A Hipervisibilidade dos autores e a crítica literária – por ocasião do II simpósio nacional

Em modo de seguimento das nossas últimas aparições neste Jornal, o escopo primordial da presente comunicação é reflectir sobre a relação entre o surgimento dos novos escritores e a prática da crítica literária em solo benguelense. Para tal, entender o conceito de crítica literária e os contornos que facilitem o desenvolvimento da mesma torna-se imperiosos e em última instância reflectir sobre questões ontológicas e teleológicas como “ o que é a crítica literária?” , “quem é verdadeiramente crítico literário? ” e “ qual o papel do crítico?” além de apontar possíveis nomes locais que mergulham em tal exercício ou qualquer prática similar a essa que nos propomos a reflectir. Sobre a primeira questão, há muito que se lhe diga, na medida em que é um assunto muito badalado por conta de algumas incompreensões, preconceitos e confusão do conceito de crítica literária muitas vezes demonizado e reduzido à sua natureza julgativa e avaliativa; a verdade é que o exercício da crítica literária é necessário, porque permite o desvelamento da obra literária que por conta da sua natureza imbuída de literariedade traz consigo o espaço entrelinhas e facilita o exercício crítico de descodificação do implícito. A crítica literária é um discurso interpretativo ou analítico capaz de produzir um julgamento sobre qualquer obra, ou seja, é a avaliação real de uma obra independente dos aspectos estéticos, linguísticos a detalhar se positivos ou negativos; essa acepção está assente na sua etimologia grega “ kritike” a arte de julgar. Segundo R. Wellek (1963), a crítica literária é o estudo de obras concretas de literatura com ênfase na avaliação da mesma. Ela é o julgamento sobre a estética da obra de arte, o livro. E o seu papel, seu valor final, é servir de instrumento para analisar detalhadamente o valor estético-artístico do texto literário e apresentar, embora de um modo técnico, o discurso simbólico e metafórico patente na linguagem literária que apenas um olhar crítico pode proporcionar. Não há outro fim para crítica, a não ser dar significado a obra; a obra literária é como a banana e o comentário crítico a mão que descasca ou retira o revestimento da mesma. Por conseguinte, torna-se crítico quem é capaz de fazer operações na obra, realizar o exercício de ler as segundas leituras, aquilo que não estando explícito, está dentro do discurso literário. O crítico é essencialmente avaliativo. É conhecedor das diferentes teorias, correntes e historiografia literária, mas não fica por aí, estende-se a julgar a obra, fora disso, resume-se em teórico literário e nada mais. Essa é outra confusão conceitual muito frequente entre teórico e o crítico literário, causada pela dificuldade de determinar as fronteiras entre estas figuras. Por exemplo, um professor de literatura é necessariamente um crítico? Um crítico certamente é um teórico literário, mas um teórico é necessariamente um crítico?

Na praça benguelense, como apontámos nas aparições anteriores, o fenómeno literário local tem sido marcado pela aparição de novos escritores, um crescimento considerável, entretanto, esta hipervisibilidade nos últimos tempos caracteriza-se pela desproporcionalidade em relação ao exercício da crítica literária, já que o discurso crítico é quase inexistente, uma vez que são pouquíssimas vozes que se assumem como tal ou são assim entendidas pela comunidade literária benguelense. E não se pode ignorar esta relação desproporcional, porquanto a crítica funciona como o barómetro da qualidade textual de qualquer praça, daí ser necessário um crecimento igualitário de ambos exercícios. Não há condições em Benguela para o crescimento da leitura crítica, já que instrumentos como clubes de leitura, bibliotecas, revistas, sites de especialidade e outros são praticamente inexistentes, há sempre um a fazer a excepção a regra. No caso das bibliotecas, a maior parte é universitária que ,por conta das dificuldades que os escritores locais têm na impressão do livro, dispõe de poucas obras regionais; em regra geral, o escritor é o próprio zungueiro da obra para que essa possa esgotar. Os media têm desempenhado um papel importante em todos âmbitos da sociedade, principalmente, se o objectivo é motivar, massificar uma determinada prática, logo é um instrumento que não se pode desprezar, porém ,para o caso de Benguela, têm deixado a desejar,pois temos media que pouco dão lugar a literatura e à sua análise, não se têm traduzido em meios para fazer chegar ao leitor obras através de programas ou rubricas devidamente estruturadas, o que inspira a questão: como massificar a leitura e o pensamento crítico se as obras não chegam ao leitor?

A inexistência de jornais regionais agravam ainda mais a situação numa província como Benguela, levando os vanguardistas que possuem interesse com a criticidade literária depender de Luanda, um aglomerado de intelectuais de diferentes áreas do saber. Frequentemente, em terra das acácias quando se fala de crítica literária, na hodiernidade, faz-se menção ao professor David Calivala, de resto também é o único (que conheço) que assim se assume, tem sido uma figura incontornável quando o assunto em carteira é literatura, desempenhando um papel fulcral em lançamento de novos autores benguelenses, veja que a primeira vez que ouvimos os nomes Gociante Patissa, Job Sipitali, Paula Russa foi em sala de aula com o professor Calivala, é um promotor do fenómeno literário local, tem prefaciado algumas obras lançadas. Além desse nome, outros são poucos conhecidos, os potenciais críticos formados pelos cursos de humanidades preferem o anonimato, não comentam, não escrevem; ultimamente, temos visto a surgir ensaios de Celso Praia e Jorge Pimentel mormente no Jornal Cultura de Artes e Letras, o primeiro com pouca atenção na produção local (ressalvo ensaios que desconheço), o último um claro promotor do fenómeno literário benguelense. Na verdade, algumas dificuldades que a leitura crítica encontra são semelhantes às de outras regiões de Angola, como disse o meu amigo Haires Fernando, representante do Kwanza Sul no simpósio, sem estruturas sociais adequadas não existe desenvolvimento do fenómeno literário. Neste sentido, exige-se mais de uma província como Benguela que tem a vantagem de ser estratégica para o país, acarretando benefícios não só económicos como também sociais sobretudo no ramo da educação. À guisa de conclusão, a o crescimento de publicações deve ser aacompanhada com o conhecimento crítico para que seja possível diferenciar o bom do mau escritor e esse do mediocre. Assim, a qualidade textual tornar-se-á um objecto de discussão; por outra, é importante que os novos leitores críticos assumam a responsabilidade de olhar para as produções locais.

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Jornal O'país edição de 10.09.024

Fernando Tchacupomba
Enviado por Fernando Tchacupomba em 15/09/2024
Código do texto: T8151842
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