TIO PAULO, TIO PEDRO, TIO MALAQUIAS....
O vilipêndio dos profetas e o abuso dos cadáveres mistificados pela igreja!
*Por Antônio F. Bispo!
Nos céus Cristãos, Paulo, o apóstolo, escuta o seu nome ser chamado com insistência e fica em estado de alerta.
Seria este mais um pedido de um cristão aflito? De um teólogo lecionando? Ou de religioso pilantra religioso, usando-o outra vez como chamariz de fiéis, a fim de subtrair destes seus pertences?
Como santo que era e utilizando-se dos atributos surreais que só os seres mistificados possuem, o patriarca cristão aguçou sua audição de longo alcance, localizou o apelo, deu um zoom em sua visão profética e assim que alinhou a imagens e os sons, pode ver com clareza o ocorrido e perceber que o chamamento não era especificamente para ele.
O aceno era de fato para um certo Paulo, e por coincidência, aparentemente, este também estava prestes a ser usado como objeto, a fim de obtenção indevida de bens ou serviços.
A origem do sinal vinha de uma agência bancária de uma cidade brasileira, conhecida por ter em seu portfólio de atrações, os maiores escândalos de corrupção na política deste país chamado Brasil.
Após assistir tudo, Paulo, o santificado, respirou aliviado e disse:
— Ah, sim... Ainda bem! Pensei que fosse outro maluco tentando vilipendiar meu nome, minha imagem ou minhas falas com o intuito de subtrair dinheiro de seus compatriotas usando a fé e a ignorância como arma silenciosa.
Tiago, João, Pedro e os demais apóstolos pararam por um instante, dando atenção total ao enunciado de Paulo.
Em tom de surpresa, quase que em todos disseram um completando a fala do outro:
— E não era para ti o chamado? Também o ouvimos e sentimos a intenção do pedinte! Havia em suas falas as palavras costumeiras como dinheiro, empréstimo, “assine aqui” e outras citações do tipo que prenunciam um possível golpe. Nas intenções do rogado detectamos sinais de oportunismo, embuste e falta de caráter. Em suas emoções havia um misto de prazer e medo, algo comum aos farsantes em risco de exposição. Tem certeza que não é mais uma “pessoa ungida” tentando vilipendiar nossos nomes? Já conferiu se não veio de alguma igreja evangélica? Estranho...
Os santos se entre olharam outra vez e com ar de confusão, prestaram ainda mais atenção a Paulo, objeto do chamamento inicial.
Como almas santificadas pela igreja, cujos dons divinos por eles também eram compartilhados, tais seres podiam ver e ouvir à distância tudo o que os fiéis faziam aqui na terra, principalmente os católicos (que foram os pais fundadores de tais crendices), seguido pelos evangélicos que se espalharam, divididos em milhares de seitas e denominações diferentes em todo o globo nas últimas décadas.
Além da visão e audição ampliada, eles também podiam sentir as emoções ou ler as intenções de todos os que lhes rogavam favores, bem como dos que faziam coisas boas, ruins ou absurdas valendo-se do seu nome.
Tanto é verdade isto, que toneladas de imagens de esculturas eram (e ainda são) produzidas e comercializadas todos os anos, visando a representação física desses personagens em tempo real, para que assim possam estar na casa dos fiéis, assistindo simultaneamente a todos.
Desse modo, além de venerados, eles podem cumprir o propósito principal para o qual foram criados: servir de muleta ou de amparo psicológico para adultos crescidos, que acreditam que um simples pedaço de pau, gesso ou pedra, tenha mais valores que o poder de suas falas e ações coletivas, unidas pelo bem comum.
Por vezes, esses adultos infantilizados, são como eternas crianças do maternal, que após ofender os coleguinhas com puxões de cabelo ou beliscões, chama a “tia” para apaziguar a turma.
Os seres mistificados servem justamente a esse propósito: quando o crescimento da consciência e caráter dos indivíduos estão em atraso ou distantes de ocorrerem, santificam-se coisas ou pessoas, para que estes (diante de um deus maior), interceda ou facilite as coisas aos pedintes, que por sua vez, nunca sairão desse estado mental a menos que queiram abandonar tais práticas.
Diante da visão, o clima ficou diferente nos céus.
Não o era dia de São Pedro "fazer chover" ou de São José estiar.
Tampouco Antônio, o Casamenteiro estava ali para unir pessoas a um matrimônio real, nem ainda a uma "união instável", movida a goles de licores e cachaças em dias de festejos juninos.
Eles reuniram-se "ao vivo e a cores", para ver assistir o vilipêndio de mais um cadáver, coisa comum aos humanos. Mais um curioso caso oportunismo usando defuntos surreais ou não.
Os santos ali reunidos tiveram vontade de rir ao mesmo tempo, admiraram-se com a capacidade dos humanos em especializar-se cada vez mais no logro e na falsidade ideológica.
Todos pararam para assistir à cena: uma jovem senhora tentando parecer gentil ao sorrir para a atendente bancária, enquanto tentava segurar firme a cabeça do seu tio (o tio Paulo), cujo pescoço insistia em declinar para um lado e para o outro, aumentando a evidência da possível farsa.
Sem se constranger, a moça pegou no braço do defunto, tentando pôr uma caneta em suas mãos para que este por sua vez assinasse os documentos à mesa, a fim de que uma linha de crédito lhe fosse permitida.
Quase aflita, ela tenta parecer tranquila, ri para a atendente, depois para o tio e diz:
— Vamos tio Paulo, assine!
O vexame era completo!
O colegiado santos ali presentes queria dar boas risadas, mas não podiam.
Era como se suas atuações estivessem limitadas àquilo que deles foram descritos nos livros ditos sagrados, afinal, em sua linguagem original de programação feita pelos cristãos primitivos, a um santo não se era permitido sorrir ou demonstrar qualquer estado de emoção que não fosse a dor, sofrimento ou contemplação.
Por sorte, Simão, um dos filhos de Zébedeu, fora descrito como alguém explosivo e destemperado.
Sendo assim, ele podia ir um pouco além em suas colocações.
Olhou então para o seu irmão Tiago (que também possuía a alcunha de "filho do trovão") e ambos puseram as mãos na cabeça e deram sinais de que iriam dizer ou fazer algo tolo, estabanado, algo correspondente aos seus personagens.
Com um ar de Tirulipa e em tom jocoso, misturando o “carioquês” com o “baianês”, um deles falou:
— TA-QUI-PARIU-MANO! Que mulé amadora é essa? Ó paí? Se queria se aproveitas de um morto ou vilipendiar sua memória, pelo menos devia fazer direito. Nunca visitou uma igreja evangélica não? Que mulher sem noção... Nem parece ser “carioquista”!
Os outros santos católicos e os apóstolos, ruborizaram com a fala e vocabulário pouco expressivo da dupla. Queriam dar boas gargalhadas como humanos que um dia foram, mas não queriam ferir os protocolos místicos que diziam respeito ao humor e faces dos seres beatificados pelos papas.
Queriam repreendê-los, mas, ao mesmo tempo, achou que aquilo era fichinha, se comparado às outras descrições nos textos canônicos e apócrifos que regiam a cultura bíblica judaico-cristã.
Lembraram-se de que na maior parte dos textos bíblicos havia descrição explícita de estupros, orgias sexuais, abuso de álcool, infanticídios, genocídios, incestos, traições e ações de incendiários, assassinos, déspotas, sanguinários... Todos regidos ou recheados com o mais puro desejo de vingança, suborno, usura e falsidade, que faziam parecer que as hostes infernais eram meros aprendizes diante das atitudes de alguns homens “cheios de unção divina”.
Pedro, o mais respeitado pela fé católica e tido como o pai fundador, primeiro de todos os papas, em tom moderado arguiu:
— Irmãos, o que quereis vós disser com isto?
Os doze primordiais se entreolharam e um dos Barjonas dissera outra vez:
— Qual é Pedro? Onde aprendeu falar assim com tanta polidez? Em vida, éramos pastores de ovelhas, fazendeiros, pescadores, agricultores, retirantes... Jamais saberíamos usar tais vernáculos na ordem em que dissestes! Salvo Lucas, o próprio Paulo e outros fidalgos da burguesia ou burocracia romano-judaico-babilônica, nenhum de nós seríamos capazes de falar, muito menos de escrever de tal forma!
Pedro queria sorrir outra vez, mas se conteve ao seu avatar carrancudo e abilolado, descrito nos antigos manuscritos cristãos.
Em resposta argumentou:
— Pois é: não sei de onde é que tiraram a ideia de que dominávamos de forma tão eficaz a escrita, muito menos a fala gramaticalmente impecável. Fico lisonjeado quando leio (por acaso, eu sabia ler?) o que supostamente eu disse nesses contos e o modo épico como me descrevem. Mas tudo bem! Melhor assim: siga o seu roteiro que eu sigo o meu. Veja que até você mesmo, Tiago, está falando como se fosse um escriba, mas tu não eras. O misticismo dos que nos veneram é tão magnífico, que além de nos dar poderes mágicos, fez com que em cada um de nós houvesse o poder de expressão linguística de um professor catedrático de uma grande universidade do presente século. Aproveitem!
O desejo do riso era incontrolável, mas se isso viesse à tona, não faria jus aos seus personagens, pois os músculos de suas faces sempre foram pintados com rigidez e aflição de espírito no olhar.
Eles apenas riam por dentro, como dizia um certo palhaço.
Em tom pesaroso, Pedro disse outra vez:
— Quem dera em nosso tempo fosse considerado crime o vilipêndio de cadáveres! Quem dera isto fosse visto no passado como algo nefasto. Assim, nossos corpos não seriam vituperados e vendidos cada pedaço dos nossos ossos como se fossem carnes num açougue de ratos.
Era permitido aos mártires sofrer, chorar, penar, se ferrar e até morrer, a fim de romantizar as ilusões daqueles que almejando corromper o sagrado, ofereciam a dor alheia ou a sua própria, como moeda de troca por algum outro proposito nefasto ou insignificante.
Eles choraram ao lembrar-se de como morreram e depois como seus corpos foram supostamente desmontados e comercializados como se fossem peças místicas, amuletos de sorte para obtenção de poder, riqueza, sexo e tratamento especial ao portador.
Seus corpos foram profanados e seus cadáveres vilipendiados. Como animais dissecados foram expostos em feiras livres, conventos, festivais, torneios de cavaleiros ou em qualquer ajuntamento humano em que fosse possível demonstrar o poder ou virilidade do portador diante da multidão de crédulos, ou diante de outros objetos místicos que faziam parte do arcabouço de crendices de um cidadão medieval comum, a exemplo de chifres bovinos, até supostas escamas de dragões ou lágrimas de sereia.
O sacrilégio da sacristia era o único local temporário onde os seus restos mortais poderiam ter um pouco a mais de paz, pois ali, junto as vestes sacerdotais emboloradas, embebidas com o cheiro de alguma “puta” dos bordéis locais ou manchadas com o sêmen dos adolescentes aprendizes, os restos sagrados dos apóstolos poderia descansar escondido naquelas gavetas sujas, até ser contrabandeado outra vez para as mãos de outro místico nefasto.
Reviveram com pesar os mais de 12 séculos em que membros poderosos da igreja católica ou salafrários conhecidos venderam e revenderam inúmeras vezes as mesmas partes dos seus corpos aos ingênuos e gananciosos da fé.
Pessoas que acreditavam que pelo simples fato de possuírem algum pedaço de carne, osso, roupa, cabelo ou saliva de um santo qualquer, seriam mais virtuosos ou melhores que as demais, capazes até de atraírem para si, boa sorte, boa colheita, bom casamento, ficar ainda mais rico ou destruir seus inimigos com facilidade, fosse em batalhas ou por meio de traições corrupções de oficiais de alta patente.
Pedro lembrou-se que após mil anos de catolicismo, os corpos deles, ou seja, dos 12 apóstolos que andaram e supostamente viveram com Jesus, já tinham sido repartidos e revendidos tantas vezes que daria para formar centenas, quem sabe milhares deles no dia da tão esperada ressurreição dos mortos.
Em certas ocasiões ele chegaram a pensar que na ocasião do sermão do Monte das Oliveiras, o Messias havia multiplicado não apenas os peixes e os pães naquele dia fatídico, mas também os ossos do seu corpo, as suas vestes, os seus cabelos, suas sandálias e até o suco gástrico destes, para que desta feita, após mortos e sepultados, cada pedaço minúsculo de sua matéria pudesse ser recomposto e repartido com as multidões (de fanáticos), que surgiriam séculos à frente.
Chegaram a se perguntar se os 144 mil escolhidos pelo próprio Deus, visto por João no apocalipse, não seria a multiplicação dos seus clones, retirado dos seus corpos, reorganizados em cada transação clandestina realizada por clérigos vigaristas (redundância?) e outros contrabandistas da fé.
Ai, ai…
Como era permitido à configuração de um Santo o pesar e a lamúria, eles respiraram profundamente e entristeceram-se ao perceberem naquilo em haviam se tornado, não apenas eles, mas principalmente o seu suposto mestre crucificado.
A intenção era que fossem instrutores e pioneiros de uma mensagem que induzia o homem a um estilo de vida mais civilizado, possibilitando paz entre os homens e a paz consigo mesmo.
Ao invés disso, eles se tornaram souvenir, objetos para rituais místicos, "coisas" que atraem multidões vazia, gananciosas, supersticiosas e com más intenções, que tendem a transformar tudo em circo, palanque ou pedestal para subir nas costas dos menos favorecidos e escravizá-los em suas próprias alucinações religiosas.
Quanta bobagem: o evangelho pregado por eles e ensinado pelo próprio Cristo, o suposto filho de Deus, deveria apregoado um estilo de vida a ser vivido, não exibido como se fosse uma roupa íntima fétida a um pervertido degenerado.
Deveria ser uma filosofia pessoal, onde cada um toma conta da própria vida e procura a cada dia ser uma pessoa em eterna evolução intelectual e de caráter, possibilitando ser um pai melhor, um filho melhor, um irmão, uma esposa decente…
Tendo a reciprocidade, o amor e o respeito ao próprio como tripé de uma vida e sociedade equilibrada, o evangelho deveria ser um caminho de luz e não da perdição.
Ao invés disso, transforam tudo em baderna, em comércio em algo que se assemelha mais a um antro de prostituição que a um lugar sagrado!
Em tom de sussurro e com ar pesaroso, um deles proferiu:
— Morremos em vão! Nos tornamos objetos daquilo que passamos a vida a combater: a hipocrisia, a ganância, a soberba, a idolatria, a inveja! Cada vez que um abobalhado (ou vigarista) qualquer dá mais valor à nossa suposta estória que aos supostos ensinamentos daqueles qual dizem ser o mestre, tornam a matar-nos de novo, e de novo e de novo...
Todos os dias somos mortos, vilipendiados e temos os nossos corpos e memória retaliados e negociados por gente sem escrúpulo, pior ainda que o caso do tio Paulo, o carioca.
O clima tornou-se tenso.
Essa era a pior conclusão que eles poderiam chegar, porém, era preciso admitir: suas obras, palavras, sacrifício e mortes serviram apenas para que impérios surgissem e outros fossem desmoronados, tendo como pano de fundo a suposta difusão do evangelho da paz e das boas virtudes humanas.
Vendo o “tio Paulo” ali naquela agência bancária e a sua cuidadora, aparentemente oportunista, todo esse drama agora era reaberto ao escrutínio.
Enquanto lamuriavam entre si, aproximou-se dele um arquétipo cujos pés, mãos tinham perfurações de cravos e cujo rosto, olhos e cabelos se assemelhavam a um rico europeu do século XV.
Com um ar de ternura e com um gesto de paz, levantando uma das mãos e mostrando sua palma ferida, o personagem disse:
— Que a paz esteja convosco!
A figura prosseguiu:
— Irmãos, se achais vós que vosso corpo fora vilipendiado, o vosso cadáver usado como objeto de veneração (ou escárnio) e o vosso nome atribuído ao conjunto de horrores que só os homens malignos poderiam fazer, imaginem o meu!
Com ar de confusão, os doze disseram:
— Quem és tu, senhor?
CONTINUA…
Texto escrito em 28/4/24
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia