VALORIZAR O QUE EXISTE

VALORIZAR O QUE EXISTE

Ás vezes repasso em minha memória as experiências vividas nas obras em que trabalhei. Esse longo aprendizado, muito mais humano do que profissional, em 55 anos de atividade, foi gratificante e enriquecedor. Cada implantação de um grande empreendimento é um renovar de problemas a resolver, um universo de conceitos que se adéquam às necessidades fim do projeto, novos clientes que não sabemos como irão reagir ao desenvolvimento dos serviços. Sem contar nas novas condições do local ou região onde se localizam os trabalhos. Costuma-se comentar que os maiores problemas de uma obra são alojamento, refeição e transporte. Normalmente dois ou três meses depois que se implantou o canteiro de obras e iniciou-se a construção, os diretores da empresa fazem visitas ao local. Quando não consideram tudo que foi feito está errado, fazem comentários e sugestões.

Em 1990 fui transferido para as obras da fábrica Caterpillar em Piracicaba-SP, que iria se iniciar em poucos dias. Participei desde o nascedouro do projeto nas infindáveis reuniões que foram definindo as necessidades do cliente, as especificações de materiais e serviços, Devido ao tamanho do empreendimento, a empresa na qual eu trabalhava montou uma grande equipe de engenheiros, cada um responsável por um setor ou serviço, além de pessoal de controle de qualidade, meio ambiente, segurança do trabalho, etc. A mim foi definido a implantação das instalações eletro mecânicas, que representavam oitenta por cento do empreendimento. Sempre fiz questão de esclarecer que sou engenheiro civil e as interferências com os “montadores” só faziam me atrapalhar e atrasar meu cronograma. Mas aceitei o desafio de gerenciar os trabalhos de implantação das instalações elétricas de alta e baixa tensão, montagem de 1.000 ton de estruturas metálicas, troca 30.000m2 da cobertura do prédio “D”, implantação da rede de combate a incêndio de toda a fábrica, rede de condicionamento de ar, montagem de tubulações de utilidades, etc. Eu convivia com problemas de montagem há tempos devido haver trabalhado em grandes áreas industriais. Eram inevitáveis as interferências civil/montagem. Todos os trabalhos seriam executados por empresas terceirizadas, todas elas de primeira linha, com profissionais excelentes. Profissionais excelentes normalmente são focados e defendem com unhas e dentes o trabalho que estão executando e, são cobrados por prazos e resultados por seus superiores. E foi com essas “feras” que comecei a administrar os trabalhos. Além das interferências com a civil, haviam as interferências entre as montadoras e eu tinha que administrar verdadeiras batalhas por espaço de trabalho e definir prioridades na execução dos serviços. Importei diversos assistentes para acompanhar as diversas disciplinas sob minha responsabilidade. Todos eram profissionais experientes e haviam trabalhado nas instalações da Cosipa, em Cubatão.

Ás quintas feira eu coordenava reuniões com as cinco empresas contratadas. Eram cinco reuniões de duas horas cada só falando de prazos, liberações de serviços, definições de projeto, etc.. Ao final do dia, chegava a casa exausto e preocupado em resolver as questões tratadas nas reuniões. Era uma responsabilidade pesada. Aos poucos fui aprendendo as infinitas expressões das montadoras e impondo com tranqüilidade as necessidades do cliente Caterpillar.

Os dezoito engenheiros de obras ocupavam uma sala única e com o tempo criou-se um espírito de equipe muito bom, onde às vezes surgiam situações hilárias, outra vezes tensas. Tudo normal em grandes obras com diversas disciplinas e locais de serviço.

Eu ocupava um lugar ao fundo da sala, de costas para a parede. Fiz um painel grande, coloquei na parede e ali eu pregava os cronogramas das atividades eletromecânicas e outras informações. Logo as coisas começaram a funcionar de modo harmônico, eu passava o dia envolvido em soluções de problemas variados. Até começarem a surgir os famosos palpiteiros de plantão, apresentando inúmeras sugestões que eu não havia pedido. Essa situação começou a me incomodar e muitas vezes eu respondi com certa dureza aos palpites. Certo dia me deparei com uma frase motivacional que se encaixava perfeitamente na minha situação. Mandei fazer um grande cartaz com a frase e o instalei sobre o painel dos cronogramas.

Quem entrasse na sala imediatamente via a frase: “Você que critica o que está feito, deveria estar aqui na hora de construir o que agora vê pronto. Mais vale a cooperação e elogio dos que reconhecem nosso trabalho do que as criticas dos que nada fazem”. Assunto resolvido acabaram-se as sugestões e comentários.

Disso eu tirei algumas conclusões que levo para a minha vida. Muitos seres humanos concluem que as coisas existentes estão totalmente erradas, querem destruí-las para implantar tudo novo conforme suas idéias. É uma idéia, no mínimo, idiota. O que existe é o que de melhor se conseguiu fazer. Tudo tem seus defeitos e o lógico é melhorar o que há e não destruí-lo. Assim é em tudo que vivemos. As leis precisam ser aperfeiçoadas, as pessoas devem ser mais bem preparadas, etc. A História é a principal mestra e quem não tem a humildade de reconhecer que herdamos o “status quo” dos dias de hoje de uma infinidade de pessoas, algumas geniais, outras nem tanto, desprezam o esforço de nossa ascendência e se colocam como arautos de um novo mundo. Mais uma vez a História mostra o quanto essa ousadia é fútil e destinada a um grande fracasso. Os exemplos de sucesso são muitos, mas os “inovadores” ao invés de melhorar o que existe passam a querer recomeçar tudo do zero, sob a bandeira de que os seres humanos são todos iguais. Se fosse assim, seríamos ainda simples australopitecos ou neandertais. Vamos melhorar o que está cumprir as leis, respeitar nossos semelhantes.

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Paulo Miorim 04/04/2024

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 31/10/2024
Código do texto: T8186234
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