UM DIA COMO OUTRO QUALQUER
UM DIA COMO OUTRO QUALQUER
Adamastor abriu os olhos. Depois de uma noite com belos sonhos, ouviu sua mulher aos berros: “- Mastor, Maaastor! Vem aqui!!! Corre!!!”. Levantou-se em meio a seus nublados pensamentos, o corpo ainda sem acordar, e saiu esbaforido da cama. “Como pode uma pessoa tumultuar a manhã de outra desse jeito?”, pensou. Mal havia pago a conta do luxuoso hotel em que se encontrava, com um cartão de crédito sem limite. Até o recepcionista tinha cara, gestos e modos de milionário. Aliás, todos os funcionários eram assim. Finíssimos. Tropeçou em um taco solto do piso do corredor de sua casa e só então saiu do sonho. Ainda sonolento chegou à área de serviço e perguntou: “- Fala mulher! Que qui aconteceu para causar esse escândalo?”
Suely, já desesperada às seis da manhã, respondeu gritando: - Olha essa camisa! Você acaba com suas roupas e sobra para eu lavar!
-Su, isso é uma mancha de beterraba! Joga água que sai na hora. Nem reclamou de ter sido acordado bruscamente, já sabia que era tempo e palavras perdidas. Suely, como Gabriela da música (eu nasci assim, sou mesmo assim, vou ser sempre assim...), não mudava e muito menos pedia desculpa por nada desse mundo. Ai veio a segunda parte, como sempre acontecia: -Você mancha essa camisa nova e fica ai com essa cara de paisagem! Não estou aqui para ensinar a você cuidar de suas roupas! São coisas que devia ter aprendido com sua mãe!
“Que mania de botar minha mãe no meio de tudo que acontece!”, pensou. Voltando à Terra, Adamastor tratou de se preparar para mais um dia de trabalho. Mais uma vez, calou-se para evitar mais uma das intermináveis verborréias de Suely. Mesmo assim ela falou por mais uns cinco minutos. Ele já estava concentrado no que o esperava no serviço: duas reuniões, visita de diretores, dispensar dois funcionários que destoavam de toda sua equipe e viviam falando mal da empresa. Coisas do trabalho. Mandar pessoas embora da empresa não fosse nada agradável, mas fazia parte de suas atribuições avaliar desempenhos. E, em última instância, desligar quem não cooperasse com sua equipe.
Encontrou Mário na esquina, esperando a carona de Adamastor. Uma conversa animada, recheada de comentários do trabalho, algumas piadas e muitas risadas. Saíram do carro muito sérios, como se viessem trabalhando durante a viagem.
Final do dia havia cumprido sua agenda, uma das reuniões fora muito irritante, sentou no carro esperando Mário embarcar. Adamastor deu partida e saiu pela portaria, acenando para o vigilante.
Parada no boteco de sempre, com a turma de sempre, as conversas de sempre. Meia hora depois retomaram o caminho de casa. Mário ficou na sua esquina.
Suely trabalhava até mais tarde e Adamastor curtia esse intervalo entre sua chegada e a entrada de sua mulher. Casa em silêncio, parecia que tudo estava em ordem. Mas não se iludia: era só até Suely chegar.
Para sua surpresa, ela chegou com um sorriso na boca. Havia encontrado uma amiga de infância e colocaram os assuntos em dia. Tomaram uma cervejas e se despediram. Como recebera diversos elogios da sua amiga, seu astral melhorou. Até ver Adamastor grudado na televisão assistindo futebol, vestindo um pijama surrado, aquele barrigão dobrado sobre a cintura.
Paulo Miorim 13/04/2024