Surf na Ribeira Grande: Graben – X

Graben – X

No coração da Ribeira Grande, o Graben é a CASA onde co-habitam - nem sempre de forma pacífica -, humanos, animais, plantas, rochas. Para se fazer uma ideia da sua dimensão, basta dizer que é ligeiramente maior do que a Ilha Graciosa e três vezes maior do que a do Corvo. Nele mora, consoante os parâmetros, a segunda ou a terceira, maior cidade dos Açores. Sem que isso, no entanto, por erros nossos, se traduza em poder político. Por não se saber toda a História só com a História/História, bato truz, truz à porta da História Geológica. Convido o surfista de hoje (é para ele que escrevo) a seguir-me: a arriba à vossa frente, hoje com duas dezenas de metros, outrora chegou a erguer-se a 650 metros acima do nível do mar. Entretanto, foi-se abatendo ao longo de séculos, dando origem ao Graben da Ribeira. O que diz disso Victor Hugo Forjaz (pioneiro da geologia que a explica – sem pôr em perigo a ciência -, de forma que todos a entendam)? Num texto (pedido pela Câmara) e destinado (em 2015 e 2016) aos I e II Festivais de Balões de Ar Quente, da Ribeira Grande, disse: ‘A planura do vale da Ribeira Grande corresponde a uma estrutura geológica denominada "graben" soterrada por volumosos depósitos de pedra-pomes de queda (ou seja "choveu" pedra-pomes de nuvens vulcânicas impelidas pelos ventos) e de "lahars" ou areeiros da Ribeira Grande, estes correspondendo a derrames, vertente abaixo, de cinzas em meio aquoso misturadas em diversas granulometrias de "pedras" emitidas da Lagoa do Fogo, ao longo de milhares de anos, sendo de 1563 os últimos "lahars." Como é este espaço? É formado ‘por duas escadarias principais. Uma, com degraus descendo do lado de Porto Formoso para o centro da Ribeira Grande. A segunda escadaria, situa-se do lado contrário, ou seja, desce da zona do "aerovacas " [Santana] para o mesmo centro da Ribeira Grande.’ Agora em 2024, ao computador (sentado à mesa do Tuká-Tu-Lá, com o mar ao meu lado), fui-lhe fazendo novas perguntas: ‘O graben de Ribeira Grande é do tipo scisor graben. i.e. em tesoura. A outra parte da tesoura está na banda de Vila Franca. É a maior estrutura tectónica da Ilha e é responsável pelos valiosos recursos geotérmicos da Ribeira Grande (já provados) e de Vila Franca (em estudo) São biliões de euros.’ De quando data o graben? ‘Para mim, via estudos geotérmicos, o graben é recente, tem cerca de 60 mil anos, quando se gerou o Complexo Vulcânico dos Picos, estrutura que ligou a ilha de S. Miguel 1 à ilha das Sete Cidades. Talvez a EDA tenha dados mais recentes de modelização. Como tomografias uma espécie de tac terrestre.’

Esqueçam (por momentos) as ondas. E a geologia. Se vos apetecer partilhar da paixão (um misto de temor e de afoiteza) de muitos daqui pela Areia [Monte Verde], leiam (em voz alta) no alto do Miradouro do Palheiro o soneto ‘Minha Terra do Norte,’ do poeta José de Oliveira San-Bento. Nasceu ali perto, à altura encontrava-se desterrado (ou em Lisboa ou já em Ponta Delgada) e dedica-o ao Dr. José Nunes da Ponte, outro exilado: ‘Aquele mar do Norte que se espraia, / Subindo ao areal em que desmaia, / É meu e será meu até ao fim…/ É minha aquela espuma que se alteia, / Nas rochas a bramar, à lua cheia,/ Pois tudo isso vive dentro em mim!’ Nunes da Ponte, que se formou em medicina e nunca mais os pés na sua Ribeira Grande, era republicano. Foi Presidente da Câmara do Porto ainda nos anos finais da monarquia. Já em República, foi ministro de Pimenta de Castro, Presidente do Senado da República, Governador Civil do Porto. Vítor Teves, poeta que se revelou em força – serena -, não há muito, de regresso à terra, revive a infância na Areia no poema ‘Enroloado na onda,’ do qual retiro um (saboroso) naco: ‘Quem nunca foi enrolado pela grande/ espuma e atirado contra as mil pedras/ da areia grossa nunca vivo viveu.’

Se a leitura deixou-vos (um poucochinho) curiosos, venham daí. Vou recuar ao dia Mundial dos Museus, dia 19 de Maio de 2004. Continuando o projecto do Museu de Comunidade (iniciado em 1986), é inaugurada, na então Casa da Cultura da Ribeira Grande, projecto em parceria com o Museu Militar (na arquitectura militar com o Coronel Salgado e Sérgio Rezendes, na geologia, com Nicolau Wallenstein, mestre da segunda geração de geólogos), a exposição ‘Um tesouro escondido entre rochas.’ A iniciativa justificava-se tanto mais que fora apresentado o projecto da via litoral e as obras das Poças avançavam. Era bom alertar (quem de direito) para os elementos construídos e geológicos do litoral. Daí resultou (tanto quanto me lembro) a recuperação da casamata do Palheiro e a do areal de Santa Bárbara, a salvaguarda do moinho de Água da Areia (que vos serve de ponto de orientação). Ainda nesse ano, seria colocada (texto de Nicolau Wallenstein) na praia (seu início nascente) uma placa interpretativa da erupção do Pico Queimado (de 1563). No ano seguinte, em 2005, estudei (de forma participada) os Impérios da área da cidade da Ribeira Grande, com destaque para os do litoral urbano (do Palheiro – Bairro de Santa Luzia - a Santa Bárbara). São os que vocês dão de caras quando vão às ondas. E para os quais, como festa magnífica da partilha (a minha preferida) que a todos acolhe, são bem-vindos. Dali da beira-mar, saíram os primeiros surfistas e bodyboarders da Ribeira Grande. Dois anos depois, dediquei-me (cruzando a investigação participada e documental) à Alvorada de São Pedro (cujo nome finório é Cavalhadas). Enquanto os Impérios pertencem a áreas restritas, este cortejo a cavalo (antes de mulas) (cuja origem é – ainda -, desconhecida) une os cinco núcleos urbanos que constituem a cidade (que se ergue no Graben). Proporcionalmente, como pude verificar, é do litoral (Bandejo, Cova da Burra, Areal de Santa Bárbara) que sai o maior contingente de cavaleiros. O que vi? A beira-mar, outrora social e fisicamente segregada do lado de cima da terra (a ‘dos senhores’), já está física e socialmente integrada no seu todo. A mudança deu-se (a meu ver) com o virar da terra para o mar. Faltará (e nisso ganharia a cidade, o concelho e a Ilha) que as cinco freguesias (passadas já mais de quatro décadas da elevação) agissem como Cidade.

A administração autárquica concelhia (que entrara em funções em finais de 2013), abre dois trilhos em 2014: o do Pico Queimado e o da Ponta do Cintrão. Duas maneiras soberbas de se conhecer (a pé) o graben e o seu litoral. Nos dois anos seguintes (2015 e 2016) com o Festival de Balões de Ar Quente, foi-se (ainda) mais longe: deu-se a oportunidade de conhecer do ar o espaço do graben. São (claramente) eventos (além dos do Surf) que projectam a Ribeira Grande além fronteiras (por exemplo, entre outros, tanto quanto sei, um jornal londrino de grande circulação divulgou os eventos). Para explicar o Graben, o OVGA (através do professor Forjaz e da sua equipa de colaboradores, em parceria e a pedido da autarquia) elaborou (em 2015) um (excelente) desdobrável: ‘A diversidade na Orla costeira: Praia de Santana – Baía de Santa Iria (…).’ Cuja organização segue a tipologia de ‘O Vulcão das Furnas: Encantos e temores (…),’ de 2009, e antecede a do ‘Vulcão das Sete Cidades (…),’ de 2016. Basicamente, trata-se de um desdobrável profusamente ilustrado, onde se aborda (numa linguagem simples mas precisa) a sua evolução geológica, a biodiversidade marinha, a avifauna, a flora e o património antrópico. Outra iniciativa, essa para olhar os céus sobre o graben, surge em 2017. O OASA (sediado em Santana), publica o Almanaque dos locais do Concelho onde melhor se pode observar os corpos celestes.

Fazendo uso à interpretação dos especialistas (os que encontrei), regresso ao início geológico (conhecido) da área da Ribeira Grande. Começando pelo geral até chegar ao nosso graben. Os Açores estão implantados numa área quase triangular da crista média atlântica. Crista que se estende (grosso modo) do pólo norte ao sul. A primeira ilha dos Açores a ‘nascer’ foi Santa Maria (com uma idade geológica atribuída a mais ou menos 8 milhões de anos). Passados quatro milhões de anos, à volta do vulcão do Nordeste, surgem os primórdios geológicos da futura Ilha de São Miguel. A Povoação (que se lhe junta) nasce um milhão de anos depois. Furnas, por seu turno, há mais ou menos 750 mil anos. Entretanto, a estas duas ilhas (Santa Maria e São Miguel/Nordeste), há 500 mil anos (sempre mais ou menos) vai sendo formada a poente da de Nordeste uma nova ilha vizinha: a ilha das Sete Cidades. E a área do vulcão do Fogo onde se situa a Ribeira Grande? Começa a nascer 250 mil anos depois das Sete Cidades. Chegou a ter 650 metros de altura. Nessa altura, vamos imaginar, se alguém estivesse numa prancha na praia de Santa Bárbara e olhasse para terra, veria algo no género da arriba da Fajã do Araújo (por exemplo). Se estivesse a surfar próximo da baixa de Santana, e se olhasse para a sua direita, assim como se vê o Pico do Faial, veria a Ilha das Sete Cidades.

De onde vem a pedra das Poças e arredores? Virá (em parte) de uma erupção do Monte Gordo ocorrida há cerca de 4990 anos mais ou menos 100 anos (segundo Richard Moore, 1991). A escoada lávica deslizou em direcção ao mar, quase que encostando à Coroa da Mata, à ponta do Cintrão (que tem mais de 100 mil anos) passando pelas Gramas, encostando-se ao Calhau do Cabo (que é mais antigo), à Chã das Gatas e terminando na ribeira da Ribeira Grande. (Richard Moore: 1991) E as escoadas que separam a praia do Monte Verde (Areia) da de Santa Bárbara? Da ribeira da Ribeira Grande para poente até meio da praia do Monte Verde virão de uma erupção do Pico Vermelho cuja idade (incerta) aproximada aponta para algo entre os 5000 e os 10000 anos. (Richard Moore, 1991) Do biscoito do Bandejo até ao actual parque de estacionamento da Praia de Santa Bárbara (mais ou menos) virá do Pico Arde (próximo do Pico Vermelho), uma erupção que ocorreu à volta de 1790 anos (mais ou menos 150 anos: Richard Moore). Por fim, encostado ao parque de estacionamento de Santa Bárbara (para o seu lado poente) – defronte do Restaurante Tuká Tu Lá – a escoada histórica do Pico do Sapateiro de 1563. Victor Forjaz tem opinião diferente (ou complementar?). Não veio também do Pico das Freiras? Resposta de Victor Forjaz: ‘(O graben) é uma estrutura tectónica especial, com espasmos. Nuns espasmos de maior descompressão, deu origem ao Pico das Freiras. E este derramou lava até ao oceano ….. Mas houve outros mais pequenos que originaram pequenos cones, como o Pico Vermelho uma beleza natural desfeita pelo negócio da bagacina. Mas há outros pequenos em outras falhas geológicas que se abriram, deixando a lava aflorar.’ Será que as praias eram uma só praia? Apesar de indícios (fortes) apontarem nesse sentido, para uma resposta clara, são necessárias mais provas.

E de onde vem a areia que alimenta os fundos? ‘As fontes sedimentares da praias da Ribeira Grande (Monte Verde e Santa Bárbara) foram e são os sedimentos provenientes das ribeiras e do desmonte das arribas.’ É Paulo Amaral Borges quem o afirma. E, como vimos, dos "lahars" e areeiros vulcânicos. A areia dos areais da Ribeira Grande (diferente da das Milícias e da do Pópulo, é semelhante à de Água de Alto) contém traquite (proveniente do Morro e da Ponta do Cintrão). E da pedra-pomes das arribas. Fruto de conversas com o Professor Doutor Paulo Amaral Borges e da leitura da sua tese de Doutoramento, fiquei a saber muito mais sobre as praias de Santa Bárbara e do Monte Verde (os meus locais predilectos de caminhada). Primeiro, que a praia de Santa Bárbara ‘(…) com cerca de 1000 m (longitudinalmente), antes da extração mineira de areia tinha cerca de 170 m transversalmente (…).’ Que a do Monte Verde (Areia) mede 650 m (longitudinais) e (antes do aterro dos anos sessenta que ligou a Vila Nova ao Bandejo) media 120 m (transversais). Que Santa Bárbara ‘é maior da Ilha, e desenvolve-se segundo a direcção ENE-WSE (…) entre o Morro de Santana e o leque lávico da Ponta das Praias.’ Que ‘(…) nos anos 50 do século XX, Santa Bárbara era um dos raros exemplos açorianos de uma robusta praia de areia com duna frontal (…).’ Que ‘a sua margem terrestre da praia é definida por uma arriba talhada em cinzas traquíticas, pedra-pomes de queda e escoadas piroclásticas, que se eleva até cerca de 20 metros acima do nível médio do mar.’ Que ‘a área é afectada por um regime de agitação modal de alta energia, sendo a ondulação predominante de NW. A praia apresenta-se exposta aos temporais de NW e N.’ Que ‘a deriva litoral ao longo da costa norte é dirigida para leste em resíduo anual, embora a troca de sedimentos entre células costeiras adjacentes seja diminuta, devido à combinação de uma costa muito entalhada com um litoral próximo muito inclinado.’ Por fim, calcula-se que, da última metade dos anos 60 a meados da década de noventa do século passado, pelo menos, ‘terão sido extraídos 950000 m3 de areia da praia subaérea e das dunas do areal de Santa Bárbara e que desde 1953 a erosão natural foi responsável pela perda do volume remanescente (…). No caso do Monte Verde, ter-se-á (pelo menos) extraído (calcula-se) à volta de 620.000 m3 de areia.

Miradouro de Santa Luzia (Palheiro) – Cidade da Ribeira Grande (continua)

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 19/05/2024
Reeditado em 23/05/2024
Código do texto: T8066392
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