O resgate do Monte Verde – XII

O resgate do Monte Verde – XII

Neste ano de 2024, apesar das centenas de banhistas e carradas de surfistas que a frequentam, estes últimos não só na época balnear mas ao longo de todo o ano, o mais que a praia do Monte Verde conseguiu foi ser ‘praia de água balnear.' Seja lá o que isso queira dizer. Pelo ‘que [valha-nos isso] durante a época balnear já tem direito a um nadador-salvador e a balneários.’ Porquê? ‘Porque as análises acusam – frequentemente -, matéria orgânica.’ Como se sabe isso? ‘são colhidas amostras de água para análise em dois locais: um, a poente – junto à ribeira Seca; outro, a nascente, junto à foz da ribeira Grande e da levada dos moinhos [Na zona do Restaurante Farias]. Fazemos, com regularidade, todas as semanas durante a época balnear - do mês de Junho ao mês de Setembro inclusive. No resto do ano, fazemos, de duas em duas semanas.’ ‘De vez em quando, acusa no lado nascente [foz da ribeira Grande e da levada dos moinhos da Condessa], no poente - estou aqui há seis anos -, nunca acusou. O que acusam as do lado Nascente? ‘Fezes à superfície com a chuva são arrastadas para a ribeira. Problemas com as vacarias, como a que aconteceu há dois anos.’ Que substâncias são detectadas? ‘Ecolis, etc.. Causam gastroenterites, afecções cutâneas.’ O que faz com que, muitas voltas e meia, às vezes mais de uma vez ao logo da época balnear, a praia fique interditada.

Para quem não saiba ou ande distraído, alguém (deste ou do outro Mundo) rogou três pragas ao infeliz Monte Verde. Primeira: quem ali fosse ‘tomar banho’ arriscava-se a ir ‘mais cedo para a companhia dos pés juntos.’ Praga partilhada com Santa Bárbara, mas (muito devido aos surfistas e aos nadadores-salvadores) já não apoquenta mais do que deve apoquentar. Segunda: garimpo da areia. Outra praga partilhada com Santa Bárbara, mas que (felizmente) já não apoquenta. Terceira: lixo orgânico. Enquanto se mantém o flagelo no Monte Verde, deixou de apoquentar Santa Bárbara. Já não vemos por ali gado, iam ganhar apetite e livrar-se de ‘impolas’ incómodas, os efluentes domésticos estão a ser controlados, felizmente ninguém atira lixo ao mar como dantes, nem a vala dos moinhos é a cloaca de outrora (apesar de ainda não ter deixado por completo), agora o mal vem sobretudo (mas não só) das pastagens. Vai haver sempre enxurradas (mais ou menos controladas), que são (sem elementos orgânicos patológicos) a verdadeira fonte de riqueza do areal. Sem elas, não há mais areia. Leia-se Gaspar Frutuoso.

A 3 de Junho de 2024, doze dias depois de uma conversa com o colega responsável pelas praias, abate-se uma nova enchente. Análises realizadas no dia seguinte, levaram à interdição da ‘Praia do Monte Verde.’ Foi interditada não pela cor barrenta da água, nem pela matéria vegetal, ambas bacteriologicamente inofensivas, mas pela matéria animal (orgânica) proveniente ‘dos terrenos [leia-se pastagens] a Sul da Cidade.’ Acusaram ‘valores microbiológicos’ que ditaram a sua interdição. Como consequência, a etapa do Nacional do Surf (patrocinada pela autarquia), prevista para os dias 21-23 para o Monte Verde, foi forçada a transferir-se para o pico da Ganza da praia de Santa Bárbara (com poucas ou nenhumas ondas, ao contrário do Monte Verde). Em declarações à imprensa, o Presidente da autarquia calculava (antes mesmo de ser levada a cabo uma averiguação posterior mais pormenorizada) os prejuízos em ‘meio milhão de euros.’ Pelo seu lado, a Associação Agrícola de São Miguel (sediada na Ribeira Grande, mas referindo-se não só à Ribeira Grande), que defende a lavoura ‘alerta para prejuízos na agricultura causados pelas condições climatéricas.’ E ‘mais uma vez, lamentou “profundamente que continue a não existir um seguro de colheitas capaz de cobrir as necessidades do sector agrícola” e solicitou ao Governo Regional dos Açores e ao Governo da República “que sejam capazes de agilizar procedimentos, para que este instrumento de grande utilidade tenha a devida aplicação na Região.” Grande parte, entenda-se, são milhos destinados ao gado.

No mesmo dia em que falei com o colega responsável pelas praias, falei com o colega veterinário, que aqui trabalha há pouco mais de três anos, que confessou já ter tido entretanto ‘várias ocorrências no Monte Verde. Causas? ‘O uso indevido das estrumeiras nos viteleiros. A começar pelo cálculo da sua capacidade. Inicialmente seria para um certo número de animais, posteriormente, a manada cresceu. Essa é uma das razões. A outra é a retirada precoce dos excrementos das estrumeiras. A regra (que muitas vezes não é cumprida) prevê que deva estar três meses (assim eliminam-se as bactérias nocivas), porém, por vezes, passadas apenas duas semanas, lançam aquilo nas linhas de água. Para amenizar os cheiros, há pastilhas, mas como são caras, não as colocam. Outros, depois dos tais três meses previstos, usam-no como estrume. Desembaraçam-se de qualquer maneira para a via pública ou para as ribeiras. E chega tudo ao Monte Verde onde as análises acusam percentagem elevadas de elementos patogénicos.’

À primeira vista, sem conhecer a fundo o problema que afecta o Monte Verde, custa engolir que as Poças (ali mesmo na sua continuação) e Santa Bárbara (ali no outro lado do Bandejo) sejam contempladas com uma Bandeira Azul e o Monte Verde (ali ao lado) nem sequer seja uma mera zona de água balnear. Mais custará ainda a engolir, se nos lembrarmos que foi berço do surf da Ribeira Grande (e da sua expansão na Ilha), que acolheu o primeiro campeonato Europeu de Surf e é frequentada (ao longo do ano) pelas escolas de surf e bandos de surfistas e bodyboarders.

Recuando a 2022, lembrando (porém) o leitor de algo semelhante que ocorrera no ano anterior, um jornal dá a notícia: ‘Praia do Monte Verde não recomendada a banhos.’ Desta vez a GNR apanhou ‘em flagrante delito a descarga ilegal de efluentes [uma vacaria que é limitada a nascente pela ribeira do Teixeira e a poente pela ribeira Grande].’ ‘Não é a primeira vez que a Ribeira Grande é notícia por descargas de efluentes para as suas ribeiras. Ainda no ano passado [2021], uma situação idêntica levou à interdição de banhos na praia do Monte Verde, por contaminação das águas, mas, na altura não foi possível identificar a fonte emissora.’ Na mesma altura em que a autarquia anunciava a sua vontade de se candidatar a Reserva Mundial de Surf, que apresentava um plano destinado em exclusivo ao Monte Verde e envidava esforços (e muitos euros) para ligar os afluentes domésticos à ETAR, o Presidente ‘lamenta que esteja a ser feito uma campanha para trazer as pessoas às praias do Concelho, depois há prevaricadores.’ O prevaricador, como se pode ler no jornal, foi identificado e multado (multa ligeira).

E no ano passado? Em 2023, foi o mesmo. Ou pior. Havendo sido ‘reportadas denúncias através do portal “NAMINHAILHA,” da Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas,’ sem que até então houvesse resposta, em ano eleitoral, os deputados do PS fizeram bandeira disso. Que havia feito neste sentido o Governo Regional nos últimos três anos, junto das entidades públicas e privadas, para mitigar os problemas. Indagaram. E “se foram registados autos de contra-ordenação ambiental nesse mesmo período?” Solução? Ora, como seria possível se ‘nem a verba prevista no Plano de Investimentos da Região para 2023, de 800 mil euros, “tem sido canalizada para efectivos trabalhos de monitorização e manutenção da rede hidrográfica.’ Apesar de ser ‘um problema que comporta um elevado risco para a saúde pública e que compromete a qualidade de vida dos moradores, bem como dos utilizadores das zonas balneares que, além de confrontados com o odor nauseabundo que se faz sentir, já viram essas zonas interditadas devido à má qualidade da água.’ Se houve promessas durante a campanha eleitoral (como geralmente acontece, umas mais generosas do que outras) (contados os votos, proclamado o vencedor, como sempre acontece, situação e oposição remeteram o assunto para não se sabe onde.

Tanto quanto já consegui saber, virá de longe as tentativas (até hoje todas frustradas) de fazer do Monte Verde uma praia normalíssima como as outras. Já em 1949, D. Lopo de Sousa Coutinho, mais conhecido por Conde de Caminha, numa arrojada proposta de urbanização para a Ribeira Grande (hoje, sem que se dê conta disso, talvez por ignorância, a proposta está sendo em larga medida posta em prática), transforma o Monte Verde (e sua área circunvizinha) num dos eixos urbanos principais (se não mesmo o principal). A sua localização, no coração da antiga Vila, era (e continua a ser) única. Daí poder vir a ser um verdadeiro motor de desenvolvimento. Nesse ano de 1949, Jorge Gamboa de Vasconcelos, numa discussão ‘bizantina’ com o Presidente Lucindo Rebelo Machado, a propósito de a Vila da Ribeira Grande poder ser já candidata aos foros de Cidade, recusou aceitar (mesmo a título de mera hipótese) a ideia (como defendia o segundo) sem que antes se pusesse cobro aos seus problemas de saneamento. Jorge não o diz, di-lo-á preto no branco mais tarde, mas a resolução do problema, implicaria inevitavelmente o resgate do Monte Verde. Por essa mesma altura, prolongando-se até inícios da década de sessenta, ter-se-á dado início ao aterro que ligaria a actual Vila Nova ao Bandejo – a chamada rua da Areia. Em 1971, terminados os aterros da rua da Areia, assim como (em grande parte) o bairro da Vila Nova, o engenheiro Fernando Monteiro e a sua equipa de vereadores, melhoraram o acesso à praia do Monte Verde e criaram (junto aos moinhos da Areia) um espaço de estacionamento. Isso aconteceu ao mesmo tempo que pretendiam (no caso, sem sucesso que se conheça) melhorar o acesso à praia dos Moinhos pela Ladeira da Velha. Nessa mesma década, como desgraçadamente também aconteceu à Praia de Santa Bárbara, a exploração de areia cresce brutalmente. Espantosamente, se na Praia do Monte Verde (por várias razões) não chegou a dar nas vistas, nem causou tanto banzé, a verdade é que (segundo uma tese de Doutoramento) - ainda assim -, ter-se-á daí extraído apenas um terço menos do que se tirou de Santa Bárbara.

De novo de volta à década de setenta. Acentua-se (então) uma tendência (geral) de mudança. Que afectaria (e ainda afecta) o Monte Verde. A pecuária ocupa rapidamente o lugar deixado vago pela agricultura. Como teria sido antes dessa substituição? Ezequiel Moreira da Silva, escrevendo em 2005, tira um retrato fiel: ‘Nesses tempos [antes dos anos 70], as pastagens permanentes não apareciam ali. Estavam mais para cima, noutras altitudes, nas faldas da Serra da Água de Pau e numa dimensão muito mais humilde do que agora ostentam.’ ‘Os agricultores ou camponeses, que traziam as terras maioritariamente de renda [sobretudo de donos de Ponta Delgada], faziam o seu cultivo e orientavam toda a sua vida de trabalho à volta delas. E os lavradores que possuíam algumas vacas de leite, o qual era, todos os dias, vendido aos quartilhos e à canadas pela porta de cada um e à sua própria porta e possuíam, sobretudo, bois de trabalho, arados e grades de madeira e, muitas vezes, também um carro de bois e carroças.’

Em 1981, ano em que a Ribeira Grande finalmente foi elevada a Cidade, em colaboração com a RTP/Açores, Jorge Gamboa (na qualidade de historiador que conhecia a História da Ribeira Grande – sua terra -, como ninguém e de Delegado de Saúde), põe de novo o dedo na chaga: relembra o flagelo do saneamento básico. Na sua óptica, a Via litoral e a Praia do Monte Verde (já) fazem parte da solução do problema. Rosa Lourenço, médica continental (casada na Ribeira Grande) no Hospital da Ribeira Grande (que passaria a Centro de Saúde por Decreto Regional), recorda que por esta altura e até anos mais tarde, a partir do mês de Junho e até Setembro, sucediam-se em catadupa as gastroenterites (devido ao não tratamento das águas). Até diz que quando na Ribeira Grande se passou obrigatoriamente a ir nascer (por decreto) a Ponta Delgada o espaço deixado vago da (anterior) maternidade no Hospital (agora despromovido a Centro de Saúde) foi destinado às ‘gastroenterites’ estivais. Sem ligarem ao perigo das gastroenterites e outras mazelas nem sequer ao papão do mar do Norte, a Praia do Monte Verde a partir dessa década de oitenta começou a ser (assim como a de Santa Bárbara, Santa Iria e as ondas de Rabo de Peixe, um dos locais favoritos (e mais procurados) dos surfistas da Ilha. A praia (nesse entretanto) foi atraindo mais e mais gente da própria Ribeira Grande, da Ilha inteira e de fora (sobretudo turistas). Regressado em 1983, fui frequentador de segunda a segunda daquela praia. Vi – pela primeira vez -, surfistas ali. Achava piada. Estamos no Hawaii, lembro-me de ter dito a um amigo. Vi a praia cheia. Gente que ia ao mar. Gente que jogava futebol. Voleibol. Vi uma barraca improvisada onde havia refrigerantes e sandes. Duches de água doce. Mas também vi dezenas de vacas que deambulavam pela praia. Dizem-me que na década de setenta, já lá havia outro tanto. Mas só um raro surfista. Talvez ‘estrangeiro.’ Ou quem sabe dos pioneiros das Milícias.

Em 1995/6, João Brilhante, ao avistar uns miúdos da Ribeira Grande a surfarem à sua maneira por ali, chegando-se a eles desafiou-os a surfarem como deveria ser. Mais de uma trintena aderiria. Na entrevista que concedeu em 1997 ao jornal Açoriano Oriental, denuncia frontalmente o problema da água daquela praia: ‘As pessoas acham que o mar é uma lixeira. As águas são porcas e até se torna perigoso para a saúde, já que não há saneamento básico.’ Além disso, ‘não têm boa apresentação, nem balneários.’

Passados vinte dias da entrevista a João Brilhante, José Stone/António Valdemar, jornalista de renome do Diário de Notícias, de férias à sua terra-natal, onde assiduamente frequenta as Poças, num artigo também publicado no Açoriano Oriental, insurge-se contra a péssima situação sanitária daquela praia: como é possível que seja ponto de encontro de escolas de surf, de competições apoiadas oficialmente e não tenha sequer um nadador-salvador? Com o é possível aceitar-se a poluição causada pela extracção da areia do tufo? Urgia pôr cobro aquele escândalo. Em 1990, na Bandeirinha (ao cimo dos Foros) um industrial extraía areia do tufo devolvendo (de seguida, sem a tratar) a água à ribeira. Dando um aspecto detestável às águas do Monte Verde e das Poças. Foi (entretanto, não sei exactamente quando) encontrada a solução. Construiu-se uma bacia de decantação (com piscinas sucessivas), em que a água é separada das lamas. Entretanto, a maior fábrica de lacticínios dos Açores e do País já não fazia descargas para a Rochinha Preta, a autarquia (é incrível, mas aconteceu) deixara de despejar lixo no funil (no mesmo local) (estrutura em betão que levava o lixo ao mar) e o matadouro municipal também já não o fazia. Ainda por esta mesma altura, sentiu-se (pela primeira vez) o impacto das descargas da geotermia. Lançavam à ribeira Seca a água dos poços geotérmicos: água que vinha desaguar no Monte Verde (na área dos espinafres). Fonte oficial da empresa, garante que é reinjectada a partir de 1997. A cheia de 10 de Setembro de 1997, encarregar-se-ia de trazer outras fontes de poluição. Trouxe da terra, algo só por si inócuo, arrastou troncos de árvores (que causaram prejuízos mas não prejudicaram a qualidade da água). Trouxe areia que reabasteceu o Monte Verde. E matéria orgânica proveniente das criações de gado. Essa afectando a qualidade da água do Monte Verde. A 1 de Outubro de 1998, uma nova cheia.

Em 2001, enquanto a Câmara (espicaçada pela opinião pública, por banhistas e pelos surfistas) abria (com um mínimo de condições: nadador-salvador, duches e um parque de estacionamento improvisado) a praia de Santa Bárbara, a Junta de Freguesia da Conceição (não querendo ficar atrás) fez outro tanto na do Monte Verde. Havia já lá um espaço adaptado a estacionamento, o acesso era muito fácil, bastou fazer uma limpeza sumária, (re)instalar duches e promover actividades lúdicas. Sendo boa a intenção, a realidade foi péssima: os maus resultados das análises às suas águas (feitas ocasionalmente antes de 2005 – sempre que se afigurava haver problemas -, e só regularmente após 2005) impediram-na de ir tão longe quanto foi Santa Bárbara. Apesar disso, contra proibições do Delegado de Saúde ou (esporádicas) surtidas da GNR, banhistas e surfistas, pondo em risco a sua saúde, não arredaram (nem arredam) pé. Luís Melo e os seus pupilos do Clube Naval de Rabo de Peixe ou do Clube Naval de Ponta Delgada, são exemplo do que digo. Mais. Três anos depois, em 2004, a escola de Surf criada (entretanto) por José Seabra, ia lá treinar regularmente. A 2 de Fevereiro de 2004, uma inundação.

Em 2006/2007, quando a vereação chefiada por Ricardo Silva decidiu dar outro rumo ao areal de Santa Bárbara (já não objecta de uma mera intervenção cosmética), decidiu também fazê-lo na Praia do Monte Verde. Aliás, o plano era intervir em todas as praias da Ribeira Grande (Concelho e Cidade). Mais uma frustração, cedo se concluiu que ali (ao contrário de Santa Bárbara) a situação iria exigir uma solução profunda e radical. Entretanto, em Abril de 2007, ocorre outra cheia (que teve influência no Monte Verde). Em 2009, num ofício dirigido ao Delegado de Saúde da Ribeira Grande, a associação ambientalista Amigos dos Açores faz soar o alarme. ‘a situação que se está a verificar no areal da cidade, junto à zona onde desagua o canal que alimenta os moinhos de água, vulgo Praia do Monte Verde. Sendo esta uma zona de saída de águas impróprias para o uso balnear, pelo cheiro que emana, pelos detritos que arrasta, e mais grave, pelas descargas ilegais de águas provenientes da limpeza de fossas sépticas que nela fazem, é do nosso entender que a utilização da zona para uso balnear não é aconselhável para a saúde. O que nos preocupa é ver a utilização despreocupada daquela zona, pela população local, e não só, sem que haja qualquer informação sobre os perigos de utilização do referido espaço como zona balnear.’ O Delegado de Saúde, perante o que aí era dito, vai ao local verificar, e perante o que vê, notifica a autarquia: ‘seria de todo importante que fossem colocadas placas informativas relativas à qualidade da água e sinalética indicativa de desaconselhável à prática balnear, a fim de que qualquer cidadão tenha conhecimento e tome as suas precauções.’ A Câmara ciente da situação e querendo resolvê-la, responde: ‘Relativamente à chamada boca da levada onde alguns esgotos por vezes desaguam, trata-se efectivamente de um problema que só com a construção da futura ETAR da Cidade, já projectada, é que irá ser definitivamente resolvido.’ Quem conheça bem a vala e a sua captação, na zona da Mãe de Água, sabe que a água que circula na vala passa, a montante da Mãe de Água, próximo de pastagens (problemáticas) e só depois (já dentro da vala) passa pelas casas ao longo dela. Voltando à Câmara. Enquanto não constrói a ETAR, faz o que pode: ‘Importa antes do mais salientar que tem vindo a ser preocupação constante pugnar pela limpeza da praia, quer do areal, quer da zona circundante, a fim de tornar aquele espaço mais aprazível para quem o frequenta, seja para tomar banho ou não. Levamos a cabo várias acções de limpeza, não só na época balnear mas no decurso de todo o ano. Adquirimos uma máquina de limpeza de praias que tem mantido a mesma em óptimas condições. Dotamos a mesma de dois balneários móveis de apoio com duche, casas de banho e vestiários.’ E ainda mais fazia: ‘Temos análises mensais realizadas pelo INOVA, a pedido da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, que desde o início da monitorização, 20 de Maio, classificam a água como boa. Instalamos, e de acordo com a Capitania do Porto de Ponta Delgada, placas a informar que estamos perante uma Zona Balnear Não Vigiada.’ Porquê?

Em vista do exposto, resultou daí uma tomada de posição pública (moderada) da Delegação de Saúde: colocação de um simples alerta aos banhistas. A Capitania do Porto opôs-se. Ainda assim, em 2007, a Câmara instalara no Monte Verde dois módulos de apoio aos banhistas: duches, balneários e casa de banho. Ironicamente, em 2009, ano seguinte à realização da primeira prova do Campeonato Nacional de Surf na nova praia de Santa Bárbara, a praia do Monte Verde (não havia ondas em Santa Bárbara) seria a primeira praia açoriana a acolher um Europeu e (mais tarde) um Mundial de Surf. No entanto, não era (de todo) possível resgatar o Monte Verde sem o Passeio Atlântico (ou via Litoral). Para tal, aproveitando a realização do seu primeiro troço e planeando já o seguinte, a autarquia avança: acabou com as descargas de efluentes domésticos a céu aberto junto à foz da ribeira Grande. E (de seguida) projectou uma ETAR (que já na vereação de Alexandre Gaudêncio) seria substituída por uma estação elevatória que conduziria a uma ETAR (como se verifica agora). Espera-se que resolva grande parte dos problemas que apoquentam o Monte Verde. Ou seja, os da levada (em grande parte, pois, subsistem os casos de algumas casas e do que entra das pastagens a montante da Mãe de Água) e os domésticos.

Ultrapassados esses problemas, é a vez de dar solução ao chorume (merda e urina). Apesar de ser um problema bicudo, a meu ver, em querendo e com boa vontade, é resolvido mais depressa do que se possa pensar. Falei com empresários, produtores, moradores e técnicos. Li diversos trabalhos científicos. Visitei os locais mais sensíveis. Do que li, conversei e vi, resulta o que abaixo resumo. O código de Postura Municipal e a legislação regional é (pelo que li) excelente, no entanto, pelo que vejo, fica muita aquém na sua aplicação. Por que será? Muitas tutelas? À primeira vista, seria óptimo. Mas não funciona. A começar por um licenciamento que nunca deveria de ter acontecido. Porquê? Falta de meios? Em parte, mas não só. Falta de vontade política? Sim. Medo? Ui, ui, acho que a situação se deve a este medonho medo. Trocando impressões, avisaram-me: não te metas com essa gente! É um lobby com muito poder. Demasiado. Ora, como já pensava pela minha cabeça no tempo de Marcelo Caetano, estou-me completamente nas tintas para o que me possa vir a acontecer com esse meu acto de liberdade. Assim, venha o que vier, proponho o que se segue. Para controlar a situação, por que não uma ‘central biodigestora que recolhesse e transportasse o chorume das explorações’? Ponha fim às maiores queixas: ‘a praga dos cheiros, o uso de pesticidas, a infiltração de fosfatos nos lençóis de água.’ Produziria (até) gás metano. Os lavradores (melhorariam a sua imagem pública) e fariam dinheiro. Não se trata de ficção científica, é pura realidade (e corrente) em países tais como a Alemanha, a Dinamarca, a Itália e mesmo aqui na Ilha há uns bons 50 anos. Pasme-se, até já houve um projecto nesse sentido, porém, liminarmente chumbado. Porquê? Se se pretender ir à raiz do problema, por que não adquirir as (poucas) explorações que afectam o Monte Verde? A Região já o fez para salvaguardar as lagoas das Furnas e das Sete Cidades ou as nascentes do Monte Escuro. A autarquia tem-no feito (também) para algumas nascentes sensíveis. E é provável que tenha de o fazer em outras mais. A saúde pública, a economia, a dignidade e a boa imagem da segunda Cidade dos Açores (a nível de impostos) e a terceira em termos populacionais não pode ficar mais tempo refém dessa situação. Enquanto isso não se faz, fica em causa a credibilidade da Marca capital de Surf e coloca-se em cheque a pretendida candidatura a Reserva Mundial de Surf. Creio que o urgente (e inadiável) resgate do Monte Verde não irá custar mais do que custou o resgate de Santa Bárbara. Aliás, irá trazer retorno: ‘Aquelas praias [Santa Bárbara e Monte Verde] valem oiro!’ Ouvi dizer isso a um empresário de fora. A mera expectativa de que (qualquer dia) o Passeio Atlântico vai unir as duas praias e que unirá a Areia à Rotunda do Surfista, ainda que o investimento público regional sempre prometido mas nunca concretizado, já trouxe um Restaurante da cadeia Mc Donalds (actualmente em construção na Rotunda do Surfista). De um alojamento local instalado no velho (e desactivado) moinho da Areia. E melhoramentos (substanciais) no Restaurante Monte Verde. Que começando de forma manhosa, numa garagem em inícios dos anos noventa, tem evoluído para Bar/Café e Restaurante. Além, dos projectos (privados) em curso. O investimento inicial (e arriscado) foi o do Restaurante e Bar ALABOTE: pôs a Ribeira Grande ao avesso, a rua Direita voltada ao mar. O prolongamento da rua do Estrela (Avenida José Nunes da Ponte), o avanço do Passeio Atlântico e a via rápida levaram (em 2021) à abertura do primeiro hotel nas dimensões das do Hotel Verde-Mar. O seu êxito (por seu turno) reforçou (e muito) a inevitabilidade de se prosseguir com o Passeio Litoral e encontrar solução para os problemas que apoquentam o Monte Verde.

Mário R. Grande (continua)

PS: E a areia? Pode dar-se o caso de as águas do Monte Verde estarem boas e faltar areia? Segundo, Paulo Borges é preciso evitá-lo. A areia do Monte Verde sofreu com a exploração (apenas menos um terço da de Santa Bárbara). Sofreu com o corte que sofreu com a ligação da rua da Areia (entre Vila Nova e Bandejo). Sofreu e sofre com as inúmeras barragens que têm sido construídas ao longo da ribeira Grande que dificultam a passagem da areia até ao Monte Verde. Agora com a Via Litoral/Passeio Atlântico é preciso ter atenção ao seu impacte. Paulo Borges, apresenta vários cenários de mitigação. Se o Passeio Atlântico englobar (como acontece actualmente) a arriba, vai ser preciso uma determinada quantidade de areia (exportada). Se se cuidar de construir o que resta ao Passeio, com um recuo de x metros da arriba, o Monte Verde gozará de mais alguns anos. Disso depende a vida do Monte Verde, das suas ondas e do sucesso da candidatura à Reserva Mundial de Surf.

Também li que na Escola Gaspar Frutuoso existem uns miúdos e a sua professora que são os novos Guardiães do Monte Verde: ‘O trabalho do projecto com os alunos iniciou-se em Setembro através da contextualização da problemática actual dos oceanos, de aulas interactivas online, da visualização de vídeos pedagógicos elaborados por Caroline Schio para esta acção, seguindo-se-lhe as saídas de campo e a monitorização da praia mais próxima da escola – praia do Monte Verde. Para a análise dos resultados obtidos em campo, outras actividades e tarefas complementares foram desenvolvidas, como por exemplo, análises laboratoriais e microscópicas, tratamento de dados e tradução dos resultados em gráficos grelhas e tabelas, videoconferências entre alunos, desenhos, textos, trabalhos plásticos, brochuras, panfletos, cadastro dos dados e imagens dos trabalhos realizados em plataforma online.’ É uma nova esperança.

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 22/06/2024
Reeditado em 27/06/2024
Código do texto: T8091018
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