Autor: João Paulo Nascimento de Souza

Data: 29/08/2024

 

Descrição: Esse estudo textual tem como ênfase, tentarmos entender essa diferença pregada de um Deus de amor, Jesus Cristo e o Deus do Antigo Testamento YHWH. E qual a posição dos teólogos cristãos diversos, à respeito do assunto, a visão dos judeus e daqueles que são ateus, de outros segmentos religiosos ou filosóficos à respeito desse Deus.

 

 

 A severidade de Deus no antigo Testamento e o amor de Jesus Cristo no Novo Testamento

 

Essa é uma questão teológica profunda que tem sido discutida ao longo dos séculos. A aparente diferença entre o Deus do Antigo Testamento, que muitas vezes é visto como severo ou até cruel, e Jesus Cristo no Novo Testamento, que prega o amor e o perdão, tem sido abordada de diversas maneiras por teólogos de diferentes tradições cristãs. Aqui está um resumo de como alguns teólogos de tradições distintas poderiam abordar essa questão:

 

1. Calvinismo (João Calvino)

 

João Calvino, fundador do Calvinismo, acreditava na soberania absoluta de Deus e na predestinação. Ele veria a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento como uma questão de contexto e revelação progressiva. Para Calvino, Deus é imutável e seus atributos, incluindo sua justiça e misericórdia, estão presentes em toda a Bíblia. O que pode parecer crueldade no Antigo Testamento é, na verdade, uma expressão da justiça divina, necessária no contexto da aliança com Israel. O amor e a misericórdia de Deus são plenamente revelados em Jesus Cristo, que cumpre a Lei e os Profetas.

 

2. Arminianismo (Jacobus Arminius)

 

Jacobus Arminius, o fundador do Arminianismo, enfatizava o livre-arbítrio humano e a graça preveniente de Deus. Ele poderia argumentar que o Antigo Testamento destaca a santidade e a justiça de Deus em face do pecado, enquanto o Novo Testamento revela a plena expressão do amor de Deus em Cristo. Para Arminius, Deus sempre foi amoroso, mas a humanidade só pode entender plenamente esse amor através da encarnação e obra redentora de Cristo.

 

3. Protestantismo (Martinho Lutero)

 

Martinho Lutero, pai do Protestantismo, tinha uma visão semelhante à de Calvino em termos de revelação progressiva. Lutero poderia argumentar que Deus se revelou de maneiras diferentes em momentos diferentes, mas que é o mesmo Deus agindo com justiça no Antigo Testamento e com graça no Novo Testamento. Lutero também destacou a justificação pela fé, que ele via como o ponto central da revelação de Cristo.

 

4. Catolicismo (Santo Agostinho)

 

Santo Agostinho, um dos principais teólogos da Igreja Católica, acreditava na unidade da Escritura e no desenvolvimento da revelação divina. Ele argumentaria que a severidade de Deus no Antigo Testamento deve ser vista à luz do contexto histórico e do estado espiritual da humanidade na época. Para Agostinho, Cristo é o cumprimento da Lei e dos Profetas, e a plenitude do amor de Deus é revelada através de sua encarnação e sacrifício.

 

5. Presbiterianismo (Charles Hodge)

 

Charles Hodge, um influente teólogo presbiteriano, também seguiria uma linha de pensamento semelhante à de Calvino. Ele argumentaria que Deus não muda, e que o Antigo Testamento revela a justiça de Deus, necessária para preparar o caminho para a graça revelada em Cristo. A diferença de ênfase entre o Antigo e o Novo Testamento é vista como uma questão de revelação progressiva, onde o Novo Testamento completa e esclarece o Antigo.

 

6. Batismo (John Gill)

 

John Gill, um teólogo batista, veria a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento como uma questão de aliança. Ele argumentaria que o Antigo Testamento estava sob a Antiga Aliança, onde a justiça e a santidade de Deus eram enfatizadas através da Lei. No Novo Testamento, com a Nova Aliança em Cristo, a graça e o amor de Deus são plenamente revelados. No entanto, ele afirmaria que a justiça e a misericórdia de Deus estão presentes em ambos os testamentos.

 

7. Assembleianos (Thomas F. Zimmerman)

 

Thomas F. Zimmerman, um líder influente nas Assembleias de Deus, representaria uma visão pentecostal que também acredita na continuidade e na progressividade da revelação de Deus. Ele veria o Antigo Testamento como uma preparação para a vinda de Cristo, onde Deus lida com o pecado de maneira direta e severa. No Novo Testamento, Jesus revela o coração amoroso de Deus, oferecendo perdão e reconciliação. Para Zimmerman, o Espírito Santo é o elo que unifica ambas as revelações, permitindo aos crentes compreenderem a plena natureza de Deus.

 

Conclusão

 

Apesar das diferenças teológicas entre essas tradições, há um consenso geral de que o Deus do Antigo Testamento e o Deus do Novo Testamento são o mesmo, e que as diferenças aparentes são uma questão de revelação progressiva e contextos históricos diferentes. A severidade de Deus no Antigo Testamento é vista como necessária para demonstrar sua santidade e justiça, enquanto o amor de Deus é plenamente revelado em Jesus Cristo no Novo Testamento.

 

 

Algumas passagens do Velho e do Novo testamento que ressaltam esse contraste

 

 

Passagens do Antigo Testamento:

 

Destruição de Sodoma e Gomorra (Gênesis 19:24-25):

 

"Então o Senhor fez chover enxofre e fogo do Senhor desde os céus sobre Sodoma e Gomorra. E destruiu aquelas cidades, e toda a campina, e todos os moradores das cidades, e o que nascia da terra."

 

Essa passagem é frequentemente citada como um exemplo da severidade de Deus ao punir a maldade.

 

O Dilúvio (Gênesis 6:17):

 

"Eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para destruir toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará."

 

O dilúvio é um exemplo de julgamento em grande escala, onde Deus decide exterminar quase toda a vida na Terra devido à corrupção e maldade humana.

 

A Conquista de Canaã (Deuteronômio 20:16-17):

 

"Porém das cidades destas nações que o Senhor teu Deus te dá em herança, nenhuma coisa que tem fôlego deixarás com vida. Antes destruí-las-ás totalmente: aos heteus, aos amorreus, aos cananeus, aos ferezeus, aos heveus e aos jebuseus, como te ordenou o Senhor teu Deus."

 

Essa passagem instrui os israelitas a exterminar completamente certas nações durante a conquista de Canaã.

 

A Lei do Apedrejamento para Adúlteros (Levítico 20:10):

 

"Se um homem adulterar com a mulher de outro homem, com a mulher de seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera."

 

Esta lei ordena a execução de adúlteros, refletindo a severidade da aplicação da Lei Mosaica.

 

Passagens do Novo Testamento:

 

 

Perdão da Mulher Adúltera (João 8:3-11):

 

 

"Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? [...] E Jesus, inclinando-se novamente, escrevia na terra. Quando ouviram isso, acusados pela própria consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E Jesus, erguendo-se e não vendo a ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? Ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais."

 

Aqui, Jesus demonstra misericórdia e perdão, contrastando com a severidade da Lei Mosaica.

 

O Sermão da Montanha (Mateus 5:38-39):

 

"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra."

 

Jesus rejeita a retribuição, que era permitida pela lei do Antigo Testamento, e ensina a não violência e o amor ao próximo.

 

A Parábola do Filho Pródigo (Lucas 15:20-24):

 

"E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lha, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés; e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se."

 

Esta parábola ilustra o amor e o perdão de Deus, que acolhe com alegria aqueles que se arrependem, contrastando com o julgamento severo encontrado em algumas partes do Antigo Testamento.

 

O Mandamento do Amor (João 13:34-35):

 

"Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros."

 

Jesus coloca o amor ao próximo como o mandamento central de seus ensinamentos, contrastando com as leis rigorosas do Antigo Testamento.

 

Essas passagens mostram a diferença na ênfase entre a justiça retributiva e o julgamento do Antigo Testamento e o amor, perdão e misericórdia que Jesus trouxe no Novo Testamento.

 

O pensamento dos judeus sobre Deus no Antigo Testamento, conhecido como Tanakh (ou Bíblia Hebraica), é profundamente enraizado na tradição e na história do judaísmo. A visão judaica de Deus e a maneira como ela evoluiu ao longo dos séculos são complexas e multifacetadas. Aqui estão alguns aspectos importantes:

 

Visão Judaica de Deus no Antigo Testamento

 

Monoteísmo e Soberania:

 

O judaísmo é uma religião monoteísta que acredita em um Deus único, onipotente e soberano. O Deus do Antigo Testamento é visto como o Criador do universo e o governante supremo, que estabeleceu um pacto com o povo de Israel. Essa visão de Deus é central para a fé judaica.


Justiça e Misericórdia:

 

No Antigo Testamento, Deus é retratado tanto como um juiz severo quanto como um ser misericordioso. Embora haja passagens que descrevem punições severas e julgamentos, há também muitas referências à bondade, misericórdia e amor de Deus. A complexidade de Deus é reconhecida, e os judeus acreditam que Ele é justo e atua com propósito, mesmo quando as ações são difíceis de compreender.

 

Pacto e Aliança:

 

Deus faz pactos com os patriarcas e com o povo de Israel, estabelecendo diretrizes para a vida e a adoração. Esses pactos são vistos como fundamentais para a relação entre Deus e Israel.

 

Evolução e Perspectivas Contemporâneas

 

Desenvolvimento Teológico: A visão de Deus no judaísmo tem evoluído ao longo dos séculos. A tradição rabínica, que começou após a destruição do Segundo Templo em 70 d.C., enfatiza aspectos de Deus como misericordioso e compassivo, refletindo uma interpretação mais voltada para a ética e a moralidade.
Diversidade de Pensamento: Dentro do judaísmo, existem diferentes correntes (ortodoxa, conservadora, reformista, etc.), e cada uma pode ter uma visão ligeiramente diferente de Deus. O judaísmo reformista, por exemplo, pode adotar uma visão mais simbólica ou metafórica das escrituras, enquanto o judaísmo ortodoxo tende a aderir mais estritamente às interpretações tradicionais.

 

Reflexão sobre os Textos Difíceis:

 

Muitos judeus contemporâneos abordam os textos que descrevem as ações severas de Deus com uma perspectiva crítica, procurando entender essas passagens dentro de seu contexto histórico e teológico. Existem esforços para reconciliar a imagem de um Deus que ordena destruição com a ideia de um Deus amoroso e justo.


Ética e Moralidade:

 

O judaísmo contemporâneo frequentemente foca na ética e na justiça social, enfatizando o comportamento moral e o compromisso com a justiça como reflexos da vontade de Deus. Isso pode levar a uma ênfase menor nas narrativas de punição e mais na prática de valores éticos.


Em resumo, a visão judaica de Deus é complexa e multifacetada, refletindo uma compreensão profunda e evolutiva que leva em conta tanto as tradições antigas quanto as necessidades e perspectivas contemporâneas. A abordagem para os textos que descrevem a severidade de Deus varia, e muitos judeus hoje procuram entender esses aspectos à luz de uma ética moderna e de uma visão mais abrangente da natureza divina.

 

 

Críticas em obras de  autores e pensadores de diferentes tradições religiosas e filosóficas ao Deus do Antigo Testamento e Cristianismo em geral

 

Friedrich Nietzsche - "Além do Bem e do Mal"


Trecho: "Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos!"
Contexto: Nietzsche, um filósofo ateu do século XIX, critica a moralidade cristã, argumentando que o conceito de Deus é uma invenção humana que limita a liberdade e a criatividade. Ele vê a moralidade cristã, baseada no Deus do Antigo Testamento, como opressiva e antitética ao desenvolvimento humano pleno.

 

 Richard Dawkins - "Deus, um Delírio"


Trecho: "O Deus dos cristãos é, quase que indiscutivelmente, o pior vilão da história."
Contexto: Dawkins, um biólogo evolutivo e crítico do cristianismo, critica o Deus do Antigo Testamento por suas ordens de violência e punições severas, como o dilúvio e a destruição de cidades inteiras. Ele argumenta que essas ações são incompatíveis com um conceito moderno de um Deus benevolente e amoroso.

 

 Sam Harris - "A Morte da Fé"


Trecho: "O Deus da Bíblia é o Deus mais sádico e irracional que já foi imaginado."
Contexto: Harris, um neurocientista e crítico da religião, argumenta que as descrições de Deus no Antigo Testamento, que incluem massacres e punições severas, são moralmente indefensáveis e refletem um conceito de divindade que é incompatível com os princípios de moralidade moderna.

 

Christopher Hitchens - "Deus Não É Grande"


Trecho: "O Deus da Bíblia é, indiscutivelmente, o Deus mais sanguinário e desumano que se possa imaginar."
Contexto: Hitchens, um jornalista e crítico social, critica o Deus do Antigo Testamento por seu comportamento violento e punitivo. Ele argumenta que a moralidade cristã, fundamentada na Bíblia, promove uma visão de Deus que é moralmente questionável e inaceitável para uma ética moderna.

 

Karen Armstrong - "Uma História de Deus"


Trecho: "O Deus do Antigo Testamento é uma figura que muitas vezes parece cruel e punitiva, o que contrasta com a imagem mais misericordiosa e amorosa que se desenvolve no Novo Testamento."
Contexto: Armstrong, uma estudiosa da religião, observa que a imagem de Deus no Antigo Testamento, muitas vezes severa e punitiva, é uma das razões pelas quais algumas pessoas podem ter dificuldade em reconciliar a visão de Deus com uma moralidade amorosa. Ela analisa a evolução do conceito de Deus nas tradições religiosas e suas implicações para a prática da fé.

 

Esses autores e pensadores, que vêm de diferentes origens filosóficas e religiosas, oferecem críticas ao Deus do Antigo Testamento, muitas vezes baseando suas observações em aspectos da moralidade, justiça e compaixão.

 

 

 

DengosoRock
Enviado por DengosoRock em 29/08/2024
Reeditado em 29/08/2024
Código do texto: T8139773
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