Intertextualidade
Prof. Edson Gonçalves Ferreira (Ms) *
Toda ação, palavra ou obra humana está intimamente refletindo outra ação, palavra ou obra humana do passado quer consciente ou inconscientemente. A esse fenômeno chamamos de intertextualidade. Existem varias definições:
a) "Todo texto é absorção e transformação de uma infinidade de outros textos". (Júlia Kristeva)
b) "Capacidade de diálogo entre diferentes textos". (José Luís Fiorin e Francisco Platão Savioli)
c) "Capacidade de uma obra-de-arte fazer uma rearticulação com outra obra-de-arte". (Edson Gonçalves Ferreira)
Depois de reler as definições acima, podemos chegar a uma conclusão básica: intertextualidade é a capacidade de um texto ou obra-de-arte dialogar com outro texto ou obra-de-arte, seja concordando ou discordando do original.
Assim, ela pode acontecer quer na Literatura, Arquitetura, Escultura, Pintura, Coreografia, Música. A exemplo, podemos citar o escultor Aleijadinho que, com certeza, bebeu nos modelos renascentistas e que, depois, reinterpretou a forma, transfigurando-a no que chamou Barroco Mineiro ou Brasileiro.
Da Fenomenologia Intertextual
Vejamos, agora, alguns exemplos de testos que se articulam, começando pelo Poema das Sete Fases, de Carlos Drummond de Andrade, que relê a anunciação do anjo à Maria, segundo a Bíblia.
Poema da Sete Fases
Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai Carlos! Ser gauche na vida.
(...)
Meu Deus, por que me abandonastes
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Analisando:
Drummond dialoga com o texto bíblico da anunciação do anjo à Maria, onde se observa o discurso masculino marcado pela melancolia "Meu Deus, por que me abandonastes..." em contraponto com a figura feminina de Maria confortada pela presença do anjo que, ao visitá-la, lhe disse que Deus estaria sempre com ela e se encarnaria nela. O anjo de Drummond vive nas sombras e é, nessa espécie de penumbra, que o poeta contempla o mundo para, depois, falar nele.
Prof. Edson Gonçalves Ferreira (Ms) *
Toda ação, palavra ou obra humana está intimamente refletindo outra ação, palavra ou obra humana do passado quer consciente ou inconscientemente. A esse fenômeno chamamos de intertextualidade. Existem varias definições:
a) "Todo texto é absorção e transformação de uma infinidade de outros textos". (Júlia Kristeva)
b) "Capacidade de diálogo entre diferentes textos". (José Luís Fiorin e Francisco Platão Savioli)
c) "Capacidade de uma obra-de-arte fazer uma rearticulação com outra obra-de-arte". (Edson Gonçalves Ferreira)
Depois de reler as definições acima, podemos chegar a uma conclusão básica: intertextualidade é a capacidade de um texto ou obra-de-arte dialogar com outro texto ou obra-de-arte, seja concordando ou discordando do original.
Assim, ela pode acontecer quer na Literatura, Arquitetura, Escultura, Pintura, Coreografia, Música. A exemplo, podemos citar o escultor Aleijadinho que, com certeza, bebeu nos modelos renascentistas e que, depois, reinterpretou a forma, transfigurando-a no que chamou Barroco Mineiro ou Brasileiro.
Da Fenomenologia Intertextual
Vejamos, agora, alguns exemplos de testos que se articulam, começando pelo Poema das Sete Fases, de Carlos Drummond de Andrade, que relê a anunciação do anjo à Maria, segundo a Bíblia.
Poema da Sete Fases
Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai Carlos! Ser gauche na vida.
(...)
Meu Deus, por que me abandonastes
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Analisando:
Drummond dialoga com o texto bíblico da anunciação do anjo à Maria, onde se observa o discurso masculino marcado pela melancolia "Meu Deus, por que me abandonastes..." em contraponto com a figura feminina de Maria confortada pela presença do anjo que, ao visitá-la, lhe disse que Deus estaria sempre com ela e se encarnaria nela. O anjo de Drummond vive nas sombras e é, nessa espécie de penumbra, que o poeta contempla o mundo para, depois, falar nele.
Com Licença Poética
Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não posso casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura)
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria vai ao mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
(do livro (" Bagagem")
Analisando:
Já o texto de Adélia, ela o inicia pedindo licença ao poeta, autorização para discordar dele. Ela faz essa discordância ao adjetivar o anjo como esbelto, o que nos remete para a figura bíblica do anjo que, na nossa imaginação, deve ser belo e, depois, invés do discurso masculino, joga com o universo feminino. Adélia chega ao ponto de declarar que ser coxo é maldição pra homem e que mulher é desdobrável.
Outra Leitura Poética
Edson Gonçalves Ferreira
Quando nasci,
Um anjo malfadado decretou:
Vai, Edson, vai ser errado na vida.
Um adjetivo muito pesado para homem,
Esta espécie tão questionada,
Um sexo tão cobrado,
E por isto, todo homem é desdobrável.
Fingir amor não nos é possível!
Assumo todos os adjetivos que me dão.
Aceito carregar bandeira
E, morando entre cordilheiras,
Grito que deste ou daquele jeito não sou, não dou, não vou.
Sou dono da minha palavra
E como ele lavro minha gente.
Semear pensamentos
E questionamentos é minha profissão.
(do livro "Uma ponte para o amor")
Analisando:
Neste poema, o leque da intertextualidade estende ainda mais as suas garras. O poeta relê Bíblia, Drummond e Adélia. A estrutura dos versos por si só já demonstra isso.
O primeiro verso difere tanto de Drummond quanto de Adélia. Edson Gonçalves só joga a idéia "Quando nasci" onde a vírgula e a mudança até de próprio verso marcam a pausa para, depois, ele entrar com a figura do anjo adjetivado diferente como "malfadado", ou seja, desditoso, desgraçado, de mau fado, de destino incerto, ruim, diferente, afinal.
O universo de "Outra leitura poética" é masculino, mas de um masculino diferenciado, sociologicamente do universo drummondiano porque, como Adélia, Edson Gonçalves diz "Aceito carregar bandeira" e até responde, depois, para a própria Adélia que "Todo homem também é desdobrável".
Conclusão:
Assim, como podemos comprovar, as produções humanas, embora aparentemente desconexas, encontram-se em perpetua e constante inter-relação.
Forma-se, na verdade, uma grande teia de idéias cujos fios se entrecruzam, sendo portadores dos bens culturais.
Existem até uma lenda segundo a qual, um dia, perguntaram a Einstein sobre a grandeza dele e ele teria respondido que não era tão grande assim, mas estava montado no ombro de outros homens e, por isso, parecia tão grande.
Ora, na fala de Einstein já enxergamos quão grandioso é o fenômeno de intertextualidade, amplificador do conhecimento.
Ao observar os aspectos da intertextualidade nos textos de Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e Edson Gonçalves Ferreira, observamos em todos eles a presença daquilo que é, filosoficamente, até ontológico: a presença de Deus.
Esse dado está na própria sacralização do discurso, da "parole". Tanto Drummond quando Adélia e Edson têm plena consciência do poder mágico das palavras que eternizam o homem.
Assim, como podemos comprovar, as produções humanas, embora aparentemente desconexas, encontram-se em perpetua e constante inter-relação.
Forma-se, na verdade, uma grande teia de idéias cujos fios se entrecruzam, sendo portadores dos bens culturais.
Existem até uma lenda segundo a qual, um dia, perguntaram a Einstein sobre a grandeza dele e ele teria respondido que não era tão grande assim, mas estava montado no ombro de outros homens e, por isso, parecia tão grande.
Ora, na fala de Einstein já enxergamos quão grandioso é o fenômeno de intertextualidade, amplificador do conhecimento.
Ao observar os aspectos da intertextualidade nos textos de Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e Edson Gonçalves Ferreira, observamos em todos eles a presença daquilo que é, filosoficamente, até ontológico: a presença de Deus.
Esse dado está na própria sacralização do discurso, da "parole". Tanto Drummond quando Adélia e Edson têm plena consciência do poder mágico das palavras que eternizam o homem.
* Mestre em Artes e Educação pela AWU/USA, membro da Academia Divinopolitana de Letras e da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, é assessor de imprensa, comunicação e gabinete da SRE-Divinópolis, professor de Português Instrumental e Oficina de Textos da FACED, jornalista do JORNAL AGORA, articulista da Mastercabo e do Informativo da Adimóveis.