Viola - XVII

Viola - XXV

De onde vem o nome? Do recorte da baía que, do alto de uma chã, a alguns dali lembra uma meia cintura de viola. O que é e o que tem sido a Viola? Na encosta, por entre canaviais, vinhedos e pomares, sobressaíram moinhos de água (de rodízio). Naquelas ladeiras e chãs, até há uma década ou duas, cultivava-se muita vinha e fruta: ‘aquilo ali – dizem-me -, era tudo vinhas e frutas.’ Agora estão ao abandono, excepto uma ou duas. Na Grota dos Vimes (mesmo encostada à Viola), cresce uma plantação de chá. Na beira-mar, uma praia, às vezes calhau. Um calhau que (há uns vinte e cinco a trinta anos) se transformou em praia. Mas que em 1943, no livro que publica nesse ano, Sarmento Rodrigues (que estudou a costa da Ilha) era praia: ‘Passando o baixio da Maia surge uma extensa praia, inacessível pela grande quantidade de pedras que antes dela afloram.’ Enfim, trata-se de um Calhau de Areia que (mais coisa menos coisa) não andará longe do da vizinha Maia. Ou de outros mais da Ilha.

Hoje, o que ali se vê, é uma praia de areia (grossa), ladeada a leste pelos Calhambazes (pedra miúda) e a oeste pela ponta do Nateiro, cuja extensão não excederá 290 metros. Dista uns dois mil metros do centro da Lomba da Maia. E (indo pelo Atalho, que hoje chamam de trilho da Viola) fica a pouco mais do Calhau da Areia (na Maia). Quem a frequenta? Enquanto foi calhau, pescadores, marisqueiros e apanhadores de musgo. Já praia, por gente da Lomba da Maia (uns poucos, porque a ‘força’ ia ao poço da Barquinha na ribeira do Preto ou ia à praia dos Moinhos). Entre os que vão à Viola, devido à (frequente) ‘braveza’ do mar, há quem prefira o poço de água salobra (mistura de água da ribeira dos Miguéis e do mar) que se forma a meio da praia. A freguesia, na terça-feira da festa de Nossa Senhora do Rosário, caía ali em peso a enterrar os ossos. Alem dos da terra, lá vai gente de todo o lado. Há quem aproveite o isolamento da praia para praticar ‘descansadamente’ nudismo.

E os moinhos? Gaspar Frutuoso, a propósito dos terramotos (e deslizamento de terra) que destruíram Vila Franca em 1522, conta que (também devido a um deslizamento de terra) foram destruídos os dois moinhos da Maia (junto ou mesmo dentro do então Lugar da Maia). Noutra passagem, escrevendo de maneira que nos parece dizer respeito à época em que escreve (1580’s) fala de moinhos da Maia (já não próximos ou dentro do Lugar) mas na ribeira do Salto: ‘da outra banda dela [da Grota do Preto] estão os moinhos da Maia, além a ribeira dos Vimes (…) que agora se chama também ribeira do Salto.’ De quando são osa primeiros moinhos na baía da Viola? Há quem aponte, sem avançar provas, o século XV (o que me parece bastante improvável) e quem (ainda sem apresentar provas) aponte os séculos XIX e XX (o que – pelos indícios disponíveis -, me parece ser mais provável). Se os moinhos da ribeira do Salto forem anteriores a 1522, podem, eventualmente, ser quatrocentistas, porém, caso sejam posteriores àquela data, só podem ser quinhentistas. É uma leitura possível do que Frutuoso (a nossa única fonte) deixou escrito. Reconheça-se que a passagem é dúbia (pelo menos para mim). Pelo que, a resposta mais prudente, enquanto não se encontra novas provas, será dizer-se que são do tempo em que Frutuoso escreveu a sua obra. Esses serão (porventura) os primeiros moinhos conhecidos da baía da Viola. E pertenceriam, caso não constituíssem privilégio anterior a 1474 ou tivessem sido consentidos por ele, ao então Capitão (que detinha o monopólio). E, fora esses moinhos (provavelmente de ribeira), de quando serão os outros da baía da Viola? Virão (possivelmente) do terceiro quartel do século XVIII. Por três razões. Primeira. Só depois de 1766 é que a lei permitiu aos donos de nascentes ‘levantar’ moinhos. Segunda. Ali havia nascentes. Terceira. Ter havido crescimento populacional que justificasse o investimento. O crescimento demográfico (registado para Lomba da Maia e a Maia) explica a construção de novos moinhos (daí os de nascente da Viola) a partir do terceiro quartel do século XVIII. Permite igualmente situar novo surto de construção a partir do aumento populacional verificado em 1849 e aí por diante. Se o número 1869 (será uma data?) que figura numa cartela (patente no exterior do segundo moinho da Viola – Frangainha) corresponder à data em que foi construído, temos uma prova de que a construção daqueles moinhos ainda continuava na segunda metade do século XIX.

Quanto a novos moinhos de ribeira a oportunidade surgiria em data próxima da Revolução Liberal de Agosto de 1820. Houve quem já fugindo ao monopólio do Conde fizesse (ainda que ilegalmente) moinhos. Como foi o caso do Tenente Manuel da Silva, na Lomba da Maia. Uma ‘acção de libelo’ intentada contra o Tenente Silva pelo monopolista Conde da Ribeira Grande é a prova de que este havia construído (em data desconhecida) um moinho de ribeira. Onde ao certo, não se diz. Podemos especular se não seria na ribeira do Salto, algures pela área de Trás do Pico. É também em 1820 nesses tempos de ruptura com o passado que a Lomba da Maia (antes mesmo da Maia a que ainda pertenceria até 1907) vai entrar no Concelho da Ribeira Grande. O primeiro registo oficial (conhecido) de moinhos daquela área, data de 1854 – 1855. Para a Lomba da Maia são identificados treze casais de mós. Vinte e seis anos depois, mantém-se o número de casais de mós. No entanto, dois já são atribuídos à ribeira do Salto. Em 1886, aparece um décimo quarto casal de mós na Lomba da Maia. Dois casais de mós ficam fora da baía da Viola, na ribeira do Preto. Os que parecem ficar situados na encosta da baía da Viola, são os quatro casais de mós dos Calhambazes. Os dois casais do Soalheiro, estão (ficavam) mais para dentro da terra (a uns 500 metros do mar). Fora da baía da Viola, um, em Trás do Pico (onde ao certo? Dizem-me que ficava na ribeira do Salto acima da ponte que atravessa a freguesia). Mais os dois casais de mós na ribeira do Salto (que poderiam ou não ficar mais dentro de terra). Restam outros dois, que são referidos de forma genérica: Lomba da Maia (estarão abaixo da ponte da ribeira do Salto?).

O que chegou ao século XXI (de vestígios)? Em 2024, na baía da Viola, confirmei (com a prestimosa ajuda do Vasco Pereira, dono de dois moinhos da Viola) o número de quinze moinhos. Conclui-se, então que, após 1886, os moinhos da Viola aumentaram de quatro para quinze. É notório o crescimento de moinhos em finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Quantos dos 276 moinhos do Concelho da Ribeira Grande, arrolados para 1909, 1910 e 1911, serão da Lomba da Maia? Não serão (decerto) apenas os 14 (em toda a Lomba da Maia) de 1886 mas os 15 da Viola e os três ou quatro da ribeira do Salto e outros tantos na ribeira Funda (e ainda na ribeira do Preto). Sensivelmente, a partir de finais dos anos sessenta, e por todos os anos setenta, como sucedeu por toda a Ilha, mais cedo nuns lados, mais tarde noutros, os moinhos foram fechando. Como se explica isso? Guilherme Leite, homem criado por ali, por o caso dos moinhos da baía da Viola (mas que se aplicará outros lados), deu a sua opinião: ‘Menos gente a cultivar a terra. Emigração. Pastagens. Milhos americanos. Moagens.’ Em 1988, quando visitei pela primeira vez a baía da Viola, Guilherme Carreiro Leite (tio do meu informador) ainda trabalhava em dois dos moinhos da Viola. Em 1992 ou em 1993, deixou os moinhos. Ficou o José Carapanta, no moinho abaixo do dele, que, em 1995/1996, também fechou. Nos Calhambazes, os três irmãos Carolos, o Tio Francisco (fazia dois), o Tio David (outros dois) e o Manuel Manco (um), já haviam desistido. Eram os três da Maia. O David (Pimentel Arruda) Carolo foi o último dos três irmãos a deixar os moinhos dos Calhambazes: ‘ainda ficou na Viola o Ti Guilherme. Comprei aqui na Maia uma moagem e deixou os moinhos.’

Como eram (ou como vemos hoje os quinze moinhos da baía da Viola)? Dispõem-se em três linhas distintas mas próximas (pela vereda marginal, dos Calhambazes à Viola (Frangainha) são menos de 300 metros e deste último à Viola (Chã da Viola) uns escassos trinta a quarenta metros. Os moinhos sucedem-se, uns atrás dos outros, em fila indiana. São alimentados por nascentes. Dispõem (cada um) de um casal de mós. As pedras (em comparação aos moinhos da Ribeira Grande) são mais pequenas. Os cubos estão na média de altura dos da Ribeira Grande, mas são mais estreitos. Que actividades existiram ao redor daqueles moinhos? ‘Recolhiam-se e distribuíam-se as moendas pelos fregueses. O moleiro tinha sempre uma horta, criava porcos e galinhas. Nos tempos de maior força dos moinhos, não só se faziam refeições como se pernoitava ali. A rapaziada apanhava irós (enguias) na levada. Usava isca ou de pele de galinha, de lesma ou caracóis, Para o eiró ficar bem agarrado, usava-se ‘luvas’ feitas de folhas de figueira. A minha avó fazia ensopado de enguia. Também se fritava ou cozia. Matava-se o porco e era uma festa.’ O que se faz por ali? Querendo uma visão geral da baía, o miradouro do Tio Domingos e o da Eira oferecem essa (maravilhosa) oportunidade. Querendo conhecer a área (mais) em pormenor, pode percorrer-se os dois trilhos (o da Barquinha, trilho Municipal – inaugurado em 2015 -, e o da Viola, em 2009). Para ir à praia ou visitar os moinhos, o caminho de acesso foi beneficiado (em 2003). Em 2014 ou 2015, ‘a Viola teve nadador-salvador e balneários. Há um ou dois anos, por dificuldades de acesso da ambulância deixou de ter. Com a aquisição (por parte da Câmara) em 2015 (à família Bicudo) dos cinco moinhos dos Calhambazes, procedeu-se à sua recuperação. No verão deste ano de 2024, Vasco Pereira (entusiasta dos moinhos) recuperou (às suas custas) e com a ajuda técnica de Armindo Vitória (que já ajudara a recuperar o moinho do Vale, no centro da Cidade da Ribeira Grande). Neste mesmo ano de 2024, com o intuito de criar um Centro de Trail Running, a Junta e a Câmara assinaram um protocolo. E um centro das Ondas Gigantes.

E as ondas grandes da Baixa da Viola (a baixa é a sua autora)? Em 2018 ou já em 2019, numa cartela (iniciativa da Câmara) contendo cinco mapas descritivos de Surf Spots da Ilha, com especial destaque para os do Concelho, além de Santa Bárbara, do Monte Verde, de Santa Iria, da Baixa da Maia, destaca-se: ‘A praia selvagem da Baixa da Viola.’ Que (aí se diz) oferece ‘algumas das ondas mais poderosas dos Açores.’ Porquê? ‘Forma ondas tubulares e requer muita experiência. Esta onda é procurada sobretudo por amantes de ondas grandes, estando esta muito exposta aos ventos, correntes e rochas.’ Quem terá descoberto aquela onda? Segundo Luís Melo, ‘foi o arquitecto José Luís Pires dos Santos (já falecido).’ Depois foi o José Seabra. Valendo-me de Pedro Arruda, José Seabra, em conversa com João Macedo. Fez com que, em 2012, o João Macedo fosse ‘fazer o seu primeiro tubo na Viola.’ Uma onda ‘que nesse ano ganharia o premio Moche Winter Waves.’ Além de João Macedo. ‘o Eric [Rebière] e o “Garoupinha” vão-se revezar na conquista das grandes massas de água desse inconstante e imprevisível pico da Baixa da Viola que, a quase duzentos metros da costa, lança os seus lips num arremesso de força, abrindo ondas para a direita e para a esquerda num impressionante bafo de agitação e mar.’ Conseguem (assim) ‘despertar o interesse de um outro curioso surfista, o Marco Medeiros, bombeiro e socorrista (…) pelas ondas grandes.’ Noutra ocasião, continua Pedro Arruda na sua inédita (e preciosa) História do Surf nos Açores, ‘João Macedo e Éric Rebière, desta vez acompanhados por Alex Botelho, com o apoio na mota de água do Marco Medeiros, lançavam-se não só na já conhecida praia da Viola, mas a testarem também um outro spot, uma onda distante e misteriosa que os surfistas locais conheciam e admiravam há anos, já quase no alto mar, em frente à praia dos Areais conhecida como Baixio de Santana.’ Em 2017, ‘o ano em que os Açores atingiriam um outro e mais alto patamar na sua divulgação internacional,’ graças ao ‘destemido João Macedo,’ de quem Pedro Arruda diz ser o sintrense mais açoriano, ‘o projecto EDP Mar Sem Fim’ traz aos Açores, ‘alguns dos melhores surfistas de ondas grandes de Portugal e do mundo, Alex Botelho, António Silva, João Guedes, Éric Rebière e o alemão Sebastian Steudener, que se afirmava como um dos melhores surfistas de ondas grandes mundiais, acumulando vitórias sucessivas nos WSL Big Wave Awards (…).’ ‘No dia vinte sete de Janeiro, a equipa (…) junto com o cada vez mais imprescindível Marco Medeiros, faz uma sessão matinal no Baixio de Santana, mas seria ao final da tarde, já na Baixa da Viola, o tal pico que o Zé Seabra tinha falado ao João Macedo tantos anos antes, que a história seria feita.’ Em Fevereiro de 2021, surfistas de fora reafirmam de novo os ‘locais propícios no concelho para a prática de surf em ondas grandes, nomeadamente ao largo da praia de Santa Bárbara, na zona poente, e na praia da Viola, na Lomba da Maia.’ A respeito de ondas grandes, Luís Melo, profundíssimo conhecedor das ondas dos Açores, disse-me que ‘dos Mosteiros a Santo António quando o mar está grosso aparecem algumas muito boas. A de Santana. Entre a Viola e a ponta do farol também surgem outras gigantes.’ Em Novembro, sei-o de fonte segura, se tudo correr como se espera, haverá aqui (e não só) um evento de Ondas Grandes. Com nomes sonoros de alta cotação mundial.

De olho na Baixa da Viola – Lomba da Maia – Ribeira Grande (Continua)

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 12/10/2024
Reeditado em 25/10/2024
Código do texto: T8171637
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