O governo das famílias
A família é a menor organização política possível. Incrustada diretamente nas relações de dependência ela é atingida globalmente pelo sistema das obrigações, das honras, dos favores e desfavores que agitam as relações sociais. Submetida, mas também parte ativa imediata nesse jogo movediço dos vínculos, dos bens e das ações, através das estratégias de alianças matrimoniais e obediências clientelísticas, ela mantêm a sociedade numa espécie de guerra civil permanente, ensinando as virtudes da poupança e da filantropia, e com o direito de sancionar, através de uma tutela cuidadosa, as demandas de ajuda.
A totalidade das medidas relativas à higiene pública e privada, à educação e à proteção dos indivíduos, terá inicialmente efeito ao nível dos problemas colocados para a economia pela gestão ampliada da população que ela ocupa; problemas de conservação como também de integração e, a partir disso, elas se irradiarão, fazendo da esfera industrial o ponto de aplicação e o suporte de uma civilização dos costumes, de uma integração dos cidadãos.
A família é ponto de apoio para fazer refluir o Estado como instância responsável politicamente por sua subsistência e por seu bem-estar, o que permite torná-los agentes condutores das normas estatais na esfera privada, como o resultado estratégico da acoplagem das táticas filantrópicas.
Os colégios utilizam o discurso médico como meio de controle sobre a escola: a desadaptação dos locais, vigilância das relações morais entre professores e alunos, vigilância das redondezas.
A família se mistura, em doses variáveis, entre o escolar e o familiar, o médico e o religioso, a perícia e a confissão, sendo o teatro de uma espécie de negociação permanente entre pais, educadores, o Estado e o biopoder (os centros médico-psico-pedagógicos são certamente os melhores lugares para apreciar a capacidade penetrante do biopoder no campo familiar).
Designando, na base do fracasso escolar, a má regulação das imagens, a técnica "psi", não incrimina uma pessoa em particular, nem um comportamento errôneo, mas sim as relações estabelecidas no interior da família e as representações mentais inconscientes de seus membros. Ela não pratica a injunção a mudar de normas, mas sim a incitação a um reequilíbrio das atitudes, em nome de seus efeitos sobre os outros membros.
https://psicologianosuas.com/wp-content/uploads/2017/05/donzelot-a-policia-das-familias1-1.pdf