Os Direitos Humanos na visão de Kant, Mill e Bentham
Atualmente, no Brasil, pelo senso comum tosco, irreflexivo, conservador, reacionário e preconceituoso, tem chamado atenção nas mídias das redes sociais, a respeito de certos grupos serem favoráveis à prática do chamado “justiciamento” (“fazer justiça com as próprias mãos”), principalmente, quando se trata de tecer críticas genéricas aos Direitos Humanos, seus documentos de caráter internacional e legislações a respeito, o que se pode verificar absurdos nos argumentos e sem condições de serem consideradas plausíveis e reconhecidas.
Para refutar possíveis críticas, observa-se o seguinte:
I) “Onde estão os direitos humanos das vítimas e dos parentes das vítimas de crimes?” – tais direitos nunca foram retirados e sempre existiram e, na maioria dos casos, os que praticam tais crimes contra vítimas, seus parentes e testemunhas são os próprios criminosos que não têm responsabilidade institucional por zelar pelos direitos humanos, mas que devem ser enquadrados pelas instituições das políticas, do Ministério Público e do Poder Judiciário para serem responsabilizados e serem punidos como a legislação prevê; logo, a pretensa indagação crítica utiliza uma retórica sem aprofundar com devida causa quem são os detentores do poder estatal que devem proteger todos os direitos humanos, inclusive das vítimas, seus parentes, das testemunhas e até dos acusados pelo Estado seja em flagrante ou não para serem processados, condenados ou absolvidos e punidos, conforme os termos da Lei;
II) “Os direitos humanos protegem apenas os bandidos.” – outra falácia, mentira descabida, porque os direitos humanos protegem a vida, a dignidade e a integridade de todas as pessoas humanas, inclusive dos que são considerados “bandidos”, pois é dever do Estado respeitar direitos fundamentais de todos, senão abre brecha “em nome do Estado” de se violar direitos fundamentais por questão penal e criminal, como se até as pessoas encarceradas pudessem ser torturadas, mortas, violadas na sua integridade física, psicológica e moral, o que seria contradição e contrassenso por parte do Estado, que é o primeiro a ser o garantidor de direitos fundamentais;
III) “Bandido bom é bandido morto” – outra frase e enunciado muito expresso pelo senso comum, oriundo de um discurso irresponsável de políticos, porque seguem a premissa de condenação preconceituosa, sem passar pelo crivo do devido julgamento, ampla defesa e contraditório, evidências pelas provas e o veredito final para se cumprir a pena ou não, e com devido direito de recorrer em instâncias superiores, conforme o direito e a justiça;
IV) “Se a polícia prende e os direitos humanos mandam soltar, só resta dar o corretivo (torturar) ou resolver de vez (matar)” – outro enunciado esdrúxulo do senso comum, porque não é dever do Estado e nem da sociedade torturar e matar as pessoas, o que vai contra princípios de direitos fundamentais da Constituição e Tratados de Direito Internacional que o Brasil é signatário (que assinou, confirmou compromisso e deve respeitar pelo cumprimento do seu território e jurisdição).
Observa-se que tais abordagens de senso comum são enfatizadas com sensacionalismo, sem reflexão aprofundada sobre o tema, fora que são ancoradas em premissas duvidosas e raciocínios reducionistas, sem ampla visão do problema da violência e da criminalidade.
Aliás, há grupos e associações de luta das vítimas e de suas famílias por justiça e direitos, que pleiteiam mais segurança, indenização por danos morais, materiais e punição aos criminosos, e isso não exclui e não é incompatível com a ideia de que uma pessoa presa pelo Estado tem o direito de saber qual é o teor da acusação e de se defender e tenha garantia de preservação de sua integridade e dignidade.
Deve-se, então, compreender que defender os direitos humanos dos acusados de crimes e de condenados sob tutela do Estado, não exclui a defesa dos direitos humanos das vítimas e das suas famílias alvos de criminosos comuns.
Outro problema de pensamento reducionista é achar que todo acusado, que aparece pela imprensa, seja culpado, o que é um potencial de aumentar a barbárie e o preconceito, pois tal pensamento pode estar equivocado e injusto porque não se pautou pelo contraditório e no que a Justiça analisou o caso em questão na sua concretude mediante provas e evidências.
Um julgamento justo não se deve pautar por emoções geradas por notícias sensacionalistas e até manipuladas, que possam prejudicar alguém ou alguma instituição.
Há de se contestar, também, a respeito de que os Direitos Humanos causam violência, o que não é verdade, pois a sua defesa é contra todo tipo de violência e que também combate a impunidade.
Os críticos dos Direitos Humanos transformaram a pauta de modo ideológico, o que enfraquece as instituições na defesa dos direitos humanos para todos indistintamente. Assim, conservadores, progressistas e revolucionários precisam ficar atentos que os Direitos Humanos são para todos e é uma conquista histórica por se ter Tratados Internacionais, constituições nacionais e legislações que assim estabeleceram, e diante disso deve todo direito humano ser defendido até pelos próprios críticos.
Para aprofundar mais a respeito dos Direitos Humanos, conforme Dall’Agnol (2009), eticamente, Immanuel Kant menciona a respeito do imperativo categórico das leis morais que devem ser para atender as necessidades humanas, no sentido de se buscar pela perfeição por puro respeito ao dever, que no caso, são para os direitos humanos para todos os seres humanos, no caso.
E assim, o princípio universal do direito para Kant (1980) deve ser por boas ações de todos para com todos, de acordo com uma Lei universal. E este dever de direito universal para todos deve ser uma virtude em busca da felicidade do bem comum, que é o bem supremo, que deve ser alcançado pelo Estado, que representa a sociedade e a própria sociedade em si.
Já, Jeremy Benthan defende o princípio da utilidade, que é o princípio da aprovação ou desaprovação de cada ação de acordo com a tendência que parece aumentar ou diminuir a felicidade, conforme interesse de cada questão, que eticamente para os direitos humanos, as instituições públicas, sejam governamentais, públicas, sociais, econômicas e políticas, e devem verificar a legitimidade das leis, se são positivas, no sentido de contribuir com o princípio moral da sociedade.
Portanto, verifica-se em Bentham (1980) que os direitos humanos são úteis, porque são direitos, legitimamente, positivos nas legislações, que beneficiam a sociedade como um todo, e que por isso, utilmente, os direitos humanos devem ser defendidos, garantidos e de total compromisso por parte do Estado e até da própria sociedade civil.
E, por fim, John Stuart Mill faz uma defesa da ética utilitarista, no sentido da devida busca do ser humano pela felicidade, e que para isso, não só o prazer deve ser considerado, mas as virtudes, também. Mill acredita que a utilidade é o princípio da maior felicidade como fundamento da moral, que é o princípio das ações corretas para atingir o fim maior da ética e da felicidade.
Mill (1980), ao reportar Kant, exemplifica que qualquer possibilidade de torturar um inocente é completamente errado, seja para qual for a finalidade, pois tal meio de o Estado torturar um inocente é um crime, e que moralmente é reprovável, considerado até ultrajante, pois tal ação não atinge finalidade maior das virtudes e da felicidade, logo não atinge a finalidade maior da lei moral, ou seja, da ética plena.
Pode-se então concluir e observar que tanto Kant, Bentham e Mill defendem que para alcançar a felicidade humana, deve-se passar pelo crivo da virtude moral, ou seja, da virtude ética, e que os direitos humanos são positivos para todos os seres humanos, eticamente, o que se deve cultivar a devida virtude e defesa para o benefício maior de todas as pessoas puderem alcançar o bem maior do ser humano que é a felicidade.
REFERÊNCIAS
BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
DALL’AGNOL, Darlei. Ética II. Florianópolis: FILOSOFIA/EAD/UFSC, 2009.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
MILL, J. S. Utilitarianism. New York: Prometheus Books, 1987.