Solidão, algumas perguntas
Tem medo de estar só? Com quantas pessoas você fala por dia? Quantos familiares você tem? Quantos amigos você tem? Com quantas pessoas você interage?
Tem fome? Fome de interação? Com certeza é muito bom estar na presença física, ou virtual, daqueles que gosta. Você sente a plenitude de sua existência, sente como se aquele momento, mesmo sendo mais um de muitos outros já passados, é um ápice da felicidade e alegria. E isso é perfeitamente normal, gera prazer estar junto dessas pessoas, gera prazer interagir, porque ao interagir nós existimos.
Existimos para nós através dos outros.
Alguém que possui um outro para desejar feliz aniversário todos os anos, tem ao menos uma interação a mais do que aqueles para os quais isto não é uma realidade. Quem, dentre os dois indivíduos, existe mais, uma vez que o primeiro tem uma pessoa a mais para satisfazer sua necessidade de existência do que o segundo? Não há como saber.
Não é possível mensurar a existência de alguém para si próprio já que cada um percebe a necessidade de interação de forma diferente das outras pessoas. Cada um percebe uma existência, ao seu redor e de si mesmo, de maneira particular.
Falar com plantas te da prazer? Brincar com seu animal de estimação te da prazer? Estar convivendo o mínimo o possível com você, sempre esquecendo de sua presença por conta da presença de outra pessoa, te dá prazer? Você é sua melhor companhia? Tudo isso varia e há beleza nessas variações.
É sabido que somos seres sociais e que fomos selecionados natural e artificialmente para isso, evoluímos nessa lógica do ponto de vista científico, social e biológico. Claro, há exceções. Mas aqui nos cabe uma pergunta: e o excesso de sociabilidade?
O processo de envelhecimento também é uma longa jornada de perdas. Há um exemplo disso que gosto muito. Um grupo de jovens amigos, muito próximos, podem viver juntos por anos a fio, sempre interagindo. É possível até mesmo que, após muito tempo, já não consigam mais ver suas vidas um sem o outro. Seus laços fraternos possivelmente são mais fortes até do que os laços de sangue. No entanto, o tempo passará e, um a um, estes amigos vão morrer, uma a uma as interações vão diminuir e cada idoso deste grupo experimentará um possível exemplar dos medos primais da humanidade: a solidão.
Estes anciões do exemplo viveram um excesso de sociabilidade, protagonizaram o excesso de uma existência sustentada por terceiros e quando estes faleceram, eles perderam partes significativas de suas existências. São justamente essas lacunas as brechas pelas quais penetra a solidão e apenas com o tempo e n fatores, com n tendendo ao infinito, que os senhores e senhoras em questão poderão ressignificar os vazios do medo primordial supracitado.
Ao olharem suas listas de contatos, verão nomes que já se foram, virá uma dor em seus corações e, talvez, até mesmo uma lágrima… haverá saudade.
A questão mais interessante na solidão desses idosos é de que: do que é essa saudade?
Um idoso triste por estar sozinho, já que seus amigos faleceram, está mais triste pela grande perda que os amigos tiveram — a vida — ou está chateado pois não consegue mais replicar interações tão prazerosas para si? Essa saudade é de seus amigos existirem para o mundo, ou deles existirem para o ato da interação e do fomento da existência?
Isso só ele saberá se procurar em si e se conseguir viver o suficiente para chegar a uma conclusão que, provavelmente, não saberá se estará se enganando ou se de fato é a realidade.
Mas há beleza nisso. De certa forma, independente de ser ou não uma saudade, por falta de termo melhor, egoísta, o resultado é o mesmo: a tristeza.
Seria então a solidão uma situação onde há como resultado a tristeza através da saudade da interação? Através da saudade de uma existência perdida? Talvez tenhamos chegado numa questão interessante que dispensa respostas simples.
Mas olhemos para a seguinte pergunta: há excessos de interação?
Vai depender de cada um. Ao mesmo tempo que cada um percebe a necessidade de interação de maneira diferente do outro, cada indivíduo também terá uma própria cota de interação a ser excedida. A experiência da existência, em excesso ou não, é individual
Tal qual o bolo de uma avó, interação vicia — existir vicia — e cada um terá uma tolerância maior ou menor. Se essa mesma avó, ao longo de sua vida, se viciou em interagir com seus entes queridos, com certeza este bolo foi feito por alguém que vive em abstinência de interação, que pode ser nomeada de solidão. O bolo, feito com tanto amor, pode ser resumido em um pedido desesperado de alguém que quer ser notado, de alguém que quer ser, estar e existir, para si, mas através dos outros. Se é que o contrário é possível.
Seria então o sentimento e prática de solidão algo exercido “por” e “em” nós a partir da ultrapassagem de um limite pessoal de interações?
Quantas vezes você não se comunicou por horas com várias pessoas e grupos virtualmente e quando todos simplesmente “somem” você sentiu algo negativo? Talvez tenha sido a solidão.
É normal e saudável interagir para existir, mas ambas as coisas em excesso, ultrapassando o limite pessoal, podem trazer a solidão quando o excesso é removido e voltamos ao estado normal e pessoal do existir. É uma abstinência de existência.
Seria como eu dizer: eu existi muito, logo quero existir mais, mas quando não interajo, existo menos e mesmo sendo a mesma existência do começo de minha vida, me sinto só pois de fato perdi parte de uma existência que não se sustenta sem se exceder nas interações interpessoais.
E disso nasce outra pergunta interessante: há apenas uma solidão ou há solidões?
É possível sentir solidão por alguém em específico? É possível sentir saudade. Em um casal onde um rapaz abandona seu companheiro, o abandonado poderá sentir saudades do abandonador, mas também não poderá se sentir sozinho? O quanto a saudade e a solidão andam juntas?
Saudade de um sabor não tem solidão junto. A solidão pressupõe a falta de interações com outro, ou outros seres (não necessariamente, porém com grande peso). Então se há a saudade de alguém, poderá haver solidão por alguém, mesmo que ainda tenha companhia de outras pessoas?
Saudade de um grupo ou um alguém, reforça ou é reforçada pela solidão por um grupo ou um alguém.
Existe saudade sem solidão, mas existe solidão sem saudade? Uma vez que solidão é falta e saudade pressupõe falta, teria como se sentir só sem saudade?
Talvez o auto isolamento por conta de um indivíduo, ou grupo, possa provocar uma solidão sem saudade. Talvez o excesso de interação seja tão estressante em sua manutenção que, quando há solidão, não há saudade.
É possível se estressar pelo excesso de interação e, por consequência, de existência, de forma que, mesmo sentindo a solidão por ter perdido a parte extra de existência, não se sinta saudade da interação?
Ou seja, pressuporia uma solidão sem saudade, a presença silenciosa de um incômodo?
É naturalmente incômodo interagir e, por consequência, existir em excesso?
A mente pode rejeitar a existência extra, através do auto isolamento, tal qual o organismo libera nutrientes excedentes?
Não pretendo dizer o que deve ou não ser, se é ou não é. Não sou uma pesquisadora de alguma área que estude a psique humana e as interações humanas. Não sou socióloga, não sou psicóloga, não sou filósofa. Não tenho formação acadêmica nessas áreas. Possuo graduações nas áreas relacionadas a ecologia, mas isso está longe das áreas anteriormente citadas, mas me sinto confortável em formular questões, devo me reservar em apenas perguntar, quando adentro este campo.
Pergunto para os profissionais destas áreas, os estudiosos que de fato tem bagagem para construir algo útil e interessante.
Pergunto na vã esperança de obter respostas e com a plena certeza de que nenhuma será satisfatoriamente universal, pois rejeito generalizações e dogmas, deve haver debate com embasamento reconhecido por pares.
Pergunto, pois, esta atitude é a lenha de nossa sociedade, mesmo que está busque apagar seu fogo.
Mas uma coisa é certa, se pergunto, é porque estou incomodada.
Assinado, Lenora Morgue.