O convite das flores
Se uma flor que atrai os insetos para seu néctar, por causa de suas cores, resolve chamar alguém para apreciar sua beleza, ordena que esse apreciador a perenize e uma câmera fotográfica de um aparelho eletrônico, composto de maneira multifuncional, realiza aparentemente de maneira técnica esse desejo, o fotografador cumpriu o desejo da flor.
Não está incorreto o indígena que dizia que tirar foto é roubar a alma do fotografado. A imagem imobilizada de qualquer coisa ou ser dentro de uma máquina guarda não só a alma, mas mostra o presente e o futuro, e de fato, está ali a alma do ser, pois mesmo que esse pereça realizando a potência de efemeridade que lhe é próprio, sua imagem permanecerá por algum tempo e será somente essa imagem que dará testemunho de sua existência fugaz, uma vez que a memória da beleza de uma flor é mais transitória ainda e as borrachas da vida com sua aridez faz seu trabalho de apagamento do que poderá ter sido somente estímulos sensoriais ainda que fazendo parte da visão.
Não me sinto um ladrão de alma por meio de fotos. Foram as flores mesmo que me convidaram para registrar sua passagem alígera sobre o planeta dos vegetais. Porque a terra é dos vegetais, os animais só sobrevivem por causa deles e sem os animais e os homens os vegetais podem continuar existindo e fazendo seus processos cíclicos de surgimento, esplendor e apagamento, porém sem as plantas animais e homens perecem.
A técnica de uma pequena máquina que capta a efígie de um ser multicolorido também pode trazer a flor para dentro da máquina, embora a preserve dentro de si mesmo. Essa é uma técnica de uma sublimidade fascinante pois fixa a beleza, que não se apresenta só ao olho nu, no entanto, torna-se perene pelo olho coberto por lentes. A ilusão da beleza é dessa forma registrada e ainda que o ser que o deu suporte se esfacele em pétalas, ele, contudo, estará unido por um passado imagetizado no presente para extasiar outros olhos no futuro. É dessa forma que a beleza transcende.
As flores reunidas em forma de imagens em um álbum eletrônico ou uma galeria de pedaços de vida, mundo e universo organizado com beleza, sedução, ternura e sensibilidade, essas flores todas juntas fizeram sua assembleia e determinaram por decreto que aquele que as entesourou ali deveria agora mostrá-las às pessoas mais belas do mundo, aos seus amigos.
Essa decisão ocorreu no tempo de desfazimento do que era a terra e no tempo de recolhimento de muitos à solidão de si mesmo para não perecer vitimado por seres que não conhecem e nem se importam com as belezuras. As flores, elas mesmas, se reservaram a missão de ir até as pessoas, dizer para elas que beleza não é somente para os olhos próximos, porém ela perfaz mundos, muros, estradas, distâncias e vão para olhos distantes.
É a partir do olhar dessas imagens que a beleza pinta a si mesmo e a todos os que a permitem desenhar e não pode ficar escondida porque beleza só é ela própria, só chega à existência quando é mostrada, quando leva uma ponta de fidelidade para quem a admira.
Foi por isso que tive que fotografar flores e enviar essas fotografias para alguns amigos por meio virtual porque todos nós nos isolamos para nos proteger de um vírus. Era uma maneira de dizer que apesar de separados estamos juntos.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 16 de maio de 2021