CASAMENTOS
A peça poética é o resultado de ações assentadas a partir da psique em estado de Poesia, graças à preponderância do emocional. É um enlace de ideias. Ele nasce do protagonismo humano em seus diversos estados de consciência.
Os criadores de todos os naipes da arte poética são seres dotados de singulares sentimentos através dos quais desejam produzir Beleza num mundo traumatizado e hostil à sua sensibilidade, porém, os sentimentos não produzem, de pronto, o gênero poético. Geralmente, o poema com Poesia se compõe com palavras e elas traduzem o que vai no sensível coração do poeta.
O que fornece identidade no território da Poesia é o ritmo e a palavra em sua indumentária de gala, o seu vestido de festa, com seus adornos de figuração de linguagem, conteúdo ou assunto, forma ou formato e o sentido conotativo da linguagem. E isto resulta na criação de imagens a partir dos signos, especialmente o letramento (a palavra como tradução do exercício do sentir poético), com seus significantes e significados.
Ressalte-se que no cotidiano das relações sociais o que nos proporciona o entendimento pela palavra é o sentido denotativo da linguagem.
Na moldura poética a emoção é traduzida pelo conjunto: atores, a liturgia da palavra e os atos que dela decorrem cabem à mente que traduz e interpreta as múltiplas vertentes do Mistério. Tanto no poeta-autor quanto no poeta-leitor. Entendemos que o bom leitor de Poesia e, antes de tudo, um poeta. Se não o fosse, jamais conseguiria abrir o cofre de suas mais íntimas emoções.
O bardo, vate ou poeta é um vidente, um profeta, um visionário, um crítico veraz sobre atos e fatos que percebe em seu entorno e, por entender que lhe cabe recriar o que está maldisposto neste mundão tutorial de regência do Absoluto, registra a sua impressão num lance a que chamamos inspiração ou espontaneidade. O vate protagoniza e compõe a sua obra a partir da inventiva, da farsa, da fantasia e do sonho. Cria a peça poética com ampla liberdade, sem nenhum compromisso com a realidade.
É um “fazer criando” para que consiga ser feliz em meio ao caos que caracteriza a vida contemporânea. Todavia, a sua criação não se destina a ter aplicação (imediata e direta) ao mundo fático, porque atuam em planos diferenciados: o da realidade e o da criação literária.
Contudo, ao falar à posteridade, o poeta parece estar no plano dos fatos e não apenas no mundo de sua criação. Quando fala, prega, preconiza, prevê um mundo em reconstrução, visando a correção dos danos e injustiças, buscando assegurar a liberdade com vistas à paz e à justiça social é sempre um ativista solidário, um altruísta com ideias que buscam seguidores.
Como no mundo dos fatos o formato definitivo de seu nascimento com vida se vai se fixando no dia a dia no sentido de dar ao registro verbal uma forma definitiva, porém, alguns “condenados ao pensar”, como é o meu caso, entendem que a obra poética em sua apresentação definitiva só acontecerá após o falecimento do seu autor. Somente a finitude do autor no plano terreno lacra o texto quanto à sua forma.
Todavia, pode se identificar e/ou reconhecer num poema uma “união estável” entre as palavras que o formam e/ou as ideias que o formulam. E isto ocorre pelo decorrer do tempo, após algumas publicações da obra na imprensa, em livros ou em publicações nas plataformas virtuais.
Pelas demarches que vejo desde a criação do meu mundo interior, o amar ratifica a certidão do enlace, mas a certeza da Beleza se oferta a qualquer pessoa, especialmente aos olhos do expectante que chega disposto a consumir Poesia, haurindo-a no corpo físico do poema. Por esta razão reitero a designação como poeta-autor e poeta-leitor. Ambos são essenciais ao processo de recepção do poema.
Na peça artística que realmente contém, emite, inspira ou suscita Poesia, emoção e razão nem sempre andam de mãos dadas. Tal como ocorre nos cerimoniais dos matrimônios, o arauto da moralidade aceito pelos enamorados orquestra razão, paz e patíbulo e, por vezes, até guilhotina o que se apresentar como fruto do racional. Nos países em que não existe a democracia, os poemas e os poetas são os alvos mais comuns dos órgãos de censura política.
O "sim" é o apaziguar de atos pela palavra, a aceitação da vida como ela é. O dia seguinte é sempre o da construção do Novo. O poema é sempre uma proposta que nunca se exaure, um raio de liberdade em permanente plantão.
Com o consumo (pessoalíssimo) da palavra poética poderás compreender melhor – creio – o que é, dentre as coisas dispostas no mundo, a peça poética e o quanto ela pode vir a ensinar a pensar. Porque esta é a função educacional da Poética.
Começando a entender melhor a fenomenologia do nascimento dos versos, logo te darás conta de que dizer poemas não é apenas uma arte lúdica e prazerosa, e, sim, uma concepção de beleza e cuidados sobre o humano e o seu "estar cumprindo passagem” no planeta.
MONCKS. Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2024.
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