O cheiro de uma presença
O cheiro de uma presença.
Lá em casa tinha uma caneca.
Esmaltada. Daquelas antigas, herdadas dos antepassados.
Sei lá eu, quantos anos a caneca tinha.
Aparentava muitos descascados no esmalte, alguns amassados de leve.
Uns riscos. Cada um com sua história.
Talvez foi pisoteada por algum animal, quando fez parte dos apetrechos de viagem.
Talvez algum tiro de raspão.
Um evento em cada arranhão, as louças esmaltadas, quem conheceu, sabe que em algumas famílias, atravessaram gerações.
Eu, moleque de poucos anos, só me lembro que peguei um costume de beber água nela, sempre imediatamente depois que meu Pai bebia. As vezes até quando ele deixava algum resto. Eu gostava de sentir o cheiro e o calor da caneca, depois que meu Pai bebia.
Lembro inúmeras vezes de quando ele me pegava no colo, quando voltava da roça, durante o chimarrão com a mãe na varanda, ou ao pé do fogão a lenha no inverno.
O cheiro do seu suor era como um tiro na testa; logo eu dormia também. Usei essa técnica com meus filhos depois também, anos mais tarde.
Hoje escuto alguns filhos dizerem; nossa, o pai não usa desodorante? É ruim de abraçar ele pois tá sempre com cheiro forte parece que nem toma banho, não é cheiroso.
Eu daria um braço, hoje, para sentir o cheiro do meu Pai novamente.
E essa geração totalmente perdida, endeusa justamente a quem lhes caça para lhe atirar no desamor e na depressão.
Pais que descobrem assustados que a filha está grávida, la pelo sexto ou sétimo mês
Sinal claro que não se abraçam.
Talvez seja mesmo um mundo mal cheiroso este que está sendo construído sobre a "narrativa" de um modernismo vazio. Um mundo cheio de desamor.
(Planeta terra, Brasil, pouco antes da pandemia de COVID-19)