Agora entendi

Agora eu entendi. Está claro que todo o processo consistia, desde o início, em proporcionar, mesmo que às custas e às costas dos outros, certa dose de prazer. É verdade, ninguém foi obrigado. Quem fez, ou consentiu que fizesse, agiu segundo seus preceitos e princípios, então , não há que se falar em coação, constrangimento, ou qualquer coisa do tipo. Não há que se falar em "eu não sabia", afinal, uma vez não obrigada, toda ocorrência só foi possível porque houve autorização, senão formal, ao menos tácita. Então, agora eu entendi, o que estava em primeiro plano era o prazer. Nada mais que prazer, é disso que se tratava, sem meias palavras. E no decorrer de uma vivida, quem sabe, por insistência ou teimosia, se possa, ainda que do outro lado do rio, sem acesso aparente, possa a pequena pessoa, amparada apenas, e só apenas, em suas forças, chegar à outra margem do rio e ter às mãos o pote de ouro, ao fim do arco-íris. Ora, direis, isso só foi possível por graça e consentimento da força oposta. Todavia, talvez, dirá a voz discordante: "não houve graça, nem consentimento, o que se buscou foi colocar em marcha a resistência que nasce da indignação" E o silêncio invade o espaço, até o momento, recluso em si numa soberba tanta, pois, dominado por seres arrogantes, que não esperam do outro a reação por vezes atacada e expulsa com violência e perseguição históricas. É o momento, talvez por séculos cultivado, que nos obriga, como pagamento de uma dívida herdada, resistir para que o violento e permanente ataque às nossas conquistas, por mínimas que sejam, não signifique a nossa derrota. Somos herdeiros de lutas que atravessaram gerações. Nossos ancestrais, e antes deles, o seus, pavimentaram a estrada sobre as quais, nossos pés, como se percorresse a mesma trilha, não descansa. Nisso reside, para que não se solapam desejos e intenções, mesmo cultivadas em silêncio, a forte e sempre vontade explosiva de seguir em frente. É natural que seja assim. É natural, seres humanos que somos, seguir caminhos nem sempre conhecidos. Desbravar mares e continentes, e até o espaço como última fronteira, tem sido a história, a nossa história, como a única espécie capaz de intervir na natureza . Somos crianças mimadas nesse universo. Não nos contenta saber das nossas capacidades físicas e mentais. A última fronteira ainda não foi totalmente desbravada. Agimos sob desejos, quase sempre, motivados por um impulso quase infantil porque não medimos as consequências; buscamos os resultados sem se preocupar com a essência do que se busca. E ficamos presos às medidas desenfreadas e imprensadas , e presos nos mantemos, porque somos a causa e consequência de nossas atitudes. Somos os construtores e demolidores dos nossos próprios sonhos quando não consideramos seus efeitos. Sonhar e fazer, podemos tudo, temos essas capacidades, só nos resta humildade em reconhecer que nada está pronto e acabado. Só nos resta - para não incorrermos no exagero arrogante de que somos senhores do mundo - reconhecer que, embora, detentores das capacidades cognitivas, ainda temos muito a aprender e apreender. Estamos em constante evolução. Estamos, talvez, quase sempre, no limiar dos excessos, cada vez mais, cavando nossas próprias covas. E se, conscientes ou não, agimos às costas de nossos iguais, não nos resta outra solução, para o bem coletivo, senão assumir os equívocos. Inconsequentes, agimos, na maioria das vezes, apenas por agir e disso resulta as frustrações e as feridas que não cicatrizam, noutras palavras: somos os carrascos de nós mesmos.

Agora entendi. Às duras penas, desde que o primeiro homem deu o primeiro passo e saiu das estepes rumo ao desconhecido, porque desbravar é da nossa natureza, não há como negar: evoluímos. Todavia, e daí outra questão se impõe, ao mesmo tempo que evoluímos, também, por outro lado, causamos desigualdades e conflitos. Destruímos as florestas, poluímos rios e mares. O ar que respiramos mata nossos pulmões. Agora entendi. Entendi que a busca do prazer, sem considerar as consequências é, mais que qualquer outra busca, a negação da ética como referência de ação. Ainda há tempo. Ainda temos as capacidades necessárias para evitar o caos que construimos ao longo da história, da nossa triste história.