O resgate do Monte Verde – XII

O resgate do Monte Verde – XII

É Areal desde que a Ribeira Grande é Ribeira Grande. Escreveu Gaspar Frutuoso: ‘João de Aveiro, da vila da Ribeira Grande, corria a um cavalo a anca revolta, e também tão ligeiramente pelo areal, ao longo do mar, que lhe não achavam rasto, senão de meio pé para diante.’ Minha avó Maria Deodata Raposo Taveira (que a morte levou em 1975) adormecia-me cantando ‘O mar enrola na Areia… (e aí por diante).’ Vai daí que, a Areia da cantilena fosse (e seja ainda) o Areal. Que é também a Areia. Ou praia. O britânico Briant Barrett, em 1812, trata-a como tal: ‘A praia da Ribeira Grande.’ E descreve-a como sendo ‘arenosa, inclinada e, curiosamente, as casas não têm as suas frentes viradas para ela.’ Todavia, como ela é hoje mais conhecida por Monte Verde, fica Monte Verde. Até porque, para quem a pretenda vender (como produto apetecível) o nome Monte Verde é mais ‘vendável.’ Cai melhor no ouvido. Soa melhor. E distingue-se de muitas mais com o mesmo nome. Há montes de Areais aqui na Ilha e por esse mundo fora, mas Montes Verdes (que saiba) não haverá assim tantos mais. Posto isso, vamos ao que mais aqui interessa: o seu resgate urgente e imediato.

Se a autarquia se ufana em ser Capital do Surf e se vangloria (num pacote publicitário contendo a descrição de cinco praias do Concelho) de o Monte Verde oferecer ‘um excelente beachbreak e funciona(r) em qualquer direcção swell.’ Que ali ‘encontra uma onda bastante potente e é aconselhada alguma atenção às correntes. Junto às piscinas apresenta uma longa direita tubular. Já no lado poente, quebra uma esquerda.’ Se escolheu a imagem do Monte Verde para ilustrar a capa de um Mapa Turístico do Concelho. Se a Capitania dos 28 ‘corredores’ disponibilizados aos desportos ‘de deslize,’ atribui ao Monte Verde (9) – o maior número de todas as praias da Ilha -, e Santa Bárbara (8). Se apesar de ser muita frequentada por banhistas (principalmente no Verão e sobretudo pelos que preferem uma praia mais calma do que Santa Bárbara) e por surfistas (durante todo o ano), por que razão a praia do Monte Verde não faz parte da ‘Lista das águas balneares costeiras para o ano 2024, na Região Autónoma dos Açores.’ Porquê? ‘Porque as análises acusam – frequentemente -, matéria orgânica.’ Como se sabe isso? ‘são colhidas amostras de água para análise em dois locais: um, a poente – junto à ribeira Seca; outro, a nascente, junto à foz da ribeira Grande e da levada dos moinhos [Na zona do Restaurante Farias]. Fazemos, com regularidade, todas as semanas durante a época balnear - do mês de Junho ao mês de Setembro inclusive. No resto do ano, fazemos, de duas em duas semanas.’ ‘De vez em quando, acusa no lado nascente [foz da ribeira Grande e da levada dos moinhos da Condessa], no poente - estou aqui há seis anos -, nunca acusou. O que acusam as do lado Nascente? ‘Fezes à superfície com a chuva são arrastadas para a ribeira. Problemas com as vacarias, como a que aconteceu há dois anos.’ Que substâncias são detectadas? ‘Ecolis, etc.. Causam gastroenterites, afecções cutâneas.’ Ainda assim, ‘[valha-nos isso] durante a época balnear dispõe [há já dois ou três verões] de um nadador-salvador e de balneários [desde 2008].’ Um puto de então hoje homem feito de meia-idade, num dos meus passeios por aquele praia, entre muitas outras conversas descaiu-se com essa: ‘subitamente vi o meu corpo todo coberto de pontinhos na pele, febre, e os intestinos descontrolados.’ Um dos primeiros surfistas, dos que aqui vinham (e continuam a vir) vindos do sul, diz outro tanto. Acrescentando outros sintomas mais fortes: ‘penei!’

Para quem não saiba ou ande distraído, alguém (deste ou do outro Mundo) rogou três pragas ao Monte Verde. Primeira: quem ali fosse ‘ao mar’ arriscava-se a ir ‘mais cedo para a companhia dos pés juntos.’ Praga (antes) partilhada com Santa Bárbara, mas (devido aos surfistas e aos nadadores-salvadores) já não apoquenta mais do que deve apoquentar. Segunda: garimpo da areia. Outra praga partilhada com Santa Bárbara, que (felizmente) já não apoquenta nenhuma das duas. Terceira: lixo orgânico. Enquanto se mantém o flagelo no Monte Verde, aparentemente não apoquenta Santa Bárbara (a julgar pelas análises já apoquentou uma ou outra vez: descargas da COFACO. Dizem-me). Já não vemos pelo Monte Verde gado a passear de um lado para o outro, ia lá ganhar apetite e livrar-se de ‘impolas,’ os efluentes domésticos estão a ser controlados, garantem-me, felizmente ninguém atira lixo ao mar como dantes, nem a vala dos moinhos é a cloaca de outrora (apesar de ainda não ter deixado por completo de o ser), agora o mal vem sobretudo (mas não só, não esqueçam o não só) das pastagens. Vai haver como sempre houve enxurradas (mais ou menos controladas), que são (sem elementos orgânicos patológicos) uma verdadeira fonte de riqueza do Monte Verde. Sem elas, a praia não se reabastece de areia. Leia-se Gaspar Frutuoso.

Precisamente no dia 3 de Junho de 2024, doze dias após ter tido uma interessante conversa com o meu colega responsável pelas praias, abateu-se (subitamente) com força um novo golpe. Bem duro. Análises efectuadas logo no dia seguinte à água do mar, forçaram à interditação da ‘Praia do Monte Verde.’ Não pela sua cor barrenta e nojenta, nem pela quantidade de matéria vegetal, ambas bacteriologicamente inofensivas, dizem-me, mas pela matéria animal (orgânica) proveniente ‘dos terrenos [leia-se pastagens] a Sul da Cidade.’ Acusando ‘valores microbiológicos’ muito para além dos aceitáveis. Uma das consequências imediatas foi a etapa do Nacional do Surf (patrocinada pela autarquia), prevista para os dias 21-23 para o Monte Verde, ter sido transferida para o pico da Ganza da praia de Santa Bárbara (com umas ondas pífias, ao contrário das do Monte Verde). Em declarações à imprensa local, o Presidente da autarquia calculava (antes mesmo de uma avaliação mais profunda) os prejuízos em ‘meio milhão de euros.’ A Associação Agrícola de São Miguel (sediada na Ribeira Grande), que defende a lavoura ‘alerta para prejuízos na agricultura causados pelas condições climatéricas.’ Em bom rigor, na sua maioria, na área que afecta, tanto quanto se vê, são milhos destinados ao gado. E ‘mais uma vez, lamentou “profundamente que continue a não existir um seguro de colheitas capaz de cobrir as necessidades do sector agrícola” e solicitou ao Governo Regional dos Açores e ao Governo da República “que sejam capazes de agilizar procedimentos, para que este instrumento de grande utilidade tenha a devida aplicação na Região.” Se há para a agricultura/lavoura, enquanto não se resolve alguns dos seus muitos males, não poderia haver um seguro ou fundo de socorro ao Monte Verde? Que dizem?

Na tarde do mesmo dia em que havia trocado impressões com o colega responsável pelas praias, troquei impressões com o colega veterinário municipal. Está connosco há pouco mais de três anos, mas não se coibiu de me dizer já ter tido entretanto ‘várias ocorrências no Monte Verde. Causas? ‘O uso indevido das estrumeiras nos viteleiros. A começar pelo cálculo da sua capacidade. Inicialmente seria para um certo número de animais, posteriormente, a manada cresceu. Essa é uma das razões. A outra é a retirada precoce dos excrementos das estrumeiras. A regra (que muitas vezes não é cumprida) prevê que deva estar três meses (assim eliminam-se as bactérias nocivas), porém, por vezes, passadas apenas duas semanas, lançam aquilo nas linhas de água. Para amenizar os cheiros, há pastilhas, mas como são caras, não as colocam. Outros, depois dos tais três meses previstos, usam-no como estrume. Desembaraçam-se de qualquer maneira para a via pública ou para as ribeiras. E chega tudo ao Monte Verde onde as análises acusam percentagens elevadas de elementos patogénicos.’

À primeira vista, sem se conhecer por dentro (e a fundo) o mal de que padece o Monte Verde, custa a engolir que as Poças (ali mesmo na sua continuação) e Santa Bárbara (ali no outro lado do Bandejo) sejam contempladas com uma Bandeira Azul e o Monte Verde (ali encostadinho ao lado) continue a marcar passo. Mais custará, se nos lembrarmos que foi berço do surf da Ribeira Grande (e da sua expansão na Ilha), que acolheu o primeiro campeonato Europeu e Mundial de Surf e é frequentada (ao longo do ano e durante todo o santo dia, logo que haja ondas) pelas escolas de surf e por grupos de surfistas e bodyboarders. Pouco ou nada tendo a ver com o mar propriamente dito mas com o ar dali, com ‘vento laminar livre de obstáculos físicos. O melhor vento ali é o de nordeste,’ em 1992 começam a ir ali e a Santa Bárbara. Ainda viam os burros e os camiões do garimpo da areia. De quem se trata? Dos pioneiros parapentistas (e dos praticantes da asa Delta). Quando (em 1992) ensaiam os primeiros voos em São Miguel, escolhem (além de outros locais) o Monte Verde e Santa Bárbara.

Presentemente, não só continuam a fazê-lo aqui como têm aqui a sua sede social (na Casa das Associações). Neste Inverno de 2023/24, escolheram o Monte Verde para sessões de iniciação ao parapente. E a meia dúzia (se tanto, onde me incluo) que (faça vento ou sol) de Verão ou de Inverno caminha na areia (Monte Verde e Santa Bárbara).

Recuando ao ano de 2022, lembrando (porém) o leitor (apenas) de que algo semelhante havia já ocorrido no ano anterior, um jornal dá a notícia: ‘Praia do Monte Verde não recomendada a banhos.’ Desta vez a GNR apanhou ‘em flagrante delito a descarga ilegal de efluentes [uma vacaria que é limitada a nascente pela ribeira do Teixeira e a poente pela ribeira Grande].’ ‘Não é a primeira vez que a Ribeira Grande é notícia por descargas de efluentes para as suas ribeiras. Ainda no ano passado [2021], uma situação idêntica levou à interdição de banhos na praia do Monte Verde, por contaminação das águas, mas, na altura não foi possível identificar a fonte emissora.’ Isso acontece, na mesma altura em que a autarquia anunciava a sua vontade em se candidatar a Reserva Mundial de Surf, que apresentava um plano destinado em exclusivo ao Monte Verde (Unidade de Execução do Monte Verde) e empenhava-se (gastando rios de dinheiro) para ligar os afluentes domésticos à ETAR, o Presidente ‘lamenta que esteja a ser feito uma campanha para trazer as pessoas às praias do Concelho, depois há prevaricadores.’ O prevaricador, como se pode ler no jornal, foi identificado e multado (uma multa ligeira, quase simbólica?).

E no ano anterior? Em 2023, acontecera precisamente o mesmo. Ou ainda pior. Havendo sido ‘reportadas denúncias através do portal “NAMINHAILHA,” da Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas,’ sem que até então houvesse resposta, em ano eleitoral, os deputados do PS fizeram bandeira disso. Que havia feito neste sentido o Governo Regional nos últimos três anos, junto das entidades públicas e privadas, para mitigar os problemas. Indagaram. E “se foram registados autos de contra-ordenação ambiental nesse mesmo período?” Solução? Ora, como seria possível se ‘nem a verba prevista no Plano de Investimentos da Região para 2023, de 800 mil euros, “tem sido canalizada para efectivos trabalhos de monitorização e manutenção da rede hidrográfica.’ Apesar de ser ‘um problema que comporta um elevado risco para a saúde pública e que compromete a qualidade de vida dos moradores, bem como dos utilizadores das zonas balneares que, além de confrontados com o odor nauseabundo que se faz sentir, já viram essas zonas interditadas devido à má qualidade da água.’ Se houve promessas eleitorais, como acontece sempre nessas circunstâncias, contados os votos, quer a situação quer a oposição remeteram o assunto para mais tarde: ‘um dia destes a gente logo vê.’

Tanto quanto sei, virá de longe as tentativas (até hoje fracassadas) de fazer do Monte Verde uma praia normalíssima como qualquer outra. Já em 1949, D. Lopo de Sousa Coutinho, conhecido por Conde de Caminha, numa arrojada (e visionária) proposta de urbanização para a Ribeira Grande (hoje, sem que se dê conta disso, talvez por ignorância, está sendo em larga medida posta em prática), elege o Monte Verde (e a sua área circunvizinha) num dos eixos urbanos principais (se não mesmo o principal). A sua localização, no coração da antiga Vila, era (e continua a ser) única. Daí poder vir a ser (no futuro) um verdadeiro motor de desenvolvimento. Nesse ano de 1949, numa tão violenta como ‘bizantina’ discussão (via jornais) com o Presidente Lucindo Rebelo Machado, a propósito de a Vila da Ribeira Grande poder ou não se candidatar já a Cidade, Jorge Gamboa de Vasconcelos recusa liminarmente aceitar (mesmo a título de hipótese) a ideia (como defendia o segundo). Nem mesmo seria digna de ser Vila-Cidade (seja lá o que isso for). Porquê? Porque isso nunca poderia acontecer sem que antes se pusesse cobro aos gravíssimos problemas de saneamento básico. Jorge não o diz então abertamente, di-lo-á quatro décadas mais tarde, mas a resolução do problema, implicaria já então e inevitavelmente o resgate do Monte Verde. Por essa mesma altura, prolongando-se até inícios da década de sessenta, ter-se-á dado início ao aterro que liga a actual Vila Nova ao Bandejo – a chamada rua da Areia. Em 1971, terminados (ou quase terminados) os aterros da rua da Areia, assim como (em grande parte) a construção do casario do bairro da Vila Nova, o engenheiro Fernando Monteiro e a sua equipa de vereadores, decidem melhorar o acesso à praia do Monte Verde e criar (junto aos moinhos da Areia) um espaço de estacionamento. Isso ao mesmo tempo que pretendem (no caso vertente, sem sucesso que se conheça) melhorar o acesso à praia dos Moinhos pela Ladeira da Velha.

É então (nessa mesma década de setenta) que desaba (sem se dar a princípio muito pelo caso) uma nova desgraça sobre o Monte Verde: a extracção louca de areia. Até então, tirava-se dali pouca areia, umas carrocinhas, para algumas obras de casas e pouco mais, a partir de então com o surto de construções ao redor da Ilha, nas três décadas seguintes a exploração de areia cresceria de forma brutal. Como desgraçadamente também aconteceu à Praia de Santa Bárbara. Espantosamente, se na Praia do Monte Verde (por várias razões) não chegou a dar tanto nas vistas, nem causou tanto banzé, a verdade é que (segundo uma tese de Doutoramento) - ainda assim -, ter-se-á dali extraído apenas só um terço menos da areia tirada em Santa Bárbara.

É (também por essa altura, década de setenta em diante) que começa a espreitar uma outra (e, de futuro, uma ainda maior) ameaça. Que (no presente) mantém refém (em termos sanitários) o Monte Verde e a população da cidade: a pecuária. É por aí que a pecuária começa a ocupar o vazio deixado pelo abandono da agricultura. Seria difícil então prever toda a extensão que hoje ocupa. Como teria sido antes dessa (paulatina e firme) substituição? Ezequiel Moreira da Silva, escrevendo em 2005, tira-lhe um retrato que nenhum testemunho ou estudo sério negará ser fiel: ‘Nesses tempos [antes dos anos 70], as pastagens permanentes não apareciam ali. Estavam mais para cima, noutras altitudes, nas faldas da Serra da Água de Pau e numa dimensão muito mais humilde do que agora ostentam.’ ‘Os agricultores ou camponeses, que traziam as terras maioritariamente de renda [sobretudo de donos de Ponta Delgada], faziam o seu cultivo e orientavam toda a sua vida de trabalho à volta delas. E os lavradores que possuíam algumas vacas de leite, o qual era, todos os dias, vendido aos quartilhos e à canadas pela porta de cada um e à sua própria porta e possuíam, sobretudo, bois de trabalho, arados e grades de madeira e, muitas vezes, também um carro de bois e carroças.’

Dando um pequeníssimo salto para o ano de 1981, ano em que a Ribeira Grande foi finalmente (após séculos de tentativas falhadas, por exemplo, em 1852, só faltou tirar da gaveta ministerial o projecto) elevada a Cidade, em colaboração com a RTP/Açores, Jorge Vasconcelos Gamboa (na qualidade de historiador que conhecia como poucos a História da sua Ribeira Grande e da qual era há décadas Delegado de Saúde), volta a pôr de novo (sem paninhos quentes) o dedo na chaga aberta que mais nos dói aqui: o saneamento básico. A seu ver, a Via litoral e a Praia do Monte Verde (já) faziam parte (indissolúvel e substancial) da futura (que já se pretendia breve) solução do problema. Rosa Lourenço, médica continental (casada na Ribeira Grande) no Hospital da Ribeira Grande (que passaria a Centro de Saúde por Decreto Regional), recorda que por esta altura e até anos mais tarde, a partir do mês de Junho a Setembro, sucediam-se umas atrás das outras – de forma às vezes assustadora -, as gastroenterites (devido ao não tratamento das águas). Até diz mais: diz que quando na Ribeira Grande se passou obrigatoriamente a ir nascer (por decreto) a Ponta Delgada o espaço deixado vago da (anterior) maternidade no Hospital (agora despromovido a Centro de Saúde) foi destinado às ‘gastroenterites’ estivais. No entanto, sem ligarem grande coisa ao perigo das gastroenterites e outras mazelas muito menos ao papão do mar do Norte, a Praia do Monte Verde a partir dessa década de oitenta começou a ser (assim como a de Santa Bárbara, Santa Iria e as ondas de Rabo de Peixe, um dos locais mais procurados dos surfistas da Ilha. A praia (nesse entretanto) foi atraindo mais e mais gente da própria Ribeira Grande, sobretudo da Conceição, da Ilha inteira e de fora (sobretudo turistas). Regressado à minha Ribeira Grande a 13 de Junho de 1983, fui seu fiel frequentador de segunda a segunda. Todavia, nem pus os pés na água, confesso, saudoso da minha língua materna, devorava as novidades da literatura e da História que me chegavam às mãos, a um ritmo de um livro por dia. Mas ainda deu para ver – pela primeira vez ali -, surfistas. Talvez ‘estrangeiros.’ Quem sabe até se alguns dos pioneiros das Milícias? No entanto, manda a verdade dizer, que eles não nos ligavam. Nem nós a eles. Estavam para ali nas ondas. Ainda assim, achava-lhes piada. Estamos no Havai, lembro-me de ter dito a um amigo. Via (então) a praia cheia. Gente que ia ao mar. Gente que dava uns toques com a bola entre dois mergulhos. Voleibol. Via uma barraca improvisada onde havia refrigerantes e sandes. Muita música e algum pé de dança. Duches de água doce. Mas também via vacas e cavalos (ali por sua conta) a vaguearem pela areia. Não se aproximavam, ficando a uma distância segura dos humanos. Perguntando aos meus velhos, recebi como resposta de que sempre se lembravam de haver por ali animais. Até de fora da Ribeira Grande. E, mais junto da levada e da ribeira, havia sempre roupa estendida a secar ao sol. Segura com pedras dali para o vento não a levar pelos ares. Com regularidade, avistava uns camiões carregados de areia. Mas não lhes dava importância.

Em 1990, já ia mais às Poças e aos Moinhos do que ao Monte Verde, no entanto, sei (porque investiguei e falei com quem ia lá) que em 1995/6, João Brilhante, ao avistar por ali uns miúdos da Ribeira Grande a surfarem à sua maneira, desafiou-os a surfarem como deveria ser. Mais de uma trintena aderiria. Na entrevista que concedeu em 1997 ao jornal Açoriano Oriental, denuncia sem papas na língua a péssima qualidade daquela praia: ‘não têm boa apresentação, nem balneários.’ Pior ainda: ‘As águas são porcas e até se torna perigoso para a saúde, já que não há saneamento básico. As pessoas acham que o mar é uma lixeira.’ Vinte dias depois da entrevista de João Brilhante, José Stone/António Valdemar, num artigo também no Açoriano Oriental, clamava contra a paupérrima situação sanitária daquela praia. Jornalista de renome há muito feito (então) do Diário de Notícias, já antes fora de outros tantos jornais igualmente prestigiados, e presença assídua das Poças em tempo de férias, intrigava-lhe o facto de o Monte Verde ser um dos locais predilectos de uma escola de surf, apoiada pela Secretaria Regional da Juventude, e de lá se realizarem etapas nacionais do concurso ‘construções na areia,’ e de não ter ainda um nadador-salvador. Tanto mais que as ditas provas eram organizadas a nível nacional pelo Diário de Notícias e a nível Regional pelo Açoriano Oriental. Com o apoio da autarquia. Como era possível permitir-se a poluição causada pela extracção da areia do tufo? Urgia (por conseguinte) pôr cobro àquela escandaleira. De facto, em 1990, na Bandeirinha (ao cimo dos Foros) um industrial extraía areia do tufo devolvendo (de seguida, sem a tratar) a água à ribeira. Dava um aspecto detestável às águas do Monte Verde e das Poças. Foi (entretanto, não sei exactamente quando) encontrada a solução. Construiu-se uma bacia de decantação (com piscinas sucessivas), em que a água é separada das lamas. Entretanto, a maior fábrica de lacticínios dos Açores e uma das maiores do País já não fazia descargas para a Rochinha Preta, a autarquia (é incrível, mas aconteceu) deixara de despejar lixo no funil (no mesmo local) (estrutura em betão que conduzia o lixo ao mar!) e o matadouro municipal também já não despejava para a vala ‘o sangue e excremento das reses que abatia.’ Algures por essa altura, sentiu-se (pela primeira vez mas sem dar tanto nas vistas como davam as descargas da tufeira) o impacto das descargas da geotermia. A água dos poços geotérmicos era lançada à ribeira Seca: água que vinha desaguar no Monte Verde (na área dos espinafres). Fonte oficial da empresa, garante-me que desde 1997 é reinjectada. Pouco depois, a enorme cheia de 10 de Setembro de 1997, arrastaria lama, algo só por si inócuo, troncos de árvores (que causaram prejuízos mas não prejudicaram a qualidade da água). Muita areia que reabasteceu a praia. Mas também matéria orgânica proveniente das criações de gado. Essa sim, afectando a qualidade da água do Monte Verde. A 1 de Outubro de 1998, nova cheia. Fique bem claro que as análises feitas de forma sistemática às águas balneares, ao contrário do que me haviam antes informado, não tiveram só início com a inauguração em 2005 das obras das Poças (Piscinas), já vinham (como soube muito recentemente) de finais da década de oitenta do século passado: ‘Já o fazíamos no tempo em que o Engenheiro Hermano Mota era Presidente. No Verão, o Laboratório de Geociências e Tecnologia procedia quinzenalmente à recolha de amostras da água balnear.’ Em meados da década de noventa passou para o INOVA. E a partir de certa altura é lançado a concurso.’ Em quais praias? ‘Poças, Areal [Monte Verde], piscinas.’ E com que resultados? ‘Às vezes acusava.’ ‘O que é que procuravam? ‘Elementos químicos e bacteriológicos.’ Isso foi-me dito por António Augusto Tavares, responsável então pelo Laboratório.

Em 2001, ao mesmo tempo que a Câmara Municipal (sob pressão constante da opinião pública, de vereadores da oposição, de banhistas e de surfistas) abria a praia de Santa Bárbara (oferecendo um mínimo de condições: dois nadadores-salvadores, duches e um parque de estacionamento improvisado), a Junta de Freguesia da Conceição (não querendo perder o passo) tenta fazer igual na praia do Monte Verde. Já lá havendo um espaço adaptado a estacionamento, sendo o acesso fácil, bastou-lhes uma limpeza sumária, (re)instalar duches (quase sempre vandalizados) e promover algumas actividades lúdicas. Durante algum tempo, chegou-se a acreditar que daquela vez seria mesmo, porém, a crua realidade sanitária daquela praia cedo poria por terra o sonho há muito sonhado mas sempre adiado: a péssima qualidade das suas águas fê-la ficar atrás da de Santa Bárbara. Até da dos Moinhos (a grande estrela em ascensão de então). Ou mesmo da do Calhau da Furna (nas Calhetas). Apesar desse obstáculo, fazendo completa vista grossa às proibições do Delegado de Saúde e esquivando-se (mesmo) às surtidas da GNR, os surfistas (sobretudo eles, ao contrário de muitos dos banhistas habituais do Monte Verde que debandaram para a Praia dos Moinhos) nunca dali arredaram (nem ainda arredam) pé. Luís Melo, colaboradores e alunos do Clube Naval de Rabo de Peixe ou do Clube Naval de Ponta Delgada, não me desmentem: o Monte Verde era um local de treinos e de competições. Mais. Três anos passados, em 2004, a escola de Surf criada (entretanto) por José Seabra, ia lá treinar regularmente.

Em 2006/2007, quando a vereação chefiada por Ricardo Silva decidiu dar novo rumo e cara nova ao areal de Santa Bárbara, também quis fazer o mesmo à Praia do Monte Verde. Aliás, o plano era intervir não só naquelas duas praias mas em todas as praias da Ribeira Grande (Concelho e Cidade). Mais uma frustração: cedo se concluiu que a situação do Monte Verde (ao contrário da de Santa Bárbara) exigia uma abordagem radicalmente diferente. Em Abril de 2007, nova cheia (com enorme impacto no Monte Verde).

Nesse entretanto, uma nova geração, defensora do ambiente, entra em cena. Presta (muito mais) atenção ao que se vai passando naquela praia. Não só por obrigação curricular, nas escolas (desde o primeiro ao terceiro ciclos) há professores que se dedicam à educação ambiental. Há gente da Ribeira Grande a fazer parte de grupos ambientalistas. De Junho de 2001 a Janeiro de 2003, os 20 números da III Série do jornal Estrela Oriental seguem de muito perto o que se passa no litoral e nas ribeiras. Inclusive lançam-se ideias para a Via Litoral. Em 2000, é criada a Ecoteca da Ribeira Grande.

Essa crescente consciência ambiental, explicará o que aconteceu em 2009. Nesse ano, num ofício dirigido ao Delegado de Saúde da Ribeira Grande, o responsável pela associação ambientalista Amigos dos Açores (em nome desta associação) faz soar o alarme. ‘a situação que se está a verificar no areal da cidade, junto à zona onde desagua o canal que alimenta os moinhos de água, vulgo Praia do Monte Verde. Sendo esta uma zona de saída de águas impróprias para o uso balnear, pelo cheiro que emana, pelos detritos que arrasta, e mais grave, pelas descargas ilegais de águas provenientes da limpeza de fossas sépticas que nela fazem, é do nosso entender que a utilização da zona para uso balnear não é aconselhável para a saúde. O que nos preocupa é ver a utilização despreocupada daquela zona, pela população local, e não só, sem que haja qualquer informação sobre os perigos de utilização do referido espaço como zona balnear.’ O Delegado de Saúde, antes de tomar uma decisão, como lhe compete, vai inspeccionar o local referido, e perante o que vê, notifica a autarquia: ‘seria de todo importante que fossem colocadas placas informativas relativas à qualidade da água e sinalética indicativa de desaconselhável à prática balnear, a fim de que qualquer cidadão tenha conhecimento e tome as suas precauções.’ A Câmara, que tinha a obrigação de conhecer a situação como ninguém, podendo ainda assim negar o problema, não o nega: ‘relativamente à chamada boca da levada onde alguns esgotos por vezes desaguam, trata-se efectivamente de um problema que só com a construção da futura ETAR da Cidade, já projectada, é que irá ser definitivamente resolvido.’ Quem conheça razoavelmente o percurso da água da levada dos moinhos da Condessa e conheça o ponto exacto em que a água da ribeira Grande entra na levada, concretamente na Mãe de Água, saberá que essa água antes de entrar na vala passa muito próximo de pastagens (problemáticas). Como saberá (só não sabe quem não quer saber) que ao longo do percurso da vala, há outros focos de contaminação (algumas poucas casas). Voltando à Câmara Municipal. Entendendo (e acertadamente) não ser necessário esperar pela construção da ETAR para atacar o problema, o Município decidira dar passos. É o responsável pela empresa Ribeira Grande Mais quem informa o Delegado de Saúde: ‘Levamos a cabo várias acções de limpeza, não só na época balnear mas no decurso de todo o ano. Adquirimos uma máquina de limpeza de praias que tem mantido a mesma em óptimas condições. Dotamos a mesma de dois balneários móveis de apoio com duche, casas de banho e vestiários.’ Já monitorizam a qualidade das águas: ‘Temos análises mensais realizadas pelo INOVA, a pedido da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, que desde o início da monitorização, 20 de Maio, classificam a água como boa.’ Apesar disso, sem licença da capitania para terem lá um vigilante, são forçados a colocarem avisos: ‘Instalamos, e de acordo com a Capitania do Porto de Ponta Delgada, placas a informar que estamos perante uma Zona Balnear Não Vigiada.’ Vamos ver se entendo. Se persistem em 2024 os problemas sanitários de 2008/9, por que razão em 2024 a praia do Monte Verde pode ter nadadores-salvadores (e ainda bem que os tem) mas não podia os ter em 2009? Decisões diferentes de diferentes capitães do porto?

Ironicamente ou talvez não, em 2009 o Monte Verde seria a primeira praia açoriana a acolher um Mundial de Surf e (mais tarde) um Europeu. Servindo Santa Bárbara sempre que esta não ofereça ‘ondas em condições.’ Como por exemplo este ano de 2024, ‘não tem fundos de areia.’ O que acontece com alguma frequência. Ainda assim, apesar da momentânea glória mediática do Monte Verde, continuava a não ser (de todo) possível resgatá-la sem concretizar o projecto do Passeio Atlântico (ou via Litoral). No qual, estava (e está) previsto o saneamento básico da Cidade. No entanto, continuando a fazer o que já era possível fazer-se, aproveitando o primeiro troço e já planeando o seguinte do Passeio Atlântico, a autarquia dá mais um passo significativo: põe fim às descargas de efluentes domésticos a céu aberto junto à foz da ribeira Grande. E (de seguida) planeia uma ETAR (que na vereação de Alexandre Gaudêncio) seria substituída por estações elevatórias conduzindo a uma ETAR única e central (como se verifica agora). Espera-se (há essa esperança) que venha resolver grande parte dos problemas que atormentam o Monte Verde. Ou seja, os da levada (em grande parte, pois, subsistem casos esporádicos de algumas casas e do que entra vindo das pastagens a montante da Mãe de Água).

Resolvendo (ou mitigando) os problemas referidos, sem (no entanto) nunca perder de vista a ‘manhosa’ ribeira Seca, é a vez de olhar de frente para um outro problema (esse, sim) bem bicudo (mas não insolúvel). Acabar com o constante dano ambiental causado pelo (controle inadequado e por vezes desregrado) do chorume (merda e urina). A esse propósito, dialoguei com empresários do ramo, produtores, moradores e técnicos. Li diversos trabalhos científicos. Visitei os locais mais sensíveis. Do que li, conversei e vi, colhi algumas ideias. Tendo tudo isso em mente, partilho as seguintes sugestões. A começar, numa postura de ‘antes prevenir do que remediar,’ aconselho as autoridades (todas que têm alçada na área) a serem mais proactivas. Para tal, sugiro a nomeação de um guarda de ribeira (já os houve no passado). Que fiscalizaria a área. Para dar os primeiros passos em direcção ao necessário (e urgente) controlo da situação, dever-se-ia instalar um ‘corredor ripário’ de plantas (indígenas, se possível, mas não forçosamente) nas áreas limítrofes das zonas sensíveis. Adequar as dimensões das nitreiras ao número preciso de cabeças de gado da exploração. No caso de não se recorrer (por questões várias) a fertilizantes e pesticidas amigos do ambiente, aplicar criteriosamente os fertilizantes e os pesticidas convencionais da forma recomendada. Posto isto, dar novo passo em frente: por que não criar uma ‘central biodigestora que recolhesse e transportasse o chorume das explorações’? Ponha fim às maiores queixas: ‘a praga dos cheiros, o uso de pesticidas, a infiltração de fosfatos nos lençóis de água.’ Produziria (até) gás metano. Os lavradores (melhorariam a sua imagem pública) e fariam dinheiro (de que tanto necessitam). Não se trata de ficção científica, é pura realidade (e corrente) na Alemanha, na Dinamarca, na Itália. Mesmo aqui na Ilha já existe há uns bons 50 anos (dizem-me, entretanto, que haverá pelo menos mais uma outra). Não percebo, por isso, por que razão um projecto apresentado em tempos ao Governo Regional, foi chumbado.

Sem quaisquer contemplações. Porquê? Mas, se se pretender de facto ir mesmo à raiz do problema, aqui na área que afecta o Monte Verde, por que não adquirir as (poucas) explorações que afectam o Monte Verde? A Região já o fez para salvaguardar as lagoas das Furnas e das Sete Cidades ou as nascentes do Monte Escuro. A autarquia tem-no feito (também) para algumas nascentes sensíveis. E é provável que tenha de o fazer em outras mais.

Fiquei parvo ao saber hoje (hoje, dia 20 de Julho de 2024) que a bacia Hidrográfica da Ribeira Grande (na qual, erradamente, não se inclui a manhosa ribeira Seca) fazia parte do Plano de Gestão de Riscos de Inundações da Região Autónoma dos Açores de 2016. Por que razão, então, passados oito anos não se implementou o que ali se propõe no ‘Artigo 2.º: Objectivos: a) Prevenção: prevenir os danos causados pelas inundações, evitando a construção de casas e indústrias em áreas que, actualmente, estão sujeitas a inundações, pela futura adaptação ao risco de inundações, e através da correcta utilização dos solos, contemplando práticas agrícolas e florestais adequadas.’ Os pastos que causam a contaminação do Areal de Santa Bárbara não estarão neste caso? Direitos adquiridos? Vamos admitir que sim. Ainda assim, por que não passou do papel o que consta do ponto 4? ‘c) Planear e operacionalizar um sistema de monitorização e alerta de cheias.’ Oito anos depois ainda nada? Um jornal de 18 de Julho de 2024, anunciou: ‘Governo Regional pretende investir 18 ME na prevenção de inundações. (…) O plano definiu cinco bacias de risco de cheias e inundações fluviais, para as quais foi produzida cartografia de pormenor de risco, nomeadamente a ribeira Grande e a ribeira da Povoação, na ilha de São Miguel (…). O objectivo é reduzir as potenciais consequências prejudiciais das inundações, para a saúde pública, para o ambiente, para o património cultural, para as infraestruturas, explicou o secretário regional do Ambiente e da Acção Climática, Alonso Miguel (…). O plano (…) agora apresentado aos deputados, que já esteve em discussão pública entre Outubro e Novembro (nem me apercebi disso) do ano passado, será discutido e votado em plenário antes de entrar em vigor.’ Vai ser desta?

Atento ao problema que nem um perdigueiro à perdiz, já após a publicação deste trabalho, surgiu dois novos motivos de

comentário. Primeiro. A 29 de Junho, o Presidente Gaudêncio em entrevista, sem entrar em pormenores, avançou com a construção de bacias de retenção mais a montante. Será que a médio e a longo prazo essa solução sai mais em conta? Segundo, a 5 de Julho, a propósito da mais recente interdição da Praia do Monte Verde, segundo percebi de hoje ou de ontem, nova entrevista do mesmo autarca: ‘Trata-se aqui de dois fenómenos em particular. Quando chove com intensidade o leito da ribeira traz alguma matéria que depois desagua na praia e altera os valores dos parâmetros normais e outra situação que tem havido com alguma regularidade com a EDA Renováveis que no Salto do Cabrito tem uma estação que de vez em quando fazem alguns trabalhos de manutenção no leito da ribeira e sempre que há essa manutenção realmente a água ao longo do percurso da ribeira quando é analisada está fora dos parâmetros normais.’ Como resolver a situação? ‘Uma das soluções que estamos aqui a ver essencialmente pode ser uma bacia de retenção mais a nascente. Outra situação, a própria EDA Renováveis está disponível para em conjunto com a autarquia encontrar uma solução rápida.’ Quis ouvir o outro lado, peguei no telefone e falei com a EDA Renováveis: ‘Podemos vir doravante a fazê-lo, mas nós presentemente não analisamos a água. Se houver micróbios ou bactérias, não interferem na produção de electricidade. E é isso que nos interessa. O que fazemos é separar pedras, pedra-pomes, terra que possa avariar as turbinas. Agora, demonstramos à autarquia a nossa vontade para de futuro proceder a análises. E colaborar na construção – se for essa a solução – de bacias de retenção.’ Não se esqueçam das folhas que inundam até ao umbigo os banhistas das Poças. Isso durante dias. De onde virão?

Aplaudindo (e agradecendo) quaisquer esforços sinceros (e adequados) à (verdadeira) resolução do problema, digo apenas: que se entendam e que venham rapidamente e em força. A saúde pública, a economia, a dignidade e a boa imagem da segunda Cidade dos Açores (a nível de impostos e a nível demográfico) (ficando apenas ligeiramente em terceiro lugar em termos demográficos concelhios) não pode ficar mais tempo refém dessa situação. Enquanto isso não se põe de pé, fica em causa a credibilidade da Marca capital de Surf e coloca-se em cheque a pretendida candidatura a Reserva Mundial de Surf. Creio que é urgente (e inadiável) o resgate do Monte Verde. Não irá custar mais do que custou o resgate de Santa Bárbara. Aliás, irá trazer retorno: ‘Aquelas praias [Santa Bárbara e Monte Verde] valem oiro!’ Ouvi dizer isso a um empresário de fora. A sua centralidade urbana única é uma mais-valia. Permito-me aqui pela importância relembrar o que já citei em trabalho anterior, que levou André Rosa, surfista e arquitecto, que a conheceu bem, a dizer que ‘são poucas as cidades que têm dentro de si praias.’

Enquanto não me meto aqui diante do teclado e começo a juntar o que descobri sobre a ribeira da Ribeira Grande (e sobre a sua vizinha ribeira Seca) que me possa ajudar a perceber (um pouco melhor) o que é e o que pode vir a ser o Monte Verde, antes ainda de deixar este trabalho a marinar, está na hora de traçar um ponto da situação actual do Monte Verde: o Monte Verde já dispõe de dois nadadores-salvadores durante a época balnear (coisa que ainda em 2009 não lhe era sequer permitido), dispõe de um balneário bem apetrechado (até há pouco tinha dois, entretanto, um foi transferido para a área do Resort do Areal de Santa Bárbara), tem funcionários municipais que prestam assistência diária à praia, é regularmente limpa sendo as suas águas periodicamente analisadas. Nos meses do Verão (como tenho presenciado nos últimos dias) (apesar da proibição de Junho), mal o dia rompe até ao pôr-do-sol, são os hóspedes do hotel, dos alojamentos locais e as escolas de Surf que a procuram. Das escolas, destaque para a de Sérgio Aparício e o clube de Surf dos Bombeiros da Ribeira Grande. Aliás, a partir do mês de Março, o Monte Verde tem sido o local preferido dos free surfers. Vejo ali (digo vejo porque tenho feito questão de ir ali quase diariamente) treinadores de voleibol. Aulas de Yoga. Sessões de fotografia. Grupos de muita gente a despedir-se do sol. Nota-se ali uma vontade.

Nada porém (entenda-se) está adquirido. Bem longe disso. Um simples fio separa a normalidade desejada da indesejada. Basta vir mais uma descarga de chorume (diluído ou concentrado) e de outras mais poções, e volta tudo ao mesmo. Por isso, antes que seja tarde demais, urge pôr um ponto final ao que contamina a sua água e há que cuidar bem da sua mais-valia: a areia. Fazer com que ela possa se regenerar o mais que for possível. Como? Não nos devemos (nunca) esquecer que a área de areia do Monte Verde ficou radicalmente diminuída em resultado da construção do aterro entre a Vila Nova e o Bandejo (hoje rua da Areia) (concluído em inícios da década de sessenta do século XX). O aterro cortou-a longitudinalmente (no sentido Nascente Poente) em duas. E que (sensivelmente) da década de setenta à de noventa (do século XX), sofreu grandemente com a profunda exploração da areia para fins industriais (apenas menos um terço da de Santa Bárbara). E sofreu e ainda sofre (bastante) com as inúmeras barragens que têm sido construídas ao longo do curso da ribeira Grande, a pior de todas, a primeira (mesmo debaixo da ponte dos Oito Arcos). Que dificultam transferência (antes fácil) da areia da ribeira até ao Monte Verde (e das enguias do mar para a ribeira). Agora com a Via Litoral/Passeio Atlântico a avançar é preciso evitar impactos negativos. Paulo Borges, apresenta vários cenários de mitigação. Se o Passeio Atlântico englobar (como acontece actualmente) a arriba, vai ser (não se admirem) preciso uma determinada quantidade de areia (importada). Se se cuidar de construir o que resta ao Passeio, com um recuo de x metros da arriba, o Monte Verde gozará de mais alguns anos de vida. Disso depende a vida do Monte Verde, das suas ondas e do sucesso da candidatura à Reserva Mundial de Surf.

O Monte Verde (enquanto isso) aguarda a implementação de uma unidade de execução específica, da qual se espera que lhe mude a face para melhor. Para isso, terá de se ver livre da praga dos despejos. Tal como se viu livre do pesadelo do garimpo da areia já lá vão quase três décadas. Tem igualmente de prover à descarga da areia da ribeira. Que a alimenta.

Se acredito no Resgate do Monte Verde? Para além da força dos privados? Acredito mais nesses do que no público. Da força da economia azul? Por um jornal local, fiquei a saber que desde Setembro último o Monte Verde tinha Guardiães. Quem são? Alunos da Escola Gaspar Frutuoso (aqui na Ribeira Grande) e a sua professora. Vale a pena transcrever a parte que interessa: ‘O trabalho do projecto com os alunos iniciou-se em Setembro [de 2023] através da contextualização da problemática actual dos oceanos, de aulas interactivas online, da visualização de vídeos pedagógicos elaborados por Caroline Schio para esta acção, seguindo-se-lhe as saídas de campo e a monitorização da praia mais próxima da escola – praia do Monte Verde. Para a análise dos resultados obtidos em campo, outras actividades e tarefas complementares foram desenvolvidas, como por exemplo, análises laboratoriais e microscópicas, tratamento de dados e tradução dos resultados em gráficos grelhas e tabelas, videoconferências entre alunos, desenhos, textos, trabalhos plásticos, brochuras, panfletos, cadastro dos dados e imagens dos trabalhos realizados em plataforma online.’ Se não se traduzir numa dessas modas tão passageiras como o vento que sopra aqui do quadrante Norte, é motivo para dizermos, finalmente, finalmente, há uma luzinha ao fundo do túnel.

Mário Ribeira Grande (continua)

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 22/06/2024
Reeditado em 03/11/2024
Código do texto: T8091018
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