NA PIOR EM PARIS? LONDRES? WALDEN?
Que a metralhadora giratória de George Orwell existe e não deixa ninguém em pé já é muito sabido. Na Pior em Paris e Londres, que é o 1º livro sob esse pseudônimo, Orwell não poupa ofensas a judeus, homens, mulheres, russos, armênios, franceses, alemães, americanos, italianos, ingleses, comunistas, capitalistas, não importa, nada sobrevive a sua potente ironia. Hoje em dia pode soar, um tanto racista, xenófobo, antissemita. Não serei eu o advogado do diabo, e até onde me cabe, se estivesse vivo, Orwell recusaria alguém que fizesse o papel de defendê-lo.
Dito isso, Na Pior em Paris e Londres, escrito alguns anos antes de Revolução dos Bichos e 1984, seus livros mais famosos, é a escolha do inglês, pela vida simples, pela amargura, pela mendigagem nas ruas das duas principais cidades do mundo. As voltas com seus primeiros livros, que ainda não lhe davam segurança financeira, ele escolheu (de uma maneira um tanto forçada, diga-se) viver daquela forma, deliberadamente, assim como a vez que foi lutar na Espanha e tomou um tiro no pescoço. Orwell intercedeu pelos desvalidos, os mais pobres, tomou partido ao lado daquela gente sofrida, que 99% das vezes não tem uma migalha de pão para por na boca, quem dirá almoço para vender, para então comprar a janta. Desamparados. Vagabundos. Mendigos. Gente que no entre guerras já vivia a mercê da própria sorte, ou a falta dela.
Cerca de 80 anos antes no tempo e do outro lado do atlântico, Henry David Thoreau, resolveu ir para a beira de um lago no estado de Massachusetts (sim, fui ao google para ver como escrevia), construiu uma cabana e viveu dois anos, dois meses e dois dias, do que a natureza poderia lhe oferecer. Walden nasce desse contexto, dessa sua experiência transcendental na natureza. Com passagens sublimes, se lê como uma forte crítica ao consumismo, se transformou em uma bíblia para os ecologistas, gente que ama o mato, punks, aventureiros, malucos que renegam dinheiro, materialismo e os prazeres que a sociedade capitalista os dá, e quando digo prazeres, são todos os tipos, os seus biógrafos, todos concordam que Thoreau morreu virgem aos 45 anos.
Tanto Orwell quanto Thoreau, escolheram de espirito próprio viverem pelo menos um trecho de suas curtas vidas (um morreu com 45, outro com 47) de uma maneira, vamos dizer, alternativa? Escolheram, o que para eles seria a verdade. Se rebelaram contra o sistema vigente, viveram donos da sua própria sorte, a luz dos seus próprios escritos. Viver a experiência, sentir na pele. Orwell sentiu a fome, que é uma palavra muito corriqueira em Na Pior em Paris e Londres, fome essa que educa, que deixa as pessoas retratadas no livro, a nível dos animais, da mesquinhez, inveja, intriga e fofoca. A solidão de Thoreau é menos violenta, com uma dieta simples a base de arroz, se satisfaz a sua busca espiritual, cada dia que passa, procura ir para dentro de si, busca refúgio nas suas meditações.
Se a metralhadora giratória de Orwell faz com que ele seja odiado por direita e esquerda, Thoreau tem um jeito mais elegante de bater nos dedos dos seus contemporâneos:
“A grande maioria dos homens leva uma vida de calado desespero. O que se chama resignação é desespero confirmado. Da cidade desesperada você vai para o campo desesperado, e tem de se consolar com a coragem das martas e dos ratos almiscarados. Um desespero estereotipado, mas inconsciente, se esconde mesmo sob os chamados jogos e prazeres da humanidade. Não há diversão neles, pois esta vem depois da obrigação....”PG.14 de Walden.
Mas não significa que o escritor americano seja menos contundente. Nessa época Thoreau é preso por não pagar impostos, por que se recusava a fomentar um estado que na época estava mandando gente jovem para morrer na guerra contra o México. Escreve a sua Desobediência Civil, que serviu de inspiração para outros inquietos como Martin Luther King e Gandhi. Orwell em suas obras denuncia o fascismo de Franco na Espanha, os horrores das bombas caindo em Londres durante a segunda guerra em Um Pouco de Ar Por Favor, e faz com queiram a sua cabeça em Moscou por retratar Lênin, Stalin e Trotsky como três porcos na sua Revolução dos Bichos.
Vivemos assim, em calado desespero. Mas aos poucos vamos acordando, fazendo barulho, eliminando, pelo menos o calado, dando espaço a pensadores que tiveram a coragem de escrever a sua verdade(recusando os tais influenciadores) de denunciar as lástimas de suas épocas, misturando o social com o individual, vamos procurando a nossa voz para recuperar a nossa estima, para se vermos como um individuo dentro da sociedade.