Enquanto o filme não começa (devaneio quase filosófico sobre o Outro que habita em mim)
Em que medida as questões do outro me afetam?
Há nisso a consciência e a concordância de que às coisas que afetam o outro, também podem me afetar?
Duas questões. Duas possibilidades de respostas.
O outro em relação a mim, isto é, sob essa perspectiva, não é outra coisa senão algo externo a minha pessoa. Eu, e ninguém mais, sou a medida de mim mesmo. Não estou obrigado, nem vinculado, se eu não desejar, a outra pessoa. Sou, por assim dizer, minha própria ilha. Existo em mim como uma certeza que só o é porque ao me olhar defronte ao espelho vejo eu refletido. Todavia, não compatibilizar nem compartilhar, com o outro, não cessa em mim essa consciência de que o outro existe. Só não está comigo como uma espécie de segunda pele. Eu sou eu, e reconheço no outro, sem querer sua inexistência, que ele também seja ele na sua própria existência. Não compartilhar os mesmos acontecimentos é sinal do reconhecimento de que somos nós em nós mesmos. Porém, mesmo que viventes no mesmo tempo e espaço, temos nossas próprias prerrogativas. Temos o senso de distinguir o que nele, no outro, pode significar uma hecatombe, em mim, pode não ter qualquer efeito, e vice versa. Absorvemos de maneiras diferentes, sentimos de maneiras diferentes, acontecimentos ou eventos, mesmo que vivenciados no mesmo instante, no mesmo tempo e espaço.
A individualidade é a certeza que cada ser é um e ele próprio. Nisso não decorre uma apologia ao individualismo. Não significa enaltecer, como um decreto, que sermos nós em nós mesmos, significa negar a importância do outro em minha vida, não! O sujeito estóico é aquele que se reconhece com tanta ciência, com tanta consciência de si para si, que não se permite conjecturas que possam desgastar sua própria existência, é um cuidar-se, de não se permitir perder a própria paz com coisas ou assuntos irrelevantes. Não exigir desculpas de quem lhe causar aborrecimentos, apenas despreza-lo poderá ser mais eficiente que discutir.Esse sujeito não é um apologista da indiferença, nem, tampouco, um ser tão egóico que não vê nada mais além dele mesmo. Não se trata disso. O sujeito estóico é aquele que transita no mundo ciente de que o mundo existe, independente dele, mas que sabe viver sem se deixar "contaminar" pelas "ofertas" que mundo lhe manda. É um sujeito tão ciente de si para si, que reverencia o silêncio como medida de sua própria existência. É no silêncio que o sujeito estóico adquire sua maior obra.
Nesse sentido, o eu, que não nega a existência do outro, mas, não se permite deixar se levar por ele e em função dele, é como uma adaptação do sujeito estóico de outros tempos. Não cabe aqui julgar se isso é egoísmo ou individualismo, até porque, julgar, em si, e por si, já é uma atitude egóica, pois, ao julgar, julga -se segundo os parâmetros de quem julga.
Por fim, em que medida as questões do outro me afetam?
Me afetam na medida em que ao reconhecer no outro uma espécie de projeção, ou complementação, de mim, enquanto ser humano que somos, não posso deixar de reconhecer que tudo que afeta o outro, me afeta, porque ele é minha extensão humana, eu a dele.