Deus é real ou uma projeção infantil?

Deverá o querido leitor não se irritar com esse pequeno texto, onde faço um pífio ensaio a respeito da fantasia inconsciente que simbolizamos na figura de Deus. Eu escrevo neste ensaio sobre as fantasias a respeito daquilo que consideramos sagrado e de como isso é tão somente uma projeção da necessidade infantil de afeto; os devotos da fé cristã não me tenham por arrogante ou desrespeitoso, sou apenas um simples escritor falando de seus pensamentos. Deixo claro que esse texto não tem como propósito insultar a fé de ninguém, ele tem apenas a missão de trazer a reflexão para aqueles que são interessados nos estudos teológicos e do comportamento humano. Devo ressaltar também que eu não vejo nenhuma religião com maus olhos e acredito que para muitos ela seja necessária, pois ela permite que seus seguidores encontrem uma identidade.

A religião é uma parte essencial do desenvolvimento humano, nunca houve uma comunidade onde não existisse algum tipo de manifestação desse fenômeno. Estudar as manifestações religiosas é fundamental para aquele que quer compreender o comportamento humano; é um vasto campo de estudo, onde é possível conectar várias áreas do saber. Porém, detenho-me aqui apenas na visão psicológica desse fenômeno.

Como vivemos em um país majoritariamente cristão, e por ser essa a religião dos meus pais e a religião que eu segui por muito tempo, darei foco somente a ela. Mas os argumentos aqui expostos podem ser reverberados para as demais religiões.

Quando pensamos na figura de Deus, logo nos vem à cabeça um pai amoroso, que jamais abandonaria um filho seu; ainda que uma mãe abandone, Deus jamais abandonaria. Mas, ao mesmo tempo em que Deus é amor, ele também é a justiça. Ou seja, Deus é a fonte da moralidade, fonte daquilo que entendemos como certo ou errado.

Para entendermos essa necessidade de um ser superior e regulador, é preciso olhar para a maneira como estruturamos nossa sociedade. O filósofo Aristóteles sabiamente disse que somos animais políticos, nós organizamos nosso cotidiano hierarquicamente, onde o topo é a cabeça do sistema, o lugar onde as leis são determinadas e a base é a classe operária, que sustenta toda a estrutura.

Quando analisamos desta forma, fica fácil entender o papel de Deus na sociedade. Ele é o topo máximo, o Ideal a ser alcançado. Por isso, afirmo aqui que Deus é uma projeção de nossos anseios infantis pela perfeição. Perfeição esta que nunca alcançaremos, pois somos seres faltosos, tendemos a olhar o mundo de maneira fantasiosa e não da maneira como ele realmente é, tal como a criança enxerga o mundo. Quando chegamos à fase adulta, não somos tão adultos assim, pois trazemos conosco muito da criança. Por isso a figura de Deus se fez necessária, para podermos suportar o peso da responsabilidade e para podermos ter alguém para fazer o papel que nossos pais faziam. A criança não enxerga as fraquezas de seus pais, para a criança seus pais são onipotentes, igual Deus é para o religioso.

Se tirássemos Deus da sociedade, veríamos os adultos perdidos que somos, pois não conseguimos crescer e assumir plenamente a responsabilidade por nossas escolhas, agimos ainda como a criança que precisa da orientação dos pais para poder caminhar.

Para conseguirmos suportar a vida e não deixarmos o peso da responsabilidade nos tornar em pessoas cansadas e sem um motivo para existir, criamos a Deus. Projetamos em Deus tudo aquilo que somos e queremos. Deus tem características humanas, pois vemos ao mundo com um olhar humano; Deus é o topo da nossa cadeia hierárquica, então o colocamos como Ideal, como a imagem da perfeição, o exemplo a seguir. Fica fácil atribuir a Deus as atrocidades que fazemos e a esperança para que elas se cessem, pois Deus é aquele que vai recompensar os bons e condenar os maus. Para que o mundo não se torne selvagem, igual uma criança que, na sua inocência, às vezes comete coisas que seriam inapropriadas para um adulto, Deus é a bússola que vai nos orientar para não trazermos à tona nossos verdadeiros desejos, para não entrarmos em contato com nosso lado mais sombrio. Deus é aquele que vai ligar o homem e a sociedade, pois reprimimos nossas vontades para caber dentro de uma estrutura social.

A sociedade exige muito de nós, exige que matemos nossas vontades em prol dessa estrutura social. Esse ato de renúncia faz com que percamos nossa verdadeira essência e com isso nos perdemos no vazio existencial; nesse ponto crucial, Deus surge como essa figura que nos levará ao paraíso após as dores dessa vida. Deus é uma doce ilusão da criança dentro de nós, criança esta que não quer enfrentar a dolorosa realidade.

Quanto mais dura for a realidade de uma sociedade, maior será sua fuga dela. Um povo oprimido recorre a sua fé, pois ela representa um momento de satisfação em meio a tanta aflição. Porém, quanto mais feliz é uma sociedade, menos ela recorre ao recurso da fé, pois a realidade lhe é suportável sem as fantasias.

Para sintetizar meus pensamentos, Deus é uma criação humana, pois nossa capacidade de abstração nos permite criar coisas imaginárias. Assim como a criança tem seu amigo imaginário, Deus é uma reedição dessa criatividade infantil. Em Deus encontramos o amor dos pais e as punições quando erramos. Em Deus encontramos a moral que nossos pais nos ensinaram e um alívio para a dor de existir.

Se apagássemos Deus da existência, ficaríamos perdidos por um tempo; e enfrentar a realidade sem recorrer a alguma divindade nos esgotaria. Mas conhecendo uma parte ínfima da longa trajetória humana, tenho certeza de que encontraríamos um caminho.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 30/08/2024
Reeditado em 30/08/2024
Código do texto: T8140379
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