Boca Suja
Estive lendo poemas numa madrugada, e quando menos esperava, caí em um sobre sexo explícito. Uma torrente de ideias emergiu de outras, mas a questão não foi sobre o sexo do poema escancarar sua realidade, mas sim o uso constante do palavrão. O palavrão é algo interessante que carrego na minha vida. Há em mim uma mutilação linguística suficiente para me incomodar: a falta dela. Quando sinto raiva, os pensamentos penosos borbulham em ideias malditas que me assustam, tal como os pensamentos intrusivos. Mas ironicamente, mesmo na ira, o palavrão ainda não é uma via segura. O problema, se de fato é um problema, é que me vejo censurado por uma parede invisível autoimposta e, diga-se de passagem, amoral. Sou amoral, não acho que falar seja errado, porém, não faz parte do meu vocabulário. Talvez haja um inconsciente tributo à pureza da linguagem polida e pacífica.
Minha família sempre foi do palavreado sujo. A influência familiar e nacional (pois o palavrão faz parte da carnalidade brasileira) me foram presentes, não faz sentido ir contra o ambiente no qual fui educado. A influência católica e protestante não me parece suficiente para impedir, dada a circunstância apateísta que me circunscreveu ao mundo distante do mundo dos meus pais.
Apesar de fazer um exame de consciência crítico, acredito na moderação no que se fala. Não me agrada o baixo calão se é uma pessoa tóxica, isso me avilta. Podemos relembrar da icônica Dercy Gonçalves, que toda sua ira infernal ganhava contraste com o inócuo senso de humor. Medite o sentimento de raiva, qualquer enunciado formal é incapaz de aferir a raiva genuína em nosso âmago. Ao xingar, ganha-se um tom mais cômico sem romper com a seriedade da coisa. Os velhos quando usam o linguajar vulgar é mais autêntico, soa como um protesto do coração que não suporta mais a burocracia da razão — Apenas um caralho! Um puta merda! Um foda-se! Podem exorcizar aquilo que sentimos. Mas não poderia apontar sobre a chatice dos idosos, apesar de mais autêntico, nem todo velho xinga de maneira jocosa; há milhares de mal-educados caducos num falso senso de importância. Não há razão de considerarmos eles, são apenas velhos birrentos, ainda que por parte deles há a peremptória negação disto.
Jovem falando palavrão é praticamente uma heresia — Desfavor sonoro que murcha seu poder. A banalidade de como se fala me soa como desmerecimento, porque o jovem fala como um efeito manada, segue como cordeiro o excesso da língua chula para se sentir parte do mundo. Vale ressaltar a inútil e inconsciente veneração do baixo calão: é legal falar, é descolado. Um jovem ao ler isto o que escrevo me xingaria como uma espécie de protesto, tal como sua imaturidade birrenta para refletir coisas simples do nosso cotidiano.
Seria o meu desconforto com essa linguagem uma arbitrariedade meramente hipócrita? Opto por ignorar a minha hipotética hipocrisia. O engraçado é que na arte consigo romper com esse comportamento. Ao explicar sobre minha crítica dos palavrões, fui imbuído por sua essência, algo natural que para mim já era esperado. Conseguiria escrever o poema mais sujo que Bukowski se me desse vontade. A censura é um empecilho para o artista, nada pode travá-lo, dada às concepções de arte que por muitos, é a quebra dos paradigmas. Não serei falso em dizer que em esporádicas vezes expressões jocosas me vem à mente, mas, em contrapartida, argumento que isso é influência da minha sociabilidade. Quando começo a conversar demais com as pessoas, o linguajar delas me adentra como se fosse parasita. Isto ocorre não apenas com palavrões, mas com gírias; reconheço a importância das gírias como dialeto parnasiano das regiões — Tal como a arte pela arte, a gíria cumpre o papel estético de ser substantivo dos povos. A gíria cria a manutenção duma linha de pensamento intersubjetivo; o que me chama atenção são expressões que podem parecer ilógicas, como, por exemplo, uma expressão mineira, mas que também ocorre em cidades do interior de São Paulo: bão por bosta. Como pode algo bom ser comparado com fezes? Este senso de humor brasileiro é o que compõe a nossa existência.