunda metade dos anos 20, para uma cada vez maior competitividade e para um certo semiprofissionalismo, onde alguns jogadores já ganhavam somas significativas, sem que estas fossem, contudo, suficientes e regulares para se fazer do futebol uma forma de vida, até porque a modalidade era ainda dotada, a todos os níveis, de características amadoras. Nesta década, as transferências começaram a ser, progressivamente, mais usuais, embora profundamente censuráveis pela imprensa especializada e pela sociedade em geral. Eram os primórdios da profissionalização, que apenas chegaria décadas depois.

A partir de, sensivelmente, 1924 assiste-se à decisiva massificação da modalidade em todo o país, mas, nos anos 30 e 40, o futebol português vai-se arrastando numa enorme precariedade a vários níveis. Estas condições acabam por se reflectir na equipa das quinas, a qual obtém, por vezes, resultados vergonhosos, como a derrota por 9-0 contra a Espanha, em 1934, ou os 10-0 frente à Inglaterra em 1947. As condições de prática são deploráveis e o estado do futebol nacional comparativamente com os principais campeonatos europeus e sul-americanos já profissionalizados (Inglaterra desde o final do século XIX, Espanha, Bélgica e França desde, sensivelmente, 1928, e Brasil, Uruguai e Argentina no decorrer dos anos 20), com provas consistentes e regulares, enquanto o futebol português clamava urgentemente por organização, estruturação, profissionalização, melhoria das infra-estruturas, mas, sobretudo, pelo planeamento de uma prova regular que pudesse tirar o máximo proveito das capacidades técnicas que os jogadores portugueses, efectivamente, tinham e permitisse aos clubes maior estabilidade financeira.

Deste modo, muito por causa dos esforços de Cândido de Oliveira, Ricardo Ornellas, Ribeiro dos Reis e Tavares da Silva, entre outros, em 1934-35 cria-se, como já foi referido, a primeira liga nacional.(…). ’

Serrado, Ricardo, O Jogo de Salazar: a Política e o Futebol no Estado Novo, Casa das Letras, 2009, pp. 43-45

Nos Açores:

O Fayal Sport Club foi fundado no dia 2 de Fevereiro de 1909

A Associação de Futebol de Angra do Heroísmo data de 4 de Agosto de 1921 é de supor que se tenha desde logo filiado na Federação Portuguesa de Futebol?

A Associação de Futebol de São Miguel fundada a 4 de Novembro de 192: Alvará que lhe deu vida legal. Mas já existia informalmente há mais de um ano.

Capítulo III

Gaspar Frutuoso Foot-ball Club ou

Os Gasparinhos?

Ia já para um quarto de século que se começara a praticar o novo desporto na Vila, quando a 15 de Fevereiro de 1923, o Correio dos Açores divulgava o nome de dois grupos da Ribeira Grande: Gaspar Frutuoso Foot-ball Club e o Açor Foot-ball Club. Serão, porventura, além dos amarelos e verdes mencionados nos primeiros jogos de finais do século XIX, os primeiros grupos com nomes semelhantes aos actuais. Corresponderá o primeiro daqueles nomes aos Gasparinhos? Nome transmitido pela tradição oral, coincidente com o que vem em uma nota de reportagem sem data ou autoria e local de publicação. É, na realidade, uma fotocópia truncada de fotogravura e texto. Terá o primeiro algo a ver com o Colégio do mesmo nome, cujo Director e proprietário foi Ezequiel Moreira da Silva, ou com o Padre Evaristo Carreiro Gouveia? Será o Gaspar Frutuoso Foot-ball Club anterior ao Açor Foot-ball Club?

Ventura Rodrigues Pereira, em a Ribeira Grande, afiança ter sido o Prior Evaristo a introduzir o desporto na Ribeira Grande. Se se refere ao futebol e ao fundador da primeira equipa, equipa com nome semelhante aos grupos actuais, talvez, mas, se se referir à pessoa que terá introduzido o futebol na Ribeira Grande, seguramente que não, pois, já se jogava futebol em 1899.

Para tornar a matéria mais confusa, um cronista local não identificado, em 1923, afirmava que: ‘Foi o Açor o primeiro club de foot-ball fundado nesta vila (...).’ Se assim for, o que não quer dizer que seja, o Açor seria anterior ao Gaspar Frutuoso. As fontes conhecidas não nos esclarecem completamente as dúvidas.

Mas, pelo facto de o Gaspar Frutuoso vir associado à estreia do Açor, sem, contudo, se dizer que se estreava, autoriza-nos a admitir que este grupo possa ser anterior ao Açor Foot-ball Club. Ainda assim, com os dados que dispomos, não podemos adiantar a data exacta da sua fundação.

O grupo Gaspar Frutuoso Foot-ball Club, cuja única referência conhecida aparece associada à estreia do Açor, poderá corresponder ao grupo conhecido pelos Gasparinhos? Não sabemos. Em todo o caso, seja o mesmo ou outro, Os Gasparinhos, terão, pelo que nos informa a legenda da citada fotocópia, surgido na década de vinte.

Por aí ficamos a saber, dado o interesse transcrevemos a legenda, que: ‘a foto–gravura que incluímos nesta reportagem do grupo dos ‘Gasparinhos’ da Ribeira Grande, constitui hoje documento impressionante por ser muito rara e por ter sido aquele clube fundado pelo Dr. José de Oliveira San-Bento, juntamente com o Prior da Matriz da Ribeira Grande, Padre Evaristo Carreiro Gouveia.

A legenda pode fornecer-nos alguma pista que nos conduza ao seu autoria. Na referida foto, em cima encontram-se os três membros da Direcção: Virgílio Botelho (tesoureiro) falecido, Dr. Oliveira San-Bento (presidente) e Padre Evaristo Carreiro Gouveia (secretário), falecido.

Primeira conclusão, já que o autor da nota dá Virgílio Botelho e o Padre Evaristo como falecidos, a não ser que haja engano ou gralha, esta só pode ter sido escrita entre a Quaresma de 1960 e a de 1961, altura em que falece Virgílio Borges Botelho, e Janeiro de 1975 quando falece o Dr. Oliveira San-Bento. Segunda conclusão plausível, dado os pormenores que esta revela, próprios de alguém que tenha conhecido o projecto por dentro, ou até devido ao próprio estilo da escrita, sendo Oliveira San-Bento, à altura, o único sobrevivente dos três, cremos que seja ele o provável autor da nota.

Quem melhor do que ele a poderia ter feito, sendo colaborador assíduo de jornais, antigo presidente do clube e único sobrevivente da direcção?

A equipa era formada (isto na década de 20) por (da esquerda para a direita): Moisés de Sousa Carvalho, Carlos Miranda (actualmente na América), Laurindo da Costa Grilo (capitão do ‘onze’), Evaristo Botelho, Jaime Garrido (ausente no Canada), José Carvalho (falecido), Artur Medeiros Brazídio, Luís Raposo (na América, fundador e director do programa radiofónico ‘A Voz dos Açores’), Gaudino Machado, Jaime Simão (falecido), e António Gouveia.

O equipamento dos ‘Gasparinhos’ foi feito pela Sr.ª Mariana da Silva Medeiros, então noiva de um dos componentes do grupo, isto é, Artur Brazídio.’ A confiar na imagem pouco visível da fotocópia, os equipamentos seriam claros e as camisolas ostentavam a cruz de Cristo. Destes nomes, destacamos o Dr. Oliveira San-Bento, que pouco depois estaria associado aos estatutos do Açor e à Associação de Futebol de S. Miguel, sendo, em anos distintos, Presidente da Direcção e da Assembleia Geral daquele organismo, e os jogadores Moisés e Jaime, que alinhariam em outras equipas da Ribeira Grande.

Açor Foot-ball Club

No Correio dos Açores, de 26 de Janeiro de 1923, dava-se conta de que ‘se acaba(va) de fundar ali (na Ribeira Grande) um club de foot-ball, ao qual fora posto o nome de Açôr Foot-ball Club. Já em 1923 ou ainda em 1922? A nota não nos esclarece. E acrescentava-se que ‘têm os seus fundadores grande entusiasmo na sua organização, estando habilitados e dispostos a vencer todas as dificuldades.’ Desejo que, como veremos, infelizmente, não foi cumprido.

A 15 de Fevereiro daquele ano, o mesmo jornal informava que no Domingo anterior o Açor Foot-ball Club, em jogo de estreia, havia cilindrado o Gaspar Frutuoso Foot-ball Club por concludentes 13 a 1. A estrondosa derrota do Gaspar Frutuoso teria levado os seus dirigentes a concentrar esforços no novo grupo? Talvez, já que vemos o Dr. Oliveira San-Bento a colaborar com o Açor.

Segundo o mesmo jornal, o Açor, que em nota posterior e pela tradição oral vimos a saber que era constituído pela elite local, estaria instalado em dois enormes salões da rua do Alcaide, na freguesia da Conceição, onde a sua direcção pretendia desenvolver toda a espécie de desportos, tendo, inclusive, iniciado os trabalhos de adaptação a ginásio de um dos salões. Os estatutos estavam a ser redigidos pelo Dr. José de Oliveira San-Bento, que havia proferido uma alocução sobre o tema muito aplaudida.

Jogara-se pela primeira vez futebol na Conceição, o Gaspar Frutuoso pertenceria à Matriz e o Açor, à Conceição. Veremos, ao longo deste trabalho, o modo como a rivalidade entre as duas freguesias, já existente por causa das bandas de música e das festas paroquiais, terá contribuído para consolidar lealdades clubísticas, com especial destaque para as verificadas entre os ‘partidários’ do Águia e do Ideal.

A 2 de Março, ainda no mesmo periódico, alvorotava-se o público leitor para a realização de um jogo entre as segundas categorias do Instituto de Educação Física, de Ponta Delgada, e o Açôr Foot-ball Club. Ao que nos diz a tradição oral, no IEF, clube associado às elites estudantis de Ponta Delgada, mais tarde transformado em União Micaelense, teriam jogado e jogariam muitos dos jogadores do Açor. Após a concludente vitória frente a um grupo local, cujos membros, jovens das classes ‘baixas’ locais, a fazer fé na referida fotogravura, estariam ligados ao Prior Evaristo, nada melhor do que desafiar um clube que se pretendia emular.

Ousadia à parte, o IEF ganharia por 4 a zero. O comentador registou que ‘o árbitro tinha sido o Senhor Rego Lima’ e que ‘o campo (era) mau e muito pequeno. No entanto é bastante louvável a boa vontade dos ribeira-grandenses.’ A má qualidade do recinto desportivo, bem como o desejo de um melhor, atravessa toda a história do futebol na Ribeira Grande e condiciona o baixo nível do futebol praticado.

O mesmo jornal, de 25 de Março, dizia que estava ‘despertando interesse entre nós o Açôr Foot-Ball Club, que há pouco foi organizado e ao qual pertence um numeroso grupo de rapazes da Vila. Todos manifestam os melhores desejos de que a associação prospere, facilitando aos rapazes entretenimentos sadios e honestos.’

A 4 de Abril, conforme o Correio dos Açores, novo confronto entre a segunda do IEF e o Açor e desta vez a derrota foi mais pesada: 8 a zero. Um número superior a 200 espectadores assistira à partida. Passavam dez minutos do meio dia, quando o jogo começou, tendo sido árbitro o Sr. Pedro Cymbron.

E comentava-se: ‘o jogo correu na maior animação de ambas as partes, cabendo aos 3 minutos de jogo a primeira bola para o Instituto. Os jogadores deste apresentaram-se jogando bem, em especial a linha de avançados, as defesas e o guarda-redes. Da parte do team Açôr houve grande desorientação, devido ao jogo combinado do Instituto, tendo-se salientado mais o seu guarda-redes Albergaria, o defesa Madeira e o ponta direita que foi enérgico, se bem que um pouco desleal nas cargas ao guarda-redes do Instituto, que fez boas defesas. Durante o desafio tocou uma charanga, mantendo-se a assistência na melhor ordem. Há a lamentar que a garotada, tendo apanhado a bola do Instituto, lhe desse umas navalhadas. O juiz foi correctíssimo, tendo feito uma bela e imparcial arbitragem. O team do Instituto era assim constituído: guarda-redes, N. Vieira, defesas, Mota (?) e Ataíde – Meias defesas, (?), Rodrigues e Adriano, avançados, J. Cymbron, Hipólito, Flores, Lima e Branco, Suplente, Damião.’ Para nosso desgosto, não nos dá a constituição da linha do Açor.

Viriato Madeira, jogador do Açôr, no rescaldo do jogo, para repor a verdade das coisas, dirige uma incisiva carta ao Director do Correio dos Açores publicada a 8 de Abril, na qual esclarece alguns incidentes ocorridos na partida de 2 de Abril. Reza assim: ‘na reportagem do desafio de foot-ball, que em 2 do corrente teve lugar nesta Vila, entre a 2.ª categoria do Instituto de Educação Física e a 1.ª do Açor Foot Ball Club, feita ontem no jornal da muito digna direcção de V. EX.ª, há uma inexactidão, e a um tempo injustiças, que, embora atingindo apenas a ‘garotada’ de Ribeira Grande, eu não posso deixar passar sem protesto, pelo simples culto que presto, como todos devem prestar, à verdade. Ninguém, garoto ou não, fez o mínimo dano à bola, que se diz ter sido anavalhada pela tal garotada que a apanhou. O que sucedeu foi ter ido essa bola cair, impulsionada por um jogador sobre uma das lanças do gradeamento da porta de entrada do campo, onde sofreu um rasgão que atingiu apenas o revestimento de couro, tanto que continuou ainda a jogar por algum tempo. Os rapazes que a apanharam quando a seguir ela caiu da parte de fora do campo, mal algum lhe fizeram, antes a foram entregar solicitamente aos jogadores. Sou insuspeito nesta rectificação daquela parte da referida reportagem, porquanto não sou filho, mas apenas hóspede, desta vila.’ Assina: Viriato da Costa Madeira, capitão do Açor Foot ball Club.

A 29 de Abril de 1923, logo após a fundação da Associação de Futebol de São Miguel, o Correio dos Açores dava à estampa o teor de telegrama do correspondente na Ribeira Grande, de 27: ‘grande entusiasmo nesta Vila pelo desafio de foot-ball que terá lugar no próximo domingo entre as primeiras categorias do União e do Açor Sport Club [sic].’ O Armazém do Povo fez publicitar no Correio dos Açores, de 1 de Maio, que vendia as leis do jogo do Futebol, traduzidas do inglês. A 12 de Junho, no mesmo jornal, noticiava-se que o Açor havia empatado a duas bolas com o 5 de Outubro. E comentava-se: ‘Não se jogou foot-ball, mas sim o jogo do empurrão e rasteiras. A atitude do team de Ponta Delgada deixou a desejar. É preciso mais prudência e melhor combinação.’ E o de 21 de Junho, dava o Açor como vencedor por 4 a zero frente ao Oriental da Fajã de Baixo. Arbitrara o Sr. Fábio Vasconcelos, que, lá se dizia, fora recto. Era a segunda vitória do Açor. Portanto, o Açor, tendo defrontado e perdido com as melhores equipas de Ponta Delgada, as que estavam na Associação, voltara-se, talvez para rodar a equipa, para outras mais acessíveis. Assim, no dia das Cavalhadas, conforme o Correio dos Açores, realizar-se-ia um jogo entre esta equipa e o Vitória, de Ponta Delgada.

No dia 15 de Agosto, numa quarta-feira, havia-se realizado, conforme o correspondente do Diário dos Açores, de 26 de Agosto de 1923, um jogo de desforra entre o Açor e o Praia, com o resultado favorável ao primeiro de 3 a 1. Deste modo, surge, logo após o Gaspar Frutuoso e o Açor, um novo clube ribeiragrandense: O Praia Sport Club. Por documento enviado à Associação de Futebol de S. Miguel por Luís da Silva Melo, um dos primeiros praticantes da modalidade, depreende-se que seria constituído por atletas oriundos das ‘classes baixas locais,’ residentes nas vizinhanças da rua do Estrela. Seria a área de recrutamento preferencial do Águia. A área dos alcunhados de ‘tarraços’ . O comentador escreveu: ‘o jogo decorreu com certo interesse, apesar de que já se têm realizado ‘matchs’ com melhor combinação de ambos os grupos. O ‘Praia’ apresentou-se no campo com falta da sua ‘ponta direita’, que estava doente, o que danificou bastante o jogo. A arbitragem esteve a cargo do Sr. Fábio Moniz de Vasconcelos que foi recto.’ O Correio dos Açores do dia 24, regista o resultado de 4 a 1 e refere a partida, não como de desforra, mas de desempate. E informava: ‘Os jogadores, que a princípio se mostraram falhos de combinação, conseguiram bater-se lealmente, sendo marcado contra o Praia 8 corners, 4 penalties e contra o Açor 4 corners e 1 goal. O Açor estava num dos seus dias bons.’ O Praia já existia em Agosto de 1923.

Em Setembro daquele ano, aparece nova equipa na Ribeira Grande, o Estrela Foot-ball Club. Naquele mês, de acordo com o Correio dos Açores, de 23, noticiava-se novo encontro entre o Oriental, da Fajã de Baixo e o Açor, no qual se verificara, desta vez, um empate. Vale a pena transcrever a crónica do jogo: ‘Ao princípio o jogo mostrou-se sem fases que entusiasmassem; somente algumas bolas que o Açor perdeu por falta de remate e talvez devido ao nervosismo do seu central, alguns jogadores do Oriental nunca souberam onde ficavam os seus lugares, pois que se amontoavam, prejudicando por isso muito os seus próprios parceiros. No entanto, sempre conseguiram empatar 1 a 1, havendo a mencionar uma infinidade de bolas fora, dezenas de encontrões (no que são exímios os da Fajã) pouco remate da parte de alguns jogadores de cá, e a grande sorte com que estava o Oriental, que sempre conseguiu meter uma bola por obra e Graça.’

O Açor defronta o Operário, de Ponta Delgada. O de 16 de Outubro, diz: ‘no match que teve lugar domingo na Ribeira Grande, entre o Açor Foot-ball Club e a 2.ª categoria do Operário Sport Club ficou este vencido por 2 bolas contra três.’

O Correio dos Açores, de 25 de Outubro, refere-se em mais detalhe ao jogo que o Açor havia vencido por 3 a 2: ‘Operário Sport Club de Ponta Delgada realizou, no último domingo, uma excursão a esta vila, que decorreu no meio do maior entusiasmo. Pelas 2 horas da tarde, teve lugar um renhido desafio de foot-ball (...) que terminou pela vitória do Açor por três goals a dois. Ambos os teams desenvolveram bom jogo, decorrendo o desafio sem o mais leve incidente desagradável, pois todos os players , foram de uma correcção digna de maiores elogios, e que com muito prazer registamos. A arbitragem, que esteve a cargo do distinto back Audífaco foi enérgica e imparcial, podemos mesmo dizer sem receio de desmentido que nunca na Ribeira Grande se arbitrou tão bem uma partida de foot ball. O Operário veio acompanhado pela sua direcção, de que é mui digno presidente o hábil guarda-livros da Companhia de Seguros Açoriana o Sr. Trindade Pereira. A forma por que tudo decorreu deixou nos habitantes desta vila a mais agradável impressão, sendo os jogadores e demais sócios do Operário saudados pelo povo à despedida com muitos vivas e hurras. Felicitamos aquele clube, formado por gente correcta e disciplinada, pelo brilhante êxito da sua excursão.’

E o Açor retribuiu, indo ao campo do Liceu, defrontar o Operário (Correio dos Açores, 31 de Outubro de 1923). Seria das primeiras saídas desta equipa. O Açor defronta o Praia (Diário dos Açores, 16 de Novembro de 1923). E derrota-o por 1 a zero (Diário dos Açores, 23 de Novembro de 1923). A 30 de Novembro, Correio dos Açores, um dia após a entrada de pedido de filiação do Praia na Associação de Futebol de São Miguel, aquele jornal regista um empate entre esta equipa e o Açor. Em jogo realizado no último domingo, na avenida Luís de Camões. Para nós constitui um mistério o facto de ter sido o Praia e não o Açor a candidatar-se à Associação de Futebol, já que o Açor, até então, provara ser a melhor equipa da Ribeira Grande.

O jornal A Terra, de 29 de Dezembro, na sua secção desportiva, comentava que no Domingo passado o Açor Foot-ball Club havia vencido por uma bola a zero a segunda categoria do Santa Clara Foot-ball Club, o mesmo que havia empatado a 16 com o Praia. Nada mau. Este Santa Clara participaria na Associação. O cronista, indo muito além da simples crónica, discorre acerca do estado do futebol na Ribeira Grande: ‘A concorrência foi sem exagero a mais numerosa que temos visto afluir ao campo do jogo, o que é um sintoma muito animador do interesse que o foot-ball vai despertando no povo da Ribeira Grande. Lamentável é que o público no meio das estridentes manifestações partidárias, dirija imprecações injuriosas aos adversários nossos visitantes. Postos os jogadores em campo, notamos com um certo pesar que o Açor todas as vezes que joga em desafios de certa responsabilidade, fá-lo com elementos novos sem preparação física suficiente e sem táctica de conjunto alguma. E os que ficaram do grupo anterior, aparecem ocupando posições completamente antagónicas das precedentes. Foi o Açor o primeiro club de foot-ball fundado nesta vila por elementos provenientes de classes que podiam sem custo e deviam por uma questão de capricho e de brio, mante-lo fortemente organizado e em condições modelares de aperfeiçoamento. Mas o Açor, da maneira como se mantém e caminha sem organização adequada, sem ministrar a preparação física e treinos indispensáveis, breve atingirá o seu desastrado termo. Notamos a falta de uma entidade competente e que animada do verdadeiro espírito sportivo, dirija os jogadores, fazendo por lhes incutir o estímulo e o espírito de disciplina. E o Açor possui entre os seus associados, elementos de incontestável valor, que aproveitados e dirigidos com habilidade e competência, dariam um team excelente (...) Terminou o encontro em boa ordem ficando o Açor vitorioso por 1 a zero. É talvez a mais oportuna ocasião que se oferece ao Açor, depois de ter vencido a mais forte segunda categoria de foot-ball de Ponta Delgada, para se organizar convenientemente com alma e boa vontade (...).’ Assinado: Um ribeiragrandense. De facto, o Açor, talvez pelos motivos apontados pelo ‘ribeiragrandense, para alguma mágoa do mesmo, não se filiara na Associação de Futebol de São Miguel.

Ainda a Terra, mas de 5 de Janeiro, noticia que o Açor vencera, no primeiro dia do ano, por 3 a 1 o Praia. E analisa o desempenho desportivo do Praia e do Açor: ‘Este (o Praia), muito recente na sua fundação, tem feito alguns progressos, não obstante as inúmeras dificuldades que tem encontrado no aperfeiçoamento dos seus jogadores. Todavia, com a recente e acertada nomeação dum capitão geral, é uma segura garantia de que em breve podermos contar com no Praia um forte grupo futebolista. O Açor, mais antigo do que aquele não tem progredido como era de esperar não obstante os diligentes esforços do seu capitão geral, o que será talvez devido à substituição (...) de jogadores no seu onze.’ E mais adiante, mais uma vez ‘um ribeiragrandense’, desabafava: ‘Era nosso desejo vermos estes dois teams trabalhar conjuntamente sem as rivalidades acérrimas que só redundam em prejuízo do sport.’ E assim se faria pouco depois.

No Correio dos Açores, de 6 de Maio de 1924, o Liberal, novo clube de Ponta Delgada, da categoria infantil, em jogo de estreia, defronta na Ribeira Grande o Açor com quem perde por 3 a zero. O cronista escreveu que: ‘o Açor jogou com a máxima correcção e muito embora o seu peso fosse muito superior ao do team infantil, não se registou uma única penalidade por deslealdade contra aquele club. Apenas não deixaremos de aconselhar o meia defesa direito do Açor a ser um pouco mais correcto e o seu avançado ponta direita a colocar-se menos off-side. O seu avançado centro, que tem excelentes qualidades, usa contudo muitos dos truques das mãos, o que prejudicou bastante o seu onze (...). ’

No Correio dos Açores, de 7 de Maio, anuncia-se a deslocação do Açor a Ponta Delgada para defrontar, em jogo de retribuição, o Liberal. O produto das entradas destinar-se-ia a custear as despesas com o ‘raid’ aéreo Lisboa-Macau.

A Fundação do Praia Sport Club Praia

A 24 de Agosto de 1923, como vimos, de acordo com o Diário dos Açores, já existiria uma outra equipa ribeiragrandense: o Praia Sport Club. Nada refere, porém, acerca da data exacta da sua fundação. Todavia, no mesmo periódico, noticiava-se que no dia 15 de Agosto, o Praia havia defrontado e perdido em jogo de desforra por 3 a 1 contra o Açor Foot-ball Club.

Praia Sport Club: entrada na Associação de Futebol de São Miguel: 1923/24

A Associação de Futebol de São Miguel fez constar no Correio dos Açores, de 25 de Novembro de 1923, que os clubes não-filiados que quisessem participar nos campeonatos das primeiras, segundas e terceiras categorias, deveriam filiar-se até ao dia 29 de Novembro.

A um dia de findar o prazo, Luís da Silva Melo, Presidente do Praia Sport Club, ‘morador na Ribeira Seca, na qualidade de Presidente da Direcção do Praia Sport Club, desta Vila, propõe a filiação do mesmo club nessa Associação.’ A sede era na rua do Estrela, o campo seria a Praça Pública das Reses e as cores da equipa seriam: Amarelo e (verde) azul. Na mesma ocasião envia uma relação dos jogadores: Manuel da Silva Câmara Junior, capitão, João Teixeira, Artur da Silva Câmara, Manuel da Silva Castanha, Mariano Carreiro, Leonel da Ponte, Humberto da Silva Câmara, Manuel da Costa, António de Amaral, José Carvalho Santo e José Vieira. É de primordial importância examinarmos de perto esta nova equipa. Ao contrário dos ‘Casacas’ ou ‘Chapéus’ da rua Direita, conotados com a burguesia ou o resto aristocrático da terra, o Praia, presidido por ‘um Caneta’, alguém da burguesia, é recheado por jovens oriundos das ‘classes baixas’. Manuel, Humberto e Artur da Silva Câmara, trabalhavam no ramo da panificação. O pai deles, Manuel, jogara nas primeiras equipas da terra, conforme vimos no primeiro artigo desta série. Sobretudo os irmãos Câmara, são responsáveis pela manutenção do Águia Sport Club, como a seu devido tempo, veremos. No fundo, a tradição oral que circula, de que o Águia teria vindo do Praia, em parte, confirmar-se-á pelo papel desempenhado pelos irmãos Câmara. Em parte, porque esta equipa virá do Açor e mais tarde do Pátria. Apesar de esta última ser constituída pelos elementos do Águia, bem como pelo seu equipamento. Terá, como veremos mais à frente, sido um estratagema levado a cabo por Francisco Justino Machado.

A 13 de Dezembro de 1923, em novo ofício dirigido à mesma Associação, Luís da Silva Melo solicitava a anulação da inscrição de José Vieira, segundo ele, por este ter entretanto ‘embarcado’ para as Bermudas. Em sua substituição, adiantava o nome de Moisés Canário. Caso a Associação não aceitasse a troca, como alternativa, Moisés Canário passaria a suplente, substituindo Jacinto Vilão. Este último, mais Evaristo Botelho e Jacinto Grilo eram suplentes . Evaristo Botelho fizera parte dos Gasparinhos.

Seja como for, o Praia é a primeira equipa da Ribeira Grande a conseguir filiar-se no novo organismo associativo de futebol. A Acta da Sessão da Associação de Futebol de São Miguel, de 5 de Dezembro, de 1923, escalona do seguinte modo as equipas associadas da 1.ª e 2.ª categorias. Na 1.ª: Atlético Micaelense, Operário, União e Santa Clara. Na 2.ª: União, Operário, Praia e Atlético. Seria o Praia a primeira equipa de fora da Cidade de Ponta Delgada a competir nos campeonatos da Associação. Logo no início da sua existência.

E, talvez, para se preparar para a competição que se avizinhava, o Praia jogaria no Domingo próximo com o São Miguel Foot-ball Club, de Ponta Delgada (Correio dos Açores, 6 de Dezembro de 1923). E no dia 6, no mesmo jornal, referia-se que: ‘Hoje, no Campo Avenida de Camões desta Vila, houve um desafio de foot-ball entre as primeiras categorias do Açor Foot ball Club e o Praia Sport Club desta Vila, ganhando este por 2-0.’

A 7 de Dezembro, de 1923, o Correio dos Açores divulgava o calendário do campeonato. Ei-lo, por interesse óbvio de divulgação, apesar de longo: ‘2.ªa categoria – 1.ª volta – Dia 9 de Dezembro – União e Operário; 16 de Dezembro – Praia Sport Club (Ribeira Grande) e Santa Clara; 23 de Dezembro União e Atlético; 13 de Janeiro - Operário e Atlético; 20 de Janeiro União e Praia; 27 de Janeiro – Operário e Santa Clara; 3 de Fevereiro – Praia e Atlético, 10 de Fevereiro – União e Santa Clara; 2.ª volta – 17 de Fevereiro – Atlético e Santa Clara; 24 de Fevereiro – Praia e Operário; 3 de Março – Atlético e União; 10 de Março – Santa Clara e Praia; 31 de Março – Atlético e Praia; 7 de Abril – Santa Clara e Operário; 14 de Abril – Praia e União; 21 de Abril – Atlético e Operário.’

A 15 de Dezembro, o Diário dos Açores anunciava a partida entre o Praia e o Santa Clara, para o dia seguinte, no campo do Liceu, pelas 13: 30, sendo árbitro nomeado o Sr. Mário Duarte.

Mas, para fazer face às deslocações ao campo de jogos do Liceu em Ponta Delgada, o Praia pede apoio à Associação que, em Acta da sua sessão, de 19 de Dezembro, aprova um subsídio para o Praia Sport Club, no montante de vinte e cinco escudos. Entretanto, estreara-se a 16 e com um promissor empate a uma bola (Correio dos Açores, 18 de Dezembro de 1923). Não obstante o jogo ter sido fraco, como se costuma dizer em circunstâncias semelhantes, a estreia teria sido auspiciosa. Além do mais a jogar no reduto do inimigo. O comentador escreveu: ‘resultando o goal do Praia dum penalty. Jogo fraco.’

O Correio dos Açores, de 29 de Dezembro, anunciava para as 10: 45 o jogo entre o Operário Sport Club e o Praia Sport Club. Seria árbitro o Sr. José Rodrigues. A Terra, de 30 de Dezembro, anunciava para aquele dia, o mesmo jogo, referindo que o Praia ‘tão boa impressão deixou do seu desafio com o Santa Clara.’

Praia Sport Club: fracasso na Associação de Futebol de São Miguel: 1924

O Praia Sport Club, contudo, a fazer fé no Correio dos Açores, de 26 de Fevereiro de 1924, desiste do jogo com o União Sportiva.

Perde por 3 a 2 com o Clube Atlético Micaelense (Correio dos Açores, 18 de Março de 1924). No Diário dos Açores, de 21 de Março, referindo-se à mesma partida, o cronista comentou: ‘O desafio, em que se fez bom association e que decorreu com a maior correcção por parte dos jogadores e dos partidários, terminou pelo triunfo do Club Atlético Micaelense por 3 bolas a 2. Ambos os grupos trabalharam com vontade, notando-se um ligeiro domínio do grupo Atlético. A arbitragem foi conscienciosa e imparcial.’

Em artigo intitulado ‘A passada época de Foot-Ball’, vindo a lume no O Sport dos Açores, de 23 de Agosto de 1924, o articulista identificado pela inicial A., desabafava: ‘(...) a direcção transacta da nossa Associação alguma coisa fez de bom, apesar de muita gente julgar o contrário. Já o pouco que ela fez tem muito valor, porque no começo surgem sempre dificuldades. (...) Há porém descuidos que lhe são indesculpáveis como por exemplo o de ainda se não saber qual o campeão de 2.ª categorias (...) é preciso que os clubes encetem a próxima época com divisas sãs para que o foot-ball michaelense possa progredir acompanhando as outras ilhas, e mesmo imitando-as nos seus métodos e nas suas organizações. É mesmo indispensável que os dirigentes dos clubes incutam nos seus onzes a disciplina, para que o público volte novamente a ser atraído e não afastado como se tem notado nestes últimos tempos.’

A época, apesar dos esforços, correra mal à Associação, pois, já em Março, de acordo com o Açoriano Oriental, de 15 de Março de 1924, o campo de jogos do Liceu, onde se realizavam os jogos oficiais estava em obras. As competições tinham sido transferidas para o Campo de Santa Clara. Neste mesmo artigo, dava-se conta da saída de um grupo filiado da Associação.

O Praia padeceria de todos os males apontados aos clubes de Ponta Delgada mais o de falta de verbas e da rivalidade excessiva entre ele e o Açor.

A própria Associação, em Acta de 11 de Março de 1925, reconhece que as receitas são inferiores às despesas, pelo que decidia que ‘a diferença seja paga pelo fundo de assistência aos clubes, sempre que tal facto se constate (...)’ Portanto, ao que parece, o problema seria comum a todas as equipas.

Neste contexto, a fim de se tentar de novo, parece-nos aceitável que as duas equipas da Ribeira Grande, Açor e Praia, apesar da rivalidade, quisessem unir esforços. Da união nasceria o Águia, ao que parece, mas não chegaria para formar uma equipa mais forte, como veremos.

Capítulo IV

Águia Sport Club

Maio de 1924: a fusão do Açor e do Praia leva ao nascimento do Águia Sport Club

O Correio dos Açores, de 13 de Maio, divulgava a decisão de fusão do Praia Sport Club e do Açor Foot-ball Club. Estes clubes, tendo feito um balanço às suas forças, decidiram em prol do melhoramento do futebol ribeiragrandense, fundirem-se. Nada, porém, referem quanto à designação da nova equipa. Talvez por diplomacia, talvez para se dar alguma continuidade, de Açor, ave que simboliza o arquipélago, passa a Águia, ave da mesma família, dando-lhe o nome de: Águia Sport Club? Nada referem igualmente quanto ao seu elenco directivo. A este respeito tentei indagar junto do Sr. Francisco Inácio Machado, 86 anos, a residir em Beja, cujo pai, Francisco Justino Machado, participou activamente em 1929 na refundação (?) do Águia e foi membro da Liga Desportiva Ribeiragrandense, acerca do assunto, porém, ‘não se recorda de nada. Admito que os meus mais de oitenta anos mo tenham feito esquecer’. Seja como for, a 11 de Julho, o Correio dos Açores escrevia que a 3.ª categoria do União Sportiva iria à Ribeira Grande jogar com a 2.ª categoria do Águia Sport Club. Seria a estreia do Águia? Derrotou-o, no dia 13 de Julho, por 3 a 2 (Diário dos Açores, 14 de Julho de 1924). A assistência, segundo a imprensa, havia sido numerosa. Do Açor e do Praia, escolhendo os melhores atletas? A existência deste primeiro Águia, segundo os documentos que dispomos, porém, seria efémera.

II participação na Associação de Futebol de Ponta Delgada: Renascimento do Águia

Só em 1929, em ofício de Francisco Justino Machado, datado de 4 de Abril, dirigido à Associação de Futebol de São Miguel, surge de novo referência a um Águia Sport Club. Seria este herdeiro do primeiro? Não sabemos. No referido ofício, lê-se: ‘tendo-se organisado um grupo de foot-ball com o nome de Águia Sport Club, com sede (provisoriamente) na Rua Conde Jácome Correia, freguezia Matriz da villa da Ribeira Grande e a cuja direcção me honro de presidir, e desejando o mesmo grupo filiar-se na Associação de Foot-Ball de S. Miguel da sua mui digna presidência, venho perante V.Ex.ª solicitar respeitosamente a sua inscrição e pedir o registo das nossas côres que são as seguintes: calção preto, blusa branca e vermelha (metade de cada côr) tendo as mangas as cores trocadas e gola e canhões preto.’ E no mesmo processo, acrescentava-se os restantes membros da Direcção: Vice-Presidente, Hermano da Motta Faria, Secretário, Medeiros Ferreira, Vogais, José Teixeira Moreira e Manuel de Sousa Pereira e Tesoureiro, Tomás José Ferreira de Viveiros. Tomás Viveiros seria em 1933 co-proprietário do ‘Estádio do Rosário’ e Manuel de Sousa Pereira, seria um dos mais argutos e bem sucedidos dirigentes do Ideal. Hermano da Motta Faria participaria na Liga Desportiva Ribeiragrandense. Como jogadores da equipa: Manuel Barnabé, guarda-redes, José de Sousa Gaspar, capitão, Jaime de Sousa Pereira, Jacinto Santo, Manuel Carvalho, Francisco da Ponte, José da Costa, José Faia, Humberto da Silva Câmara, Francisco da Ponte Rita e Moisés Carvalho. Como suplentes: Mariano Carreiro, Artur da Silva Câmara, António Freire, António Dionísio e João Ferreira. Seriam delegados do clube, em primeiro lugar, Manuel Albano de Medeiros, com direito de voto, em segundo lugar, João de Deus Albergaria, guarda-redes do Açor, e, por último, Hermano Cabral. Alguns dos jogadores referidos na lista, irmãos Câmara, tinham sido atletas do Praia.

A 8 de Maio de 1929, o Águia Sport Club é inscrito, conforme Acta da Associação de Futebol de S. Miguel, naquela associação. José de Medeiros Pavão Junior, substitui Manuel Albano Botelho de Medeiros como delegado junto da Associação de Futebol de S. Miguel e António Freire deixa de ser jogador passando a suplentes Constantino de Melo e Manuel Caetano.

Era então Presidente da Associação de Futebol de São Miguel, fora vice-presidente cooptado na direcção anterior, o Dr. José de Oliveira San-Bento.

O Correio dos Açores, de 24 de Maio de 1929, na secção Desportos, titula: ‘O Águia Sport Club, da Ribeira Grande, estreou-se oficialmente contra o Santa Clara (Novo). Um mau jogo de futebol – Um resultado duvidoso.’ E adianta: ‘Marcou a Associação de Futebol de S. Miguel e muito bem, um jogo entre o Águia Sport Club da Ribeira Grande, que há pouco tempo se filiou na Associação e o Santa Clara (novo), que apadrinhou o seu aparecimento ao público da Cidade. O gesto dos dirigentes da entidade máxima dos futebolistas de S. Miguel, facilitando o jogo, foi um gesto que gostosamente aplaudimos. É preciso amparar os novos que surgem cheios de vontade a engrossar as fileiras da causa desportiva. Por tal motivo, felicitamos os representantes da Ribeira Grande pela correcção como se apresentaram no campo e pela maneira disciplinada como aceitaram o resultado da luta. Fazer sport é assim. Antes do jogo os visitantes saudaram com as vivas costumadas a AFSM e os clubes da Cidade. O jogo produzido por ambas as equipas foi muito precário, um jogo falho de intenção, com muito dispêndio de energia sem utilidade e com muito pontapé sem direcção. O Santa Clara (novo) é um grupo que não aperfeiçoa a qualidade do futebol que pratica. Não procuram fazer melhor e é pena, porque têm matéria-prima para se desenvolverem. Apesar disto, os brancos foram mais team durante toda a partida. O Águia nunca jogou vencido e teve mesmo oportunidades de atingir o goal, com justiça, nalguns raids perigosos que realizou. Necessitam de trabalhar com muita vontade e com persistência, mormente no sentido de aperfeiçoamento no domínio de bola, ignorância esta, que todos os jogadores possuem, consistindo a base principal de poderem melhorar as suas qualidades de jogadores. A dentro desta equipa todo o jogador tem o seu lugar definido, não devendo ir ao encontro da bola em corrida desordenada três e quatro homens ao mesmo tempo, como sucedeu neste jogo. O guarda-redes, Manuel Barnabé, foi o jogador que fez o bom resultado que alcançaram. Evidenciou defesas valorosas, marcando notavelmente a sua coragem em mergulhos que executou. Tem defeitos que podem facilmente ser corrigidos. O primeiro goal foi marcado pelo Santa Clara (novo). Saldanha, remata a bola toca nas pernas dum adversário, engana o guarda- redes e entra. O goal do Águia foi retirado duma grande penalidade, por empurrão com as mãos. Momentos antes de findar o desafio, o extremo esquerdo do Santa Clara, envia um centro por alto, a bola bate na parte superior da trave e devido ao efeito saltita e volta ao terreno do jogo. Nesta altura o guarda redes tenta defende-la, tocando-lhe mas não a agarrou e os contrários em massa empurram a bola para dentro das redes, fazendo assim o goal da vitória. Foi um goal um tanto duvidoso pelo facto de a bola ter batido na trave pela frente de cima. Venceu pois o Santa Clara por 2-1. Manuel Maria, Saldanha, Simão e o defesa esquerdo foram os elementos que mais se destacaram. Arbitrou F. Ferreira. A linha do Águia Sport Club era assim constituída: Manuel Barnabé, Manuel Caetano, José Gaspar, F. Carroça, M. Carvalho, Jacinto Santos, Moisés, F. Rita, Constantino Barroso, H. Câmara, J. Grandela. O médio esquerdo, na 2.ª parte, foi magoado casualmente na cabeça. Após o curativo voltou a jogar. O penalty foi marcado por F. Rita.’ Este F. Rita, segundo testemunhos orais, faria parte do Ideal na altura da inauguração do Estádio do Rosário.

Todavia, a 27 de Julho, é considerada nula a inscrição. Em ofício de 22 de Setembro daquele ano, como ainda não tivesse estatutos, e pretendia participar no campeonato de 1929-1930, o Presidente, Francisco Justino Machado, indagava, junto daquela Associação, se o Águia podia reger-se pelos estatutos da Associação. Debalde. Ainda em Outubro o Correio dos Açores referia a hipótese de equipas da Lagoa e da Ribeira Grade participarem. Porém, em Outubro, conforme o Diário dos Açores, de 31 daquele mês, anunciava um jogo na Lagoa ‘entre o Águia Sport Club, da Ribeira Grande e uma selecção da Lagoa para o ‘próximo Domingo.’ O Águia havia escolhido para sua madrinha naquela vila, a menina Estrela Borges Garcia. O árbitro seria Manuel Albano Botelho.

Participação na Liga Desportiva Micaelense

Todavia, o Águia Sport Club, tal como o Artista, também da Ribeira Grande, inscreveu-se na Liga Desportiva Micaelense, que surgira após uma dissidência com a Associação. Pelo menos em Dezembro já lá estão. A Liga, conforme Correio dos Açores, de 24 de Novembro, autoriza o Club União Micaelense a aceitar o convite do Águia Sport Club para se deslocar à Ribeira Grande. Seria árbitro o Sr. Fábio Moniz de Vasconcelos, árbitro da Liga. No dia 1 de Dezembro, Diário dos Açores, de 2 de Dezembro de 1929, o grupo B do Santa Clara havia derrotado por 2-0, na Ribeira Grande, o Águia Sport Club. A 16, o mesmo jornal, adiantava que no dia anterior a 2.ª categoria do Santa Clara ganhara por 1 a 0, na Ribeira Grande, uma equipa local. Não menciona qual. O Correio dos Açores, de 28 de Dezembro, refere o Águia, tal como o Artista estão inscritos no Torneio Relâmpago da Liga Desportiva Micaelense. O Correio dos Açores, de 31 de Dezembro, informa que ‘o Torneio Relâmpago não terminou por falta de tempo, e pelo facto das equipas S. Miguel e Águia Sport Club, da Ribeira Grande, apesar de sucessivos prolongamentos de tempo, não terem marcado goals. O Ponta Delgada foi eliminado pelo Artista Sport Club da Ribeira Grande por 2-0 e o Santa Clara (velho) equipa B, bateu o S. Miguel por 1-0. Na próxima quarta-feira, continua o torneio, jogando o S. Miguel e Águia e o vencedor bate-se na final com o Santa Clara (B).’Além destes, estão inscritos os seguintes clubes de Ponta Delgada: Ponta Delgada Sport Club, Clube Desportivo Santa Clara (B), S. Miguel Atlético Club. O Águia perderia por 1-0 com o S. Miguel Sport Club, que, ao derrotar pela mesma marca o Santa Clara, ganhou o bronze em disputa (Diário dos Açores, 3 de Janeiro de 1930). A 8 de Janeiro de 1930, ainda se falava do Águia. O Diário dos Açores, regista que o S. Miguel, recente vencedor do Torneio Relâmpago da Liga, havia derrotado na Ribeira Grande o Águia por 2-0. A nota oficiosa da Liga Desportiva Micaelense, de 24 de Dezembro, divulgada no Diário dos Açores, de 10 de Janeiro de 1930, adiantava a composição da II Divisão. Seria composta pelos clubes vencidos no citado Torneio Relâmpago: Águia Sport Club, Artista Sport Club, Ponta Delgada Sport Club e Club Desportivo Santa Clara. O vencedor teria direito a se juntar aos clubes da I Divisão: Club União Micaelense, Club Desportivo Santa Clara (A) e S. Miguel Atlético Club.

O Artista Sport Club ganhou por 1-0 ao Santa Clara (B), em jogo disputado na Lagoa (Diário dos Açores, 20 de Janeiro de 1930). Veja-se como o mau estado do campo da Ribeira Grande irá condicionar o futuro das equipas locais. O Ponta Delgada derrota o Águia por 3-0 (Diário dos Açores, 10 de Fevereiro de 1930).

O Correio dos Açores, de 2 de Março, de 1930, regozija-se pelo facto de a Liga e a Associação se entenderem: ‘(...) para que tudo entre nos eixos, que vão ser postos imediatamente em vigor novos artigos do Regulamento, que juntamente com as disposições de detalhes que a futura direcção duma só entidade se propõe publicar, trarão em breve espaço a regularidade a todas as manifestações de futebol. Parece pois, que as coisas a dentro da Associação de Futebol para onde acabam de voltar o Santa Clara (Velho) e o União Micaelense, pretendem tomar bom caminho. (...) Para comemorar este importante acontecimento, joga-se hoje, pelas 15 horas, um desafio de futebol entre o Santa Clara (Velho) e o União Sportiva (...).’ Graças aos esforços desenvolvidos por Riley da Motta e Jeremias da Costa, dirigentes da Liga e da Associação, respectivamente. Porém, os jogos agendados pela Liga continuaram. O nível desportivo, no entanto, a fazer fá nos jornais, deixaria muito a desejar (Correio dos Açores, 13 de Março de 1930): ‘temos de reconhecer que nesta cidade se pratica em geral mal o association.’ E na Ribeira Grande, poder-se-ia acrescentar.

Águia e Artista, conforme o Correio dos Açores, de 19 de Março, iriam participar na II Divisão da Liga Desportiva Micaelense. Jogariam naquele dia o Águia Sport Club com o Santa Clara (Velho) B e o Ponta Delgada com o Águia. Todavia, segundo o Correio dos Açores, de 22 de Março, o Águia ‘pretextando doença de jogadores’, não compareceu, nem mesmo prevenindo os responsáveis da Liga, por seu turno, o Artista empatara a uma bola com o Santa Clara (Velho) B. O cronista refere que ‘ambos fizeram uma pobre exibição, dando uma impressão dolorosa do seu trabalho individual. A maioria dos jogadores, dos novos, principalmente do Santa Clara, possuem qualidades susceptíveis de se aperfeiçoarem na prática do jogo. Gualberto, Manuel Pedro, Virgínio e o médio direito, são os que mais nos chamaram a atenção. No Artista o meia esquerda Laurindo, avançado centro e extremo direito. O guarda redes do Artista entrou em acção várias vezes, tendo salvo o seu grupo duma derrota. A melhor fase do jogo foi uma recarga de Raposo às balizas do Artista, saindo fora. Os goals foram marcados, o primeiro pelo Santa Clara, por intermédio de Saldanha, e o do Artista pelo avançado centro, trabalho de Laurindo. Arbitrou Gustavo Moura, que fez a sua estreia oficialmente.’ Repare-se que os jogos das equipas da Ribeira Grande, ou são disputados em Ponta Delgada ou na Lagoa. O que se passaria com o campo local? Depois disso, silêncio acerca das equipas da Ribeira Grande. Que teria sucedido? O Águia deixa de participar na Liga. A Liga Desportiva, em nota à imprensa, referente às sessões dos dias 21 e 28 de Maio de 1930, informa que o Águia Sport Club, de acordo com o pedido do seu ex-Presidente, Francisco Justino Machado, fora dissolvido e a sua inscrição anulada na Liga Desportiva Micaelense. Bem como a dos seus atletas. Porquê? A nota é esclarecedora: ‘Notificar publicamente os grupos desportivos filiados da Ribeira Grande nos termos em que já anteriormente haviam sido notificados em ofício desta direcção, de que a LDM deixou de deslocar aquela Vila grupos de futebol filiados por virtude de ter sido condenado pelo médico que faz parte desta direcção o único campo de jogos que aquela vila dispõe, quer por não estar nas condições regulamentares pelo seu desnivelamento, medidas e lajes salientes que existem perto de uma baliza, quer, e principalmente, porque servindo este campo habitual e semanalmente de feira de gado, correm os desportistas o grave risco de contraírem infecções perigosíssimas e até mortais. 3.º Prosseguir nas negociações já entabuladas para aquisição de um campo de jogos naquela vila nas condições regulamentares e com um Hangar de Educação Física para exercícios ginásticos e atléticos dos desportistas inscritos (Correio dos Açores, 3 de Junho de 1930).’ Está dada de maneira clara e objectiva, pela voz dos dirigentes da Liga, a explicação para a interrupção da participação do Artista e do Águia na Liga e de as partidas de Futebol se terem realizado na Lagoa e em Ponta Delgada. Aguardava-se a aquisição de um recinto desportivo adequado, algo que só se verificaria em 1933, mas sob a alçada da efémera Liga Desportiva Ribeiragrandense. Francisco Justino Machado, que pertenceria à Liga Desportiva Ribeiragrandense, enquanto se aguardava o novo campo, terá certamente pensado em aderir à Associação, já que este organismo, aparentemente, não estabelecia como requisito essencial a ultrapassagem imediata das precárias condições do campo das reses? Parece que sim.

O campo até 1951, esporadicamente em 1933, seria a causa principal da estagnação do futebol ribeiragrandense. Assim se compreenderá as diferentes atitudes dos dirigentes da Liga, intransigente, e a do Presidente da Associação de Futebol de S. Miguel, condescendente, quando este último oficia a 22 de Maio a pedir à Câmara Municipal de Ribeira Grande autorização para ‘se efectuar jogos na feira do gado desta Vila, bem como autorização para que o Pátria Sport Club, desta Vila, realize na mesma feira de gado os seus treinos (...)’A autarquia, Acta de 5 de Junho de 1930, folhas 122, autoriza mas acrescenta: ‘devendo os referidos clubes assumir a responsabilidade por quaisquer prejuízos a que deem causa, nomeadamente nos telheiros da dita feira.’ Está explicada a causa da mudança da Liga para a Associação. Mas porquê a adopção do nome Pátria em vez de Águia? Não sabemos.

De novo na Associação de Futebol de S. Miguel: Pátria Foot-ball Club da Ribeira Grande

Em Abril de 1930, com sede na rua Direita (onde exactamente?) e pretendendo filiar-se na Associação de Futebol de S. Miguel, tendo como seu Presidente, ex-Presidente do Águia Sport Club, Francisco Justino Machado, aparece o Pátria Foot-ball Club. Os calções eram pretos e as blusas eram constituídas por uma metade em vermelho e outra em branco. Cores do dissolvido Águia. A 30 de Abril foi aceite a sua inscrição provisória. A 1 de Maio, Francisco Justino pede a inscrição e o registo das suas cores. A 6, é enviada a relação dos jogadores da nova equipa, cujos efectivos eram: Manuel Barnabé, Manuel Caetano, Dinis da Silva Bravo, Francisco de Medeiros, José Correia, José da Silva Moço, Francisco da Ponte, Laurino Carreiro, Humberto da Silva Câmara (capitão), Constantino de Melo e José Câmara, como suplentes, José Carvalho Santos, José Gaspar, Moisés Carvalho, José Maroto, José Vieira Faia, António Freitas e Manuel Moniz da Costa. Quase todos do extinto Águia.

Em Outubro de 1933, por ocasião da inauguração do Estádio do Rosário, data provável da fotografia, Laurino Carreiro e José Gaspar estão no Ideal.

Conforme a acta n.º 39 da Associação de Futebol de São Miguel, datada de 30 de Abril de 1930, esta associação aceita a inscrição provisória do Pátria Foot-Ball Club da Ribeira Grande e autoriza-o a jogar amigavelmente, no dia 4 de Maio, com as segundas categorias do União Sportiva.

Novo jogo ainda em Maio, conforme Acta n.º 41 de 14 de Maio de 1930, da Associação de Futebol de S. Miguel, autorizando o Sport Club Santa Clara a ‘realizar no próximo domingo, dezoito do corrente, com o Pátria Foot-Ball Club da Ribeira Grande, um desafio amigável no Campo daquela vila, sendo nomeado árbitro o Sr. Manuel de Aguiar Jr. (MFBC)’

A mudança do nome de Águia para Pátria, terá sido um expediente para possibilitar a uma equipa da Ribeira Grande, ao sair da Liga, pudesse, sem problemas filiar-se na Associação, ou algo mais que desconhecemos? Os jogadores do Pátria são os mesmos do Águia. Como vimos. Seja como for, este Águia Sport Club fundado por Francisco Justino Machado, durara pouco mais de um ano, sendo dissolvido pelo responsável que fundaria com os jogadores do Águia, o Pátria Sport Club. A época começara e não seria possível ao novo clube participar em provas oficiais, restar-lhe-ia, enquanto aguardasse pela próxima época oficial, ir realizando jogos amigáveis. Por que teria saído o Águia da Liga? Porque teria mudado de nome? Continuará, enquanto não se encontram outras provas, assunto por resolver.

Em carta datada de 27 de Maio, redigida e assinada por Francisco Justino Machado, dirigida ao Presidente da Associação, além da referência a peripécias alegadamente motivadas pela falta de policiamento durante o encontro do Pátria com o União Sportiva, Francisco Justino Machado explica a razão do pedido de auxílio à Associação. O que revela algo da crise que então os clubes viviam e talvez perceber a razão do novo clube ao filiar-se naquela agremiação desportiva: ‘Eu sei e lamento a situação que todos os clubes desportistas atravessam, (situação criada pela desunião dos clubes) e que eu não desejo agravar exigindo mais do que se deve exigi e se tal pedido fiz, foi simplesmente pelo que acima digo.’ O clube padecia de dificuldades financeiras, como os mais da ilha, e pretendia que a autarquia nos jogos realizados no campo das reses, enquanto não se construísse um novo recinto desportivo, vedasse o acesso aos peões nas ruas vizinhas. Solicitava, ainda, caso fosse possível, que clube que viesse à Ribeira Grande jogar, trouxesse três pares de botas para emprestar aos atletas do Pátria Foot-ball Club. Francisco Justino solicitava ainda anuência da Associação para que o Santa Clara (Novo) se deslocasse no dia 1 de Junho à Ribeira Grande. A 25 de Junho, de 1930, a acta n.º 47, da Associação de Futebol, inscreve autorização para o Clube União Sportiva se deslocar à Ribeira Grande para disputar jogo com o Pátria, no dia 29, dia de Cavalhadas. Ficando o juiz e fiscais de linha a cargo dos mesmos clubes.

A 16 de Julho, Acta n.º51, a Associação autoriza a 1.ª categoria do Micaelense Foot-ball Clube a ir disputar jogo à Ribeira Grande com o Pátria. A 23, acta n.º 52, por seu turno, a Associação autoriza o Pátria a ir, no dia 27 de Julho, à Lagoa jogar com uma equipa local. E os encontros, talvez de preparação para época seguinte, continuam a um ritmo regular, desta vez, a Associação autoriza o Pátria a receber de novo as 1.ª categorias do Micaelense (Correio dos Açores, 24 de Julho de 1930). E, conforme o Correio dos Açores, de 13 de Agosto, que divulga o comunicado n.º 42 da Associação, o Pátria estaria autorizado a receber, no dia 27, uma equipa da Lagoa.

A 8 de Outubro, representantes da Liga e da Associação, assinam acordo que pretendia pôr fim ao dissídio entre ambas. Pela direcção da Liga, entre outros, assina o Presidente, Lúcio Agnelo Casimiro e pela Associação, entre outros, o seu Presidente.

A partir daqui silêncio absoluto acerca do Pátria. Não terá conseguido cumprir com as novas regras acordadas entre Liga e Associação? À cabeça das quais um campo decente? A autarquia não tinha cumprido com a promessa de novo campo?

A acta n.º 3, de 10 de Março de 1931, da Associação, apesar de não mencionar o Pátria, poderá dar-nos uma pista. Os clubes dissidentes da Associação que haviam fundado a Liga, haviam sido readmitidos na Associação: ‘(...) e como se tenham suscitado dúvidas a esta Direcção sobre a legalidade das inscrições de Clubes e jogadores na presente época desportiva, bem como das provas oficiais pelos mesmos realizadas até à sua posse, em virtude da Direcção transacta publicamente ter confessado haver cometido irregularidades no desempenho das suas funções, de comum acordo com os Presidentes dos referidos clubes (...) foi resolvido por unanimidade julgar válidas as inscrições de Clubes e jogadores, bem como as provas oficiais pelas mesmas realizadas na presente época desportiva (...).’ Este imbróglio teria apanhado o Pátria e os demais clubes da Ribeira Grande desprevenidos e explicaria o desejo de a Ribeira Grande ter a sua estrutura desportiva. Algo que iria ser tentado, sem êxito, pela Liga Desportiva Ribeiragrandense. Em declarações à Gazeta, de 2 de Maio de 1931, o Presidente da Liga, Agnelo Casimiro apontava as causas da crise: ‘a falta de compreensão por parte dos Dirigentes do que seja e para que seja a prática dos desportos, deflagrando o desinteresse e a indisciplina dos Dirigidos.’ E, como solução, indicava: ‘Refundir o Estatuto e o Regulamento da entidade dirigente local; organizar de novo as filiações por forma a evitar a dispersão dos jogadores (...).’ E rematava, com alguma esperança: ‘virão melhores dias, mas não nesta época que está a findar. Esperemos por 1931-32, pois tenho fé no amor que todos os que dedicam à causa desportiva nutrem pelo football.’

Seguir-se-ia, na Ribeira Grande, um hiato de silêncio, quebrado pelo Águia, logo seguido por outras equipas. Neste período surgiria o Ideal. Segundo Francisco Inácio Machado (Depoimento de 27 de Junho de 2002), o Ideal teria vindo do Artista, tal como o Águia do Praia. E (ainda o Ideal) talvez também da reunião de elementos do Estrela.

Informalmente, primeiro, conforme se pode depreender da notícia do Correio dos Açores, de 8 de Outubro de 1932: ‘Ultimamente tem havido entre nós alguns desafios de Foot-ball, que geralmente terminam em verdadeiras touradas.’ Mas o óbice da falta de campo adequado não tinha sido ainda ultrapassado. Entretanto, da Lagoa, que despertara para o futebol mais tardiamente, com o mesmo problema resolvido, surgiam ecos de jogos. De Vila Franca, silêncio absoluto. Ecos dos Mosteiros, das Capelas e pouco mais.

De novo o Águia: 1932

O Correio dos Açores refere-se a clubes da Ribeira Grande. Em 1932, reaparece o Águia Sport Club. Em Outubro, estaria já activo. Trata-se de um jogo disputado na Ribeira Grande, entre o Águia e o Futebol Club Esperança, de Ponta Delgada. O árbitro foi Manuel Albano Medeiros, que organizaria em 1933, por sua conta e risco, o I Campeonato de Vilas e Aldeias. O Águia venceu-o por 2-0 (Correio dos Açores, 4 de Novembro de 1932). Por que razão ressurge o Águia e não o Pátria? Não sabemos. Joga, na Ribeira Grande, e com o aval da Associação, com o Micaelense Foot-ball Club a 29 de Janeiro de 1933 (Acta, n.º 223, 1 de Fevereiro de 1933). Esta acta da Associação de Futebol, confirma que este clube continua activo a 29 de Fevereiro de 1933. A 21 de Abril deste ano, Viriato da Costa Madeira, antigo capitão do Açor, é indicado como sendo o representante do Águia Sport Club na Liga Desportiva Ribeiragrandense. Mais se reforça o carreado pela tradição oral, de que o ‘Águia veio do Praia e do Açor’? Mas o Praia, ainda a 21 de Abril de 1933, estava representado por Francisco Justino Machado, refundador do Águia em 1929.

Em Março daquele ano, ressurge o Praia Sport Club e surge um União Sport Estrela. O representante deste último na Liga Desportiva Ribeiragrandense, era António Augusto da Mota Moniz, antigo jogador do Açor, segundo a tradição oral.

Teriam estes elementos, Francisco Justino, António Augusto e Luís da Silva Melo, a fim de disciplinar o desporto na Ribeira Grande, não só feito parte da Liga como feito parte das chefias das novas equipas? O Ideal, um recém-chegado, seria a excepção?

Participação no I Campeonato de Vilas e Aldeias

O Praia Sport Club, como já referi, no entanto, reaparece em Março juntamente com o Águia Sport Club, e surgem o Grupo Desportivo da Ribeirinha e o União Sport Estrela, todos da Ribeira Grande, a disputar um campeonato de futebol entre ao equipas das vilas e das freguesias da ilha. Que pensar de tudo isso? Que o futebol alastrara à Ribeira Seca e ao Curato da Ribeirinha, lugares próximos da Conceição e da Matriz. Talvez se possa adiantar, face à documentação disponível, que o Águia, num primeiro momento estaria ligado ao fim do Açor e do Praia, mas que, posteriormente, ressurgiria autonomamente? Apesar de já fazer parte da Liga Desportiva da Ribeira Grande, o Águia, tal como o União Sport Estrela e o Grupo Desportivo da Ribeirinha, continuam a disputar o acima referido campeonato. O Águia chegaria invicto à final, em Maio de 1933, onde seria derrotado por 4-3 pelo S. Pedro Futebol Club, da Lagoa.

Campeonato mais de perto

Vejamos mais de perto esse I Campeonato de Vilas e Aldeias de 1933. É provável que tenha surgido para tentar colmatar o espaço deixado vago pela incapacidade ou pela falta de vontade em dar resposta por parte dos organismos oficiais que então tutelavam o futebol em São Miguel, face à proliferação de grupos por toda a ilha de S. Miguel. Foi promovido fora dela, por quem conhecia bem o futebol fora de Ponta Delgada, Manuel Albano de Medeiros: ‘Está sendo organizado um Campeonato de foot-ball entre os grupos das Vilas e freguesias desta ilha, achando-se inscritos os seguintes grupos: Ribeira Grande – Águia Sport Club, União Sport Estrela, Praia Sport Club e Grupo Desportivo da Fábrica da Ribeirinha; da Lagoa – S. Pedro Sport Club; das Capelas – Club Recreio e Instrução Capelense (Correio dos Açores, 15 de Março de 1933).’ E, no mesmo jornal, publicavam-se os regulamentos da prova: ‘Os Ribeiragrandenses apurarão o seu representante, o qual disputará com os outros dois clubes o título de vencedor. Este torneio disputar-se-á muito em breve e será presidido por um júri formado pelos presidentes da AF e o Colégio dos árbitros e pelo Sr. António Viveiros. Dois lindos troféus premiarão, respectivamente, o vencedor do torneio e o segundo na eliminatória da Ribeira Grande.’ O Diário dos Açores, do mesmo dia, acrescenta pormenores relevantes e dá-nos uma ligeira nota dissonante: está sendo organizado pelo Sr. Manuel Albano Medeiros, nota dissonante, e, a disputa final decorrerá em Ponta Delgada, um artístico bronze para o vencedor com o nome do malogrado Ernesto Pereira e uma taça de prata ao segundo classificado na Ribeira Grande, pormenores. Entretanto, o Águia Sport Club preparava-se para a prova recebendo a 19 de Março e perdendo por 1 a zero com o Micaelense Foot Ball Club (Diário dos Açores, 20 de Março de 1933). Este, de acordo com o mesmo jornal, fizera alinhar alguns reservistas. Manuel Albano fora o árbitro (Correio dos Açores, 21 de Março de 1933).

E a 4 de Abril, o Diário dos Açores, divulgava os primeiros resultados dos jogos disputados: ‘realizou-se no último domingo dois encontros de foot-ball: C. União Estrela contra Praia S. Club ganhando este por 2-0; Águia S. Club contra Grupo Desportivo F., da Ribeirinha, ganhando aquele por 7-0.’ O Águia estava lançado. Entretanto, nas Capelas, o grupo local, também a participar no Campeonato, não descurava a preparação: perdeu por 2 a zero com o Club Desportivo Santa Clara (Diário dos Açores, 10 de Abril de 1933). Era preciso rodar a equipa. O Águia na segunda jornada cilindrou a sua ‘alma mater’, o Praia, por oito golos sem resposta. Ainda assim, este último, por se classificar em segundo lugar, recebera a Taça de prata Manuel Albano. Marcou-se para o dia 23 de Abril, em Ponta Delgada, como regulamentado previa, o desafio entre o Capelense e o S. Pedro, da Vila da Lagoa. O Águia, como vencedor invicto da Ribeira Grande, ficara apurado para a final. O primeiro jogo seria arbitrado pelo Sr. Manuel Cabral e o segundo, o da final, pelo Sr. Manuel Albano Medeiros (Diário dos Açores, 13 de Abril de 1933). Entretanto, como vimos em artigo já publicado, a Liga Desportiva Ribeiragrandense ensaiava os primeiros passos. A imprensa local, apesar de o Diário dos Açores, ao que parece, ter funcionado como uma espécie de órgão oficial da prova, farejando por certo leitores interessados, segue atentamente a última fase da prova. O Correio dos Açores, de 12 de Maio, anuncia para o dia 21 a final no Campo do Liceu pelas 14 horas. A prova é promovida pelo Sr. Manuel Albano e que ao grupo vencedor será entregue a Taça ‘Ernesto Pereira’. Presidiria ao encontro os senhores Alberto de Oliveira, José Januário da Costa e A. Viveiros. A Gazeta, de 17, acrescenta que os finalistas são o Águia Sport Club, da Ribeira Grande, e o S. Pedro SC, da Lagoa, e que, a Taça tem estado exposta na vitrine do Sr. M M Botelho, à esquina do Cais. E agradece a oferta de bilhete de ingresso para assistir à desejada final. O Correio dos Açores, de 18, a três dias do prélio, volta à carga, recordando o evento e acrescentando que a madrinha do encontro seria Mademoiselle Maria Clotilde de Furtado Pacheco. O Diário dos Açores, não querendo porventura ficar atrás, a dois dias da contenda, sem acrescentar nada de novo, relembra a natureza, a data e o local da prova. Um dia antes, é a vez de O Distrito, na sua secção Desportos, elogiar Manuel Albano pela iniciativa, e como o dia seguinte coincidia com o mais festejado do ano, prever, erradamente, uma enchente de locais e forasteiros. O Açoriano Oriental, do mesmo dia de O Distrito, que até então se quedara mudo, deixa-se levar pelo entusiasmo geral e ao noticiário geral divulgado pelos concorrentes acrescenta que Ernesto Pereira, nome da Taça, fora um entusiasta dirigente do Santa Clara Foot Balll Club e da Associação de Foot Ball de S. Miguel e esclarece-nos, pelo facto de o escrever por extenso, que o A de A Viveiros corresponde a António Viveiros. No próprio dia do jogo, o Correio os Açores, relembra a contenda.

Resultado? O Diário dos Açores, de 23, a 22 não saíram jornais, diz: ‘Perante regular concorrência teve lugar no último domingo, o encontro final para o campeonato, inter vilas e aldeias, jogando o S. Pedro, da Lagoa e o Águia da Ribeira Grande. Ganhou o primeiro por 4-3.’ O Águia ficara sem troféu. Ao menos o Praia alcançara uma Taça de Prata. A Gazeta do dia seguinte, repete o mesmo. O Correio dos Açores, de 25, alarga-se em crónica é generosa. Titula-a: ‘O campeonato de Vilas e Aldeias foi ganho pelo S. Pedro F. Club, da Lagoa por 4-3.’ E, entra na crónica: ‘(...) O jogo só teve de interesse pelo equilíbrio das duas equipas, sendo no entanto o S. Pedro mais realizador, devido a ter alinhado F. Freitas, que é um bom elemento em qualquer grupo. Foi o melhor dos vinte e dois homens em campo, pois que a maioria deles nada conseguem fazer que se pareça com futebol. Não tivemos ocasião de apreciar o trabalho de Barnabé, Keeper do Águia, um elemento com habilidade para o lugar, por ter tido pouco que fazer. Os goals que sofreu foram todos motivados por erros dos companheiros. O penalty marcado por Freitas não tinha defesa possível. Não concordamos com a atitude de o S. Pedro não querer jogar a meia hora suplementar, querendo jogar a final com outro árbitro, que não foi nada justo, pois que o Sr. Manuel Albano foi regular na sua arbitragem, durante os 90 minutos. O goal que invalidou ao S. Pedro, proveniente dum livre marcado ao Keeper do Águia, por ter dado mais que quatro passos com a bola segura nas mãos, está correcta a sua decisão. Qualquer livre que não seja da Lei não vale goal entrando directamente.’ O facto gerou polémica e ameaçava denegrir a reputação do organizador. E não se ficou por aí, pois, no mesmo título, a 2 de Junho, ainda se falava na ocorrência. M. Aguiar, seu autor, responde a um tal MA, que escrevera na secção desportiva de quinta-feira do Correio dos Açores, a reclamar contra a injustiça, e a dado passo, escreve: ‘O grande erro que o árbitro teve, sabe qual foi? O de não ter entregue a taça ao Águia, quando o S. Pedro se negou a jogar.’ A 3 de Junho, sempre no Correio dos Açores, Manuel Albano defende-se.

Para trás ficara o Campeonato de Vilas e Aldeias, avizinhava-se a inauguração do Estádio do Rosário e o início de um campeonato local. Neste contexto, o Águia, certamente, desejando manter e elevar a forma dos seus atletas, pede autorização para defrontar o Clube Desportivo Santa Clara, um grupo de maior valia.(Acta n.º 5, da Associação, 4 de Outubro de 1933). A acta n. º 7, da Associação de Futebol, de 18 de Outubro de 1933, a poucos dias da inauguração do Estádio do Rosário, autoriza o Club União Sportiva a realizar um jogo amigável na Ribeira Grande. Com quem? Seria com o Ideal, o parceiro do Águia no jogo inaugural? Ter-se-á realizado depois de 21 de Outubro (O Distrito, 21 de Outubro de 1933). Desconhece-se.

Tal como estreara o ‘Estádio do Rosário’ frente ao Ideal, o Águia Sport Club, empata a duas bolas a derradeira partida de futebol, frente ao Vingador Nacional Sport Club, de Ponta Delgada, a 17 de Junho de 1934.

A partir daqui só encontramos referência a um grupo com este nome, e para a Ribeira Grande, já que surge um Águia nos Arrifes, em 1941.

Águia: Reabertura após sete anos: em 1941

Ressurge depois de 1924 em 1929, e, depois do Pátria, em 1930, reaparece em 1932. Depois de 1934, só em 1941, pouco tempo depois do Ideal Sport Club: ‘desafio de domingo passado [6 de Abril de 1941], embora prejudicado pelo mau tempo, interessou muito. Encontraram-se o Clube Desportivo Santa Clara e o Águia Sport Club, desta vila. O resultado, que foi favorável ao Santa Clara, foi muito honroso para o nosso grupo, que jogava pela primeira vez com um grupo experimentado, conseguindo ainda assim o resultado de 2-3 pontos.’

Águia: reabre em 1961

A 29 de Junho, dia de Cavalhadas, numa quinta-feira, o Águia reaparece (Diário dos Açores, 27 de Junho de 1961), após a experiência frustrada da fusão do Ideal e Águia, de 1956 a 1961. A Câmara Municipal, pelo facto de o Águia Sport Club ter faltado sem aviso prévio ao Torneio de Futebol promovido pelo Governo Civil a favor do Movimento Nacional Feminino, delibera que até ao final da época desportiva não lhe seja cedido o campo de jogos para competições desportivas (Acta da Câmara, liv. 87, 12 de Junho de 1963). Pelos vistos o castigo não teria sido aplicado, já que o Diário dos Açores de 28 de Junho de 1963, anunciava para o Domingo seguinte um encontro entre o ‘Águia Sport’ e o Clube Desportivo ‘O Académico’, da Ribeira Grande.

Mudança de nome: Benfica Águia Sport: 1963

Tal como o seu rival Ideal, o Águia mudaria de nome em 1963 e seria admitido na Associação de Futebol em 1965. Tal como o seu rival, tal como quaisquer gêmeos rivais, mudara de Ideal Sport Club para Ideal Futebol Club, o Águia também mudara de Águia Sport Club, para Águia Futebol Club.

Participa, tal como o Atlético de São Pedro e o Ideal, no Primeiro Campeonato Popular organizado pela Associação de Futebol de Ponta Delgada.

Artista Sport Club: nascimento

Em Abril de 1929, de acordo com a imprensa, além do Águia Sport Club, surgem-nos mais duas equipas ribeiragrandenses: Artista Sport Club e Club Oriental.

Em documentação enviada em Junho de 1929 à Associação de Futebol de S. Miguel, na qual solicita inscrição, ficamos a saber mais acerca desta equipa. Assim, as cores da equipa eram: calção branco, camisa azul e branca, metade de cada cor. Eram seus directores: Presidente, Manuel Aires Teixeira, Vice-Presidente, João da Ponte, Secretário, Arsénio da Silva Bravo, Tesoureiro, José de Melo Machado e vogais Agostinho de Melo Garcia e Manuel Cabral de Melo. O seu representante na Associação seria Serafim de Viveiros. A lista dos jogadores apresentada à Associação, naquela data, era a que se segue: José Maroto, José Pereira Cabral, Laurindo Carreiro, José Correia de Menezes, Leonel da Ponte Canário, José Borges Pimentel, José da Silva Lopes, Manuel de Sousa, Manuel Jacinto Caçador, José Augusto Pacheco, Carlos de Melo Batista e como suplentes, Evaristo Botelho de Paiva, Duarte Bárcia e Deodato Borges Moreira.

Foi considerado inscrito a 12 de Junho de 1929. Todavia, a 27 de Julho, a inscrição é considerada anulada. Em Dezembro está filiado na Liga Desportiva Micaelense. Apesar da saída do Águia, que se terá transformado em Pátria, o Artista Sport Club permanece. Em ofício anterior, de três de Junho de 1930, a direcção deste clube informou a direcção da Liga de que mudara a sua sede para a rua do Conselheiro João Franco. E agradece aos grupos filiados a ‘cooperação desportiva que no corrente ano desportivo lhe prestaram.’ Apesar da proibição pela Liga do campo das reses.

Oriental

Em Abril de 1929, de acordo com a imprensa, aparece referido para a Ribeira Grande um grupo denominado Club Oriental. O Diário dos Açores, de 8 de Abril, diz que ‘ontem teve lugar nas Capelas, um encontro de foot ball entre o Club Oriental da Ribeira Grande e o Recreio Capelense sendo o resultado de 5-2 a favor deste. Arbitrou o sr. Manuel Albano.’ Esta equipa, pelo que sabemos, não participa nem na Associação nem na Liga.

Capítulo V

Protagonistas da Liga Desportiva Ribeiragrandense

União Sport Estrela

Em 1933, na Ribeira Seca, sendo representante na Liga Desportiva Ribeiragrandense, António Augusto da Mota Moniz, existe o União Sport Estrela. Desconhecemos qual o papel de Luís da Silva Melo nesta equipa. Participou no Campeonato de Vilas e Aldeias organizado por Manuel Albano.

Grupo Desportivo da Fábrica da Ribeirinha

No mesmo ano, mas na Ribeirinha, sendo representante na Liga Desportiva Ribeiragrandense, Manuel de Sousa Oliveira, existia o Grupo Desportivo da Fábrica da Ribeirinha. Participou no referido Campeonato de Vilas e Aldeias.

União Ribeira grandense

O grupo União Ribeira Grandense estreia-se a 5 de Novembro, já após a inauguração do Estádio do Rosário, contra o Ideal, com o qual perde por 5 a zero. Era seu capitão o Sr. Agostinho da Costa Feio. O Correio dos Açores, de 10 de Novembro de 1933, registou: ‘Fez hoje, 5 do corrente, a sua estreia no novo campo de Jogos, sito no Largo do Rosário desta vila, o grupo União Ribeira Grandense, do qual é capitão o Sr. Agostinho da Costa Feio. Este grupo teve um desafio com o Ideal Sport Club, ganhando este por 5 a 0.’ E, faz uma avalição da disputa: ‘O jogo sem interesse algum, com fraca assistência, e se nos puséssemos aqui a dizer a verdade, aquilo foi tudo menos um jogo. A mania desta gente tanto adultos como rapazes, é jogar ao Foot Ball, treinando-se no coice, perdoem-nos a demasia da linguagem. Não percebemos nada deste jogo que certamente deve ter regras. Foi madrinha do grupo União a menina Celeste do Amaral Dâmaso, interessante filhinha do nosso amigo Sr. Manuel Pereira Dâmaso.’ Esta equipa, a 10 de Dezembro, empata a duas bolas com o ‘Sport Estrela’. O cronista referiu que: ‘devido certamente ao mau tempo, a concorrência foi muito diminuta e o jogo decorreu sem interesse. Arbitrou Manuel Barnabé que agradou, tendo o jogo terminado antes dos noventa minutos devido à chuva e com um empate a 2 bolas.’ Inaugurara a sede em Janeiro de 1934, tendo o clube um hino composto pelo professor Ilídio de Andrade. Vejamos o relato que do acontecimento fez O Distrito, de 31 de Janeiro, de 1934: ‘No último domingo, inaugurou solenemente a sua sede o Club Desportivo União Ribeiragrandense. Às 13 e ½ horas, formaram à frente do Club, o team, devidamente equipado e a banda Voz do Progresso, para a cerimónia do içar da bandeira, executando a referida banda o hino do Club, da autoria de Ilídio de Andrade. Em seguida, houve sessão solene, usando da palavra o Sr. Francisco Justino Machado, distinto funcionário dos Correios e Telégrafos, que num magnífico improviso, disse do fim daquela festa, da reorganização da Liga Desportiva, do projecto duma outra festa de confraternização inter clubs locais, da correcção dos jogadores, quer com adversários quer com público e fazendo votos para um glorioso futuro do Club, terminou levantando entusiásticos hurrahs, que foram acompanhados e retribuídos pelos jogadores e pela numerosa assistência, ouvindo-se novamente o hino, enquanto o orador era muito cumprimentado. Terminada a festa, partiu o team para o Estádio do Rosário, acompanhado pela Voz do Progresso, que executava um alegre passo-doble e por numerosos amigos, afim de se defrontar com o Águia Sport Club. O encontro decorreu com a máxima correcção, pertencendo o domínio do esférico ao Águia e tendo o porteiro do União brilhantíssimas defesas. Arbitrou esta partida, que terminou por um empate a zero, o nosso prezado amigo Sr. Fábio Moniz de Vasconcelos, que agradou plenamente pelo acerto e imparcialidade. Ao acabar o desafio, foi servido na sede do Club um refresco aos jogadores e à Voz do Progresso, sendo por esta ocasião feitos entusiásticos brindes. Ao club desportivo União Ribeiragrandense desejamos uma vitoriosa e longa existência.’ Não conviria e seria deselegante ao experiente Águia derrotar o estreante, seria uma questão de cortesia, pelo refresco e pela ocasião festiva da inauguração da sede.

Não participou no Campeonato de Vilas e Aldeias. E desapareceu após o fracasso do Estádio do Rosário.

Fio condutor

Nas décadas de vinte e de trinta, alguns ribeiragrandenses amantes do futebol, tentaram criar uma equipa de futebol à imagem das que então surgiam em Ponta Delgada. Primeiro surgiu o Açor, depois, o Praia, logo seguido do Estrela e do Artista. Os dois primeiros ter-se-ão fundido em 1924 no Águia Sport Club. Este novo clube, contudo, teria uma existência efémera e sobre ele desconhece-se quase tudo. Quem foram os seus dirigentes? Os seus atletas? Terão sido os atletas e os dirigentes do Açor e do Praia? Suspeita-se que sim. O Águia Sport Club que surge em 1929, pela mão de Francisco Justino Machado, Hermano Faria, José Teixeira Moreira e de outros, seria herdeiro do de 1924? Também não sabemos ao certo.

O de 1929 teve sede provisória na rua Conde Jácome Correia, a mesma onde nasceria o Ideal Sport Club e alguns membros da direcção eram da elite local. Um até viria a ser dirigente do Ideal. Desaparece transformado em 1930, por Francisco Justino Machado, em Pátria, e reaparece em 1932/1933. O Águia, ao contrário do que viria a suceder mais tarde, nasceu em berço de oiro esteve, pelo menos por um curto período sediado na Matriz. A territorialização e bipolarização desportiva terão ocorrido mais tarde. Em próximo estudo tentaremos confirmar a seguinte hipótese: à medida que na década de trinta, o Estrela o Artista, o União Ribeiragrandense desaparecem, o Águia já sediado na Conceição e o Ideal, na Matriz, conseguem captar ou são instrumento de polarização, ou ambas as coisas, das rivalidades entre aquelas duas freguesias. Rivalidades já existentes em relação às bandas de música. Pretendeu-se, nas décadas de vinte e de trinta, ligar com solidez os clubes locais à Associação de Futebol de S. Miguel ou à dissidente Liga Desportiva Micaelense e à Liga Desportiva Ribeiragrandense. Falhou. Lançaram-se ideias para a construção de novo campo, prometido pela autarquia ainda na década de vinte. Novo falhanço.

Na década de trinta, mais precisamente em 1933, ir-se-ia, disputar o campeonato de Vilas e Aldeias, constituir-se-ia uma Liga Ribeiragrandense e construir-se-ia um campo de futebol privado. Ressurgiriam oÁguia Sport Club, em 1932, o Praia, em 1933?, de novo com Luís da Silva Melo, pelo que nos dizem situados ou conotados com a freguesia da Conceição, ou com uma promíscua zona limite entre as rua do Estrela, da Praia e da Vila Nova. Desapareceriam o Artista e o Estrela, na freguesia Matriz, aparecem, em 1933, o Grupo Desportivo, na Ribeirinha e o União Sport Estrela, na Ribeira Seca, este pela mão de António Augusto da Mota Moniz. A Matriz precisava de uma equipa: apareceu, ainda em 1933, após estes, o Ideal Sport Club, que, segundo alguns informadores, teria resultado da ‘reunião de esforços de antigos elementos do Artista e do Estrela’. Os nossos testemunhos referiram-nos que teria sido fácil obter apoio alegando ‘que era para formar uma equipa na Matriz’. Ou então, como vimos anteriormente, teria resultado da circunstância de ter aparecido uma equipa de rapazes, que adquirira equipamento verde e branco diferente dos do Artista e do Estrela, e que, tendo num primeiro momento, atraído antigos atletas e dirigentes de equipas anteriores, mais tarde, tendo sido identificado ‘como o grupo da Matriz’, congregaria os esforços de muitos dos naturais e residentes daquela freguesia. Entretanto, já entraria, não temos provas concludentes do que afirmamos, trata-se tão só de uma hipótese de trabalho, um factor territorial de demarcação social: os ‘tarraços’ pertenciam à zona confinante do Areal e os demais à ‘mestrança’ da Matriz. No caso da Ribeirinha e Ribeira Seca, os territórios estariam bem definidos. Algo que seria decisivamente conseguido com o renascimento do Águia e do Ideal em 1941, mas já iniciado com as duas primeiras partidas ocorridas em 1933 entre ambos. O acto refundador desta rivalidade e decisivo desta sobrevivência, na década de quarenta, é a boda do carneiro. Este episódio, marcará também o fim de um certo domínio tutelar do Águia sobre o Ideal. Mas aí já contam as fidelidades às cores verde e vermelha, quer em Ponta Delgada quer em Lisboa

Capítulo VI

Rivalidades & Rivalidades

O pobre do José Calheta

usa agulha e didal

pr’a remendar as camisas

do pobre do Ideal

Já comi massa sovada

e as favas estão de molho

o Ideal ganhou a taça

e o Águia ficou com o olho

(pode ser utilizada pelo rival, caso este ganhe)

Em busca do Ideal I

Nascimento: ‘o Ideal Velho’

O dia dois do mês de Fevereiro do ano de 1931 é a data oficial escolhida para o nascimento do Ideal. É a que vigora nos documentos oficiais do clube a partir da década de quarenta. Todavia, não vem referida nos primeiros ofícios conhecidos da década de trinta, nem nos Estatutos do clube (os de 1951 ou os de 1963), ou sequer em nenhuma outra documentação escrita conhecida.

O dia dois de Fevereiro, sendo o da padroeira do Concelho e da freguesia onde nasceu o Ideal, Nossa Senhora da Estrela, ajusta-se à sua pertença á freguesia. Tal como o dia de anos dos Bombeiros Voluntários.

Até pode ser que seja, mas, tirando um ofício inédito de 1933, que não chegou a ser publicado, uma carta manuscrita dos proprietários do Campo do Rosário, de um cartaz de 1933 e de duas ou três notícias vindas a lume nos jornais, desconhecem-se quaisquer outras referências escritas aos primeiros passos do Ideal.

A versão do dia 2 de Março de 1931, adoptada posteriormente como data oficial, cuja origem se desconhece por completo, pelo que se sabe, assenta apenas numa tradição oral veiculada por alguns adeptos do clube. Todavia, sempre que se lhes pergunta a origem, limitam-se a encolher os ombros ou a dizer que sempre foi assim desde os tempos dos mais velhos. Ainda há os que dizem que talvez seja. Por isso mesmo, fomos ter com os fundadores conhecidos, que não foram, contudo, nem unânimes nem peremptórios.

Esta mesma versão foi aceite, ainda em 1981, por Abílio Tavares Baptista. Até que, em 1996, a data oficial é posta pela primeira vez em dúvida: por mim próprio, em Junho. Pomos em questão apenas a certeza absoluta do dia, do mês e do ano.

Em Agosto, foi a vez de Armindo Moreira da Silva, não rejeitando 1931, lançar a hipótese de um Ideal anterior a 1931. Este teria sido fundado por Manuel ‘Garrido’, aliás Manuel de Sousa Pereira. Seria posteriormente fundado um novo Ideal por Manuel da Costa Furtado Ponte.

Duvido da existência deste Ideal de Manuel ‘Garrido’, até porque não se produz quaisquer provas convincentes que a corroborem. No entanto, não deixo de reconhecer a Manuel de Sousa Pereira um papel relevante na vida do Ideal numa fase posterior, queremos crer que na do cunhado Gildo Paiva.

Em 2002, após pesquisa iniciada antes de 1996, aliando depoimentos orais de fundadores a outras provas documentais escritas, reforçamos a tese lançada em Junho de 1996: a primeira prova documental escrita conhecida indica Janeiro de 1933 como a data limite da criação do Ideal. Uma prova circunstancial, lança a suspeita da possibilidade de este Ideal poder já estar a jogar por Outubro de 1932. Aponta ainda para o facto de a ter existido um Ideal anterior a Janeiro de 1933, não ter tido expressão relevante, já que não aparece entre as demais equipas da Ribeira Grande inscritas na Associação de Futebol de São Miguel ou das que participaram no I Torneio de Vilas e Aldeias.

Os testemunhos dos fundadores, não permitindo considerar uma data certa, fazem oscilar a data da criação entre 1930 e 1933. Coincide com a prova documental escrita para a data limite da criação, e também coincide com a data adiantada por Moreira da Silva. Mas será que 1930 se sustém? Não creio, pelo menos, não creio que então existisse um Ideal relevante. Como mais á frente tentarei provar.

Em 2006, Armindo Moreira da Silva, repete a tese de 1996, sem discutir as nossas de 1996 e de 2002. O clube, mais por tradição do que pela razão, celebrou em 2006, muito provavelmente na data errada, as suas Bodas Oficiais de Diamante e mantém na sua página oficial na web a versão oficial, à qual juntou, de um modo híbrido, a versão de Moreira da Silva que, recuando um ano, no fundo, ao contradizê-lo a anula. A mesma versão vem na página oficial na web da Câmara Municipal da Ribeira Grande.

Estimulado pela dúvida da data da fundação do Ideal, fomos às fontes orais sobreviventes.

Antes da publicação da tese de Moreira da Silva, perguntando a Hermano Ferreira Grota, José Tavares e Manuel do Rego se havia possibilidade de ter havido um Ideal antes do seu, responderam: não. Manuel do Rego disse até que fora ele quem dera o nome Ideal. Depois da tese ser publicada, perguntei de novo, acrescentando um Ideal fundado por Manuel de Sousa Pereira. Um não de novo. Hermano Grota falou da importância dele mas depois de terem ido pedir ao Sr. Gildo Paiva para tomar conta do clube.

As nossas fontes são as já mencionadas, e estas dizem-nos claramente que não existiu um Ideal anterior ao deles. Desconheço quaisquer que indiquem um Ideal de 1930 de Manuel de Sousa Garrido. Pelo que, só existem duas conclusões possíveis: sendo as provas seguras, como o parecem ser, sobretudo vindas dos fundadores, não pode ter havido Ideal antes do deles. Se, por ventura, algum dia, alguém nos produza provas convincentes em contrário, que não é o caso presente, em nome da verdade, há que confrontá-las. Penso que se terá confundido o papel posterior de Manuel de Sousa Pereira com uma improvável acção anterior.

Quanto a Manuel de Sousa Pereira, putativo primeiro fundador do Ideal a morar na rua do Passal por volta de 1930? Repare-se que este é um ponto-chave da tese de Moreira da Silva, a resposta é também não.

Fazendo fé aos Róis de Confessados da Matriz de Nossa Senhora da Estrela, na Páscoa de 1930, Manuel de Sousa Pereira morava na rua do Saco. Mas, como não existe o Rol de 1931, poderia ter ido morar para a rua do Passal entre a Páscoa e o final do ano de 1930.

Porém, uma outra série documental, RE 19, de Recenseamentos Eleitorais da freguesia, garante-nos que Manuel de Sousa Pereira em 1930 e em 1931 estava não a morar na rua do Passal mas na rua do Saco. Não obstante uma outra série de recenseamento eleitoral, RE 28, veja-se a contradição, para os mesmos anos, indicar o nome sem indicar a morada.

Em que ficámos? Ainda que os Recenseamentos não sejam tal como os Róis, completamente seguros, neste nosso caso só há uma conclusão: Manuel de Sousa Pereira estava a morar em 1930 e em 1931 na rua do Saco.

Um aparte a-propósito: De acordo com Liliana Teixeira, sua filha mais velha, o pai teria casado com vinte e seis ou vinte e sete anos, em 1927 ou 1928. E terá ficado a morar com a mãe um ou dois anos, ou em casa próxima da da mãe, na rua do Saco. Só por volta do ano de 1942 [um rol de 1934 já o dá a morar na rua do Passal, não diz em que casa, e o recenseamento eleitoral de 1938, sem indicar a casa, dá-o a morar naquela rua] foi residir para a casa da família [rua do Passal n.º 18)].

É ténue a hipótese de ter havido em 1930 um Ideal com sede na rua do Passal. Outra a considerar, podendo ter havido confusão de datas, seria a sede na rua do Saco. Talvez na casa do pai de Manuel de Sousa Pereira. O Sr. Ildeberto Medeiros, uma das nossas fontes, alude vagamente a um Lusitânia que existiu durante algum tempo para os lados da rua do Saco. Seria este?

Por seu turno, o Sr. José Tavares, um dos fundadores do Ideal, diz: ‘(...) Vínhamos do clube do Lusitânia, na casa do José Cabral, pelo outeiro abaixo (rua do Passal).’ (Testemunho, 25.06.1996).

Não terá havido confusão? Em todo o caso, como se depreende, em caso algum, se tratará do Ideal.

Em um ofício datado de Abril de 1929, aparece um Manuel de Sousa Pereira, vogal da Direcção do Águia Sport Club, presidida por Francisco Justino Machado. A sede ficava então na rua Conde Jácome Correia. Outro nome para a rua Direita de Santo André. Por outras palavras, a mesma em que nasceria o Ideal. Aí também ficava a mercearia do Sr. Américo Aires Teixeira, patrão do Gildo Paiva, que seria convidado pelos fundadores do Ideal para dirigir a nova equipa. O Sr. Américo era em Junho daquele mesmo ano presidente do Artista. Um ano depois, em 1930, a direcção do Artista, supomos que Aires Teixeira continuasse, avisa a Liga de Ponta Delgada que o clube havia transferido a sede para a rua João Franco. Rua que fica paralela à de Jácome Correia (Direita de Santo André), tendo pelo meio a da Praça.

Neste contexto, ainda que possível, num universo de provas orais e de poucas provas escritas, será pouco provável que tenha havido um primeiro Ideal criado por Manuel de Sousa Pereira em 1930.

A utilização em História de fontes orais, sendo útil, obriga o Historiador a cuidados redobrados: há que ter em conta a natureza (re)elaborativa da memória, o factor humano do esquecimento e da confusão de dados. Pelo que, só pondo em confronto os depoimentos orais com documentos escritos se poderá aceder com maior segurança aos factos. Vamos ver se isto será possível com as nossas poucas fontes escritas.

Tirando as fontes orais, ainda temos as escritas. Nem sempre mais seguras, mas no caso presente, bem mais seguras do que as orais. Só começamos a encontrar referências escritas ao Ideal em 1933.

A primeira notícia conhecida - refere o Ideal Sport Club -, vem publicada no Diário dos Açores. Jornal que, justiça lhe seja feita, apoiou o futebol desde os seus primórdios na Ilha. Na edição de quarta-feira, dia 11 de Janeiro de 1933.

Por ser a primeira, é de todo importante transcrevê-la: ‘(…) Amanhã, pelas 15 horas, realiza-se na Ribeira Grande um desafio de futebol entre o Ideal Sport Club e um novo grupo constituído por empregados da fabrica do linho da Ribeirinha.’ O jogo teria sido jogado na quinta? Ou há uma indicação que nos escapa? Dia feriado?

Em Abril decorreria um Campeonato de Vilas e de Aldeias a nível de Ilha, porém, o Ideal não participaria. Por que razão? Não se consideraria ainda à altura? Estaria a organizar-se? Seria já a fase do Presidente Sr. Gildo Paiva? É possível.

A segunda, indicando o nome Ideal Sport Club, é um ofício datado de 21 de Abril de 1933. Este ofício feito em uma sexta-feira, é enviado pela direcção da Liga Desportiva da Ribeira Grande, à Associação de Futebol de S. Miguel, a dar conhecimento da existência do Ideal. Nele, diz-se que: ‘[...] António Furtado (era representante), pelo Ideal Sport Club.’

António Furtado era cunhado de Gildo Paiva.

A terceira publicada no Jornal A Razão, anuncia a participação do Ideal no jogo inaugural do Estádio do Rosário frente ao Águia Sport Club, no Domingo, 22 de Outubro de 1933, pelas 15 horas.

Já é um Ideal organizado, capaz, a ponto de ser o escolhido para disputar a inauguração com a melhor equipa da terra, a que ficara em segundo lugar no campeonato de Vilas e Aldeias.

Após a leitura destes textos, reforça-se a ideia de que este primeiro jogo em Janeiro de 1933 e o conhecimento dado em Abril às estruturas locais desportivas, Liga e Associação, da existência do Ideal, é a prova de que só a partir de então começou a haver um Ideal mais estruturado? Já não o dos primeiros tempos dos rapazes da rua Direita de Santo André, mas o do tempo do Sr. Gildo Paiva? Do dele, do cunhado António Furtado, do cunhado Manuel de Sousa Pereira e de Arsénio Bravo? Além dos fundadores, claro?

Mas se não nos podemos fiar na memória para sabermos a data exacta da fundação inicial do Ideal, já será mais seguro confiar nela para se ficar a saber a sequência dos acontecimentos da fundação até ao êxito da escolha do Ideal para disputar o jogo inaugural do Estádio do Rosário. Sem termos a certeza absoluta, é provável que os acontecimentos que levaram um grupo de rapazes de Santo André à criação do Ideal, conforme recordou Hermano Grota, se aproxime do que poderá ter sucedido de facto. Assim, à nossa pergunta Quem fundou o Ideal Sport Club? Hermano Grota respondeu:

Primeiro momento ou fase:

‘Havia um grupo de rapazes de 11, 12, 13, 14 anos, que começou a jogar no Largo de Santo André, logo abaixo de onde morávamos, no Largo da igreja do Rosário, no Adro das Freiras e por aí. Com outros grupos de rapazes. Até fomos jogar ao Areal de Santa Bárbara.’

Segundo momento ou fase:

‘Já maiores, querendo formar um grupo a sério, fomos pedir ajuda a várias pessoas. Assim, lembro-me só do Sr. Gil [Gildo Furtado] Paiva , que trabalhava no Sr. Américo ‘Picheleira’ [Américo Aires Teixeira, largo Gaspar Frutuoso, n.º 21], defronte da Cascata; do Mestre Manuel Lucas , o meu mestre; do Mestre Manuel da Costa Morais, meu primo, Sapateiro, do Mestre José Leite Cabral, Sapateiro, cunhado de Mestre Manuel da Costa. A princípio foram só os rapazes que jogavam connosco na rua, mas, porque o primeiro grupo era fraco, graças ao Manuel ‘Garrido’, Manuel de Sousa ‘Garrido’ , cunhado do Gil [Furtado] Paiva, que era ‘cabo dos cantoneiros’, era uma pessoa ‘desenrascada’, tinha homens à sua conta, conseguimos ir buscar bons jogadores ao Águia e a outros lados. O grupo melhorou muito.’

Porém, que se saiba, nada deste período ficou registado em jornais ou em outros documentos, o grosso ficou na memória, hoje difusa, ambígua e contraditória dos intervenientes sobreviventes. Se houve, perdeu-se o paradeiro.

E quanto à data exacta?

Tomando como ponto de partida o testemunho de José Tavares, o Ideal só poderá ter sido criado depois do incêndio do Cine-Ideal em Ponta Delgada ocorrido em 26 de Junho de 1931.

José Tavares disse-nos em 1996, a propósito da escolha do nome: ‘O Salão Ideal tinha ardido na Cidade, e o Hermano Grota disse vai ser Ideal, e ficou sendo Ideal (...) Vínhamos do clube do Lusitânia na casa do José Cabral, pelo outeiro abaixo (rua do Passal).’

Mas, para aceitarmos esta tese, temos que explicar as dúvidas de Manuel do Rego e o esquecimento de Hermano Grota.

Manuel do Rego nega que tenha sido o incêndio do Cine-Ideal o dar o nome ao novo clube, tanto mais que fora ele a dar-lhe o nome, tendo como objectivo o lema do ideal. Porém, não pode negar que o facto tenha levado os outros a aceitarem a sugestão.

Confrontado com a afirmação de José Tavares a seu propósito, Hermano Grota diz não se lembrar. Porém, como também não se lembrava de muitas outras coisas, por exemplo, do sítio exacto da primeira sede, de ter tirado uma fotografia antes da ida para o estádio ou de ter participado na inauguração do Estádio do Rosário, estando na fotografia, deixa em aberto que possa ter sido assim.

Seja como for, no presente estado da pesquisa, poder-se-á adiantar, à vontade, a existência do Ideal algum tempo antes de 11 de Janeiro de 1933. E com muita cautela, para antes de algum tempo antes. Mas, quando exactamente? Não se sabe. Poderá ter sido em 1932, em 1931, ou até mesmo antes de 1931. Mas, assim sendo, não teria passado de um pequeno grupo de amigos sem grande importância, situação que mudaria só a partir de 1933 com a adesão à Liga da Ribeira Grande.

Talvez a data de 21 de Abril de 1933, altura em que se dá conhecimento à Associação e à Liga, se aproxime da data da primeira legalização oficial do novo grupo. Quem sabe?

Pistas para o nascimento do Ideal

Se for correcto, como parece que seja, o depoimento de Francisco Inácio Machado, então estamos perante mais uma pista preciosa. Já nonagenário, mas lúcido, recordando-se de tudo com bastante nitidez, afirmou que o Ideal teria vindo do Artista, tal como o Águia do Praia. E (ainda o Ideal) talvez também da reunião de elementos do Estrela. Francisco Inácio Machado pertencera ao rival Águia. Convém referir que já ouvíramos esta ideia expressa por várias pessoas.

Mas, que quererá isso dizer ao certo? Se se quiser dizer com esta afirmação que o Ideal só apareceu quando o Artista desapareceu, então o Ideal só pode ter sido fundado depois de Junho de 1930. Ou quererá antes dizer que ao acabar o Artista, o Ideal, podendo ou não já estar criado, beneficiou com a ocorrência? De um, do Artista, herdou jogadores e dirigentes, de outro, do Estrela, presume-se, terá herdado a estrela como seu primeiro símbolo.

Vejamos um pouco mais.

Estando ainda o Artista activo em meados de 1830, deixamos de ouvir falar na imprensa de equipas da Ribeira Grande depois de 23 de Junho de 1930. A partir de Outubro de 1932, pela pena do correspondente local do Correio dos Açores, chegam alguns ecos ténues do futebol que se praticava então: ‘ultimamente tem havido entre nós [Ribeira Grande] alguns desafios de Foot-ball, que geralmente terminam em verdadeiras touradas.’

É possível que o Ideal inicial, antes do de Janeiro de 1933, como recorda Hermano Grota, fizesse já parte destas touradas? Do Ideal que perdeu por 7 a 1 com o Águia e que tendo pedido a desforra o jogo foi interrompido quando ganhavam por 2 a 1? É possível. Falta só provar. Que é o mais difícil.

Outro elemento essencial ao nosso raciocínio é o facto de, alguns dos jogadores do Ideal que surgem na fotografia de Outubro de 1933, como José Maroto e Laurindo Carreiro, estarem ainda em 1929 a representar o Artista Sport Club e em 1930, o Pátria Foot-ball Club. Diga-se que a mudança do nome de Águia para Pátria foi um estratagema para contornar uma dificuldade. Alguns dos futuros directores do Ideal, como Manuel de Sousa Pereira, em 1929 é vogal da Direcção do Águia Sport Club e Arsénio da Silva Bravo, naquele ano, era secretário do Artista Sport Club.

A sorte do Ideal?

Tendo ou não havido um Ideal antes de 1932, em 1932/33 o Ideal teve a sorte da sua vida:

Em primeiro lugar, por a Matriz desejar uma equipa que a representasse e fosse capaz de estar à altura do Águia. Apesar de o Águia ter tido sede na freguesia, não parecia representar os artistas da terra, os pequenos artífices e os empregados de mercearia, que vieram a estar representados no Ideal, o Águia, ao nível sobretudo dos dirigentes, vindo do Açor tendia mais para os Senhores da rua Direita. Se a Ribeira Seca já tinha a sua equipa, a Ribeirinha também, os da rua Direita do mesmo modo, por que razão não haveria a Matriz de ter a sua? Tanto mais que o Artista e o Estrela haviam fracassado.

Ao mesmo tempo teve a sorte de conseguir um grupo de dirigentes com talento e ambição social: Gildo Paiva era um empregado de mercearia, bom organizador, ao que parece, Arsénio Bravo era outro jovem empregado de mercearia, bastante audaz, e Manuel de Sousa Pereira como era cabo de cantoneiros, podendo contratar este ou aquele trabalhador, conseguiu aliciar bons jogadores de outras equipas.

E a sorte de ter conseguido, por compra ou por oferta, um equipamento verde e branco, que, por antagonismo com o vermelho e branco do Águia, iria trazer para a terra a rivalidade entre Sporting Benfica em Lisboa e Santa Clara e União Sportiva em Ponta Delgada e assim alimentar uma fértil rivalidade.

Passos do Ideal

1.º Directores: O grupo inicial, formado por Manuel da Costa, Hermano Grota, Manuel do Rego, convidou o Sr. Gildo Paiva, Arsénio Bravo e Manuel de Sousa Pereira;

2.º Equipamento: veio dos Estados Unidos da América do Norte trazido por um emigrante de torna-viagem, as pessoas dividem-se entre Manuel Teves Morgado, Manuel ‘Arrenca’, e António Tavares de Medeiros, António Pingão, verde e branco e o entre o ter sido comprado ou oferecido;

3.º Sede: A primeira sede, alugada ao pai do Hermano Grota, funcionou numa casa da rua do Conde Jácome Correia;

4.º Falar sobre o desporto, o futebol e as suas regras: o clube convidou o árbitro e organizador do I Campeonato de Vilas e Aldeias, Manuel Albano Botelho, para instruir os seus atletas;

5.º Inscrição na Liga: a 21 de Abril de 1933;

6.º Primeiro jogo noticiado: 12 de Janeiro de 1933;

7.ºAngariação de atletas: Manuel de Sousa Pereira;

8.º Primeira bola: mestre José Leite;

9.º Primeiras botas: Manuel da Costa, José Tavares Silva e outros;

10.º Lavadeira: Maria da Trindade Morais, mãe de Hermano Grota;

11.º Representante do Ideal na Liga: António Furtado.

.

A origem na memória

Perfil

Hermano Ferreira Grota

(nasceu na Matriz em 12 de Junho de 1914- )

Hermano Ferreira Grota nasceu em vésperas de Santo António, no ano de 1914, na freguesia de Nossa Senhora da Estrela, numa casa à esquerda de quem desce em direcção ao mar, na rua Direita de Santo André, como era então conhecida a rua Conde Jácome Correia. Idealista na Ribeira Grande e Benfiquista, em Lisboa, de 1, 65 m de estatura, half back esquerdo do grupo, jogou o primeiro jogo que o Ideal fez.

Passadas oito décadas e dois anos, estando a memória fraca, quando o levámos ao local, não se recordava exactamente em qual das casas morara. Ao lado da casa onde nasceu, uma casa minúscula, do pai, servira de primeira sede ao ‘seu’ Ideal. Terá jogado ‘umas quatro épocas.’

Fomos dar com ele, sentado a uma mesa de um dos Cafés do centro de Água de Pau, onde se encontrava de férias. Emigrara para S. José, na Califórnia. Estávamos no Verão de 1996, pouco tempo depois de o Ideal ter ascendido à III Divisão Açores, e antes de, a pedido da Câmara Municipal de Ribeira Grande, termos sido o orador da cerimónia de homenagem ao Ideal. Conversámos longamente. Por mais de uma vez.

Manuel Ferreira Grota, Ferreiro e Serralheiro, e Maria Trindade Morais, doméstica, eram os seus pais. Pelo lado materno, era primo de Mestre Manuel da Costa Morais, Sapateiro, um dos fundadores do Ideal, morava umas três casas abaixo da sua, este, por seu turno, era cunhado de Mestre José Leite Cabral (aliás Paiva Cabral), Sapateiro, também seu primo, ‘autor da primeira bola do Ideal’. Andaram juntos na catequese do Senhor Prior Evaristo Carreiro Gouveia. Manuel do Rego e a família eram seus vizinhos. José da Silva Tavares residia na canada da Palha (rua dos Condes da Ribeira Grande), era participante assíduo das iniciativas do Prior Evaristo) e andava de vez em quando com o grupo. Hermano, baptizado a 14 de Setembro, aprendeu o ofício com Mestre Manuel Lucas, outro dos fundadores do Ideal, e vizinho da frente, seu parente. Um outro irmão alinhou ‘pelo grupo da Fábrica da Ribeirinha’.

Concluiu com dez anos, com excelente proveito, a instrução primária. Foi aluno do professor Laurindo de Melo Garcia, seu vizinho de rua. O edifício da escola estava instalado onde se veio a construir o actual ‘quartel dos Bombeiros’ (rua da Praça, n.º 53).

Talvez 1, 2 ou 3 meses depois ‘foi trabalhar para o seu mestre.’ Cumpriu o serviço militar no forte de S. Brás, em Ponta Delgada. Casou-se, ao que disse, ‘com 22 para 23 anos’ (na realidade, a 13.06.1936, com 22 anos feitos na véspera), na igreja de Nossa Senhora da Conceição, paroquial de Maria do Carmo Oliveira, moradora ao cabo da Vila, na Conceição, filha de Mestre Manuel de Oliveira, Serralheiro.

Antes de casar, tendo já aprendido o ofício, ‘haveria de ter 18 anos’, pois ‘foi uns três anos antes de dar o nó’, montou oficina em Água de Pau ‘onde lhe tinham dito que havia necessidade de Ferradores. De lá ia e vinha jogar e namorar à Ribeira Grande.’ Ao casar, o sogro ‘deu-lhe uma tenda na Ribeira Seca’, porém, ‘cedo regressou a Água de Pau.’ Então ‘arrumou as botas’, apesar de uma participação fugaz no ‘Rambóia’, grupo do primo Freitas, já não inaugurando o campo do Rosário a 22 de Outubro de 1933, ao contrário do que uma fotografia tirada antes da comitiva de atletas e de dirigentes desportivos se dirigir ao novo campo parece indicar. Com dificuldade de visão, imagem miúda, ainda ampliámos o máximo, confessou: ‘não vejo nada’, e não confirmou. Porém, outros testemunhos confirmaram-no. Será a fotografia anterior?

‘Como a vida estivesse difícil, estava começando o movimento de carros, as carroças estavam a desaparecer, as bestas já não se ferravam, aos cinquenta e um anos troquei Água de Pau pela Califórnia, onde tinha ido o meu irmão mais velho, Artemísio Ferreira Grota, era eu ainda um pequeno de três anos. E ele uns dezasseis. Éramos três irmãos: do Artemísio ao segundo, o Manuel, o que jogou na Fábrica da Ribeirinha, eram seis anos de diferença, e deste a mim, outros seis.’ Em 1996, quando o entrevistámos, era um octogenário com 4 filhos, 12 netos e 8 bisnetos. Em 2002, desconhecemos o seu paradeiro. Queira Deus que esteja bem.

Diálogos: Hermano Ferreira Grota, José da Silva Tavares e Manuel do Rego

MM: Que idade tinha quando ‘montaram’ o Ideal? Foi em 1931, 1932 ou 1933?

HG: Eu não devia ter bem 16 anos (Testemunho, 12.06.1996). (Lembra-se de ter feito 17 naquele ano ou no seguinte?) Agora não, não me lembro. (Testemunho, 20.06.1996) (Diz-se no Ideal que o dia é o 2 de Fevereiro de 1931) Eu fui dos primeiros a ir para o campo (Testemunho, 20.06.1996). (Mas tem a certeza que tinha 16 anos?) Eu tenho quase a certeza. Eu penso que a gente tinha ido jogar no dia de festa de Nossa Senhora da Estrela, ou foi um Domingo depois. Foi uma coisa assim, porque eu não podia subir as escadas (...). Eu penso que a primeira vez que a gente foi ao campo foi perto da festa de Nossa Senhora da Estrela. Há que haver alguma coisa escrita por lá! (Testemunho, 29.08.1996).

JT: O Salão Ideal (Ponta Delgada) tinha ardido (em 1930) (Testemunho, 25.06.1996). Primeiro a gente montou o Ideal: eu (José da Silva Tavares), Hermano Grota, Manuel da Costa, o Manuel ‘Consola’, também pertencia porque ele jogava, o José Zeferino, também era back, o José Zeferino do Ideal, montámos por aí, eu tinha 19, 18, compreende (Testemunho, 25.08.1996)? (Mas em que mês e dia?) Isto agora vai atrás dele. Eu tinha 18 anos (Testemunho, 25.06.1996). (Insisti quatro dias depois) Foi num dia qualquer extraordinário em que a gente veio por lá abaixo (...) (Testemunho, 29.08.1996). Eu tinha 18 anos quando começamos a montar o grupo Ideal. Eu ainda não tinha ido para a tropa. Fui com vinte anos, no dia 5 de Março de 1934 (Testemunho, 28.08.1996). O Ideal nasceu, para aí em 32, 33 (Testemunho, 29.06.1996).

MR: (Que idade tinha quando deu o nome?) Sei lá. Eu não me recordo que idade é que tinha: 15 ou 16? (Nasceu em 1916. Testemunho, 28.08.1996)

MM: Quem fundou o Ideal Sport Club?

HG: Havia um grupo de rapazes de 11, 12, 13, 14 anos, que começou a jogar no Largo de Santo André, logo abaixo de onde morávamos, no Largo da igreja do Rosário, no Adro das Freiras e por aí. Com outros grupos de rapazes. Até fomos jogar ao Areal de Santa Bárbara. Já maiores, querendo formar um grupo a sério, fomos pedir ajuda a várias pessoas. Assim, lembro-me só do Sr. Gil (Gildo Furtado) Paiva (18.03.1910- 02.01.1993), que trabalhava no Sr. Américo ‘Picheleira’ (Américo Aires Teixeira, largo Gaspar Frutuoso, n.º 21), defronte da Cascata; do Mestre Manuel Lucas (20.10.1907-27.10.1977, e ainda parente de Hermano Ferreira Grota), o meu mestre; do Mestre Manuel da Costa Morais (18.02.1913 – 23.01.1990), meu primo, Sapateiro, do Mestre José Leite Cabral, Sapateiro, cunhado de Mestre Manuel da Costa. A princípio foram só os rapazes que jogavam connosco na rua, mas, porque o primeiro grupo era fraco, graças ao Manuel ‘Garrido’, Manuel de Sousa ‘Garrido’ (27.03.1902 – 24.02.1970), cunhado do Gil (Furtado) Paiva, que era ‘cabo dos cantoneiros’, era uma pessoa ‘desenrascada’, tinha homens à sua conta, conseguimos ir buscar bons jogadores ao Águia e a outros lados. O grupo melhorou muito (Testemunho, 20.06.1996).

MM: Quem, quando e por que se escolheu o nome Ideal?

HG: (Foram) aqueles que tinham amor ao grupo que formaram (...). Alguns lembraram-se deste nome e todos concordaram. Eu não. Os jogadores não tinham nada com aquilo. É Ideal, é Ideal. Eu achei o nome bom. Ideal, mas não fui eu quem pôs este nome, nem eu nem os jogadores (Testemunho, 20.06.1996). (Confrontado com a atribuição de José Tavares e a de Manuel Rego respondeu) Não estou bem certo disso. Já se informou com mais alguém a respeito disso? (Testemunho 29.08.1996)

José Tavares: O Salão Ideal tinha ardido na Cidade (1930), e o Hermano Grota disse vai ser Ideal, e ficou sendo Ideal (...) Vínhamos do clube do Lusitânia na casa do José Cabral, pelo outeiro abaixo (rua do Passal). (Testemunho, 25.06.1996).

MR: (Houve um Ideal antes do vosso?) Não, não! Eu nunca conheci outro Ideal, porque fui eu próprio a dar o nome ao grupo. E eles diziam: é agora Ideal!, que nome é esse Ideal! Mas ficou por Ideal e ficou sempre Ideal. Foi Ideal porque deveria ser uma coisa ideal. Não haverá melhor nome do que esse. (Falei-lhe das versões de José Tavares e de Hermano Grota) O salão Ideal talvez. Não senhor, nada disso! Eu conheci o Salão Ideal! Quando o conheci foi muito depois do Ideal daqui (...) Dar o nome pelo Salão de Ponta Delgada? Não pode ser de maneira nenhuma, porque eu é que dei o nome. Eu tinha para aí 15 ou 16 anos. Ao depois, o Gildo Furtado Paiva foi para a direcção com outros (...). Nessa altura eu já me tinha desligado disso tudo (Testemunhos: 28.08.1996 e 2.05.2002).

MM: Equipamento: ‘Batacão’, ‘Pingão’ ou ‘Arrenca’? Compra ou oferta?

HG: (O senhor explicou-me, 12.06.1996, que quem trouxe o primeiro equipamento do Ideal foi um tal senhor de apelido Batacão, morador na rua das Pedras. Recorda-se do seu primeiro nome?) Não, não. Ele era conhecido por Batacão. (Explique lá) Começaram a falar que o Batacão tinha trazido uma ‘equipe’ da América, como já se sabe, o Gil (Gildo) Furtado e outros falaram com ele. Não tinha emblema nem tinha escrito o nome Ideal (o nome foi colocado posteriormente). Os peúgos não tinham biqueira nem calcanhar. A ‘equipe’ era verde e branca. O senhor tem uma ‘equipe’? É que a gente queria formar um grupo, e se nos quisesse ajudar dava isto à gente. Com certeza que foi assim que eles falaram. Ele disse, sim senhor. (Ofereceu?) Sim, camisa, calção e os ditos peúgos com os pés de fora (...) O Gildo Paiva fez as caneleiras. (Um Batacão da rua Medeiros Correia?) Não, foi um outro Batacão, da rua das Pedras. Morava perto do Gildo Paiva (Testemunho, 20.06.1996). (Seria Arrenca?) Manuel Arrenca? Há aqui uma confusão. Foi o Pingão (agora é ele quem confunde, já não refere Batacão) (Testemunho, 29.08.1996).

JT: (Já lhe perguntara se tinha sido oferecido. Respondera: comprado. A quem compraram o equipamento do Ideal?) Sei lá! Uma vez (quando?) o Ideal comprou uma ‘equipe’ (equipamento) ao Manuel ‘Arrenca’, que tinha vindo da América e trouxe consigo uma ‘equipe’ de lã com as meias. Era verde e branco. Morava ali, onde está hoje morando o José Maia (rua Eduíno Rocha, n.º 23). Era irmão do Pedro ‘Arrenca’ (...). Ele é que vendeu aquela ‘equipe’ ao Ideal. O ‘Buraca’ (António Santos teria 14 anos em 1933?) já era guarda-redes nessa altura (...) (Testemunho, 25.08.1996). Antes (do equipamento novo), acho que (se jogava) com camisas, branca, camisas de meia da cor (das) do Lusitânia. Não foi encomendado, ele (Arrenca) trouxe aquilo consigo. O Gildo, o Manuel ‘Consola’ e o Hermano Grota, o Manuel Costa, eu não fui pois já estava ‘guerreado’ (Testemunho, 29.06.1996). (Foi o) Manuel Arrenca. O meu tio (António Tavares de Medeiros, o apelido da família é ‘Pingão’), pai da esposa do Sr. Maia, morava na rua das Pedras (Sousa e Silva n.º 66) e veio da América. Isso deu-se em 1935. Eu já tinha estado na tropa, tinha 21 anos. Quando comprámos o equipamento eu tinha 18 anos. (Testemunho, 29.06.1996).

Maria do Carmo Tavares Medeiros Maia, filha de António Tavares de Medeiros, prima de José Tavares, diz que esteve na América, em Cambridge, de onde regressou à Ribeira Grande nos princípios de Setembro ou finais de Agosto, teria 10 anos. ‘Fomos morar para a rua de Sousa e Silva (n.º66). Faço 72 anos em Agosto, (entrevista a 2 de Julho de 1996). Mas não me lembro de meu pai ter trazido nenhum equipamento. Já passaram tantos anos.’

Encontrámos a família Tavares a residir na rua de Sousa e Silva (Pedras), na Quaresma de 1936, porém, como se desconhece o paradeiro do rol de 1935, e como regressaram em Agosto ou Setembro, poderá ter sido em 1934 como em 1935. Ora, parece mais razoável supor que o equipamento em causa terá sido comprado ou oferecido antes de 22 de Outubro de 1933. Por duas razões. Uma, porque o Ideal estreou o campo do Rosário naquela data, com o que parece ser um equipamento novo, conforme se vê em fotografia tirada naquela data, outra, porque, como consequência do malogro do citado estádio, em 1935 tudo parece indicar que a prática de futebol organizado na Ribeira Grande estagnou ou parou.

Depoimento posterior: Em carta de Jersey City, Estados Unidos da América do Norte, datada de 1996, Manuel Sousa Miguel, uma espécie de trovador do Ideal, nascido a 3 de Dezembro de 1915 numa rua próxima da primeira sede do Ideal, mudando-se mais tarde para aquela rua, na Matriz, que, ao que parece, bem conheceu os primeiros passos do Ideal, adianta uma versão próxima das já referidas anteriormente. Escreve ele que ‘o Manuel ‘Arrenca, Manuel Teves Morgado, morador na rua Eduino Rocha, foi daqui da América que levou uma equipa de lã verde e branca e um grupo de rapazes compraram-na e formaram um grupo com o nome Ideal. O primeiro clube foi na rua Direita de Santo André, numa casita do Hermano Grota, que foi jogador (...).’

MM: Quem e onde fez as primeiras botas do Ideal? Manuel da Costa mais outros, incluindo José Tavares, ou este último, incluindo outros, sem especificar a tenda de Manuel da Costa nem Manuel da Costa?

HG: (Manuel da Costa) foi fundador do grupo, não jogava, mas auxiliou a levantar o grupo. Foi um grande ajudante. Ajudou bastante a fazer botas para a gente jogar. Ele, o José Leite (cunhado), o Germano da Costa (também?). Ele era novo mas ajudou (Testemunho, 20.06.1996) (Na altura Germano da Costa, a ser em 1933, não teria mais do que sete anos). Fizeram (as botas) na tenda de Manuel da Costa (Morais), que ficava defronte da vitrine do Teatro, ao lado do Café do Jaime Terceira (Central, rua El-rei D. Carlos I, n.º 21). Mais outros mestres. O António Cabral, que era também Sapateiro, morava na rua do Espírito Santo, também ajudou. Era para pagar, mas como o grupo não ganhava nada, e como havia grande entusiasmo, coitados pagaram da sua algibeira. Acabaram por fazer uma oferta.

O principal, o maior tempo, foi atrás das botas e da bola, foi o maior tempo, a maior espera (...). A gente já tinha a roupa, faltava era o calçado e a bola. Não (o) fizeram numa semana. Uns davam uma coisinha, outros davam outra, para comprar o couro e a sola para as botas. (Quem dava?) Os partidários. Os Sapateiros não levavam nada pelas suas mãos. Trabalhavam aos bocados. Saíam de casa com a sua vestimenta e iam para a tenda do Manuel da Costa (Morais). Dizia-se: a Matriz precisa de uma equipa nossa e as pessoas contribuíam (dá a impressão que, em Abril de 1933, estão filiados na Liga Desportiva Ribeiragrandense, enquanto se prepara o campo do Rosário, esforçam-se em obter botas, bola e equipamento, para actuarem na inauguração do campo do Rosário, em 22 de Outubro de 1933).

JT: Eu é que arranjei as botas para o Ideal, eu mais o José Maré e o António Cabral, porque eles não tinham botas. Uma vez, por necessidade, eu tirei as minhas botas e emprestei-lhes. Eles ‘escarolaram-me’ as botas. Foi o tema de eu ficar ruim com eles e ir fundar o União Campestre, para os Foros. Antes jogava-se descalço. (Testemunho, 28.08.1996). Em 25, daquele mês, já adiantara que, eles não tinham dinheiro para as botas, eu como era Sapateiro, eu é que arranjava as botas e pregava tacos, o António Cabral também, o José Maré, a gente todos assim (...).

MM: Onde e quem fez a primeira bola do Ideal?

HG: Foi o José Leite (aliás, José Paiva Cabral, cunhado de Manuel da Costa e também primo de Hermano Grota, nasceu na Conceição: 20.04.1913-1994). Exactamente, foi a primeira bola. Não havia outra. (qual era o aspecto dela?) Era feita de couro. Já se sabe, quando chovia era como um saco de plástico cheio de água. Quando batia no chão ficava colada, não pulava. Veja lá o que a gente penava (...), além do campo não prestar, que era a praça dos porcos e das reses (...). (onde a fez Mestre José Leite, na sua oficina?) Ele trabalhava por conta de outro. Mas ele foi para a oficina do meu primo Manuel da Costa (rua El-Rei D. Carlos I, n.º 21), nas horas vagas, horas fora do trabalho, a fazer as botas e a bola para o Ideal (Testemunho, 20.06.1996).

MM: Onde se situava e qual era o aspecto da primeira sede do Ideal?

HG: O Arsénio Bravo, que trabalhava numa loja de fazendas, defronte do jardim (Loja do Sr. Ernesto Silva, de Vila Franca do Campo, largo Conselheiro Hintze Ribeiro, números 6 e 7. Nasceu na Matriz em 25.12.1907 (?) e faleceu em Janeiro de 1956 (?). Em Abril de 1929 era Tesoureiro do Estrela Sport Club. Na Quaresma de 1933, residia na rua Sousa e Silva e na seguinte na rua Medeiros Correia), perguntou-me se o meu pai estava disposto a ceder uma casinha baixa, ao lado de cima da que morávamos (rua do Conde Jácome Correia n.º 59). Respondi-lhe que fosse falar com ele. Lá ficámos. A minha mãe lavava as roupas. Era um quarto pequeno onde nos equipávamos e de onde saímos para o primeiro jogo. Para se mudar de roupa e fechar a porta. Chegou lá a ir um árbitro de Ponta Delgada (Sr. Manuel Albano Botelho) falar sobre o jogo, como é que devíamos estar no campo. Não tinha quarto de banho, nem lugar onde se urinasse. Não tinha nada! Era de sobrado, não tinha quintal, mas havia uma porta fechada que dava para trás. (Na frente) uma porta estreita e uma janela. As roupas eram postas em cima de bancos ou cadeiras, já não me lembro bem. Era minha mãe quem as lavava. A gente já utilizava aquilo antes, antes de irmos pedir ao Sr. Gil Paiva para formar o grupo. Jogávamos às cartas e conversávamos. Rapazes!

JT: Quando o Ideal começou a sede era na rua Direita de Santo André (hoje rua Conde Jácome Correia), numa casa que era do Hermano Gota e que é hoje (a tenda) do Eduino Piques (é o n.º59 e está modificada) (Testemunho, 25.08.1996).

MR: Foi lá que dei o nome ao grupo. Era ao lado de cima da casa do pai do Hermano Grota. Íamos para lá nos entreter a conversar e a jogar às cartas, ainda antes de ser a sede (Testemunho, 3.05.2002).

MM: E o primeiro jogo, onde quando e com quem foi?

HG: O primeiro jogo que fizemos, perdemos por 7-1 com o Águia, na ‘praça dos porcos’ (rua do Estrela). (Foi corroborado por Manuel do Rego e José da Silva Tavares, entre outros). Eu não deveria ter bem 16 anos ainda. Fomos já equipados à frente da Banda dos Cães (Triunfo), todos cheios de mania para levar 7-1 do Águia. Depois do desafio, eu mais uns amigos meus precisámos de subir os degraus da Matriz da Ribeira Grande, custou a chegar lá cima, com dores nas pernas. A gente não tinha treino, era chegar e jogar. O Águia era mais antigo, um, dois, três ou quatro anos, não sei bem, já estavam habituados. O Gil - refere-se a Gildo Paiva -, Paiva, mais outros, foram pedir desforra. No segundo Domingo, para a desforra, quando estávamos a ganhar por 2-1 aos ‘tarraços’, como eles já não estavam a gostar, houve qualquer coisa e o jogo ficou por ali mesmo. Eu joguei a half esquerdo. O Armando (Hermano?) Pereira a half direito. Era baixo como eu. Acabou por ir para a América. Joguei dois anos e depois fui morar para Água de Pau. Não tínhamos tido nenhum treino. Durante a semana mal podia andar.

O campo era riscado como os campos são e o povo estava ali, já se sabe que não podiam passar daquele risco, mas quando davam por si, já estavam no meio do campo. Ao depois, fugiam para trás. Como aparecia lá o Ezequiel ‘Joanica’, que era Sapateiro e muito nervoso, muita gente ia lá só para o ver!, o jogador dava um pontapé, ele também dava, a gente ria, ria, depois ele ia entrando no campo, e quando estava lá para dentro sozinho, o povo ria ainda mais, com o jeito dele. A Senhora dele morreu agora há pouco tempo.

Capítulo VII

Em busca do Ideal II: a memória escrita

Do renascimento à fusão: ‘Ideal Novo’

Fracasso do Ideal Velho

Sete dias após a participação no jogo inaugural do Estádio do Rosário, o Ideal Sport Club empatava a três bolas com o Estrela Sport Club, outro dos clubes filiados na Liga Desportiva Ribeira-grandense. A 12, desloca-se à Vila da Lagoa, onde frente a um clube local, a noticia não especifica qual, ganha por três a um. A 5 de Novembro derrota por cinco a zero o estreante União Ribeira Grandense, ainda outro membro da referida Liga. A 26, vence por sete a zero o ‘Ribeirinha S.C.’, outro membro da Liga. [Será o Grupo Desportivo da Fábrica da Ribeirinha?].

No dia 1 de Janeiro, de 1934, empata a zero bolas com o Estrela, e no dia 6, perde por um a zero com o Águia Sport Club, igualmente membro da referida Liga.

A 12 de Janeiro de 1934, alegando motivos de saúde, em declaração publicada no jornal A Razão, de 31, embora reconhecendo a boa camaradagem que sempre encontrara no clube, Arsénio da Silva Bravo pede a sua demissão da Direcção do Ideal Sport Club. A partir desta data silenciam-se as fontes.

Fracasso da Liga Desportiva

Ribeira-grandense

A Liga comportou-se de um modo como se sabendo que o I Campeonato das Vilas e Aldeias, a final decorreu a 23 de Abril, em Ponta Delgada, acabaria naquele Domingo, deveria avançar rapidamente sem perda de tempo. Uma equipa decisiva, que perdeu por um triz a final, o Águia, faria parte, e uma outra, que não entrara no citado campeonato, que dava passos decisivos na sua vida desportiva, organizava-se, o Ideal, entraria também. A nossa associação desportiva organiza-se, pede um espaço para treinos e jogos à Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Ribeira Grande e dá-se a conhecer à Associação em Ponta Delgada. Havia, certamente, antes, feito reunir os grupos seus aderentes. Logo no dia 20 de Abril, a Liga Desportiva da Ribeira Grande envia um ofício à Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Ribeira Grande, ‘pedindo a cedência da Fera do Gado para desafios e treinos.’ Oito dias depois, a Comissão, presidida pelo Sr. Dr.º Artur Soares Arruda, mais os vogais, Dr. José Artur Almeida Lima e Faustino Teixeira de Lima, delibera ‘ceder, para desafios e treinos de Foot-Ball, o campo das rezes d’esta Villa, em todos os dias, com excepção dos Domingos e quintas feiras, nas horas em que nestes dias funcionar a feira de gado e também nos dias e horas em que se efectuar a aprendizagem de conductores de viaturas automóveis, visto já se ter oficiado à respectiva Comissão Técnica, cedendo aquele local para tal fim.’ Mas, com uma contrapartida: ‘(…) a obrigação de serem dados anualmente quatro desafios, com entradas pagas, em quatro domingos, a favor dos dois Asilos desta Vila, a combinar com o Senhor Vereador António Jacinto Cabral Botelho, a cargo de quem está o respectivo pelouro.’

A 21 de Abril de 1933, Fábio Moniz de Vasconcelos, Presidente da então recém-criada Liga Desportiva da Ribeira Grande, comunicava à congénere Associação de Futebol de S. Miguel (fundada a 14 de Abril de 1923, tendo sido inscrita na Federação Portuguesa de Futebol a 4 de Novembro daquele ano) a existência daquele novo organismo desportivo. Segundo o subscritor do ofício, dedicar-se-ia ‘à prática, organização, divulgação e fiscalização de todos os desportos, nomeadamente o foot-ball, que é o que, com mais intensidade, se pratica(va) nesta vila.’ Apesar de não vir de modo explícito, uma das razões óbvias, seria a de evitar aos grupos locais as despesas com as deslocações para fora da Ribeira Grande. Equipas ribeiragrandenses tinham estado na década de vinte e inícios da de trinta, desde os primórdios, filiadas na Liga Micaelense ou na Associação de Futebol de S. Miguel, ambas sediadas em Ponta Delgada, nomeadamente, o Pátria Futebol Club, o Águia, o Praia, o Artista e o Estrela. Algumas mudaram da Associação para a Liga Micaelense. Intervieram nas querelas havidas entre ambos organismos. Seria igualmente uma tentativa não só de pôr a resguardo o desporto local de questiúnculas alheias mas também de tentar adaptar medidas à altura de necessidades específicas do futebol da Ribeira Grande.

A Razão, de 31 de Outubro, publicou o elenco directivo para a época que então se avizinhava. A saber: ‘(...) Srs. Hermano da Mota Faria, presidente, Viriato da Costa Madeira, António Augusto da Mota Moniz, António Jacinto Cabral Botelho, Manuel da Souza Oliveira, Agostinho da Costa Feio e Francisco Justino Machado’ e adiantava que esta tinha tido ‘a sua primeira reunião no dia 19 do corrente, deliberando ao que nos consta marcar as suas sessões semanais às quartas-feiras pelas 20 horas e convidar os clubs filiados a pedirem a inscrição dos seus jogadores para o que enviarão as respectivas listas nominais, só depois do que organizará o calendário dos jogos e promoverá um campeonato local.’

Durou pouco a concórdia, pois, no mesmo jornal, de trinta de Novembro de 1933, sem que a autoria aí venha referida, mas talvez da lavra do próprio Director do jornal e Presidente cessante da Liga, esclarecia-se que ‘por divergências surgidas entre a Liga Desportiva Ribeira-grandense e alguns dos clubs seus filiados, motivadas por razões de lana caprina, foi dissolvida aquela agremiação, passando os seus poderes para os proprietários do Estádio do Rosário [...].’

Fora desferido um rude golpe nas aspirações desportivas locais. No ‘O Distrito de 2 de Dezembro daquele mesmo ano, adiantava-se, todavia, que o mal entendido entre os clubes e a Liga Desportiva Ribeira-grandense havia, para bem de todos, sido ultrapassado. Efectivamente, em Janeiro de 1934, Francisco Justino Machado, membro da Direcção, aproveitando a cerimónia da inauguração da sede do União Ribeira-Grandense, na qual foi orador convidado, exprimiu a absoluta necessidade de se reorganizar a referida Liga. Não obstante a sua louvável intenção, esta extinguir-se-ia antes de Junho de 1934. Sobrevivera, arrostando com as pressões dos clubes filiados, talvez de Abril de 1933 a Junho de 1934, ainda que surja representada no dia da inauguração do ‘Estádio’. Restava a esperança de que a futura empresa proprietária do campo projectado para o Rosário pudesse dinamizar o futebol na Ribeira Grande.

Necessidade de um campo decente: o Estádio do Rosário

O campo das reses, ou o da feira do gado, como então se dizia, era considerado insuficiente: era pequeno, bastante utilizado e perigoso para a saúde dos atletas. Por um ofício de Francisco Justino Machado, presidente do Pátria Foot-ball Club à Associação de Futebol de São Miguel, de Maio de 1930, ficamos a saber que havia uma promessa da Câmara em construir um recinto com melhores condições. Como aquele clube, disfarce do Águia, sofresse dificuldades financeiras, pretendia-se que a autarquia nos jogos realizados no campo das reses, enquanto não se construísse um novo recinto desportivo, vedasse o acesso aos peões nas ruas vizinhas. Promessa ou não, facto é que, por falta de verbas ou por falta de palavra, não se chegou a concretizar. De facto, a autarquia inauguraria o seu campo só em 1951.

Mas, já por esta altura, talvez porque houvesse quem achasse que se poderia fazer bom negócio com um campo de jogos, tenha surgido quem pensasse em construir um estádio. Surgem mesmo rumores de iniciativas neste sentido, como lemos em O Diário dos Açores, de 8 de Julho de 1933. Diz-se aí que se fizera constar que o Águia Sport Club, o disfarce do Pátria dera, entretanto, lugar ao clube original, estaria construindo um novo campo de futebol. Se esteve, porém, não o concluiu. Ou não passou de mera intenção, pois, quem o levou a efeito, conforme o Correio dos Açores, de 8 de Outubro daquele ano, foram os senhores Tomás Ferreira de Viveiros e José Peixoto de Oliveira, no Rosário, destinado ‘[...] principalmente (a)o Foot-ball, com as dimensões de 98 metros de comprimento por 70 de largo, ficando concluído durante este mês.’ Como veio a suceder no dia 22 de Outubro, Domingo, pelas 15 horas, numa linda tarde primaveril, num prédio pertencente ao Sr. Tomás Ferreira de Viveiros. A Razão, por seu turno, conta que Tomás Viveiros e José Peixoto de Oliveira, haviam tomado de arrendamento a longo prazo 15 alqueires de terreno. Regozijando-se pelo facto de, não obstante o egoísmo desenfreado e da crise económica que se fazia sentir, arrostando com a indiferença e a ingratidão do meio, terem tomado aquela iniciativa. O ‘Estádio do Rosário’, então inaugurado, ficava sendo o maior dos Açores, maior ainda que o do campo de Jogos do Liceu de Ponta Delgada. Pretenderiam os proprietários do novo «Estádio», ao que tinham feito constar ao autor da nota, construir outros, ‘para Volley – ball, bilro, etc. etc..’

Crónica da inauguração do ‘Estádio do Rosário’

Deixa-nos intrigados o facto de o convite ter sido feito ao Águia e ao Ideal e não a outros grupos da Ribeira Grande para inaugurarem o novo Estádio. Porquê? Por que não os outros grupos? A escolha não nos é explicada, mas poder-se-á pensar que seria pelo facto de serem aqueles os melhores grupos da altura. Ou outra razão que se desconhece.

A crónica reza assim: ‘Os senhores Tomaz Ferreira de Viveiros e José Peixoto d’Oliveira, dois novos cheios de vontade e a quem os desportistas Ribeiragrandenses, muito ficam a dever, numa visão clara do papel que no futuro está reservado ao desporto, tiveram a feliz iniciativa de tomarem de arrendamento, a longo prazo, um cerrado de 15 alqueires de terra, sita no Rosário desta vila, para nele construírem um «Estádio», cujo campo de foot-ball foi inaugurado no passado Domingo, 22 do corrente.

Nos tempos de feroz e desenfreado egoísmo que atravessamos, é consolador constatar iniciativas deste género, e ver que há homens que, arrostando com a indiferença e a ingratidão do meio e com a crise económica que se está fazendo sentir, se abalançam a uma empresa destas, que demanda da muita força de vontade e muito sacrifício.

O rectângulo para foot-ball, agora inaugurado, fica sendo o maior dos Açores, - pois é maior ainda que o do campo de Jogos do Liceu de Ponta Delgada, - pretendendo os proprietários do novo «Estádio», ao que nos consta, construir outros, para Volley – ball, bilro, etc. etc.

A festa de inauguração do «Estádio do Rosário» foi singela mas grandiosa, pela quantidade e qualidade das pessoas que lhe deram o seu concurso, tendo o tempo contribuído também para o seu maior brilhantismo, emprestando-lhe uma tarde primaveril.

Devido á pequenez do nosso jornal, não podemos fazer uma desenvolvida reportagem do que foi essa festa, limitando-nos a deixa-la arquivada nas colunas da «Razão», muito resumidamente.

Tendo-se reunido na Sociedade Instrução e Recreio, os convidados dos proprietários do «Estádio», organizou-se ali um cortejo, no qual tomaram parte, além daqueles convidados, a Liga Desportiva Ribeiragrandense, os «Onze», devidamente equipados, do «Ideal Sport Club» e «Águia Sport Club» com as suas madrinhas, respectivamente a menina Arménia Raposo Cabral Botelho, gentil filhinha do nosso amigo o Sr. António Jacinto Cabral Botelho e a menina Maria Margarida Machado, as duas bandas locais, «Triunfo» e «Voz do Progresso» que durante todo o percurso executaram bonitas marchas, e muito povo. Chegando o cortejo ao «Estádio», subiram ao ar muitos foguetes procedendo-se em seguida ao match de foot-ball entre aqueles dois clubs «Águia» e «Ideal».

Depois da tradicional troca de ramos, deu o pontapé inicial, a madrinha do «Estádio», menina Maria da Conceição Moniz Ferreira, filhinha do Sr. Tomaz Ferreira de Viveiros, que trajava um original vestido, com as cores dos clubs antagonistas.

Certamente por estranharem a grande extensão do campo e o seu piso, que não está ainda suficiente endurecido, ambos os teams não fizeram o jogo que costumam desenvolver, o qual decorreu sem interesse, faltas de técnica, terminando por um empate de Zero a Zero.

A arbitragem a cargo do Sr. Manuel de Souza Claudino, agradou, apesar de ter algumas deficiências, próprias de quem arbitra pela primeira vez.

As duas referidas filarmónicas «Triunfo» e «Voz do Progresso», tocaram durante o desafio algumas peças do seu variado repertório.

Felicitando os desportistas Ribeiragrandenses pelo magnifico «Estádio» com que esta vila ficou dotada e que há tanto tempo ambicionavam, felicitamos também os Srs. Tomaz Ferreira de Viveiros e José Peixoto d’Oliveira, pela sua bela e arrojada iniciativa desejando-lhes as maiores felicidades.’

Nota: Segundo uns, o Estádio do Rosário ficaria nos actuais terrenos do Posto Agrícola, de acordo com Rolando Almeida, genro de Tomás Ferreira Viveiros, funcionário reformado do Posto Agrícola, onde trabalhou o guarda-redes do Águia e do Ideal do tempo do citado estádio, Manuel Barnabé, seria nos terrenos que delimitam a Nascente, subindo até ao Asilo Escola Agrícola, a rua Cónego Cristiano. Portanto nos terrenos ao lado do Posto Agrícola. Por duas razões. Primeiro porque foi a sogra que o vendeu ao Asilo, segundo porque Manuel Barnabé o confirmara.’

Fracasso do Estádio do Rosário

Mas, tal como diz o povo na sua infinita matreirice, ‘casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.’ Dois meses e alguns dias após a inauguração do ‘Estádio do Rosário’, a 9 de Janeiro de 1934, Agostinho da Costa Feio, representante do União Ribeira-grandense, Luís da Silva Melo, do Estrela Sport Club e Gildo Furtado Paiva, do Ideal Sport Club, o representante do Águia Sport Club não assina, propõem à empresa Tomaz & Peixoto a redução da percentagem a pagar pela sua utilização. Em seu entender, esta não deveria exceder 25%. Excepção feita às despesas com a marcação do campo, as restantes deveriam ficar a cargo dos clubes. Ou então, caso a empresa discordasse, continuaria a ser 1/3 para cada parte, cabendo a esta, neste caso, o ónus com as despesas necessárias. E lançam uma ameaça: caso não seja possível chegar a um entendimento, o desporto na Vila acabaria.

Deste modo, por divergências e outras dificuldades, a 17 de Julho de 1934, só o Águia Sport Club continuaria activo no Estádio do Rosário. Os demais grupos, segundo José Peixoto de Oliveira, co-proprietário do Estádio do Rosário, estariam em estado de desorganização, pois, ‘(...) sem uma Liga a orientá-los, acabou por reduzi-los a um só – o Águia Sport Club. ’

Em carta manuscrita assinada, mas não datada, pelos proprietários do Estádio do Rosário, dirigida ao Director do Correio dos Açores, intitulada ‘Em resposta’, não sabemos se chegou a ser publicada, por certo próxima deste período conturbado, em resposta a um ‘Comunicado’ da Direcção do Ideal Sport Club, que também desconhecemos, estes defendem-se de duras acusações. A de cobrarem percentagens ‘judaicas’, outra e a da ‘ilegalidade em castigarem o Ideal ao dar a outro grupo o dia destinado a ele’. Alegaram em sua defesa, que retiravam 1/3 do produto líquido das entradas, exceptuando as despesas de marcação do campo, limpeza e do auferido por um porteiro, pelo que consideravam justa e realista a percentagem cobrada. Segundo eles, não se trataria de castigo, mas tão-só de realismo, já que o Ideal tentara fazer greve aos jogos. Assim, seria lícito substituí-lo por outro mais ‘razoável.’ Adiantam ainda o putativo mau carácter da Direcção do Ideal, acusando-a de principal culpada, em contraste com a simplicidade dos seus atletas, acrescentando que teria sido esta que, ao propor ‘cortejos fúnebres’ diante da sede da Liga Desportiva Ribeira-grandense, e ao propor ‘uma greve revolucionária aos jogos’, teria contribuído para o fracasso da Liga. Também eles previam o fim do futebol na Ribeira Grande. Não conhecemos resposta dos membros da Direcção do Ideal ou do dos restantes grupos.

Seja como for, a 17 de Julho de 1934, disputa-se o derradeiro jogo no Estádio do Rosário. A partida teve como contendores o Águia Sport Club e o Vingador Nacional Sport Club, de Ponta Delgada, resultando em um empate a duas bolas. O sonho do Estádio do Rosário, face à incapacidade das partes envolvidas de se entenderem numa difícil conjuntura económica, resistira menos de sete meses. José Peixoto de Oliveira, já após a ocorrência, em conversa mantida com o Director do jornal O Distrito, esclareceu que não teria sido pela falta de energia da empresa, mas pela falta de público que a crise económica que então se atravessava explicava. E repetindo o que antes escrevera, além do desinteresse motivado pela desorganização dos clubes, que, sem a Liga a orientá-los, acabou por ficar reduzido ao Águia. Ainda assim, a empresa tentara viabilizar o projecto recorrendo a grupos de Ponta Delgada. E continuava a explicação: ‘Todavia, o regulamento da Associação de Foot-Ball de Ponta Delgada, não permitia a deslocação dum só team a jogar com o Águia, mas sim de dois grupos seus filiados, o que ocasionava grandes despesas de transporte, percentagem para a referida associação, etc. De tudo isto, resultou um avultado prejuízo e assim tomou a empresa a resolução de cultivar o ‘campo’, e passar a explorar o cinema ao ar livre no Cine-Avenida que, como já dissemos, noutra reportagem, inaugura brevemente a sua época de Verão.’

Finda a Liga, com o estádio transformado em ‘batatal’ ou ‘milheiral’, sem qualquer recinto desportivo digno do nome, impedidos de utilizar o miserável campo das reses, o futebol na Ribeira Grande havia perdido uma oportunidade única de aproximar-se do de Ponta Delgada. Teria de percorrer um penoso calvário até aos sucessos de finais da década de sessenta. Desperdiçara-se um campo que, de acordo com A Razão, seria dos melhores se não o melhor do arquipélago.

Renascimento: Ideal Novo

Após o derradeiro jogo a 17 de Julho de 1934, só a 9 de Março de 1941 recomeçam na comunicação social as referências à prática do futebol na Ribeira Grande. O que não quer dizer que não se praticasse futebol. Em 41, chegara à ilha os primeiros contingentes do corpo expedicionário do exército português. Aos seus efectivos, sem dúvida, se deve o novo fôlego dado ao futebol da ilha. Ao contrário do que sucedera no Campeonato de Futebol de Vilas e Aldeias, organizado pelo Sr. Manuel Albano Botelho de Medeiros, em que o Águia participara, chegando à final onde foi derrotado pelo ‘São Pedro’, da Vila da Lagoa, nos de 1938 e de 1940, em que participaram grupos dos mais recônditos cantos da ilha, da responsabilidade do mesmo organizador, não participou nenhuma equipa da Ribeira Grande. Aliás, neste terceiro campeonato, de 1940, participou o Águia Sport Club, mas dos Arrifes. Foi um período de crise e de estagnação. Segundo João Luís Medeiros (Testemunho, 4.10.1996), terá existido um grupo conhecido em Ponta Delgada como o ‘Grupo dos Padeiros’, no qual teria jogado, entre outros Humberto Câmara (Capelas), tendo este disputado jogos em Ponta Delgada. Isto em data posterior a 1934 e anterior a 1941. De acordo com o mesmo testemunho e os de António dos Santos e Aureliano Morgado, entre outros, jogava-se em ‘serrados’. Só mais tarde, a memória não o retém com precisão, teriam ido pedir autorização ao Sr. Faustino de Lima, Vereador da Câmara Municipal de Ribeira Grande, de utilização do Campo das reses. Datará deste período o embrião do Ideal Novo. De acordo com Manuel Correia da Silva (nasceu em 15.11.1921), Aureliano Morgado e António dos Santos, terá tido, entre os que se recordam, a mão do primeiro e de Manuel Milho Cozido (aliás, Manuel Moniz Soares de Melo), ao tempo rapazes em idade de cumprir o serviço militar. Posteriormente, tanto quanto a memória alcança, numa fase decisiva de arranque, entraram Manuel da Costa Morais, Guilherme do Rego e Manuel de Sousa Pereira, do núcleo duro do Ideal Velho, à excepção do segundo. Até mesmo Arsénio da Silva Bravo, ao tempo enfermeiro em Ponta Delgada, reaproximou-se do clube.

Seja como for, a primeira referência à prática do futebol conhecida vinda nos jornais, após a referida pausa, surge a 9 de Março de 1941, como vimos. José Pereira da Silva, correspondente local do Diário dos Açores, seu autor, analisa as causas do malogro passado e aponta com ponderação o rumo a trilhar para um desenvolvimento desportivo seguro: ‘(...) voltou a jogar-se futebol, nesta vila. O entusiasmo, por tão interessante desporto, foi enorme e a concorrência extraordinária, não admirando que tal acontecesse depois da longa interrupção, por alguns anos do futebol. Conhecem-se as causas que deram cabo do futebol entre nós. Primeiramente deparamos com uma perniciosa abundância de Clubes, que só servia para dispersar bons elementos e, em segundo lugar, verifica-se a falta de atenção, por parte dos mesmos grupos, aos seus elementos técnicos e directivos. Agora que o futebol ressurge, convém dar-lhe nova e verdadeira orientação e não pensar-se em possuir mais do que os grupos necessários, conscienciosamente preparados. Ainda temos bons elementos dispersos. Porque não reuni-los já, e formar mais um grupo? Não nos parece desacertada a ideia, tanto mais que traria maior entusiasmo ao público e dar-nos-ia a certeza de termos todos os domingos futebol, coisa que não acontecerá se tivermos um só grupo como agora.’

Nesta data o Ideal Sport Club derrotou por 5 a 2 o Recreio Capelense.

José Pereira da Silva, que alvitrara a formação de uma segunda equipa na Ribeira Grande, noticia a 6 de Abril, o reaparecimento do Águia Sport Club: ‘(o) desafio de domingo passado [6 de Abril de 1941], embora prejudicado pelo mau tempo, interessou muito. Encontraram-se o Clube Desportivo Santa Clara e o Águia Sport Club, desta vila. O resultado, que foi favorável ao Santa Clara, foi muito honroso para o nosso grupo, que jogava pela primeira vez com um grupo experimentado, conseguindo ainda assim o resultado de 2-3 pontos.’

Intriga-nos o facto de ter ressurgido o Ideal, um grupo, que como vimos foi efémero, e não o Artista Sport Club ou o Estrela Sport Club, ambos da Matriz, e mais anteriores ao Ideal. Só podemos especular. O Artista usava uma camisola branca e azul e calções pretos, por seu turno, o Estrela, camisola branca e preta e calção preto. Veremos isso em detalhe em próximo artigo. O Ideal, como vimos em artigo anterior, por acaso ‘encontrara’ camisolas verde e brancas. O Sporting Club de Portugal, verde e branco, havia vencido o seu primeiro Campeonato de Portugal na época de 1937-1938. Será pelo facto de, alguns dos fundadores do Ideal Velho e refundadores do Novo, entre outros, Manuel da Costa Morais, Manuel de Sousa Pereira, ou Guilherme do Rego, irmão de Manuel Rego, serem sportinguistas? Será ainda pelo facto de o Ideal ser considerado símbolo da Matriz, enquanto que o Águia o era para a Conceição? E sendo este último vermelho, da cor do Benfica e do Santa Clara, o Ideal, sendo rival, teria de ser verde, cor do Sporting e do União Desportiva? Alguns dos inquiridos dizem-nos que sim. Ou será devido aos sucessos do União Sportiva? Fora Campeão Açoriano em 1928, também verde branco, com quem o Ideal participou a 27 de Setembro de 1941 numa Festa Desportiva de homenagem ao Presidente da Câmara de então, Dr. Lucindo Rebelo Machado? Precisamente a segunda alusão conhecida ao Ideal após o reinício. O Águia reiniciou-a defrontando o Santa Clara. Terão estes factos pesado no ressurgimento do Ideal e não do Artista ou do Estrela? Creio que haverá um pouco do que sugerimos.

Segue-se para o Ideal, além do referido encontro com o União Sportiva, outros jogos disputados com adversários formados por elementos do Corpo Expedicionário: Sapadores Mineiros e Galgos. Este período, apesar da rivalidade doentia entre Águia e Ideal, é caracterizado por um desejo de renovação do futebol local. Além de novos atletas, pensa-se intensamente na construção de um campo de futebol alternativo ao condenado campo das ‘reses’.

O que se passa no País?

‘A carência de recintos desportivos em Portugal era tamanha que, desde finais dos anos 20, se alertava as autoridades públicas para a necessidade urgente de um estádio nacional, semelhante aos vários recintos que se iam construindo por essa Europa fora desde o início do século XX. Apenas em 1944 se concretizará esse sonho.

(…) Nesta década, muitos clubes são, também, prejudicados pela renovação urbanística de Lisboa, o que fez com que, por exemplo, colectividades como Benfica, Belenenses e Casa Pia fossem despejadas dos seus campos (arrastando-se em condições mais lastimáveis) pelas autoridades governamentais, atrasando ainda mais a evolução da modalidade no país. Foi preciso esperar pelos anos 50 para ver nascer os primeiros estádios privados dos grandes clubes portugueses.

A década de 40 vê nascer, contudo, o primeiro grande estádio em Portugal: o Estádio Nacional. Iniciado em 1938 e concluído em 1944 é inaugurado num espectáculo grandioso levado a cabo pelo Regime. Foi nessa altura considerado o melhor estádio da Península Ibérica. Era, no entanto, em território português, juntamente com o recinto lisboeta das Salésias (oficialmente Estádio José Manuel Soares), melhorado e ampliado em 1937, o único digno desse nome. ’

Serrado, Ricardo, O Jogo de Salazar: a Política e o Futebol no Estado Novo, Casa das Letras, 2009, pp. 46 - 48

De novo o desejo de um campo decente: Campo de Jogos Municipal

Ter-se-á concluído pela experiência amarga do Estádio do Rosário, até por norma imposta pela Associação de Futebol de Ponta Delgada, que, para elevar o desporto da Ribeira Grande ao nível do de Ponta Delgada, ou simplesmente ter algum futebol que valesse o nome, ser a construção de um novo campo ou a remodelação do das reses assunto incontornável. Existiam equipas com elencos directivos empenhados e atletas de valia de sobra, mercê, sobretudo, de estarem aquartelados na ilha diversos corpos das Forças Armadas Portuguesas, mas não havia um recinto desportivo adequado. Já não privado, pois ficara provado à saciedade que as receitas não dariam para as despesas, mas por iniciativa do poder público autárquico. Logo em 1941, surgem na imprensa os primeiros ecos desta pretensão. O alerta vem publicado no jornal A Ilha de Março: ‘Pedem-nos algumas pessoas da R. Grande para que chamemos a atenção a quem compete para o lastimável estado do Campo de Futebol que assim nenhumas condições favoráveis oferece aos desportistas e muito menos aos espectadores.’

Logo depois, em Dezembro de 1941, em artigo assinado pelas enigmáticas iniciais M.A, defende-se a construção de um novo: ‘É de lamentar que, tenhamos de assistir, aos desafios, num mercado de gado, de dimensões exíguas, cheio de pedras e covas, constituindo assim um grave perigo para a saúde daqueles que se dedicam à única modalidade de desporto nesta terra. [...] Porque não poderá a Ribeira Grande, vila das mais populosas do País, possuir um campo de jogos apropriado?’ Afinal, o Diário dos Açores de 15 de Janeiro, revela a identidade do proponente, o Prof. Manuel António Cansado, de fresco chegado à ilha: ‘A ideia lançada neste jornal por um nosso distinto colaborador, o Sr. Manuel António Cansado, para que aqui se faça um campo em condições, encontrou o melhor acolhimento, e julgámos possível, pela marcha que as coisas tomam, que dentro em breve isso seja uma realidade.’

Apesar do burburinho desencadeado pela campanha pública levada a cabo nas páginas de diversos jornais de Ponta Delgada, motivo de conversa nos raros cafés locais, nas tendas e tascas locais, em 1934 A Razão havia suspendido a publicação, apesar de a autarquia ter deliberado em Fevereiro de 1947 a construção de um novo recinto desportivo, só na sessão de 24 de Agosto de 1949, no seu Plano de Actividades, delibera dar seguimento ao acordado em Fevereiro de 1947. E nela se explicava: ‘(...) por só, agora, haver possibilidade de terreno adequado entre a Fábrica e a Ribeira Seca.’ De facto, a 23 de Novembro de 1949, o Presidente da Câmara Municipal de Ribeira Grande, informava a Câmara de que havia celebrado contrato de arrendamento com os senhores Dona Maria Josefa Gabriela Borges de Sousa Jácome Correia Hintze Ribeiro e seu marido, Dr. Ernesto Hintze Ribeiro, e outros, no prazo de três anos, renovando-se por períodos anuais.

A 11 de Dezembro de 1949, iniciam-se as obras do Campo de Jogos. A Ilha, de 17 de Dezembro, dá a mesma notícia acrescentando pormenores: ‘fica num terreno de 29 alqueires, medirá 105x70 metros e terá bancadas e camarotes, por baixo dos quais ficarão balneários, vestiários, arrecadações e instalações sanitárias. O Campo ficará situado à entrada da Vila junto à antiga Fábrica do Álcool e o seu projecto pertence ao Sr. Arquitecto Francisco Quintanilha.’

A 29 de Junho de 1951, numa sexta-feira, dia de Cavalhadas, inaugura-se, com toda a pompa e a circunstância que o acto exigia, o novo e actual Campo de jogos Municipal de Ribeira Grande. Ainda que parte do projecto só muito mais tarde tenha sido executado. O campo acabou por medir ‘110x64’ e deveria ‘depois de lhe serem feitas as bancadas e camarotes ser um bom campo.’ O Diário dos Açores elege-o, apesar de tudo, como ‘o melhor (recinto desportivo) da ilha de S. Miguel.’ O articulista do Correio dos Açores, em tom de desabafo, comentava: ‘longas décadas de espera, tiveram os rapazes que se dedicam ao futebol, para conseguirem fugir ao perigoso terreno do campo de venda de gado (...) onde com a maior facilidade podiam ver um dos seus elementos atacado do terrível mal do tétano.’ Fora madrinha do novo recinto Isabel Maria Rego Lima da Mota Faria, filha do Presidente da edilidade, Sr. Hermano da Mota Faria. Tarde é o que nunca chega; esperara-se cinquenta e dois anos para ter um campo adequado à prática desportiva e haveria de esperar- se mais três décadas para o ter iluminado, relvado, com bancadas e balneários. Mas sem pista de atletismo e com muitas alterações ao projecto inicial.

O jogo inaugural, tal como havia sido o caso para o Estádio do Rosário, disputou-se entre o Ideal Futebol Clube e o Águia Futebol Clube e saldou-se igualmente num empate, mas a uma bola. Desta vez o repórter deu-nos a constituição das duas equipas. Ideal: Buraca (António Santos), Alfredo [Machado] (capitão), [António] Fernandes, Barata, Olivério e Genuíno, Carreiro II, Eduino, Carreiro I e Pereira. Foi madrinha da equipa, Belarmina Dinis Nunes Coelho. Águia: Edmundo, Óscar, Mário, Morais II, Morais I (capitão), Faial, Albano, Puga, Correia, Fernando e Barata. Foi madrinha Maria do Carmo Medeiros Franco. Seguiu-se jogo entre o Marítimo e o Santa Clara, tendo o primeiro vencido o último por cinco a três. A bola estava no lado dos clubes, bem ou mal, a autarquia acabara de cumprir a parte que lhe competia. Era imperioso entrar na Associação de Futebol de Ponta Delgada, mas era necessária a sua oficialização.

O António ‘Buraca’ do Ideal

‘Na baliza o Buraca

Não valia uma pataca

Alegre quando jogava

Na baliza ele era forte

Que nunca temeu a morte

Dos pontapés que levava’

(Manuel Sousa Miguel, nasceu em 3.12.1915)

O estado português identifica-o como António dos Santos, os da Ribeira Grande conhecem-no como o António ‘Buraca’ do Ideal. Para logo o associarem ao velho guarda-redes que reinou sem rival na baliza do seu Ideal do começo do Ideal Novo à fundação do Futebol Clube da Ribeira Grande. É esse o nome pelo qual gosta de ser chamado, usando-o como o mais nobre título nobiliárquico. Apesar de a Certidão de Nascimento referir a Matriz como local de nascimento, dizia-lhe a mãe Dília da Conceição que nasceu na Conceição e que o terá trazido pequenino para o bairro do Curral, na Matriz. O pai chamava-se Manuel ‘Buraca’, ou Manuel dos Santos para o ‘Governo’. O Bilhete de Identidade diz que nasceu na primeira oitava do Natal do ano de 1919, a Certidão de Nascimento que foi registado a 3 de Janeiro do ano seguinte. Apesar de não saber juntar uma letra, fugia à escola com o Edmundo ‘Garrida’ para ir para a Areia, onde ‘se consolava a jogar à bola e a tomar banho’, era o único tempo que podia roubar à mãe, de outro modo teria de ir à lenha. Apesar de ter sido lenhador, batedor de calçada e cabouqueiro, trabalhou na calçada da estrada da Lagoa do Fogo, o seu desempenho como homem e atleta granjeou-lhe um merecido estatuto de figura tutelar de gerações de Idealistas, ricos, pobres, letrados, analfabetos ou eruditos, que o consideram com ternura seu avô. É tímido, contido, de uma delicadeza rude, à sua maneira um verdadeiro cavalheiro, não guarda rancor ao ‘Marreta’, o adversário que lhe pôs temporariamente em coma. Nem mesmo quando se fala do Ideal e do Sporting, dois dos seus amores mais fiéis e duradouros, se expande. Um parco sorriso ou um ligeiro estugar do passo é o quanto basta para exprimir contentamento. Aprendeu a jogar pelos caminhos com bolas de ‘trapo e de qualquer qualidade. Qualquer coisa servia’. Começou por jogar a avançado mas cedo lhe puseram no seu sítio de eleição: a baliza. Aí era ágil e destemido. Foi levado aos ombros um ror de vezes, dizem os outros, porque é de auto-elogio envergonhado. É do tempo em que jogar num clube significava ser de corpo e alma para todo o sempre do clube. Daqueles que quando partem deste mundo se sentiriam desamparados se não levassem a bandeira do clube a amortalhar-lhes o caixão. Daqueles que, em todas as ocasiões, nas boas e nas más horas, só com a sua presença, sou disto testemunha, confortam-nos na derrota e vitoriam-nos no sucesso.

É o Idealista mais homenageado, embora não tenha sido oficialmente alvo de qualquer homenagem. Talvez a sua mais genuína e sincera homenagem tenha sido o susto, há pouco, sentido pelos Idealistas da diáspora, receando que o insidioso boato que circulava acerca do seu falecimento fosse verídico. Como prova da sua presença entre os vivos, obrigaram-no a ir tirar uma fotografia à esquadra da polícia. A custo, confessa que ficou ‘uma niquinha’ assustado quando viu o jipe da polícia à porta.

Noémia, de pé, ao lado do marido sentado numa banqueta de ‘crica’, atenta às diabruras de dois bisnetos rebeldes, é quem diz que terá sofrido o seu maior desgosto em 1956 quando se formou o Ribeira Grande e ele, por ter ido para a Areia em vez de ir para a escola, não pôde ser o guarda redes. Motivo, aliás, dizem-nos, porque não terá chegado mais longe. O desgosto fê-lo até prometer deixar de ir ao campo. Promessa que foi lentamente quebrando porque o bichinho da bola e a sua maneira de ser tolerante foram mais fortes. Era o irmão varão, não havia fuga possível. Havia o Olivério, quase dez anos mais novo (nasceu: 7.05.1929), que morreu fulminado por uma congestão aos 33 anos (10.09.1962), enquanto partia pedra na ribeira, junto ao moinho da ponte dos oito arcos, a dois passos da casa onde nascera, jogaram juntos no Ideal, pai de outro ‘Buraca’, Carlos Santos, que defendeu por largos anos com igual galhardia e segurança a baliza do Ideal, e avô de outro, Artur Santos, júnior do Sport Lisboa e Benfica. Tem ainda a irmã Beatriz, uma lúcida nonagenária que reside nos Estados Unidos.

Enquanto duas bisnetas esperam para breve a vinda de mais dois filhos, Noémia Dias Branco, com quem casou na igreja de São Pedro, Ribeira Seca, a 17 de Novembro de 1947, e com quem partilha desde então a casa n.º 36 da rua António Augusto da Mota Moniz, deu-lhe cinco filhos: Beatriz, como a tia, a residir no Canada, Dília, como a avó, na Ribeira Seca, Maria do Espírito Santo e António Humberto, na Matriz e Ricardo, na Ribeirinha. Os filhos já lhes deram dezassete netos e os netos onze bisnetos.

O maior susto do seu tempo de futebolista ocorreu quando o ‘Marreta’, jogador do rival Águia, que habitualmente se mantinha pela defesa, na altura em que os defesas por lá ficavam, decidiu, não se sabe bem como, ir à frente, e como a querer fazer jus ao seu apelido, lhe desferir uma valente ‘marretada’ na cabeça, tão violenta que só se lembra de dar cor a si, apesar de lhe terem depois dito que, para o tentarem reanimar, o enfiaram no bebedouro das vacas, no clube, deitado ao comprido no chão, rodeado por muita gente, com o Hermenegildo a tentar aliviar-lhe da ‘sua’ camisa. Muito povo lá fora da rua e a mãe, disseram-lhe depois, em casa aos gritos de ‘o meu rico filho está morto!’ Todos os da terra, Idealistas ou não, recordam o episódio e todos contam o que fizeram e onde estavam na altura. Muitos recriminam o agressor, porém, António ‘Buraca’ diz que ‘faz parte da bola.’

A sua maior alegria sucedeu no dia em que golearam o Águia por cinco a zero e em que, como prémio, foram para as Caldeiras ‘comer um carneiro oferecido pelo Martiniano Faria.’ Segundo as más línguas do rival teria sido roubado nas Furnas. E de uma outra vitória, em que também ganharam por números igualmente expressivos, e foram comer um vitelo oferecido pelo ‘Remualdo’. Passearam o carneiro pintado de verde e branco pelas ruas numa algazarra tremenda, até os testículos lhe pintaram, não deixando ninguém indiferente, parecia o Carnaval, indo mesmo fazer ‘negaças’ junto à porta do Manuel ‘Capelas’, cabeça do Águia, que também as sabia fazia, e que num esforço de contido desportivismo acenava à comitiva, se calhar a congeminar a próxima vingança. Foi como se o Ideal tivesse ganho a Liga dos Campeões.

Foi um dos muitos troféus comestíveis celebrados por ambas equipas. Regista também, como se fosse ontem, o dia em que Mestre Manuel da Costa Morais lhe foi tirar as medidas para as suas primeiras botas, estava ele no quartel de São João, em Ponta Delgada, ou o dia em que o Manuel Correia e o Manuel ‘Milho Cozido’ lhe deram o equipamento de guarda-redes do Ideal antigo, que tinha sido do Bernabé, comprado ao Gildo Paiva. Esteve 9 meses para um ano no quartel de São João e o restante dos seus três anos de serviço militar nas Furnas. Era tratador de ‘garranos’.

Ainda hoje, mantém-se activo, vê invejavelmente bem, só se queixa de uma ligeira surdez, todos os dias atravessa a ponte dos oito arcos para ir à casa dos filhos buscar a lavagem com que engorda dois porcos e quando está bom tempo debruça-se no mainel da ponte ou encosta-se ao canto da rua a ver passar ‘os carros’ ou a ‘arejar’ com os amigos. Verão ou Inverno, quer chova ou faça sol, não é homem de muitos agasalhos, além dos necessários, bastam-lhe um pequeno casaco e um boné. E o seu bigode impecavelmente aparado.

Capítulo VIII

Em busca do Ideal II: a memória oral

Renascimento: ‘Ideal Novo’

Introdução:

Tal como sucede para o início do Ideal Velho, o do Ideal Novo também surge envolto em arreliadora sombra. A primeira referência escrita conhecida a este Ideal Novo vem a lume no Diário dos Açores de 15 de Março de 1941. Deixando, contudo, subentendido que este poderia estar activo em data anterior. Quando? Não sabemos.

A fazer fé nos testemunhos de Manuel Correia da Silva, António dos Santos, Aureliano Morgado e José Joaquim Pereira, atletas do Ideal Novo, que adiantam a idade que ‘acham que deveriam ter à altura’, o Ideal Novo teria dado os primeiros passos, respectivamente, 1940, para o primeiro, 1935/36, todavia, mais à frente, diz 1939/1940, para o segundo, 39/40, para o terceiro, e 1939 ou 1940 para o último. O que não andará muito longe da sobredita nota escrita.

Ainda de acordo com os mesmos testemunhos, terá havido um primeiro e ainda incipiente grupo, no dizer deles ‘mal organizado’, algo como um embrião, em torno de Manuel Correia da Silva e Manuel ‘Milho Cozido’, dois jovens que, à época, ainda não tinham cumprido o serviço militar. Ambos acompanharam o Ideal Velho. A sede informal deste núcleo do Ideal Novo teria sido na loja do pai do último. Terá tido, antes ou depois, nem todos se recordam ou são concordantes, sede no n.º 10 da rua do Botelho. António dos Santos, inclusive, alude a uma outra, na rua do Passal, na casa do Sr. José Cabral. O mesmo já nos tinha sido indicado pelo Sr. Renato Ponte. O arrendamento da casa da rua El-Rei D. Carlos I, n.º 59, terá marcado uma viragem qualitativa na organização do clube, tendo aderido ao grupo inicial um lote de adeptos mais velhos, entre os quais, Manuel da Costa Morais e Manuel de Sousa Pereira, elementos que pertenceram ao Ideal Velho. A estes juntaram-se outros, Guilherme do Rego Teixeira, irmão de Manuel do Rego, que não obstante ser mais velho, não participou na fundação do Ideal. De novo, sempre de acordo com os nossos testemunhos, teríamos Mestre Manuel da Costa Morais a fazer as botas e o seu cunhado Mestre Manuel Leite (Paiva Cabral) nas bolas.

Diálogos: versões

Como surgiu o Ideal Novo, de onde vieram os equipamentos?

Manuel Correia da Silva: (Testemunho, 1996. Nasceu na Matriz, em 15.11.21) Na altura (o Ideal Velho) estava aberto, ao depois acabaram. (Porquê?) Tinham falta de dinheiro ou qualquer outra coisa. Quem mandava era o Sr. Gil (Gildo) Furtado (...) (ele) tinha uma loja na rua das Pedras (rua de Sousa e Silva, n.º 19). Ao depois foi do Cebola (Sr. José de Sousa Aguiar). O Ideal foi fundado por ele e acabou por ele.

(O Ideal Novo) Primeiro era o Manuel ‘Milho Cozido’ (Manuel Moniz Soares Melo). Ele esteve comigo na tropa, éramos muito amigos. Era ele quem arranjava os jogos nas Capelas. A gente juntava-se lá na loja dele (rua El-rei D. Carlos I, n.º 28). Bonitos tempos. Jogávamos em serrados. Era um grupo de rapazes. (Testemunho, 13.05.2002) Um grupo de rapazes que brincava com as suas camisas e botas. (Testemunho, 1996) Depois, isso já foi em 1940. Eu já não sei, mas acho que foi em Vila Franca (do Campo). Foi uma coisa barata, porque, para dizer a verdade, até ele me queria oferecer. Ele disse-me, para que é isso? E eu disse, é para dar a esses rapazes que estão brincando para aí. E esse Buraca (António Santos), como é muito jeitoso para guarda-redes, como a gente vá jogar às Capelas. Se quiserem levar isso consigo podem levar. E foi assim. (Testemunho, 13.05.2002) Comprei umas joalheiras para o António Buraca na loja do José ‘Cebola’ (José de Sousa Aguiar: rua de Sousa e Silva, n.º 19). Camisas e joalheiras ao Gildo Paiva. Não me lembro quanto.

António dos Santos: (Testemunho, 29.08.1996) Tinha 17 para 18 anos (nasceu em 26.12.1919) quando o Ideal abriu de novo. Quem o abriu foi o Manuel ‘Milho Cozido’ (Manuel Moniz Soares de Melo nasceu na Matriz a 31 de Dezembro de 1921, era filho de João Soares Melo e de Hermínia Moniz Teixeira. Casou em Água de Pau e pouco depois foi para o Brasil e daí para as Bermudas para de novo regressar ao Brasil onde faleceu, segundo um sobrinho, com cinquenta e cinco anos feitos. Esteve na tropa com o Sr. Manuel Correia Moniz) e o Manuel Correia (nasceu na Matriz em 15.11.21). (O primeiro equipamento?) Foi feito na fábrica (Ribeirinha), as camisas de meia que deram tinta verde. Toda verde e os calções pretos (metade verde e metade branca?) Não, toda verde e com o emblema do Ideal. Foi o Manuel Correia (da Silva) e o Manuel ‘Milho Cozido’ (Manuel Moniz Soares Melo) que compraram as camisas todas brancas e pintaram-nas de verde. Ao depois então é que veio o ‘Garrida’ (Manuel de Sousa Pereira) e outros mais. Então é que compraram essa fazenda para fazer a ‘equipe’ (Metade verde e metade branco). Ao cabo de anos é que veio aquela como o Sporting. Esse verde estragou dois ou três panos brancos, e o verde sempre bom. (e o seu equipamento de guarda-redes?) O Gildo (Furtado Paiva) é que tinha a camisa e um par de calções. Era branca (pertencera ao Ideal Velho) e tinha emblema. Os peúgos eram todos pretos.

(Testemunho, 11.05.2002) O Manuel Correia (Manuel Moniz Correia da Silva) e o Manuel ‘Milho Cozido’ compraram camisas brancas e foram à fábrica da chita pintar de verde. Quando comecei a jogar no Ideal quem estava à frente eram eles. Eu ainda não tinha ido para a tropa (terá ido em 1939/40).

Aureliano Morgado: (Testemunho, 1.09.1996, nasceu em 3.09.1918) (quando passaram a Ideal?) (...) Fomos pedir ao Senhor Faustino (de Lima) para dar licença para a gente jogar para o campo (das reses), deram uns calções, botas velhas e coisas, e fomos jogar para o campo. Daí então é que começou o Ideal. Eu estava na tropa. Fui em 39 para o quartel de São João, depois fui para as Furnas e para a Praia de Água d’Álto. (Quem estava à frente do clube?) Eu acho que ainda está vivo, um que fazia caixões, que está no Asilo (...) Isso o Guilherme do Rego (Guilherme do Rego Teixeira nasceu na Matriz a 27 de Março de 1908 e faleceu a 16 de Novembro de 1994. Era irmão de Manuel do Rego, mas não participou no início do Ideal). E mais. Eu lembro-me mais desse. Outros que tiravam os retratos lá dentro (rua El-Rei D. Carlos I, n.º 59). Antes era rapazes contra rapazes nos serrados. Quando entrou a direcção (...) o Manuel da Costa (Morais), o Manuel ‘Milho Cozido’, ao depois começou a entrar outros mais altos para dentro também. (Testemunho, 13.05.2002) A gente jogava nas terras e fomos falar com o Senhor Faustino (de Lima), que tinha loja na rua Direita (rua de Nossa Senhora da Conceição, n.º 28-32), para pedir para jogar no campo das reses. A gente comprou camisas de meia brancas e botas velhas que o Mestre Manuel da Costa (Morais) consertava.

José Joaquim Pereira: (Testemunho, 24.09.1996. Estava a residir em Setúbal. Nasceu em 1922, em São José, Ponta Delgada. Já faleceu) Estava no 7.º Ano, em Ponta Delgada, com 17, 18 anos e já estava a jogar em 1939/40. Joguei até aos 29 anos a aproximar-me dos trinta. Deram-me um pontapé no joelho e deixei de jogar. Parece que foi o Morais (jogador do Águia) e dizem que foi de propósito.

Oscar Vitória: (Testemunho, 11.05.2002) As camisas eram de meia pintada de verde. Todas verdes. Os calções e os peúgos eram pretos.

Abel Soares: (Testemunho, 31.08.1996, nasceu no Algarve) Vim para a Ribeira Grande na tropa em 1941, no Inverno. Vinha pela rua Direita fora e distingui do Sporting a bandeira do Ideal. Passei a logo a ser sócio.

Manuel Correia da Silva: (Testemunho, 1996) O equipamento já não foi comigo, foi com o Manuel da Costa (Morais). (Que idade tinha?) Nessa altura tinha aí 19 anos. Foi antes de ir para a tropa. Fui em 1942 (incorporado em 30.10.42). Nessa altura o Ideal (Novo) já estava formado.

As botas e a bola?

António Santos: (Testemunho, 11.05.2002) Eu jogava para as Capelas com as botas da tropa. Ou sapatos velhos nos pés. Quando chegava a casa a minha mãe lavava e dava lustro para eu ir para a cidade (esteve 9 meses a um ano no quartel de São João, em Ponta Delgada). Era Ideal, mas mal amanhado, antes da entrada do Manuel ‘Garrida’ (Manuel de Sousa Pereira). Quando ele entrou, ele veio ter comigo mais o Manuel da Costa (Morais) ao quartel de São João para tirar as medidas para as botas. Nessa altura, o clube e tudo passou a ser como deve ser. Já era na rua Direita (rua El-Rei D. Carlos I, n.º 59). A bola, a maioria, era feita pelo José Leite (José Paiva Cabral). Havia uma nova, de fora, até o José Correia (guarda-redes do Águia) tinha medo dela. As outras eram às vezes cada ‘bexiga’.

E a sede?

António dos Santos: (Testemunho, 29.08.1996) Não havia clube, era na própria loja do ‘Milho Cozido’. Quando entrou o cabo ‘Garrida’ é que se arrendou aquele clube (rua El-Rei D. Carlos I, n.º 59). Lembro-me do clube estar na rua do Gouveia, ao pé do Mestre Eduíno (rua Conde Jácome Correia, n.º 59). Era uma casa pequena, não tinha loja. E ao lado do ‘Garrida’, na casa do Sr. Cabral (rua do Passal, n.º 24?). Um quarto pequeno. Nunca entrei lá, era uma criança. (Não se lembra do clube ter estado na rua do Botelho)

Manuel Correia da Silva: (Testemunho, 1996) (na rua El-Rei D. Carlos I, n.º 59) Isso já foi com esse Manuel da Costa (Morais). Ele é que fundou isso. Ele é que fez aquele clube. (e antes?) Aqui e ali. Lembro-me do Manuel ‘Milho Cozido’, o pai tinha uma taberna na rua Direita (rua El-Rei D. Carlos I, n.º 28). Era aí que se combinava os jogos nas Capelas e aí que os jogadores se vestiam. O Manuel ‘Garrida’ tomava conta do clube novo.

Oscar Vitória: (Testemunho, 11.05.2002, nasceu em 27.04.1924) Quem armou o Ideal Novo foi o Manuel ‘Milho Cozido’ (Manuel Moniz Soares de Melo), tinha uma loja onde hoje mora o Viriato Moreira (rua El-Rei D. Carlos I, n.º 28). Nessa altura o clube era num quarto da casa da ‘Bica’ (Beatriz da Silva Horta, rua do Botelho, n.º 10). Um quarto de baixo. Eu tinha para aí uns 15 anos, mais ou menos. Tinha duas meia-portas e a de cima era de vidro. O piso era de terra batida. Era só um quarto Fizeram prateleiras para colocar as botas e os equipamentos. O contínuo morava duas casas acima do Asilo das Meninas (rua do Botelho, n.º 35). Era engraxador. Puxava por uma perna. Chamava-se Manuel da Ponte? Era só para vestir e despir. Teve lá mais de ano. De certeza. Ia jogar para a Lagoa e Capelas. Ia em carroças. A do meu padrinho Vargas e a do Tio João Lagoa.

Álvaro Moura: (Testemunho, 28.01.1996. Nasceu na Conceição em 1 de Novembro de 1927) Comecei em criança, talvez dez, onze anos, a ir para o campo dos porcos. Ou menos. (Testemunho, 17.08.1996) (...) (Nessa altura o Águia estava aberto?)

Estava aberto porque os tropas vieram para aqui em 39 ou 40, o Ideal já estava ali por cima dos moinhos (rua El-rei D. Carlos I, n.º 59). O Dr. José Tavares é quem arrendou a 50$00 em 1931 (?), depois a 100$00 e quando ele faleceu estava a 200$00. Ficaram todos contentíssimos. Na altura era Presidente o Manuel de Sousa Pereira, o cabo ‘Garrida’, da Junta Geral, o Manuel da Costa Morais, sapateiro, e o Guilherme do Rego. Reconheço estes. Se havia mais alguém, não sei. O Jaime Paulo esteve quando o clube foi para a rua Direita (rua El-Rei D. Carlos I). O Manuel da Costa é quem recebeu a chave. Antes disso o Ideal tinha uma sede, um quarto mal amanhado na casa da Beatriz ‘Bica’ (da Silva Horta), na rua do Botelho (n.º10). Esteve na casa do Hermano Grota, segundo me disseram os mais antigos.

Capítulo IX

Oficialização do Ideal e do Águia: gémeos rivais

Em 1948, escrevia-se no Correio dos Açores, que o Águia e o Ideal estavam ‘em vésperas de serem oficializados’ na Associação de Futebol de Ponta Delgada [passou a denominação de S. Miguel para de Ponta Delgada]. Em Outubro daquele ano, informava-se no Açores que estes ultimavam o seu processo de candidatura. Todavia, em Agosto de 1949, tal não se verificara: ‘Foi, há muito, propalada a notícia de que os dois – clubs locais tinham os seus Estatutos aprovados e que seriam brevemente inscritos na Associação de Futebol de Ponta Delgada. Tal facto, porém, não se deu, até hoje, e estamos sempre na mesma: cada um dos grupos só tem em vista derrubar o outro, sem qualquer ideal que não seja a vingança e contra vingança. Estas circunstâncias são bem contrárias ao espírito e finalidade do desporto e à superior orientação que, por o país, lhe estão dando!’

Oficialmente, só a partir de Junho de 1951, o Ideal decide pedir a sua adesão (o Águia também) à Associação de Futebol de Ponta Delgada, como se depreende de acta assinada pelo seu Presidente, Artur de Medeiros Brilhante. Assinam igualmente Manuel Nunes Coelho, presidente da Assembleia Geral, António Augusto da Mota Moniz e Manuel António Cansado Chorão. A Direcção era constituída por Artur de Medeiros Brilhante, Humberto Miranda, Carlos Cristiano Pacheco, Manuel dos Santos Gouveia e Aurénio Aires da Ponte Furtado. O Conselho Fiscal era formado por Domingos Amaral, Manuel de Sousa Silveira e Álvaro Cordeiro. Vem datado de 19 de Outubro de 1951. Conhecem-se, de facto, quer para o Ideal quer para o Águia, estatutos de 1951.

Ideal e Águia, de acordo com a acta n.º 11, fl.33, lv.12, da Associação de Futebol de Ponta Delgada, de 11 de Dezembro de 1951, são a partir daquela data admitidos. A acta reza assim: ‘(...) foi aprovada por esta Direcção a filiação dos Clubes da Ribeira Grande, Águia Futebol Club e Ideal Futebol Club.’ Porém, em Outubro de 1952, de acordo com a Acta n.º 2 da mesma Associação de Futebol, os dois clubes ribeiragrandenses, apesar de filiados não podem ser considerados inscritos.

A Fusão dos gémeos rivais: em busca de melhores perspectivas

Estariam, com a inauguração do Campo de Jogos Municipal e com duas equipas minimamente estáveis, em princípio, reunidas as condições para que finalmente o futebol pudesse medrar na Ribeira Grande ao nível de Ponta Delgada e da Lagoa, contudo, tal não viria a suceder nos tempos mais próximos. Faltavam recursos aos clubes e os contingentes continentais haviam há muito regressado a casa. Além de que, muitos jovens à procura de melhores condições de vida rumaram a Santa Maria, à Terceira, ao Canadá e aos Estados Unidos, os novos ‘El Dorados’.

A realidade era dura. Apesar do novo campo e apesar de melhoramentos nos dois clubes rivais, face à realidade de Ponta Delgada e mesmo à da Lagoa, nesta última Vila o Grupo Recreativo e Desportivo os Leões fora admitido como membro da Associação de Futebol de Ponta Delgada em 25 de Novembro de 1947 e o Club Operário Desportivo em 9 de Março de 1948, além do mais, o Campo da Mocidade Portuguesa, na Lagoa, havia recebido beneficiações em 1948, o Campo Marquês Jácome Correia fora inaugurado em 23 de Janeiro de 1946, o futebol na Ribeira Grande não ‘atava nem desatava’. Por conseguinte, com o manifesto desejo de tornar mais competitivo o futebol local, um grupo de ribeiragrandenses, entre os quais a autarquia local e o Padre Edmundo Pacheco, que viria a ser o futuro Presidente do novo clube, propõem a reunião do Águia e do Ideal. Para este fim, a Assembleia Extraordinária do Ideal, de 30 de Abril de 1956, discute e delibera “ (…) a fusão desta agremiação desportiva à do Águia Futebol Clube (...). A maioria dos sócios presentes em número de vinte, concordaram na referida fusão, a qual deverá actuar no início da próxima época.’Assinaram: Manuel Nunes Coelho (presidente da Assembleia) Jaime Melo, Jaime Oliveira Rocha, José Francisco de Melo, Artur Medeiros Brilhante, Francisco Leite Ribeiro, Luís Augusto da Ponte Furtado, entre outros. Nem assim, como veremos em próximo trabalho, seria suficiente.

Fio condutor

Porventura o fio condutor que perpassa por todo o esforço de organização do futebol da Ribeira Grande, desde que o futebol passou a ser jogado na ilha, será o manifesto desejo de estar a par do desenvolvimento futebolístico de Ponta Delgada. Só o conseguiria timidamente na década de sessenta e decisivamente a partir de meados da de setenta, para entrar em declínio nos inícios da de noventa. O fracasso da década de trinta provocaria um autêntico trauma e, por certo, explicará o atraso nas três décadas seguintes. A partir de então, nunca mais seria tentada a criação de organismo idêntico na Ribeira Grande. Na de quarenta e na de cinquenta, tenta-se dar novo fôlego, a par das equipas da Vila da Lagoa, debalde. Enquanto que Leões e Operário conseguem-no na de quarenta, chegando mesmo o último a ser campeão, as da Ribeira Grande marcam passo. Águia e Ideal, apesar dos esforços, tardam em entrar na Associação e quando o conseguem descobrem as suas ‘poucas forças’, decidindo por isso juntar-se. Na de quarenta, enquanto o corpo expedicionário esteve estacionado na ilha, abundavam recursos humanos, mas faltavam os económicos. Após este período, faltaram recursos humanos e continuaram a faltar os económicos. Muitos jovens ribeiragrandenses migraram para as Ilhas de Santa Maria e Terceira, alguns de reconhecida valia, como é o caso de António Teófilo. Ou até para a Lagoa, no caso de Manuel Câmara Correia, onde encontram emprego na fábrica. Ou emigraram para o Canada e Estados Unidos. Seria um novo falhanço.

1Tal como Ideal Novo, assim designado por António Santos, Manuel Correia da Silva e outros, para distingui-los no tempo.

2 O Distrito, 22 de Novembro de 1933.

3 Correio dos Açores, 10 de Novembro de 1933, fl.4.

4O Distrito, 2 de Dezembro de 1933.

5O Distrito, 17 de Janeiro de 1934.

6A Razão, 31 de Janeiro de 1934, fl.2.

7 AAFPD, Acta n.º 1, fl.1, lv.1, 14.04.1923. Em Abril de 1923 o Açor Sport Club da Ribeira Grande já estava activo. E em Agosto daquele ano o Praia. Em Setembro o Estrela Sport Club. A 28 de Novembro o Praia Sport Club pede a sua adesão à AFPSM. A 8 de Maio de 1929 inscreve-se o Águia Sport Club. Também naquele mês e ano consta o Artista Sport Club. Pouco depois diz-se que os clubes da Ribeira Grande, por não terem apresentado a documentação exigida, não estão inscritos. A acta de 24 de Dezembro de 1929 da AFSM refere a expulsão dos clubes União Micaelense e Clube Desportivo Santa Clara. Naquele mês já existe a Liga Desportiva Micaelense onde estão inscritos o Praia e o Artista. Daremos mais pormenores em próxima edição.

8Arquivo da Associação de Futebol de S. Miguel, ofício da Liga Desportiva da Ribeira Grande, 21 de Abril de 1933.

9A Razão, 30 de Novembro de 1933

10 O Distrito, 31 de Janeiro de 1934.

11 O Distrito, 23 de Junho de 1934.

12Diário dos Açores, 8 de Julho de 1933, fl.2.

13 Correio dos Açores, 8 de Outubro de 1933, fl. 4.

14 Correio dos Açores, 28 de Outubro de 1933, fl.4.

15 A Razão, Ribeira Grande, 31 de Outubro de 1933, fl.3.

16 AFGP, Ofício dirigido à Empresa Tomaz & Peixoto, 9 de Janeiro de 1934

17 O Distrito, 7 de Julho de 1934.

18Arquivo Museu da Ribeira Grande, Fundo Peixoto de Oliveira.

19 O Distrito, 23 de Junho de 1934.

20 O Distrito, 7 de Julho de 1934.

21 Diário dos Açores, 30 de Abril de 1938, fl.2; 31 de Agosto de 1940, fl.3.

22 A Ilha, 30 de Novembro de 1940, fl.11.

23‘(João Luís Medeiros) Nasci em 1919. Em 1928/29 fui para o Liceu estudar. No meu 4.º 5º Ano fui jogar para o União Micaelense, que era, grosso modo, constituído por estudantes, e já estava lá a jogar quando assisti por diversas vezes em Ponta Delgada a vários jogos de uma equipa da Ribeira Grande, a que chamavam ‘Grupo dos Padeiros’. Neste jogava gente da Conceição e da Matriz, da rua do Saco. Lembro-me que o Santos e o Humberto Capelas jogavam aí. Comecei a jogar com 17/18 anos, portanto, deveria de ter sido por volta de 36.’

24 Diário dos Açores, 15 de Março de 1941.

25 Diário dos Açores, 15 de Março de 1941.

26 Diário dos Açores, 12 de Abril de 1941.

27 A Ilha, 29 de Março de 1941, fl.10.

28 Diário dos Açores, 24 de Dezembro de 1941.

29 Diário dos Açores, 15 de Janeiro de 1942, fl.2.

30 AMRG, Livro de Actas, liv.78 – 9.06.1948 – 28.02-1951, fl.98v..

31 AMRG, Actas, lv.78.

32 Correio dos Açores, 13 de Dezembro de 1949, fl.3.

33 A Ilha, 17 de Dezembro de 1949, fl.4.

34 Diário dos Açores, 30 de Junho de 1951, fl.1.

35 Correio dos Açores, 8 de Julho de 1951.

36 Diário dos Açores, 30 de Junho de 1951, fl.1.

37 Correio dos Açores, 8 de Julho de 1951.

38 Idem.

39 Correio dos Açores, 18 de Fevereiro de 1948, fl.3.

40 Açores, 26 de Outubro de 1948, fl.1.

41 Diário dos Açores, 6 de Agosto de 1949, fl.2.

42 Correio dos Açores, 8 de Outubro de 1932, fl.2.

43 Correio dos Açores, 15 de Março de 1933.

Capítulo X

Em busca do Águia e do Ideal III: a memória escrita

Futebol Clube da Ribeira Grande (1956-1961): A História de uma desilusão

Porquê juntar os trapinhos?

‘O campo que nunca chega

o campo que já chegou

Teófilo está no Águia

e Ideal arrebentou!’

Segundo o Padre Edmundo Manuel Pacheco, primeiro Presidente eleito do Futebol Clube da Ribeira Grande (Testemunho: 12.06.2002), ‘o Governador Civil de então, Dr. Carlos Paiva, tomou a iniciativa de fundir clubes de futebol da ilha de S. Miguel. Previa-se para Ponta Delgada três grupos dos cinco existentes e para a Ribeira Grande apenas um, fundindo-se por conseguinte, Águia e Ideal. Porque existiriam clubes a mais para os recursos disponíveis. Seria bom, caso se se quisesse tornar o futebol mais competitivo, reunir esforços. Consegue-se atingir este desígnio na Ribeira Grande, mas não em Ponta Delgada. Não me recordo quais os grupos que se opuseram, se não me erra a memória, desapareceriam o União Sportiva e o Micaelense’.

Águia e Ideal, apesar dos esforços, não tinham tido qualquer sucesso na Associação de Futebol de Ponta Delgada. Os dirigentes dos dois clubes, presumirem ser um bom negócio para o futebol de Ribeira Grande, ‘juntar os trapinhos.’

Preparativos: Fusão e criação

do novo clube

E assim foi. Em Acta da Câmara Municipal de Ribeira Grande, de 14 de Março de 1956 (AMRG, liv. 82, fl.81), esta autarquia transcreve o teor de carta de dirigentes do Águia e do Ideal, na qual expunham ‘a necessidade dos mesmos grupos se fundirem num só e pedindo autorização para no Salão da Biblioteca Municipal realizarem uma reunião (...) presidida pelo Excelentíssimo Presidente desta Câmara’. A Câmara, na mesma acta, ‘deliberou ceder o Salão da Biblioteca, para tal fim e o Excelentíssimo Presidente ficou de ir assistir à reunião.’ A Biblioteca Municipal situava-se, então, na rua de Nossa Senhora da Conceição.

Notícia de 7 de Abril, vinda a lume no Açoriano Oriental, porém, ainda referia a participação do Ideal e do Águia, na condição de extra-torneio, na Taça Venezuela. Todavia, não temos notícia de que tal jogo se tenha efectuado.

Seja como for, a Assembleia Extraordinária do Ideal, de 30 de Abril de 1956, desconhecemos se houve uma para o Águia, discute e delibera “(…) a fusão desta agremiação desportiva à do Águia Futebol Clube (...) A maioria dos sócios presentes em número de vinte, concordaram na referida fusão, a qual deverá actuar no início da próxima época.’ Entre os que assinaram, reconhecem-se: Manuel Nunes Coelho (presidente da Assembleia) Jaime Melo, Jaime Oliveira Rocha, José Francisco de Melo, Artur Medeiros Brilhante, Francisco Leite Ribeiro e Luís Augusto da Ponte Furtado.

O Diário dos Açores, de 9 de Julho, anota que o Clube Desportivo Santa Clara havia vencido a 8 de Julho por 3-1 ‘um misto daquela vila’. Seria já o embrião do Futebol Clube da Ribeira Grande? Provavelmente.

Preparativos: processo de

legalização do clube

Porém, só em Novembro, numa terça-feira, realizar-se-iam as eleições para os corpos gerentes do novo clube, conforme o jornal A Ilha de 10 de Novembro de 1956. Repetir-se-iam para cumprir com formalidades impostas pela Associação de Futebol de Ponta Delgada.

Na Acta n.º 3, da Associação de Futebol de Ponta Delgada, de 9 de Outubro de 1956, regista-se a filiação do Clube de Futebol ‘Vasco da Gama’, com sede em Vila Franca do Campo. Seria um dos grupos adversários do Ribeira Grande. Nesta mesma acta assinalava-se que Francisco Inácio Machado representaria aquela associação na Ribeira Grande. Refere também os representantes das Vilas de Lagoa e Vila Franca do Campo, bem como anuncia um Festival de Abertura a ter lugar no Relvão.

A 16 de Outubro, de 1956, todavia, na Acta n.º 4, da Associação de Futebol de Ponta Delgada, excluía-se dos oitavos de final o Futebol Clube da Ribeira Grande, ‘que só entrará (ria) nos quartos de final se até à semana antecedente da realização dos jogos se oficializar a sua situação.’ Já entrava, porém, o Vasco da Gama.

Ainda a 14 de Novembro de 1956 (AMRG, Actas, liv. 83, fl. 26), apesar da fusão dos dois clubes, talvez para cumprir com compromissos anteriores, cujo montante se destinaria por certo ao pecúlio do novo clube, a autarquia atribuía às direcções do Águia e do Ideal ‘a importância de quinhentos escudos proveniente de subsídio votado.’ Para a época de 1956/1957, de acordo com Livro de Directores, 1936-37 – 1988-1989, da AFPD, José Francisco de Melo é nomeado Delegado na Ribeira Grande daquela associação. No mesmo livro exaram-se os nomes dos corpos directivos do Futebol Clube da Ribeira Grande para a época de 1956-1957. Inclui-se o nome de José Aníbal de M. Ponte, treinador do mesmo clube.

Corria-se contra o tempo, pois, só a 21 de Janeiro de 1957 é assinada a acta oficial de constituição do novo clube. É de 18 de Fevereiro a Declaração, reconhecida notarialmente, enviada pelo Presidente da Direcção, Padre Edmundo Manuel Pacheco, ao Presidente da Associação de Futebol de Ponta Delgada. Nesta, o Presidente do clube declarava que aquela agremiação desportiva ainda não dispunha de ‘Regulamento Interno aprovado superiormente.’ No mesmo processo, declarava-se que, além de referir que o Padre Edmundo Manuel Pacheco é presidente do clube e que este tem sede na rua 5 de Outubro, n.º 59, que fora a do Ideal, ‘três divisões, respectivamente – Gabinete da direcção – sala de jogos, balneário e vestuário.’ Acrescenta-se adiante que o clube utilizará o campo de Jogos Municipal, que o azul e o branco são as cores do Futebol Clube da Ribeira Grande, tendo este ‘actualmente 135 sócios efectivos.’ Não refere, todavia, que as cores foram escolhidas para representar as do Concelho. No referido processo, também se apensou Cópia da Acta número um da Assembleia Geral do Futebol Clube da Ribeira Grande, celebrada no dia 21 de Janeiro de 1957.’

Reza assim, seria a formalização necessária do já divulgado pela Ilha de 10 de Novembro: ‘(...) na sede do FUTEBOL CLUBE DA RIBEIRA GRANDE, sita na Rua cinco de Outubro, número cinquenta e nove, reuniram-se em primeira convocação, pelas vinte e uma horas, a Assembleia-Geral composta pelos seguintes sócios contribuintes e ordinários Senhores Padre Edmundo Pacheco, Mário Raposo Moura, Aurénio Aires da Ponte Furtado, Fernando Correia da Silva, Alberto da Câmara Rita, Francisco Leite Ribeiro, Carlos Cristiano Pacheco, José Augusto Costa, Manuel dos Santos Garcia, Plínio Maria de Medeiros Ponte, Fernando Alberto Alves, José Francisco da Ponte, Carlos da Silva Gouveia, João Alves da Silva, Evaristo Pereira Furtado, Rodrigues Roque, Francisco Inácio Machado, Luís Filipe Borges Miranda, Manuel de Medeiros Borges, Álvaro Raposo Moura, Manuel Carvalho, Jaime Borges da Silva, Sérgio Marques Pereira e Diniz de Sousa Furtado.’ E refere que ‘sendo esta reunião da Assembleia-Geral a primeira a realizar na vida oficial deste Clube desportivo, e não havendo ainda Corpos Gerentes devidamente oficializados, foi por unanimidade dos sócios presentes eleito para presidir esta Assembleia-Geral, o Senhor Padre Edmundo Manuel Pacheco, escolhendo para secretariar a mesma os sócios senhores José Augusto Costa e Manuel dos Santos Garcia (...) pelos sócios presentes foram apresentadas várias listas com indicação de alguns nomes de sócios para fazerem parte dos Corpos Gerentes e de entre as listas presentes foram eleitos por unanimidade os seguintes sócios: - PARA A ASSEMBLEIA-GERAL – Doutor Lucindo Rebelo Machado, Doutor Joaquim Forte Sampaio Rodrigues e Plínio Maria de Medeiros Ponte. – PARA A DIRECÇÃO – Padre Edmundo Manuel Pacheco, Francisco Leite Ribeiro, Mário Raposo Moura, Manuel dos Santos Garcia e Aurénio da Ponte Furtado, - SUPLENTES DA DIRECÇÃO – Alberto da Câmara Rita e Manuel de Medeiros Borges. – PARA O CONSELHO FISCAL – Gabriel Raposo de Melo, José Augusto Costa e Manuel Carvalho. Ficando, pela mesma Assembleia-Geral, deliberado, que os cargos dos primeiros Corpos Gerentes do FUTEBOL CLUBE DA RIBEIRA GRANDE, fossem distribuídos da seguinte Forma: ASSEMBLEIA-GERAL: - Presidente, Doutor Lucindo Rebelo Machado, Primeiro SECRETÁRIO; Doutor Joaquim Forte Sampaio Rodrigues; SEGUNDO SECRETÁRIO; Plínio Maria de Medeiros Ponte. – DIRECÇÃO; - Presidente: - Padre Edmundo Manuel Pacheco; Vice-Presidente – Francisco Leite Ribeiro; Primeiro Secretário – Mário Raposo Moura, Segundo Secretário – Manuel dos Santos Garcia, Tesoureiro – Aurénio Aires da Ponte Furtado, SUPLENTES DA DIRECÇÃO: - Alberto da Câmara Rita e Manuel de Medeiros Borges, CONSELHO FISCAL: - Presidente, Gabriel Raposo de Melo; Secretário; José Augusto Costa; Relator – Manuel Carvalho.’ Lavrou e assinou a acta Manuel dos Santos Garcia. Terá sido uma Direcção de compromisso, uma que agradasse aos ex-membros do Ideal e do Águia.

Legalização do clube nas instâncias competentes: início de actividade

A Acta n.º 20 da FPF, de 23 de Fevereiro, regista a filiação do Futebol Clube da Ribeira Grande nestes termos: ‘aceitar e comunicar à Federação Portuguesa de Futebol, a filiação do Futebol Clube da Ribeira Grande.’ Nesta mesma, delibera organizar um festival desportivo para a Ribeira Grande. Para assinalar a fusão do Águia e Ideal, e para marcar o início do novo clube, decorreu no dia 3 de Março de 1957, no Campo de Jogos Municipal da Ribeira Grande, duas partidas: pelas 14 horas, jogaram Clube União Desportiva e Clube União Micaelense, às quinze e quarenta e cinco, Futebol Clube da Ribeira Grande e Clube Desportivo Santa Clara (Acta n.º 21, liv. 14, fl. 14v., Associação de Futebol e Ponta Delgada). Apesar de derrotados por três a zero, a réplica dada pelo Ribeira Grande augurava-lhe um bom futuro (Correio dos Açores, 5 de Março de 1957, fl.1).

Início da competição oficial:

II Divisão da AFPD

A 19 de Fevereiro, na acta n.º 19 da AFPD, divulgava-se a composição das equipas inscritas naquela Associação para os campeonatos das I e II Divisões. I Divisão: Marítimo Sport Club, Clube União Micaelense, Micaelense Futebol Clube; Clube União Sportiva e Desportivo Santa Clara. Na II: Grupo Recreativo Desportivo os Leões, Clube Operário Desportivo e Futebol Clube da Ribeira Grande. Juntar-se-lhes-ia o Vasco da Gama.

O primeiro encontro a contar para o Campeonato Distrital da II Divisão, contra Os Leões, o Ribeira Grande impôs-se ao adversário com um rotundo e incontroverso cinco a zero (Correio dos Açores, 16 de Abril de 1957, fl.1). Continuava a pairar sobre o novo clube um futuro promissor. E o Operário outros tantos ao Vasco da Gama de Vila Franca do Campo, que entretanto, entrara. Mas, pouco depois, começam a surgir os castigos: a 23 de Abril, a Associação deliberou aplicar uma multa de duzentos escudos ao Ribeira Grande, por ter feito alinhar dois jogadores em situação irregular (Acta n.º 31). Na segunda partida, realizada na Ribeira Grande frente ao Operário, perdem por cinco a um (Correio dos Açores, 24 de Abril de 1957, fl.1). Este clube lagoense, como se veria, pertencia a outro campeonato. Aliás, o Operário, como se diz na gíria futebolística, sagrar-se-ia campeão da II Divisão (Acta n.º 38, liv.14, Associação de Futebol). O Ribeira Grande, ficaria num modesto, mas ainda assim, honroso terceiro lugar. A esperança continuava viva. O Operário, por seu turno, ao derrotar o Micaelense Futebol Clube, penúltimo classificado da I Divisão, conquistou o direito de, na época de 1957/1958, ascender à I Divisão Distrital (Acta n.º 43, fl. 33, liv. 14, 2 de Julho de 1957).

A 14 de Maio de 1957, José da Câmara Vieira, conhecido por José Correia, guarda redes do Futebol Clube da Ribeira Grande, é convocado para a selecção de S. Miguel (Acta n.º 34, liv.14, 7 de Junho de 1957, Associação de Futebol).

O II Campeonato Distrital começaria, conforme marcação da Associação de Futebol, consulte-se Acta n.º 1, liv.14, 8 de Outubro de 1957, a 20 de Outubro. Nele participariam dois clubes que haviam baixado de escalão: Micaelense e União Sportiva. Este último, por ter ficado em último lugar da I Divisão, conforme os regulamentos da prova, baixara, sem mais, de divisão. O II Campeonato, no que concerne o Ribeira Grande, foi de novo uma desilusão: o G. D. R. Os Leões, da Lagoa, conquista o campeonato da II Divisão e o Futebol Clube da Ribeira Grande fica em segundo lugar, a dois pontos do vencedor (Açoriano Oriental, 4 de Janeiro de 1958, fl.2). O Vasco da Gama desistira e os dois clubes de Ponta Delgada, Micaelense e União Sportiva, ficaram atrás dele. Porém, uma reclamação considerada procedente, atiraria o Ribeira Grande para terceiro lugar (Acta n.º 17, liv. 14, Associação de Futebol de Ponta Delgada, 14 de Janeiro de 1958). A 5 de Janeiro, começara o Torneio Distrital de qualificação à Taça de Portugal (Diário dos Açores, 4 de Janeiro de 1958, fl.4). Nesta prova, após o desânimo causado pelo insucesso das duas épocas precedentes, poder-se-á dizer que o sonho começa a desmoronar. Em seis jogos disputados, o Ribeira Grande averbaria seis pesadas derrotas (Acta n.º 23, liv. 14, Associação de Futebol, 25 e Fevereiro de 1958). E, por castigos a jogadores, chovem multas (Acta n. 31, liv. 14, Associação de Futebol PD, 2 de Abril de 1958). Desiste de um jogo com o Micaelense, conforme acta da Associação de 25 de Junho de 1958. Apenas com um ponto, queda-se na última posição da Taça de Seguros Império (Correio dos Açores, 1 de Julho de 1958). Oito jogadores do Ribeira Grande são castigados pela Associação de Futebol com multa e ameaça de suspensão (Acta n.º 42, fl. 74, liv. 14, Associação de Futebol PD, 2 de Julho de 1958). A época de 1958/1959, não lhe correria de melhor feição. A Acta n.º 6, da Associação de Futebol PD, de 20 de Outubro, suspende por um jogo um atleta do Ribeira Grande, acta n.º 11, de 25 de Novembro, e declara o União Sportiva campeão da II Divisão. O Ribeira Grande é o ‘lanterna vermelha’, averbando seis derrotas em seis jogos. Acentuava-se a queda. No Torneio de Apuramento à Taça de Portugal, apenas com dois pontos, fica de novo em último. Ganhou o União Micaelense. É aplicada pela Associação de Futebol de Ponta Delgada uma pena suspensa até ao final da época a dois jogadores do Ribeira Grande (Acta n.º 27, liv. 14, 10 de Março de 1959).

A Associação promoveu um Campeonato das Vilas, Acta n. 13, liv. 15, Associação de Futebol PD, 9 de Dezembro de 1959, e nele participariam o Operário Desportivo, Os Leões e o Ribeira Grande. A 15 de Dezembro, a Associação pune o Tesoureiro do Ribeira Grande e vários jogadores do clube (Acta n. º 14). A Associação informa, Acta n. º 20, de 19 de Janeiro de 1960, que os troféus a atribuir aos vencedores dos Campeonatos de Ponta Delgada e das Vilas, seriam atribuídos aos clubes que vencessem as provas em dois anos consecutivos ou em três alternados. O vencedor do Campeonato das Vilas seria o Operário e o Ribeira Grande, mais uma vez, ocuparia o último lugar (Acta n.º 21, liv. 15, 26 de Janeiro de 1960). O de Ponta Delgada seria conquistado, por seu turno, pelo União Sportiva. A 4 de Fevereiro, Acta n.º 25, liv. 15, são aplicadas mais punições a jogadores do Ribeira Grande. E ainda outras a 15 de Março.

Canto do Cisne

O Campeonato da II Divisão, de 1960, conforme Acta n.º 31, 29 de Março de 1960, da AFPD, seria disputado entre o Marítimo, Os Leões, o Futebol Clube da Ribeira Grande e o Clube Desportivo Santa Clara. Ainda outra punição, conforme Acta n.º 38, de 23 de Maio de 1960.

Ao fim de quatro jornadas sem qualquer vitória, com apenas três bolas marcadas contra dezoito sofridas, arrostando com inúmeros problemas disciplinares, sem atletas, com problemas de tesouraria e reduzido a um ou dois dirigentes, o Futebol Clube da Ribeira Grande (Correio dos Açores, 18 de Junho de 1960, fl.1) solicita à Associação de Futebol desistência da prova. Porém, com prudência, para evitar eliminação durante épocas consecutivas, a Associação aconselha os dirigentes do Ribeira Grande de, em vez da desistência, para dar tempo a resolver problemas, a pedir ‘suspensão legal da sua participação naquela prova.’ Tal, mediante a liquidação de multa de quinhentos escudos até trinta dias do mês de Junho. O que é oficializado na Acta n.º 48, liv.15, de 21 de Junho de 1960. O campeonato de 1959-1960 da segunda divisão é ganho pelo Santa Clara e o da primeira, da mesma época, pelo Operário (Acta n.º 49, liv. 15, 28 de Junho de 1960). Sai, em 1960, em sorteio o primeiro lugar ao Ribeira Grande para o Torneio de Abertura das Vilas (Acta n.º 2, liv. 15, Associação de Futebol PD, 18 de Outubro de 1960). Novas suspensões, até resolução posterior, de dois jogadores do Ribeira Grande (Correio dos Açores, 20 de Janeiro de 1961).

Lucindo Rebelo Machado, Presidente da Assembleia Geral, convoca a 25 de Janeiro de 1961, uma Assembleia Geral do clube, para o dia 31, pelas 20 horas, na sede do clube, sita à rua 5 de Outubro para tomar conhecimento e aprovar as contas da Direcção e receber parecer do Conselho Fiscal, bem como eleger os corpos gerentes (Correio dos Açores, 26 de Janeiro de 1961).

A 5 de Fevereiro começa o Campeonato de Ponta Delgada e das Vilas. O Ribeira Grande participa. O primeiro classificado do Campeonato das Vilas teria acesso à primeira Divisão (Diário dos Açores, 4 de Fevereiro de 1961).

Entretanto, o Ribeira Grande participa no Torneio de Classificação à Taça de Portugal (Correio dos Açores, 18 de Fevereiro de 1961). No rescaldo de um jogo disputado com o Operário, o campo de Jogos Municipal, de acordo com Acta n.º 34, liv. 15, Associação de Futebol PD, de 25 de Abril de 1961, é interditado por um jogo e cinco atletas do Ribeira Grande sofrem de um a oito jogos de castigo. O clube tem de pagar uma multa de 100$00. Entretanto, Os Leões desistem (Correio dos Açores, 2 de Maio de 1961). Tal como o Vasco da Gama o havia já feito antes. Restava o Ribeira Grande. Este, não obstante dificuldades de tesouraria e de falta de atletas, inicia a 21 de Maio a sua participação em nova edição do Campeonato da II Divisão Distrital (Diário dos Açores, 20 de Maio de 1961). Os Leões desistem do campeonato (Acta n.º 38, liv. 15, Associação de Futebol, 23 de Maio de 1961). O Micaelense, que se sagraria campeão da II Divisão, goleia por sete a zero o Ribeira Grande. São expulsos atletas ribeiragrandenses por agressão a adversários (Correio dos Açores, 3 de Junho de 1961).

Últimos momentos de vida

Lê-se no Diário dos Açores, de 5 de Junho, que ‘no Campo Marquês de Jácome Correia deveriam ter jogado ontem (dia 4) Marítimo e o Ribeira Grande, um jogo a contar para o campeonato Distrital da segunda divisão. Mas o Ribeira Grande desistiu, marcando o Marítimo os pontos respectivos (...).’ No mesmo jornal, mas na edição de 17 daquele mês, explicava-se a razão pela qual o Micaelense não teria de disputar mais jogos para se sangrar campeão: ‘porque a equipa do Futebol Clube da Ribeira Grande desistiu da segunda volta do Campeonato Distrital da II Divisão (...).’ A 15, em acta n.º 41 da AFPD, aceitavam-se os ‘motivos justificados que levaram o Futebol Clube da Ribeira Grande a desistir dos jogos da segunda volta (...).’

No jogo agendado para o dia 15 de Junho, dedicado às vítimas ‘do terrorismo’, o Ribeira Grande não participaria (Diário dos Açores, 3 de Junho de 1961).

Capítulo XI

De novo separados: cada um para seu lado

Fim do sonho e reaparecimento

do Águia e do Ideal

Estaria desfeito o sonho de uma equipa única na Ribeira Grande. A 29 de Junho reentravam em cena ‘velhos e relhos’ actores (Diário dos Açores, 27 de Junho de 1961): ‘Na próxima quinta-feira realizar-se-á na Vila da Ribeira Grande um encontro entre as antigas e rivais equipas Águia e Ideal, disputando-se duas Taças intituladas Taça Vítimas de Angola e Taça Presidente da Câmara, António Augusto da M. Moniz, cujo produto reverterá a favor das vítimas do terrorismo de Angola.’

O futebol na Ribeira Grande, tendo o sonho descambado em pesadelo, com a desistência do Futebol Clube da Ribeira Grande das competições da Associação de Futebol de Ponta Delgada, entraria, ainda que por um curto espaço de tempo, no purgatório sem futuro do designado futebol clandestino.

Porquê o fim? ‘Casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’.

A este respeito, Gustavo Moura, responsável pela secção desportiva do Diário dos Açores, em editorial vindo a lume na edição de 23 de Junho de 1961, explicava as razões do facto. ‘Não nos admira, pois, que o futebol clandestino tenha medrado por toda a ilha de São Miguel. Os clubes que o praticam e o estão desenvolvendo, ao verificarem o que tinham a fazer para a sua existência ser considerada legal devem ter ficado assustados, faltando-lhes, quem os orientasse e ajudasse.’

Os maus resultados goraram as expectativas de dirigentes, atletas e simpatizantes do Futebol Clube da Ribeira Grande, tendo estes, por seu turno, desencadeado, talvez por frustração, actos de indisciplina contra árbitros, adeptos contrários e adversários. A escolha de atletas de entre os grupos iniciais Águia e Ideal, a princípio algo pacífica, com o avolumar de insucessos, motivou da parte de atletas preteridos e de simpatizantes frustrados, o desejo de fazer reacender a velha chama clubística. No entender destes, e cada vez havia mais gente convencida desta verdade, a separação seria o melhor caminho. Achou-se então, a melhor maneira de tornar o futebol ribeiragrandense mais competitivo. Este tem sido, desde então, ao contrário do que sucedeu na Lagoa, ou em Ponta Delgada, o discurso mais persistente da Ribeira Grande. Além do mais, os simpatizantes e atletas apontavam o dedo ao atleta e simpatizante dos antigos clubes. Ouviam-se amiúde desabafos deste jaez: ‘se fossem só os do Águia, diziam alguns, ou se fossem só os do Ideal, diziam outros.’ De fora de Ponta Delgada, só sobreviveria o Operário, Vasco da Gama, Leões e Ribeira Grande ficaram pelo caminho. O Operário, não só pelo que a Fábrica local oferecia a potenciais atletas talentosos dos quatro cantos da lha, mas também pela dinâmica e persistência dos seus directores, constituiu desde a sua fundação um caso de reconhecido sucesso. Na prática, toda a contestação na Ribeira Grande, resultaria no ressurgimento dos dois rivais e o encetar de breve e inglória travessia pelo futebol clandestino até se acertar o passo a partir de 1963. A década de sessenta, como veremos em próximo trabalho, marcaria o início da caminhada rumo a um curto predomínio da Ribeira Grande no contexto do Futebol da ilha de São Miguel, em que Águia e Ideal dominaram nas décadas de setenta e oitenta o futebol na ilha. Mas aí as principais equipas da ilha já só pensavam na III Divisão Nacional.

José Furtado Cabral

Leccionou anos a fio, assim como a esposa, irmã do ‘Quim’, na Escola Central, onde ensinou o ‘bê-á-bá’ a centenas de miúdos, alguns dos quais viriam a ser seus colegas de equipa. Vestiu as camisolas do Ideal: metade branca e metade verde, toda branca e calções verdes, listada. Iniciou-se aos 16, 17 anos, no Ideal antes da ‘fusão’ com o Águia, jogou no Ribeira Grande, voltou a jogar no Ideal após a separação, foi dirigente. Chegou a representar o União Sportiva, então dirigido por Aurénio Furtado, que fora dirigente do Ideal e do Ribeira Grande e responsável pela reabertura do clube, até que foi dirigir o Lar Luís Soares de Sousa. E foi treinador de futebol. Em Setembro de 1975, mudou-se de ‘armas e bagagens’ para Ponta Delgada onde continuou, até se reformar, ligado ao Ensino Básico. A 17 de Julho completou sessenta e quatro anos de vida. Ajudou a debelar, mais João Moniz da Silva e Décio Borges da Ponte, uma das piores crises do Ideal. Falamos de José Furtado Cabral, nado e criado nas imediações do Largo de Santo André, na freguesia de Ribeira Grande – Matriz.

MM: Como chegou ao Ideal?

JC: Vivia em Santo André, local onde a rapaziada jogava muito futebol, rapaziada como eu, o António Teófilo, que foi um grande jogador, chegou a jogar a titular nas melhores equipas do Lusitânia. Quando desmancharam o Jardim de Santo André, a gente fazia daquele espaço o nosso campo. Até nas Poças ou mesmo no Palheiro. Muitos dos rapazes daí foram parar ao Águia e ao Ideal. Fui jogando e como fosse mostrando alguma aptidão, o Sr. Jaime Paulo, dirigente do Ideal, veio falar comigo. Deveria de ter uns 16, 17 anos. E assim entrei na equipa, ainda antes do Ribeira Grande.

MM: Em seu entender, por que razão Águia e Ideal se reuniram no Ribeira Grande?

JC: Vendo as coisas em retrospectiva, poderia apontar as seguintes: dificuldades financeiras dos dois clubes; saída de muitos jogadores para as equipas de Ponta Delgada, Lagoa e mesmo para as da Terceira. A emigração também ajudou; falta de habilitações literárias de muitos dos atletas, a quem se pedia a 3.ª classe; a Associação de Futebol de Ponta Delgada, por seu turno, informou a autarquia que não deveria autorizar a realização de jogos com equipas não filiadas, o que era o caso do Águia e do Ideal. O que foi posto em prática pela Câmara. E, para tentar resolver tudo isso, decidiu- se criar um clube único, clube que representasse as cores da terra: o azul e branco. E que usasse o nome da terra: Futebol Clube da Ribeira Grande. Assim foi. Os dois clubes aceitaram a ‘reunião’, foi feita a selecção do que se considerava ser os seus melhores atletas, atletas estes que deveriam ter a escolaridade mínima e filiou-se a nova equipa na Associação de Futebol de Ponta Delgada. Participou em campeonatos da II Divisão com equipas de Vila Franca, Lagoa e Ponta Delgada.

MM: No seu modo de ver, por que razão falhou?

JC: Apesar de tudo, os problemas do Águia e Ideal, agravados pelos maus resultados do Ribeira Grande, continuaram. As dificuldades financeiras continuaram, o que dificultava o pagamento dos treinadores e de outras despesas. À medida que os problemas foram surgindo, como sempre, muitos dirigentes foram-se afastando, ficando quase só o Aurénio Furtado e pouco mais. Este era uma ‘espécie de pau para toda a obra’. Às vezes até se afastava do clube, para logo regressar. Os jogadores também se foram afastando e o clube fechou.

MM: Que sucedeu a seguir?

JC: O clube fechou, só que muitos rapazes que gostavam de jogar futebol continuaram a jogar nas horas de lazer. Como o campo de jogos estivesse aberto, para matar o vício, faziam-se partidas de futebol à tarde e aos fins de semana. Muitos destes jogos eram seguidos por antigos dirigentes do Águia e do Ideal, estes um dia resolveram ‘dar a cara’ e foram ao campo falar com os rapazes. Entre os que me lembro, recordo os senhores Aurénio Furtado, ligado ao Ideal, e Viriato Moreira, ligado ao Águia. Decidiram, com os jogadores existentes, formar duas equipas: Ideal e Águia. Marcaram, ao que parece, jogo para o dia de São Pedro. Só que eram necessários equipamentos. Cada equipa tratou de os arranjar. No caso do Ideal, que conheço de perto, fomos eu e o Fernando Maia à Lagoa pedir emprestado o equipamento dos ‘Leões’, que era idêntico ao do Ideal. Assim renasceu, tanto quanto sei, Ideal e Águia.

José Correia do Águia

‘O meu nome não é José Correia, mas também pode ser José Correia. O meu nome é José Câmara Vieira. Vou fazer 69 ou 70 anos em Outubro (Testemunho: 17.01.1996).’

Quem é o José Correia? ‘Nasci na Vila Nova, o meu avô era o Manuel ‘da Areia’, pai do meu pai, que era irmão da mãe do Sr. Jacinto Amâncio. A minha mãe era Maria de Jesus, irmã do Manuel Capelas, meu padrinho, do Artur e do Humberto Capelas. O meu pai era camponês, o meu irmão Manuel, o mais velho, o que jogou no Operário, também era, e eu e o meu irmão António, o mais novo da gente, que chegou a jogar no Atlético, éramos cabouqueiros. A minha mãe teve mulheres e rapazes onze: sete fêmeas e quatro machos. O meu avô Manuel Capelas era padeiro na Padaria do Sr. Fábio. Vendia pão pelas portas num carro. O meu tio Humberto também era padeiro e trabalhava com o pai. Quando o Sr. Fábio foi para o Brasil a padaria passou para o Alfredo Favinha da Vila Nova. Casei na Matriz e a minha senhora, Tomásia de Jesus Carvalho Paiva, filha da Matriz, deu-me quatro filhos: a Ana, o José Manuel, o João (faleceu em Junho de 2002) e o Mariano.’

Às tantas, sentados nos degraus da Conceição, numa amena manhã de Janeiro, quis-me contar uma coisa: ‘uma vez o Malhinha, num Domingo, ele jogava no Águia, morreu na América, contra o Ideal. O senhor não sabe essa: tu vais jogar para o Ideal e eles deram-lhe um fato para ele deixar entrar cinco golos. É o jogo do carneiro, o tal das Caldeiras. No outro Domingo, o meu irmão Manuel disse: eh pá, tu vais para guarda-redes. Eu tinha 15 anos, mas já tinha o corpo que tenho hoje. Fui para a rede, peguei a dar aqueles saltos. A gente jogou contra o União Micaelense. Ele disse: eh meu irmão, tu é que vais jogar hoje. Eh pá eu não percebia nada de bola. Fomos para ali para o Campo Velho. Demos três a zero nesse dia e estive quatro anos no União Micaelense. E fui escolhido para jogar na selecção contra o Porto. O Porto queria-me levar, seu pai tá aí pode dizer-lhe (creio que o confunde com o meu tio Mário Raposo Moura, Presidente do Águia). O Barrigana estava já velho. Eu disse: eu não sei ler. Eles disseram: a gente ensina a ler. Seu pai disse: eh pá vai. O meu pai também, mas não fui. Deixei de jogar aos 42 anos no Atlético, tinha uma grande equipa, e joguei uns vinte no Águia. Acho que ainda joguei no Ribeira Grande. Fui para o Atlético porque o Fernando Brinco era meu compadre, crismou o meu Mariano. E cheguei a jogar no Ideal. O Maroto do Ideal queria que eu ficasse a jogar lá, e eu dizia: pela sua saúde esta gente vai-me tirar a pele. O meu tio Manuel Capelas, e padrinho, andava sempre atrás de mim. Ele até se metia atrás da baliza. Ele tinha sido guarda-redes. O Maroto pedia-me, dava-me dinheiro, e eu jogava. O meu tio Manuel tentava impedir-me, mas eu dizia: o meu tio não manda em mim. Isto quando o Águia não jogava. O dinheiro fazia falta. Eu joguei no Ideal em dias em que o Águia não jogava. Eu, meu irmão Manuel e o António Fernandes, do Ideal, ‘guerreávamos’ como cães dentro do campo. Fui para a Terceira e joguei nos Brancos da Praia. Fui com eles ao Faial. Queriam que eu ficasse, até no Lusitânia, mas não sabia ler nem queria aprender. O primeiro equipamento que me lembre foi todo vermelho e os calções brancos. Um outro que o meu tio Manuel Capelas comprou nos Arrifes, não sei se foi preta se foi riscada. Bela equipa aquela. Eu era cabouqueiro. Tirar pedra da pedreira. Andar abaixo e acima, às vezes doente dos joelhos por causa do futebol. Era um bocado difícil. A mulher, eu, os filhos. Mas tinha o vício de jogar futebol. Eu até fugia de casa, antes de casar, para jogar. Acabei de jogar e fui para o Canadá. Ia e vinha e depois regressei. Estive lá um ano, depois vim para trás, ao segundo ano, regressei ao Canadá, fui para Toronto, tive com a minha família, estive lá três anos e meio, depois vim outra vez para trás. Não era terra para mim. O meu irmão Manuel ficou por lá.’

Com um corpanzil de pugilista, alto, homem de ferver em pouca água, perdia a cabeça com facilidade. Tanto adversários como colegas temiam as suas fúrias. Ao contrário do Buraca, que não tinha maldade nenhuma, segundo ele próprio confessa, o José Correia não deixava passar em branco nenhum desaforo. Esperava pela sua oportunidade para saldar a dívida, nem que passassem dez anos, ninguém lhe trincava os dedos e ficava a rir. Ai de quem o fizesse, chegava-lhe a mostarda ao nariz e explodia. Aquele físico mandava respeito. Ainda manda. As mãos largas como pás e fortes como tenazes poucas vezes deixaram escapar bolas altas, porém o seu ponto fraco, ao contrário do Buraca, eram as bolas rasteiras.

Há um par de anos, depois da missa das onze na igreja da Conceição, que frequenta apesar de ser freguês da Matriz, ao tentar descer a íngreme escadaria do adro junto à torre, escorregou nos primeiros degraus e só o seu velho instinto de guarda-redes lhe terá salvo a vida. Protegeu a cabeça com as mãos e chegou à calçada só com umas pequenas escoriações no pescoço. Foi a sua última defesa. Por acaso passava na altura por ali, temi o pior, estivera com o meu pai na tropa, ajudei a levantá-lo com cuidado, e a levar aquele corpo pesado e meio desfalecido para o interior da ambulância que chamara pelo telemóvel, e, para o animar, disse-lhe: põe-te bom que o teu Águia precisa de ti. Devolveu-me um sorriso. Mas não defendas tudo. Voltou-me a sorrir. Desta vez um sorriso matreiro. Vislumbrei-o, depois desse episódio, ontem, dia 23 de Junho de 2002, prostrado na cama da sua casa n. º 3 da travessa da Praia, sem dar cor a si, poucos dias após o falecimento do seu filho João. Derrotado, sem tirar desforra, e achei isso impróprio. Diante da esposa, de luto carregado, que mais uma vez me comoveu com o seu agradecimento, e do filho Mariano, um comerciante de sucesso, escondi a dor que sentia por o ver naquele estado, ele que tantas tristezas dera ao meu Ideal. Não me importaria nada de o ver de novo na baliza do seu Águia, nem que fosse só uma vez, alto, truculento, de palavrão fácil, agreste, mas vivo, derrotar o meu Ideal, só para o ver fora daquela cama. José Correia levanta-te desta cama, já passam das duas da tarde, ainda não cumpriste a promessa de reabrir o teu Águia, lembra-te de quando rapaste da carteira e me disseste que tinhas dinheiro para abrir o Águia, pois não faltavam rapazes habilidosos e com amor à camisola, bastava ir ao mercado das reses, o campo Velho, o viveiro do teu clube, volta para os degraus da igreja de Nossa Senhora da Conceição, apesar de ser Verde, continua a falar-me do teu Benfica, mete aos ombros o teu casaco de lã, enfia na cabeça o teu barrete, mas não fiques para aí. Apeteceu-me dizer-lhe. Desta vez não me sorriu, nem podia. Um vulto enrolado na roupa, virado para a Areia onde tantos banhos tomou e tantas bolas perseguiu jazia silencioso. Era aflitivo. É homem orgulhoso, ao ponto de não voltar a falar com alguém que lhe insultou. Mas isto só depois de lhe ter partido a cara. Nunca antes. É assim e sempre será assim enquanto vivo for. José Correia, o teu neto, filho do João, que está agora à frente da tasca que foi tua, não te esquecerá, como o teu filho, apesar das vossas desavenças, também não, sou testemunho de que guarda religiosamente as tuas fotografias, e diz com orgulho: o meu avô foi um grande guarda-redes. Não poderias desejar mais. Pouco antes da queda, falaste-me com entusiasmo da homenagem que te fizeram na América num dos Convívios ribeiragrandenses. Disseste-me: ‘Vi lá gente que julgava morta. Gente que veio do Canadá e de toda a América. Gente da Ribeira Grande.’ Põe-te fora da cama, olha que o teu Benfica se reforçou este ano, olha que estão a tentar reabrir o teu Águia. Não podes ficar no quente da tua cama. Seria virar a cara à luta, e tu nunca foste destes.

Em busca do Águia e do Ideal III: memória oral

Futebol Clube da Ribeira Grande (1956-1961): A História de uma desilusão

Edmundo Manuel Pacheco

Nasceu a 28 de Outubro de 1925 na casa n.º 104 da rua de Nossa Senhora da Conceição onde ainda reside. Foi eleito Presidente do Futebol Clube da Ribeira Grande para 1956/57. Por esta altura, era pároco da freguesia das Calhetas, de onde permaneceu de 1954 a 1959. Em 1959, dirige-se à Cidade de Lisboa, aonde fora nomeado secretário de D. José Pedro da Silva, natural da ilha de São Jorge, Bispo de Tiara e Assistente Geral da Acção Católica Portuguesa. Regressa à ilha em 1969, pelo que já não acompanha a última fase do Futebol Clube da Ribeira Grande.

MM: Como explica a fusão do Ideal e do Águia e o aparecimento do F.C. da Ribeira Grande?

EP: Por um lado (Testemunho: 12.06.2002), foi o modo encontrado para solucionar as carências individuais de ambos os clubes, por outro, para acatar a sugestão do então Governador Civil do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, Dr. Carlos Paiva. Consistia ela, essencialmente, em concentrar esforços por parte dos clubes da ilha. Para Ponta Delgada, a aceitar-se a sugestão, ficariam três das cinco equipas existentes, o que, por oposição das equipas visadas, salvo erro União Sportiva e Micaelense, não foi aceite, e para a Ribeira Grande, um. Aqui, veio ao encontro das expectativas e das necessidades sentidas no futebol da Ribeira Grande. Aqui, apesar de haver um campo novo, apesar de várias tentativas para ambas as equipas entrarem na Associação de Futebol de Ponta Delgada, o futebol pouco tinha evoluído. E assim pensou-se que o melhor seria fazer uma selecção dos melhores atletas de ambas as equipas, reuni-los sob as cores azul e branca, cores do Município. A sede, por apresentar melhores condições, acabou por ser a do Ideal. Esperava-se que o nível competitivo aumentasse, já que a Ribeira Grande competiria de igual para igual com as de Ponta Delgada e de Lagoa, e que a autarquia auxiliasse.

Álvaro dos Santos Raposo Moura

Nasceu em 1 de Novembro de 1927, na rua do Alcaide, n.º 28. Tal como o pai, tal como o filho mais velho, tal como os irmãos. Ao contrário de Mário Raposo Moura, irmão, Presidente do Águia e Director do Futebol Clube da Ribeira Grande, Álvaro é um Idealista ‘dos quatro costados’, tendo servido o clube em todos os cargos. Foi o grande responsável ‘operacional no terreno e nas secretarias’ pela concretização do sonho da sede actual e fundador da equipa júnior do clube. Homem de visão, sempre preocupado com a saúde das finanças e com o futuro do clube, sobretudo com as infra-estruturas humanas e físicas do clube.

MM: Que se pretendia com a fusão do Águia e do Ideal?

AM: (Testemunho: 14.06.2002) O objectivo principal era o de se formar uma equipa forte na Ribeira Grande, equipa essa capaz de subir à I Divisão da Associação de Futebol de Ponta Delgada. E isto porque ficara provado que cada qual por si, dada as poucas forças de cada um, seria, já se havia tentado nas décadas de quarenta e de cinquenta, incapaz de o conseguir. Assim, o Ideal dava a sede, dirigentes e jogadores, o Águia jogadores e dirigentes. Havia tão poucos sócios, e destes tão poucos os que pagavam quotas, a autarquia poderia contribuir na medida das suas possibilidades, além do Campo de Jogos. O melhor seria, pensou-se na altura, tentar o que ainda não havia sido tentado: a união de esforços. (Em 1924, Praia e Açor haviam-no tentado, assim terá surgido o Águia Sport Club).

MM: Porque falhou o projecto?

AM: Sobretudo porque o objectivo de subida de divisão não se concretizou. Os maus resultados levaram, naturalmente, as pessoas a tentar encontrar respostas para o insucesso. Começou-se por culpar toda a gente: árbitros, dirigentes, autarquia, atletas. Chegou-se ao ponto de, com imensos atletas castigados, ou afastados porque discordavam, como sempre, de serem suplentes, não haver jogadores de jeito. Assim foi normal ouvirem-se desabafos dos do tipo de ‘o plantel do Águia era melhor do que o do Ideal, para os antigos simpatizantes daquele clube, e o contrário da boca dos do Ideal.’ Da Direcção inicial poucos restaram, ajudava mesmo não fazendo formalmente parte dela, creio até que para o fim só lá estava o Aurénio Aires Furtado, que acabou por ser ‘um pau para toda a obra.’ Neste clima de verdadeira ‘guerra civil’, imagine-se que, nos jogos quando um antigo atleta do Ideal falhava um lance era logo assobiado pelos do Águia, ou, manda a verdade, o contrário. Daí até ao regresso aos dois antigos clubes foi um passo. Foi o próprio Aurénio que teve um papel importante no reaparecimento do Ideal. Se calhar, vistas as coisas à distância, foi melhor assim, pois ambos acabariam por dominar o futebol na ilha a partir de finais dos anos sessenta.

Viriato Tavares Moreira

(Testemunho: 14.06.2002. Nasceu em 27.01.1931). Dinâmico e astuto, iniciou-se nas lides directivas do Águia Futebol Clube, afastou-se, por discordância da fusão, aliás continua a achar que foi um erro, que se deve, sobretudo a Artur Brilhante, então Presidente do Ideal Futebol Clube. Após a separação tornou-se num dos dirigentes do Águia que, porventura, terá coleccionado mais êxitos.

Manuel Borges Garcia

(Testemunho: 10.01.1997. Nasceu a 4 de Junho de 1937). Antigo atleta do Ideal Novo, transitando para o Futebol Clube da Ribeira Grande e posteriormente para o Ideal, foi dirigente do clube e esteve ligado à construção da nova sede.

MM: Em seu entender, por que razão falhou a experiência do FC da Ribeira Grande?

MG: Os maus resultados da equipa. Nunca se conseguiu ter uma boa equipa. As pessoas, por isso, desinteressaram-se, quer dizer quebrou-se o entusiasmo.

Manuel Carreiro Moniz

(Testemunho: 14.06.2002, nasceu em 20.12.1938).

Natural da Matriz, começou a jogar aos 15 anos, chegou a jogar com o tio, Manuel Carreiro, então como suplente de António Santos (Buraca), transita para o Ribeira Grande, como suplente de Armindo Moreira da Silva, pois quer Buraca quer José Correia não tinham a 3.ª classe. Torna-se guarda redes principal do FCR Grande após a desistência do guarda redes principal.

MM: Por que fechou o R. Grande?

MM: Não ganhávamos nada. No último jogo, contra a Vila Franca, em Vila Franca, perdemos por 11-1. O último golo do Vila Franca foi marcado de propósito pelo José Cabral (Baldão). Disse: já agora, marco eu. Depois desse jogo o Ribeira Grande fechou. As expulsões, os castigos, reduziram o lote de jogadores. É preciso perceber, que, apesar do Águia e do Ideal estarem juntos no Ribeira Grande, eles sempre estiveram separados. Manteve-se sempre, entre os adeptos, a velha rivalidade entre Águia e Ideal.

João Manuel Pacheco Alves

(Testemunho: 14.06.2002. Nasceu a 18.01.1941). Natural da Matriz, iniciou-se nos júniores do Futebol Clube da Ribeira Grande. (Nenhum dos demais entrevistados o confirmam). Treinou o Atlético de São Pedro até Janeiro de 1963, data em que sai da ilha para cumprir o serviço militar em Angola. Em fins de 1965, inícios de 1966, duas horas após ter regressado do Ultramar, vindo no Funchal, Álvaro Moura, porque o Ideal estava a precisar de jogadores, pede-lhe para ingressar naquele clube. Aceita. Acompanhou de perto, ainda adolescente, a vida do Futebol Clube da Ribeira Grande, pois, ‘andava muito com o Aurénio Furtado, que era um pau para toda a obra naquele clube, como o tinha sido no Ideal Novo e como o seria no Ideal seguinte.’

MM: Por que abriu e fechou o Ribeira Grande?

JA: Acharam, Aurénio Furtado, teu pai (Álvaro Moura) e outros, que, para acabar com o futebol sem futuro, pois nem Águia nem Ideal, apesar dos esforços, haviam conseguido entrar na Associação de Futebol de Ponta Delgada, se se quisesse uma equipa da Ribeira Grande a competir com as equipas da Associação, haveria que reunir esforços. Alguns jogadores, até então, porque não existia vínculo com a Associação, jogavam em Ponta Delgada e na Ribeira Grande, se se formasse uma equipa filiada naquela Associação a Ribeira Grande poderia beneficiar do seu concurso. Parte dos dirigentes esteve de acordo, alguns não, como foi o caso de Viriato Moreira, e creio mesmo que a massa adepta nunca se entregou de alma e coração. É o que se passa com a selecção nacional: apesar de os jogadores jogarem com a mesma camisola nunca esquecem a do seu clube. Nem os adeptos. Foi uma união que não uniu. Com os maus resultados a coisa agravou-se. Piorou com os castigos. Foram-se afastando dos jogos, do clube, o Aurénio Furtado acabou por estar quase sozinho. Havia períodos em que ele se afastava, depois regressava. Nestes períodos o Ribeira Grande andava como que por conta própria. Chegou ao fim, sem dinheiro, sem equipamentos de jeito, sem sócios, uma desgraça. Adeptos e mesmo dirigentes do Águia, raramente punham os pés na sede, pois esta tinha sido do Ideal. O teu tio (Mário Raposo Moura), que tinha sido dirigente do Águia, ia lá de vez em quando, mas por necessidade, nunca entrava lá à vontade. Notava-se que não se sentiam à vontade.

Depositaram-se muitas esperanças naquela equipa e o Aurénio Furtado até, para criar um viveiro de jogadores para os séniores, formou uma equipa de júniores, na qual eu participei. Lembro-me que jogámos contra o Micaelense, não me lembro se foi o primeiro jogo e qual foi o resultado, e depois, talvez mais uns dois ou três jogos. Mas isto é melhor perguntares a outros porque já não me lembro bem. À medida que alguns jogadores dos séniores iam sendo castigados ou se afastavam ou eram afastados, foram buscar jogadores aos júniores. Por exemplo: o Manuel Frade foi para suplente do Armindo e depois, por desistência dele, substituiu-o, o Dinis Anselmo, o José Cabral, o Manuel Garcia, o Baltasar Favinha. E outros.

Armindo Moreira da Silva

(Testemunho: 15.06.2002. Nasceu em 4 de Agosto de 1935). Saiu da ilha rumo ao Continente no ano de 1953. Regressou à ilha, após estágio em Santa Maria, em 1959. Luís Manuel Cabral, seu primo e Álvaro dos Santos Raposo Moura, convidaram-no a jogar a guarda redes, pois, José Câmara Vieira (Correia) e António Santos (Buraca) não possuíam as habilitações literárias exigidas. Jogou pouco tempo, tendo sido substituído por Manuel Carreiro Moniz (Frade), a quem ofereceu parte do equipamento.

Fernando Torres Santos

(Cabeleira) (Testemunho: 15.06.2002. Nasceu em 4 de Agosto de 1929). Jogou no Águia e no Futebol Clube da Ribeira Grande do início ao encerramento, tendo ingressado de novo no Águia quando este se refundou. Chegou a alinhar pelo Ideal Novo. À pergunta por que não deu certo o FCR Grande, respondeu: ‘Os jogadores aborreceram-se porque o treinador, um que veio depois do capitão Vilhetas, um sargento, metia uns a jogar e deixava outros de fora. Também os resultados não foram famosos. O primeiro jogo ganhámos ao União Sportiva, a partir daí foi só perder. Do Águia para o Ribeira Grande levei as botas, eu e os outros, a minha mãe é que as limpava, e quando saímos para o Águia da mesma maneira. Quem estava à frente do Águia era o Mário Moura, do Ribeira Grande e depois outra vez no Águia.’

APÊNDICE DOCUMENTAL

Para a localização da Avenida Luís de Camões e rua dos mercados:

Apesar de os Róis de Confessados da Matriz (a partir da década de sessenta do século XVIII) e da Conceição (a partir de 1791) referirem nomes de ruas e de canadas, antes das actas de vereação de 1896 e da proposta de toponímia do Padre Egas Moniz de 1896, não se conhece com exactidão a descrição dos limites das ruas e das canadas da Vila da Ribeira Grande. Para reconstituir os nomes das ruas e das canadas da Vila na década de 1790, tentaremos estabelecer correspondência entre os nomes actuais e os de então que chegaram até nós. Para a Conceição, propomos a seguinte correspondência. Quadro I:

b) Rua Infante D. Henrique: da de São Francisco até ao mar.

Rua de Luís de Camões: da rua de NS Conceição à rua dos Mercados

Rua dos Mercados: a que passa em frente aos mercados desde o extremo nascente da freguesia da Conceição até ao extremo poente

Rua da Feira: da travessa da Praia à Infante D. Henrique

Na década de setenta do século XIX, foram abertas novas artérias: rua do Estrela, rua dos Mercados e rua Luís de Camões. Isto dá-nos a ideia de como seria aquele local até ao século XIX. Vejamos. Em 1875, mais precisamente na reunião da Câmara de 2 de Junho, como estivesse em construção o complexo dos novos mercados, e como se previa a construção de uma nova ponte, a que agora se denomina de ponte dos oito arcos, a vereação, num acto de igual alcance ao que as vereações de 1769 haviam tomado, e num rasgo de lucidez urbanística, decide rasgar novas artérias à Vila. Assim, decidem propor ao Rei a abertura de uma rua central ‘(...) que atravessa (...)’ os mercados ‘(...) tendo entrada do lado de este pela rua denominada da areia, indo prolongar-se para leste com a rua do Sacco na direcção da rua denominada das Pedras da freguezia Matriz, com a qual se deve de futuro ligar por uma nova ponte, que atravessa esta villa na direcção de sul ao norte, formando assim uma estença rua pelo lado do Norte da villa na direcção do sul ao norte cahindo quasi perpendicularmente, sobre a primeira rua, que se pretende abrir e formando com esta e as ditas rua direita e da areia um quadrilatero ou quarteiram quasi rectangular (...).’ E estas novas artérias destinavam-se, continua a acta, não só a ‘(...) facilitar as comunicações de todos os moradores d’esta villa com os novos mercados, melhorando ainda consideravelmente a parte da villa, prestando-se a nova rua, que se pretende abrir do sul ao norte a novas edificações, o que é ainda uma vantagem para o futuro d’esta terra, crescente m prosperidade e população (...),’ mas também, atente-se na intenção, ‘(...) à graduação e foros de cidade.’

Dois anos depois, em acta de 10 de Outubro de 1877, o vereador Moniz propõe ‘(...) que se continuasse na abertura da rua dos novos mercados em direcção à da rua das Pedras até à dita ribeira (...).’ Aproveita a ocasião, visto a construção dos novos mercados ter sido ideia do Presidente de então, António Manuel da Silveira Estrela, atribuir o nome daquele autarca à nova artéria, e à que vinha daquela à rua direita, atribuir o nome de rua Nova dos Mercados. A Câmara aprovou. Porém, passados três anos, em acta de 9 de Junho de 1880, em vésperas do tricentenário da morte do poeta Luís de Camões, a autarquia decide dar à rua Nova dos Mercados o nome de Rua de Camões.

Na década de sessenta e inícios da de setenta do século XX, concluíram-se os desmantelamentos do Bairro do Curral (década de setenta), Bairro da Cova do Milho (inícios da década de sessenta) e troço poente da rua do Castelo. Com a construção do Teatro Ribeiragrandense, para fortalecer a sua base de sustentação, entulhou-se a rua da Fonte Grande ou da Bica. Na década de setenta do século XVIII, foi ampliada a ponte do Paraíso e em 1957, a mesma ponte, sofreu nova ampliação. A rua que vai pelo mar, no lugar do Monte Verde, ao Bandejo, foi construída até à década de sessenta do século XX. Na década de quarenta foi ampliado e remodelado o Bairro da Vila Nova e na de sessenta foi construído de raiz o Bairro do Palheiro.

Foram abertas novas artérias em finais do século XX, tais como a rua de Mestre José Damaso e ampliada a canada das Jordoas.

E nestas as dos cinco homenageados.

Todavia, encontramos pelo menos um nome de rua que não vem referida nos róis da Matriz: rua de Gonçalo Bezerra. Porque será que não foi incluído em 1792? Talvez devido à própria natureza dos róis de Confessados. Estes registavam tão-só as ruas onde existiam pessoas que se confessavam e comungavam, talvez por essa razão não tenha sido incluída a rua de Gonçalo Bezerra, porém, ele vem a constar muito mais tarde, talvez porque à altura já existissem pessoas que se confessavam e comungavam. Haverá, porventura, outros casos de nós desconhecidos. Há casos, e isso na nossa perspectiva actual, de confusão de topónimos, tais como a rua do Outeiro e a rua de João do Outeiro. Esta última surge mesmo partilhada pelas duas freguesias da Vila. Aliás, os limites de uma e outra freguesia, apesar de delimitados pela vala dos moinhos, em termos de toponímia, ao que parece, ter-se-ão mantido ambíguos até à sistematização já referida de 1892 e de 1896. Existem áreas inteiras, entre as quais, e para dar alguns exemplos mais flagrantes, as que envolvem os Paços do Concelho, a igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela e Santo André, que por se terem alterado substancialmente, nos deixam bastantes dúvidas e sem respostas conclusivas. À volta dos Paços do Concelho, da ponte do Paraíso e da igreja do Espírito Santo, por exemplo, surgem-nos topónimos tais como rua da Bica, rua da Fonte Grande, rua João do Outeiro. À volta da igreja Matriz, por seu turno, temos topónimos como Adro, Detrás da igreja e Rego.

Alguns destes topónimos, porém, tais como Caniças, Conceição Velha e Cabidos, apesar de terem sido alterados, chegaram a nós através da tradição oral e da proposta de toponímia para a Conceição de 1896 da autoria do Padre Egas Moniz. O que não foi o caso dos exemplos anteriores. Pelo Padre Egas Moniz ficamos a saber que, até ao momento da sua proposta, havia não só ruas cujas delimitações eram bastante ambíguas mas também áreas. Refira-se, neste caso, a designação genérica de Conceição Velha, que, à altura, englobava parte das actuais ruas do Ouvidor, Travessa de Nossa Senhora das Dores e parte da rua com o mesmo nome. Outro exemplo, será o da rua do Vale, a qual, hoje está subdividida em rua da Salvação (Matriz) e rua do Vigário Matias (Conceição). Não sei se, entre 1800 e 1812, também incluiria a rua do Alcaide. Uma outra área referida genericamente, seguindo ainda o Padre Egas Moniz, seria a da rua Funda, hoje parte da rua de Nossa Senhora das Dores e travessa de Nossa Senhora da Conceição. Além destes problemas, subsiste um outro, os seja o de se saber de modo exacto os limites do chamado ‘fim da Vila’ ou ‘cabo da Vila.’ O fim da Vila, parece-nos óbvio, marcaria o limite, neste caso concreto, poente da Vila de então. Ficaria, no século XVIII, o convento de São Francisco neste limite?

O número de ruas e de canadas da vila no século XVIII e a sua localização, com as reservas próprias da ambiguidade já referida, poderão constituir um bom indicador do aspecto da sua malha urbana. Se no final do século XVI, Gaspar Frutuoso só refere para a área da Conceição, que viria a ser elevada a paróquia autónoma da Matriz, mas continuando a fazer parte da Vila, em 1699, a rua de Nossa Senhora da Conceição e a canada de São Sebastião, e sabendo-se que a rua da Conceição se referiria então à que acedia à ermida de Nossa Senhora da Conceição, hoje de Nossa Senhora das Dores, e a canada de São Sebastião, grosso modo à rua com o mesmo nome, isto quererá dizer que, em finais do século XVI, aquele espaço se articulava ao redor da referida ermida. Portanto, em finais do século XVI, a área a poente da Ribeira Grande crescera bastante desde inícios do século, em finais da segunda década do século, segundo Frutuoso, os rapazes da Vila troçavam ainda dos dois ou três que se haviam aventurado a construir casa no lado poente da ribeira, no chamado mato, esse crescimento, num segundo momento de crescimento, o primeiro, ainda antes da elevação a Vila, teria estado mais junto ao Largo de Santo André, articulara-se em volta de uma ermida situada numa pequena colina, tal como a Matriz se articulara em torno de uma colina onde se implantara a sua igreja paroquial. É à volta daquelas duas colinas que se observam ainda hoje os traçados urbanísticos mais apertados. Até mais dentro do século XVII e possivelmente meados do século XVIII, entre as duas paróquias existiriam vastos espaços por preencher. Assim se compreende, quero crer, os topónimos Valverde, na Matriz e rua do vale, partilhada pela Matriz e Conceição. O Valverde, que surge como uma rua, articulava parte do espaço da Praça com o entorno da igreja Matriz e o Rosário. A rua do Vale, por seu lado, unia as duas freguesias pelo que hoje é a rua da Salvação e do Vigário Matias. A partir da reconstrução após a destruição de 1563/64, surgiram em força dois novos elementos articuladores da Vila: a vala dos moinhos e a denominada rua Direita. No século XVIII, à volta de 1769, pelo menos desde esta altura, já são referidos sete moinhos. Estes sete moinhos vão desde a canada da Palha, hoje Condes da Ribeira Grande, até ao areal. A seguir ao moinho da Palha, que serviria os Foros e arredores, existiam a uns trezentos metros os do Outeiro e os do Vale, a mais duzentos ou trezentos metros, o da Rua, já em plena Rua Direita, a outro tanto, o Moinho Novo, e junto ao areal, o da Praia e o da Areia.

Já em finais do século XVIII, por seu turno, para a Conceição, existiam outros três pólos urbanísticos: à volta da nova igreja paroquial, em torno da ermida do Vencimento e em torno do convento de São Francisco. A Matriz, por seu lado, já estaria definida no século XVI. Ela girava em torno de um grande eixo, eixo esse formado pela colina da igreja Matriz e pela Praça do Município, onde se situavam a Câmara Municipal, a praça e o Hospital. O que significa que a vila, e isto é corroborado pelo próprio Frutuoso e por Frei Agostinho de Monte Alverne para os séculos XVII e inícios do século XVIII, se expandiu para poente, para o lado da Conceição. O traçado de finais do século XVIII das ruas da Conceição que nos chegou até nós, se retirarmos as recentíssimas urbanizações do cabo da Vila, da rua Antero de Quental e da área do novo quartel dos Bombeiros Voluntários, mais o que se rasgou junto aos novos mercados, parece-me óbvio, também parece coincidir com o essencial do actual.

Em resposta

[fl. 1] Exm Sr. Director do Correio dos Açores.

Numa local inserta no seu mui conceituado jornal de 28 pºpº [pretérito passado] e sob a epigrafe [epígrafe] de “Comunicado” foi a Empresa Tomaz & Peixoto rude e insinuosamente atingida. No propósito firme de não responder-mos [sic] a esse vomitado de injurias, caprichando pela ausencia [sic] de bôa [sic] educação, por não nos merecer [riscado: consideração] a devida venia [sic], quem se acoberta com o anonimato de “Ideal Sport Club” (jogadores que aliaz [sic] nos merecem as melhores das referencias) mas instado [?] por [riscado: pessoas] creaturas [sic] de bom senso e melhores conselhos, vimos, em nossa legitimissima [sic] defesa, e para preclaro esclarecimento do publico [sic] (…) integral [?] (…) trazer a lume a veracidade dos factos.

Frizemos [sic] primordialmente que o autor [riscado: ou autores] desse comunicado não [riscado: foram] foi [riscado: não foram] obra do onze do Ideal Sport Club, rapazes [riscado: ainda] ainda que, morejando [sic] de dia para comerem à noite, [riscado: estão isentos?], desconhecendo a linguagem viperina [?], muitos deles ignorando o que se trama nessa sede, constituída pela Direção [sic] desse Grupo, tão somente para excitar o sensualismo entre indivíduos da mesma espécie, mas sim, dessa Excelentíssima e Excelsa Direção [sic], composta por indivíduos que nos abstemos de adjectivar pois (?) que pela prosa fecundíssima do celebre [sic] Comunicado dá aso [sic] sobejo para os avaliar.

[fl. 1 v.] Após esta indispensável explicação, vamos [riscado: (?)], de escalpelo em riste, um a um, todos os períodos dessa ascrosa [sic] linguagem:

“Mens parturibat”, dizia Isidro; ajusta-se sempre bem e neste no superlativo! Senão vejamos -

1º Queixavam-se da percentagem, mais que judaica, que nós cobrávamos do aluger [sic] do campo de Foot-ball. Muito bem. Essa celebre burla ou (?) reduzia-se a 1/3 sobre o produto líquido das entradas (não esquecendo que as despesas feitas com marcação do referido campo, e [riscado: bilheteiro] porteiro, limpesa [sic] e conservação) corriam da nossa conta.

2º Inquerem do poder, da autoridade, enfim da jurisdição que tem a Empresa, para infligir um castigo ou uma vindicta, sendo a uma baixa insinuação (passo o termo)? [riscado: para] Mas quem os castigou? Quem os privou [?] de jogar [riscado:?] Ninguém! A Empresa apenas, sabendo [riscado: desse] por esse alguém magicando cabala; que está no seio do Ideal, que pretendiam seguindo os pasos [sic] da capital “fazer greve revolucionaria, tomou as necessárias e requeridas providencias para tais casos. Na iminência de não podermos proporcionar uma tarde de foot-ball [acrescentado: de foot-ball] foot-ball sempre anciosamente [sic] [fl. 2] [riscado: esp ou foot-ball sempre ter anciosamente] esperada pelo publico [sic] Ribeira Grandense, e não ignorando que a Direção [sic] desse grupo não queria compartilhar da percentagem estipulada, entendemos, a bem do sport [sic] local, derivar o Domingo que lhes cabia, a outro [riscado: grui] grupo menos exigente e mais desportista. Foi castigo? [riscado: Achamos que não. O que na pior das hipóteses poderia ser, era um lamentável equivoco, que pronta (?) estamos a reparar].

3º Subtilmente, e com carícias de felino (?), lembram-nos [riscado:?] os nosso interesses postos em jogo, [riscado: (?) avaliar], quando a sua (perdão os ilustres cavalheiros [riscado: que (?)] (?) de Directoria e autoria do comunicado, por defeitos físicos lamentáveis não podem tomar parte nas lides do foot-ball) [riscado: que] melhor [riscado: percentagem], quota parte está tão somente nalgum ponta-pé dado com ancia [sic] nas estimadas canelas. Tirando o parentesis [sic] que é nosso, [riscado: vejam] avalicem [sic] o procedimento menos honesto da insinuação acima, sabendo-se publica e notoriamente as dificuldades [riscado: monetárias, financeiras] da regra do Deve e Haver com [acrescentado] que a Empreza [riscado: com que a Empreza] [riscado: com que o paíz] tem lutado para tentar equilibrar o saldo positivo para [fl.2 v.] honrada e oportunamente manter, (?) receitas do foot-ball, o Estádio do Rosário, que findo o qual, é sinónimo da extinsão [sic] simples e sem demonstrações do sport local, noto que, mais ninguém, com família desta espécie, ainda por classificar nos tratados de zoologia, terá vontade de se sacrificar a construir outro recinto próprio para diversões deste genero [sic].

A autopsia [sic] do [riscado: fedorento] putrido [sic] cadaver [sic], está feita. A opinião pública, supremo juiz nestas questões de lana caprina, que julgue, mas justamente, sem paixões, [no facto] sem favoritismos, próprios de clubs, mas filhos [riscado: bastardos] incógnitos do bom senso, para não contradizer a frase de que voz do Povo é voz de Deus, sendo esse velho rifão que condenou Jesus Nazareno.

Intencionalmente reservamos para “fim de festa” a ‘olimpica’[sic]

tirada do estrebuchar apressado da celebre [sic] comunicação! Foi o Ideal; o único grupo atingido pelo gesto da Empresa.

Coitadinhos, infeliz Direcção! Admiram-se e [riscado: fazem (?)] fazem-se vitimas! Quem [riscado: colhe] semeia ventos colhe tempestades! Os mesmos prezadíssimos amigos lembram-se da Liga? Da celeberrima [sic] Liga? Daqueles indivíduos que nobre e altruistamente, pretendem disciplinar e conduzir, sem interesse [fl. 3] algum o foot-ball local? Lembram-se, os membros da Direcão [sic] do “Ideal” a guerra de sapa que lhes fizeram? Recordam-se dos anunciados cortejos fúnebres que pretendiam fazer à Liga? O que moveram contra ela? Pagando o bem com o mal? A bôa [sic] educação sportiva [sic] contra a indisciplina? Dos mais que celeberrimos [sic] ofícios, emanados desse antro, agressivos, destituídos de gramática, abjectos, contra tudo e contra todos? A memoria [sic] não falha, quando vilmente pelas costas pretendiam, atingir [riscado: (?)] esses nomes que a modestia [sic] dos proprios [sic] nos inibe de dizer [em cima a lápis de cor diferente: quem os]. Como veem [sic], caros leitores, a Direção [sic] do Ideal Sport Club é useira e familiar em “arengas”, temos Ribeiragrandense deste quilate. Por isso muito de admirar, não nos espantemos, porque é costume. É de bem intencionados desportistas, como hoje succedeu [sic], embriagarem os jogadores dum club que se ia bater, [riscadi: auguentarem-se] pretender, quasi [sic] à viva força, [riscado: de de o] de inibi-los de comparecerem no campo, só com o único fim, por nós apregoado com o Zé Laçinho, ou fecharem o campo de foot-ball, acabaram com o sport, tudo isto para satisfazer um capricho e uma vingança mais que mesquinha?

[fl. 3 v.] É correto? É de homens, mas homens com H grande?

A celebre frase do general francês que se chamava Cambronne, mas que o autor, talvez por falta de fundilhos assados (?) nos bancos dos liceus e tendo apenas memoria de papagaio, não soube dize-lo, é mas muito familiar e costumamos emprega-la sempre e sem anonimatos a quem a quizer [sic] e merecer ouvi-la. E para finalizar, diremos que nem mais uma palavra acrescentaremos sobre o assunto, para que cera com ruim defunto é mal empregada. Para quaisquer esclarecimentos ou informações, letigios [sic] ou ofensas em vez do anonimato sempre comodo [sic], subscrevem este local os proprietarios [sic] do Estadio o Rosário.

Tomaz José Ferreira de Viveiros

José Peixoto de Oliveira

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 04/11/2024
Reeditado em 05/11/2024
Código do texto: T8189215
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.