SOBRE A ESPETACULARIZAÇÃO DA MORTE

O presente texto não está baseado em nenhuma bibliografia , portanto, é apenas manifestação do meu sentimento frente meu olhar ao mundo.

Sabemos que, desde que o SER Homem se reconhece como ser existente e pensante, todavia não necessariamente consciente de si mesmo na Terra e tampouco de seu destino pós morte, se iniciou uma linha Histórica da Humanidade que nos conta das distintas celebrações realizadas, de acordo com cada cultura civilizatória, por ocasião do sepultamento dos seus corpos.

A História e a Antropologia nos ensinam muito dessa dinâmica multidiversa , que também esbarra nas crenças mitológicas e religiosas das tantas Culturas.

Mas eu quero falar de hoje, do século XXI.

Morrer nunca está na agenda de quem está vivo, o acontecimento é sempre para os outros; e talvez tenha que ser assim, senão, a vida pararia frente à realidade da morte inexorável de todos nós.

Morrer, eu?

No mundo atual, embora se grite aos quatro ventos pela igualdade entre os HOMENS, estamos longe dessa realidade, nem na VIDA e menos ainda na morte.

O motivo, a meu ver , é claro: somos vaidosos, arrogantes, com plena sensação de eternidade, ainda que vindos do e voltando ao pó.

A Morte , por sua vez, nos soa como uma possível fraqueza, a notória perda do combate da vida diante da finitude certa.

Então, urgimos nos valorizar e eternizar, não apenas no cenário de vaidade tenaz da vida, como também no acontecimento da morte.

No sec XXI, a morte é um evento.

Os flashes ofuscam os mortos.

Tudo e todos são mais importantes que o corpo falecido.

A começar pelo local arquitetônico da celebração. Ou comemoração? A gente fica em dúvida, às vezes.

É preciso mostrar status e poder econômico... até na morte. É preciso se mostrar importante.

Lágrimas? Poucas. Elas já não fazem parte do chique protocolo.

Se for morte de famoso então, o prato é cheio: rende o comércio de tudo da morte, preparos, flores exóticas, , maquiagens da moda,cinzas acomodadas com glamour, aparições políticas, votos, desfile de modas, desfile gastronômico, fofocas, críticas ao evento, ainda que seja só para reclamar que o salgadinho estava mais frio que o defunto...

Já vi essas aberrações.

O que me fez chegar a esse ensaio, além da observação da vida, foi a recente morte dum homem público que DISPENSOU A ESPETACULARIZAÇÃO da sua finitude terrena.

O que também gerou discussão.

Obviamente que, se tratando dum Homem inteligente e que conhecia o ser Humano, cuja realizações em vida não careciam de ser ratificadas para ninguém, solicitou ele um velório intimista, na verdadeira essência do ato, e junto aos seus familiares.

Portanto, não permitiu ser usado na condição de morto.

Essa atitude , talvez, seja para quem já entendeu tudo.

Para quem ainda não entendeu, se torna necessário o espetáculo turbinado pelos sempre "grandes" da Terra, movidos à vaidade interminável, a de ser diferente naquilo que é absolutamente igual para todos.

A morte, a meu ver, é o único momento terreno de Justiça SOCIAL verdadeira.

Mais que isso, de Justiça EXISTENCIAL.

O resto é falácia.

Nela, vaidosos e humildes se igualam na mesmíssima condição, no paradoxo de se diferenciarem na extensão dum tomo de entendimento: absolutamente tudo nos é emprestado.

O que vou relatar sempre me vem à lembrança quando dou de cara com a arrogância mundana.

Certa vez, eu ainda era bem criança quando, num cemitério , passei por um mausoléu muito lindo e perguntei a uma tia: "por que aqui tem casas tão chiques para os mortos, tia? ".

A resposta me foi prontamente dada: " é porque quem morreu, e agora está aqui, é gente muito importante".

E eu insisti, na ingenuidade de quem ainda nada entendia de mundo e muito menos dos Homens: "mas tia, se é alguém tão importante, por que morreu?

Houve um silêncio.

A pergunta tinha lógica...hoje eu sei.

Cedo eu aprendia e me surpreendia:

A vaidade é sempre conjugada no presente porque em vida, e até na morte, ela se julga imortal.

Ao pontual e digno ato presente, o de um velório intimista, sem flashes, no surreal fantástico do hoje em dia, eu escrevo e tiro o meu chapéu:

O querido homem público recém falecido, o nosso "Rei da Televisão", o que sorriu e cantou , a recentemente partir sem levar nada do mundo, nos deixou, além do sorriso carismático do seu rosto, a melhor lição que a morte poderia deixar aos vivos:

"respeitem meu momento íntimo sem espetáculos, não me usem para satisfazer a sua vaidade, tampouco para tirar vantagens do que já soprou a vida e voltou à terra".

Penso que nenhum pó, se lhe houvesse consciência , se prestaria a tamanho desrespeito nonsense , o da vaidade moribunda que nunca tem medida para arrefecer-se de si mesma.

Que os mortos descansem na paz da verdade e na humildade de espírito.

Amém.🙏