O 31 de março de 1964

O 31 de março de 1964

Luiz Ernani Caminha Giorgis(*)

“Cumpro o dever de alertar a nação para o complô que se organiza contra o regime.

Prepara-se um golpe de estado que tem por objetivo derrubar as instituições democráticas, e o chefe da conspiração chama-se João Belchior Marques Goulart.

O movimento subversivo que ora se articula não é o primeiro que o Sr. João Goulart procura fazer deflagrar visando ao fechamento do Congresso Nacional e a destruição da Constituição”

(Deputado Federal/CE Armando Ribeiro Severo Falcão, 22 de novembro de 1963).

INTRODUÇÃO

Há exatos 60 anos, o Brasil passou por um processo histórico que até o presente mostra-se atual, principalmente nos corações e mentes dos democratas e conservadores.

Em 31 de março de 1964, tendo à frente as suas Forças Armadas (FFAA), o clero, as forças democráticas do país e uma parcela considerável da sociedade brasileira deflagraram um movimento contrário ao desgoverno do Presidente João Belchior Marques Goulart (Jango) e a um grande número de seus seguidores, inclusive no Congresso e até mesmo no seio das FFAA mas, principalmente, nos meios sindical e estudantil.

Mesmo contra a vontade de setores conservadores, Goulart havia alcançado o governo em agosto de 1961, em consequência da renúncia de Jânio Quadros, do qual era Vice-Presidente.

No Poder Executivo desde 7 de setembro de 1961 Jango, por meio de uma emenda parlamentarista (PEC nº 16-A da Câmara) passou a governar o país como Presidente e Chefe de Estado tendo, como Primeiro-Ministro Tancredo Neves. Um plebiscito popular em janeiro de 1963 o efetivou como Presidente da República no regime presidencialista. O povo votou “não ao parlamentarismo”.

Este plebiscito foi a grande oportunidade do povo brasileiro optar pelo Sistema Parlamentarista e afastar definitivamente a ameaça do marxismo-leninismo. Mas a opção popular foi pelo Presidencialismo.

O deputado brizolista e ativista de esquerda Armindo Marcílio Doutel de Andrade (fundador do PDT) declarou, conforme Hélio Silva, que “alguns chefes militares colocaram a crise como uma opção entre a democracia e o totalitarismo da esquerda radical” (Silva, 1978, p. 83).

Usando de suas prerrogativas de Chefe do Executivo, Goulart começou a empreender um conjunto de medidas progressistas, demagógicas e de matiz notavelmente socialista, conforme a citação em epígrafe. É válido registrar que Jango não era propriamente marxista ou comunista ou coisa que o valha, mas foi conivente e comprometido com forças esquerdizantes de cunho totalitário abrigadas em uma tese que tinha por alvitre impor ao país políticas nitidamente antidemocráticas.

A partir de 1963, o grupo no poder iniciou a fase mais aguda da sua campanha para implementar uma república socialista-sindicalista no Brasil. Salvo melhor interpretação, a matriz ideológica a ser seguida era nitidamente a de linha soviética, para isso inspirada e com a participação de Luís Carlos Prestes, comunista histórico, membro da Internacional Comunista.

Era flagrante o afastamento da democracia. Conforme o historiador Boris Fausto: Aqui está, portanto, a síntese da situação dos últimos meses de 1963 e dos primeiros de 1964. As FFAA acompanhavam o processo político desde sempre, principalmente nesta fase.

Vamos aos fatos, objetivamente e na ordem cronológica.

DESENVOLVIMENTO

A maioria dos ministros civis de Jango era da chamada “esquerda positiva”. Alguns deles:

- Fazenda: Francisco Clementino de San Tiago Dantas (ano de 1963);

- Planejamento: Celso Monteiro Furtado; que foi encarregado de trabalhar no meio sindical e em parte do meio militar, bases do esquema de sustentação de João Goulart;

- Trabalho (entre fevereiro e junho de 1963): Almino Monteiro Álvares Afonso, o qual transitava na ala esquerdista do PTB (partido de Jango) e nos meios sindicalistas e estudantis. Almino foi cassado em 1964 e exilou-se, sucessivamente, na Iugoslávia, Uruguai, Chile, Peru e Argentina.

Os principais militares naquele contexto eram os seguintes (ministro e comandantes):

- Guerra: Amaury Kruel, “febiano”, que era tido como moderado e vinha da fase anterior;

- Comandante do I Exército (atual Comando Militar do Leste - CML): Osvino Ferreira Alves (de 18 de setembro de 1961 a 1º de agosto de 1963) e, entre outros:

- Comandante do III Exército (atual Comando Militar do Sul - CMS): Jair Dantas Ribeiro;

- Comandante do IV Exército (atual Comando Militar do Nordeste - CMNE): sucederam-se os generais Arthur da Costa e Silva (1961/62); Humberto de Alencar Castello Branco (1962/63); Joaquim Justino Alves Bastos (1963/64)8 e seguintes, inclusive Olympio Mourão Filho.

A economia estava em uma situação precária, comportando uma inflação que chegou aos 54,8% em 1962 e se prolongou pelos anos seguintes. Em função disto, Celso Furtado lançou dois planos, o Plano Trienal (em 1962) e o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG, em 1964), ou seja, dois conjuntos de medidas tomados para a estabilização da economia a curto prazo.

O Plano Trienal continha o projeto de Reforma Agrária, o aumento dos impostos sobre as mais altas rendas e as chamadas “Reformas de Base” (basicamente: reestruturação do sistema fundiário), mas o governo não obteve apoio da sociedade para nenhuma destas medidas.

O problema da dívida externa era crucial. Em março de 1963, San Tiago Dantas foi a Washington e não conseguiu bons resultados com os “credores externos” (Fausto, 2002, p. 456). Foi um sinal claro de que a situação político-econômica caminhava para um patamar ainda pior. O próprio movimento operário se pronunciou contrário a essas ações governamentais.

Em meados de 1963 ficou claro que o Plano Trienal havia fracassado, assim como o projeto do PAEG em 1964, mas Jango continuou a insistir nas Reformas de Base. Pagaria caro por isso.

San Tiago Dantas deixou o governo ainda em 1963, substituído por Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, e Almino Afonso deixou o Ministério do Trabalho, substituído por Amaury de Oliveira e Silva. A queda de Dantas foi um sinal claro de desilusão geral em relação a Goulart.

As posições políticas começaram a se radicalizar em 1963 (Fausto, 2002, p. 457). Os proprietários rurais, temerosos da Reforma Agrária, com justa razão, começaram a se armar e se preparar (idem). Ainda não existia o Movimento dos Sem Terra (MST).

Enquanto isso, as Ligas Camponesas, a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA) e a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) abrigaram-se na recém criada Frente de Mobilização Popular (FMP), todas sob a liderança nefasta do cunhado de Goulart - Leonel de Moura Brizola (esquerda do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB), deputado federal pelo Rio de Janeiro, um agitador.

No caso das Ligas e dos sindicatos rurais, as invasões a propriedades privadas levaram o Congresso a rejeitá-las. Conforme Boris Fausto.

As movimentações e reações no meio militar

A situação tornou-se insuportável para os militares quando a subversão invadiu os quartéis, atingindo as Forças Armadas em seus dois fundamentos básicos: a hierarquia e a disciplina (Carneiro, 1965, 2º vol, p. 562) .

A esta altura (1962/63), começou de maneira mais decisiva a movimentação militar contra Jango. A ideia inicial do grupo, liderado pelo General Castello Branco, Chefe do Estado-Maior do Exército (EME), era uma “intervenção defensiva” (Fausto, 2002, p. 458). Na verdade, a conspiração já havia iniciado em 1961, na posse de Goulart.

Episódio pouco conhecido - em julho de 1963, no Rio, oficiais superiores e capitães divulgaram um manifesto defendendo melhores salários, mas o documento foi interpretado como rebeldia, o que levou o General Jair Dantas Ribeiro a declarar que puniria com rigor os signatários, que chegavam ao número de 1.800. Acabaram sendo punidos sete oficiais que haviam se manifestado no Clube Militar. Isto ficou conhecido como Manifesto dos Majores.

Em Brasília, setembro de 1963, sargentos da FAB se rebelaram contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que lhes negou o projeto do direito de se candidatarem a cargo eletivo. As ações rebeldes chegaram mesmo à prisão de um ministro do STF e de oficiais, ocupação de prédios públicos e tentativa de controle das comunicações. Ou seja, a situação se tornava cada dia mais caótica, incontrolável e insuportável.

Conforme Glauco Carneiro (p. 562), havia um grupo de oficiais superiores muito bem preparado - doutrinariamente, pela ESG (a “Sorbonne” brasileira) e escolas de EM do EB, Marinha e FAB. Todas elas ramificadas nas unidades de todo o país.

As reações do governo Jango.

Acuado e percebendo o agravamento da situação, Jango apelou para medidas excepcionais para conter a agitação e restabelecer a ordem nas áreas rurais e urbanas.

O governo pediu ao Congresso o Estado de Sítio por 30 dias, mas não foi atendido, sendo que esta proposta foi mal recebida tanto pela direita como pela própria esquerda. Esta, mantinha a esperança da implantação forçada das Reformas de Base, ou seja, como disse o próprio Goulart: “na lei ou na marra”. Esta afirmação teve um efeito devastador nos meios conservadores porque trazia no bojo a grave ameaça da implantação de uma ditadura de esquerda.

Nova greve operária ocorreu em São Paulo (“Greve dos 700 mil” - outubro de 1963), que foi a última do governo Goulart. Este, atendeu aos grevistas com um aumento de 80% nos salários.

Entretanto, a inflação estava tão grave que em curto prazo esse aumento foi absorvido. E o temor da hiperinflação começou a assombrar todos os setores da sociedade. Os intervencionistas, civis e militares, alegavam que o governo estava cada vez pior e levando o país para a “beira do precipício”. Contexto gravíssimo, posto que a solvência dos problemas através da via democrática foi abandonada em favor das soluções arbitrárias. Esta atitude do governo atraiu a direita conservadora moderada para a direita clássica, em prol de uma política purificadora da democracia, da diminuição da luta de classes (e seu controle) e das ações dos sindicatos. De qualquer forma, Jango sabia que era necessária uma reforma constitucional.

No final de janeiro de 1964, uma reunião reservada entre os generais Humberto de Alencar Castello Branco, Oswaldo Cordeiro de Farias e Ademar de Queirós foi decisiva na área militar.

Nesta altura, o governo JG já havia optado por deixar de lado o Congresso e dirigir o país através de decretos e, assim, implementar o projeto das tais “reformas de base” as quais, na essência, tinham aspectos positivos. Mas o planejamento da execução do projeto revelou graves fragilidades. No contexto deste quadro político-econômico Goulart pretendia reunir grandes massas e convencer o Congresso de que estava fortalecido. E assim procedeu.

13 de março: grande comício na Praça da República, em frente à Central do Brasil, no centro do Rio. Sob o controle de tropas do I Exército, 150 mil pessoas ouviram Jango e Brizola durante oito horas e 45 minutos. Uma parte do público pedia a legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB), dirigido então por Luís Carlos Prestes, Giocondo Dias e Carlos Marighela, entre outros. O comício amalgamou sentimentos e organizações comunistas menores. Diversas fontes indicam que o comício revelou ainda a adesão formal de Goulart à agenda “comuno-sindicalista” (Carvalho, 1981, p. 391).

O comando da segurança foi do “febiano” Coronel Domingos Ventura Pinto Júnior, Comandante do 1º Batalhão de Polícia do Exército.

Dois decretos polêmicos foram assinados, simbolicamente, por JG: a desapropriação das refinarias de petróleo ainda não pertencentes à Petrobrás; e a desapropriação de terras subutilizadas. Prometia também a chamada “Reforma Urbana”, o que causou forte e negativa repercussão porque traria a “doação forçada” dos imóveis alugados para os inquilinos. Além disto, a reformulação do sistema tributário e o direito de voto aos analfabetos, aos cabos e aos soldados das FFAA. Em resumo, este ato, o do comício, marcou o início do fim do governo.

Não poderia ter sido de outra forma. Periódicos do centro do país noticiaram que estava em andamento a urdidura de um golpe que seria desfechado por Jango e pelos líderes da esquerda. Conforme Dulles (1979, p. 297) “Goulart não tardaria a violar a legalidade”.

Em São Paulo, a 19 de março, 500 mil pessoas desfilaram, pacificamente, na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Recado direto ao Presidente e às facções de esquerda. E no Rio de Janeiro a mesma marcha estava marcada para o dia 2 de abril, mas a Contrarrevolução veio antes. De qualquer forma, a Passeata aconteceu, mas com o nome de Marcha da Vitória. Ambas as passeatas, organizadas por senhoras católicas defendiam, além da religião, a intervenção das FFAA e a derrubada do governo, afastando o Brasil do “perigo comunista”.

Na continuidade dessa trágica “roda da História”, a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais (AMFNB), dirigida pelo “Cabo” José Anselmo dos Santos, vinha organizando atos em defesa dos direitos e aumento dos vencimentos do pessoal. A homenagem que a AMFNB faria em 20 de março ao Marechal Osvino Ferreira Alves, presidente da Petrobras, na Refinaria Duque de Caxias, foi impedida. Os marinheiros e fuzileiros navais reuniram-se no Sindicato dos Bancários e criticaram o ministro da Marinha e exigiram sua exoneração. Em 24 de março, o Ministro Sílvio Borges de Sousa Mota (1902-1969) mandou prender os dirigentes. No dia seguinte, 2º aniversário da Associação reuniram-se, no Sindicato dos Metalúrgicos, dois mil praças da Marinha e dos Fuzileiros Navais. Cercado o local por ordem de Mota, o Almirante Candido Costa Aragão se negou a cumprir a ordem de prisão e foi demitido. Uma intermediação de um líder do CGT (Dante Pellacani) contornou o problema e surgiu uma solução negociada. Mas o Ministro Mota sentiu-se desprestigiado e pediu demissão. Ninguém foi preso. Aragão chegou a ser carregado nos ombros dos marinheiros depois de reassumir o comando por ordem de Jango. A disciplina acabava de sofrer um pesado golpe.

O substituto de Mota foi o Almirante Reformado Paulo Mário da Cunha Rodrigues, o qual era tido como “declaradamente comunista” (Carneiro, 1965, p. 568) e apoiou a libertação dos revoltosos. Com isso, a Disciplina e a Hierarquia das FFAA foram seriamente desrespeitadas.

Não era mais possível suportar a desordem. O Clube Militar e um grupo de almirantes denunciaram o posicionamento de Paulo Rodrigues como altamente nocivo à Hierarquia.

Outro acontecimento importante foi o afastamento de Jair Dantas Ribeiro da pasta da Guerra. Conforme o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV): No dia 20 de março de 1964, Castelo Branco, chefe do EME, expediu uma circular reservada alertando a oficialidade para as ameaças do comunismo. Nesse mesmo dia, Dantas Ribeiro hospitalizou-se a fim de se submeter a uma intervenção cirúrgica.

Embora afastado de suas funções, o ministro da Guerra manteve-se ao lado da legalidade afirmando que a ordem seria mantida a qualquer preço.

E, finalmente Jango, tendo aceito um convite do Clube de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal, foi novamente ao Rio de Janeiro discursar no Automóvel Clube do Brasil. Isto aconteceu no dia 30 de março. Presentes, aproximadamente, mil sargentos.

O desencadeamento das ações militares

Em 28 de março, no aeroporto de Juiz de Fora reunidos, entre outros, o governador de MG José de Magalhães Pinto e o Marechal Odílio Denys, foi determinada “a data de 31 de março para o início da revolução” (Silva, 1978, p. 367). Nesta mesma oportunidade, foram autorizadas as ações a serem empreendidas pelo generais Olympio Mourão Filho e Carlos Luiz Guedes a partir de Juiz de Fora e de Belo Horizonte, que se tornaram realidade a partir do dia 31. No eixo Juiz de Fora-Rio, foi empregado o Destacamento Tiradentes (DT), comandado pelo General Antonio Carlos da Silva Muricy. Antes deste Destacamento chegar ao Rio e acantonar no Estádio do Maracanã Goulart já havia retornado a Brasília, supondo que a “internacionalização” do conflito era inevitável. O DT retornou aos quarteis em 06 e foi dissolvido em 07 de abril de 1964. Em Recife, Miguel Arrais foi preso em 1º de abril.

A saga de Olympio Mourão Filho e da não executada Operação Popeye

O General Mourão Filho foi Comandante da 3ª Divisão de Infantaria (3ª DI, atual 3ª DE, Santa Maria, RS) entre 10 de outubro de 1961 e 11 de fevereiro de 1963 (um ano e quatro meses). Neste período, o General começou a organizar a resistência ao governo Goulart. Contou, para isso, com o valioso apoio do seu Chefe de Estado-Maior, o então Coronel Ramão Menna Barreto, para contatos com diversas entidades civis, inclusive do meio rural, tudo através do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais do RS (IPESUL). Mourão Filho destacou em seu livro que uma reunião sua com o Comandante do III Exército General Nestor Penha Brasil e com o presidente de uma dessas entidades foi “a primeira reunião civil-militar, o início da conspiração contra o governo de João Goulart” (Mourão Filho, 1978, p. 47).

No comando da 4ª Região Militar/4ª Divisão de Infantaria (4ª RM/DI) em Juiz de Fora desde 28 de agosto de 1963 Mourão Filho prosseguiu ativamente nos trabalhos e planejamentos dos projetos conspiracionistas e intervencionistas.

A Operação Popeye foi por ele planejada ainda em 1963 em São Paulo, e compreendia, inicialmente, ocupar o QG do II Ex, assumir o comando e deslocar tropas no eixo da Via Dutra até o Rio de Janeiro. Este planejamento acabou não sendo executado. Em lugar deste, foi planejado e executado o emprego do Destacamento Tiradentes36 no eixo Juiz de Fora - Rio.

O DT enfrentou reação das tropas do RJ, ou seja, parte da 1ª Divisão de Infantaria (1ª DI/I Ex), principalmente do 1º Batalhão de Caçadores, sediado em Petrópolis, que acabou retraindo. E do Rio foi enviado, em sentido contrário, uma fração do 1º Regimento de Infantaria (Regimento Sampaio) e outra do 2º RI (Regimento Avaí) tropas que, antes mesmo de combaterem os revoltosos, aderiram aos mesmos e à Contrarrevolução.

Entretanto, sobre as ações no eixo Juiz de Fora-Rio, desencadeadas em 31 de março de 1964, a opinião geral indicou que as mesmas buscaram, na verdade, criar um fato consumado (um “fait accompli”), tendo sido temerárias e inoportunas, posto que a grande e consistente intervenção estava prevista pelos organizadores para o dia 2 de abril. O General Castello Branco foi, em parte, surpreendido pela notícia. E assim, precipitadas as ações, nenhuma opção restava ao estado-maior informal de Golbery, Castello, Geisel e Ademar senão apoiar o Comandante da 4ª RM/DI, ou então enfrentar a reação do governo. Mas, a partir daí, o General Mourão Filho teve que se ater ao planejamento superior, que já estava entrando em fase de execução.

Além do DT, o General Mourão Filho, em 2 de abril, constituiu o "Destacamento Caicó" (GT/12), composto por parte do 12° RI, de Belo Horizonte, e mais dois batalhões da PMMG. Este destacamento foi lançado no eixo Belo Horizonte-Brasília.

Enquanto isso, de Cuiabá partiu outra coluna (do então 16º Batalhão de Caçadores), também para Brasília, esta comandada pelo então Coronel Carlos de Meira Mattos (“febiano”).

Ainda em 1º de abril, houve a adesão do Forte de Copacabana. O QG da Artilharia de Costa resistiu, mas foi tomado pelo Coronel César Montagna de Souza40, da Diretoria de Artilharia de Costa e Antiaérea.

Estavam assim caracterizadas as primeiras operações revolucionárias da Contrarrevolução Democrática de 31 de março de 1964.

As ações no vale do Rio Paraíba e no eixo da Via Dutra

Enquanto isso, tropas do I Exército, sob o comando do “febiano” General Armando de Moraes Ancora, foram acionadas no eixo Rio-São Paulo. Em sentido contrário, às margens direitas do Rio Paraíba, as tropas do II Exército, comandadas pelo também “febiano” General Amaury Kruel. Estas forças se encontraram na região de Barra Mansa, RJ, onde o Curso de Infantaria da AMAN havia montado uma Posição de Resistência com frente para o norte.

Antecipando-se aos acontecimentos, o Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) General de Brigada Emílio Garrastazú Médici, estimulado e orientado pelo General Arthur da Costa e Silva, resolveu entrar em ação a favor da intervenção e mandou então organizar um Grupamento-Tático de cadetes para barrar a progressão das tropas do I Exército.

O I Exército atuaria principalmente com o Grupamento de Unidades Escola (GUEs - Vila Militar) o qual enfrentaria a tropa de cadetes. Felizmente a busca de um objetivo comum prevaleceu. Costa e Silva, por telefone, convenceu o General Ancora de que a contrarrevolução estava em curso, que o II Exército já estava em deslocamento e que o I Exército devia aderir. Portanto, um “fait accompli”. Foi quando Ancora solicitou que Costa e Silva organizasse uma reunião entre ele (Ancora) e Kruel. Costa e Silva determinou que o local seria a AMAN.

O Comandante do I Exército chegou à Academia Militar às 1700 horas apresentando um forte ataque de asma e declarando-se “derrotado”. Foi recebido pelo Comandante da AMAN com todas as honras militares, ocasião na qual Médici lhe disse o seguinte: “Não há derrotados senão os inimigos da Pátria”. Sábias palavras do bageense.

O General Amaury Kruel chegou às 1740 h e a reunião começou às 1800 h com uma certa prevenção entre os dois generais de Exército, logo contornada pelo anfitrião. Ancora já não era mais Ministro interino da Guerra, cargo do qual se auto investiu o General Arthur da Costa e Silva, por ser o General de Exército mais antigo.

E assim, como não poderia deixar de ser, houve confraternização entre os comandantes e também entre as tropas. Todos unidos em torno dos princípios democráticos e contra as “intentonas” da esquerda traidora.

A destituição de João Goulart da Presidência e acontecimentos subsequentes

Na madrugada de 2 de abril, Goulart viajou para Porto Alegre, mas durante o ovo o Senado, presidido pelo Senador Auro de Moura Andrade, considerando que o Presidente deveria estar em Brasília em uma “hora gravíssima” da nação pronunciou-se da seguinte forma: “Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República” (Silva, 1978, p. 427).

Jango embarcou Presidente e desembarcou na capital gaúcha às 0358 h já ex-presidente. Assumiu o cargo o Deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, terceira autoridade na sucessão presidencial, conforme a Constituição.

O propalado “dispositivo militar” organizado pelo General Argemiro Assis Brasil, Chefe da Casa Militar de Jango, não chegou a ser sequer acionado e não teve efeito nenhum.

Em Porto Alegre, na famosa reunião na residência do Comandante do III Exército à Avenida Cristóvão Colombo na madrugada e manhã de 2 de abril estavam presentes, além de Jango e Brizola, o General Ladário Pereira Telles, comandante interino do então III Exército (RS, PR e SC), e outros oficiais.

Entre estes, o Comandante da 3ª Região Militar General de Divisão Floriano da Silva Machado, ao qual estava reservado um decisivo papel, como será visto a seguir. Aliás, o primeiro a usar da palavra foi o General Floriano (Silva, 1978, p. 443).

Leonel Brizola tentou convencer Jango a determinar a mobilização do III Exército e empregar a tropa no eixo Porto Alegre-Centro do país pela rodovia BR-116. Procurou também mobilizar a população, abrir os arsenais e depósitos de munição e armar os civis tentando, assim, repetir o que fez em agosto de 1961 quando era governador do RS (“Campanha da Legalidade”).

Fortes discussões tiveram lugar nessa reunião. Depois de discutir com Brizola, quase chegando às vias de fato, o General Floriano se reuniu separadamente com Jango em um dos quartos, quando convenceu o ex-presidente a não tomar nenhuma medida que comportasse deslocamento e confronto de tropas posto que, conforme argumentou, o III Exército não possuía condições logísticas para isso. Floriano falou com autoridade porque era o comandante logístico na área do RS. A mesma argumentação não convenceu o General Ladário o qual ainda desejava resistir. Mas foi obrigado a aceitar. Este fato foi praticamente decisivo.

Jango decolou para São Borja às 0900 h e depois foi para o Uruguai. Mais ou menos um mês depois, vestindo uma farda da Brigada Militar do RS, Brizola tomou um avião em Capão da Canoa e seguiu o mesmo destino de Jango. Ladário por sua vez, abandonou o comando e voou para o Rio de Janeiro. Estavam consumadas as ações contrarrevolucionárias.

O movimento civil-militar tinha obtido êxito e as ações passaram então para as fases seguintes.

Em sua edição Extra, de 10 de abril de 1964, a revista O Cruzeiro registrou que “Conscientemente, o sr. João Goulart marchou para o sacrifício. [...] o Presidente quis que se caracterizasse a sua deposição” (artigo de Adirson de Barros: “Por quê Jango caiu”, p. 10).

Órgãos militares e entidades civis contrarrevolucionárias

Complementando, é importante registrar que a Escola Superior de Guerra (ESG), comandada pelo Almirante de Esquadra Luiz Teixeira Martini, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), comandada pelo “febiano” General de Brigada Jurandir Bizarria Mamede e diversas organizações civis participaram do processo contrarrevolucionário antes, durante e depois, para a consolidação do novo regime. Entre elas, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), sediado em São Paulo, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), a Organização Paranaense Anticomunista (OPAC) e o Grupo de Atuação Patriótica (GAP). O complexo IBAD/IPES/OPAC obteve apoio de governadores de São Paulo, MG, Paraná, RS e Guanabara. Na época, os governos estaduais dispunham de tropas profissionais superiores, em muitos aspectos, e melhor equipadas para intervenções diretas do que as tropas do Exército.

No caso do IPES, o elemento militar de ligação era o “febiano” General Golbery do Couto e Silva, já então na reserva do Exército. O geólogo Glycon de Paiva, um dos fundadores do IPES, declarou que o cérebro da intervenção foi o General Golbery. No IBAD, o elemento de ligação com as FFAA era o General Reformado Sebastião Dalísio Menna Barreto. Na ESG, foi importante organizador o “febiano” General Affonso de Albuquerque Lima. No meio civil havia ainda, pelo menos, mais outras oito organizações.

Segundo algumas fontes, houve um Comando Geral Democrático no EB e na Marinha formado pelo Vice-Almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald e pelos coronéis Antônio Carlos de Andrada Serpa (“febiano”) e Carlos de Meira Mattos, entre outros.

Destacou-se também o Brigadeiro Márcio de Souza e Mello.

Houve também um “Estado-Maior Informal” chefiado por Castello Branco e que contava com Ernesto Geisel, Ademar de Queirós e Golbery. Ingressaram depois nesse Estado Maior os generais José Pinheiro de Ulhoa Cintra e Jurandyr Bizarria Mamede. No Nordeste, atuaram os coronéis Hélio Ibiapina Lima e Antonio Bandeira. A interação entre os empresários e os militares foi intensa. Regulando essa interação, nesta fase da movimentação, nos últimos dias de fevereiro foi redigido um documento pelos generais Castello Branco e Ulhoa Cintra, e revisado pelo General Cordeiro de Farias. Era chamado de LeEx - Lealdade ao Exército.

Como não se faz nada sem dinheiro, os bancos que financiaram tudo foram o Banco Itaú, o Mercantil de São Paulo e o Banco do Estado de São Paulo (BANESPA).

Entretanto, ficou claro que os políticos civis que apoiaram o golpe não esperavam que os militares pretendessem ocupar o poder. Foram surpreendidos, principalmente os da UDN.

A participação dos Estados Unidos da América (EUA) foi somente de acompanhamento, e aconteceu através da Embaixada daquele país e, nesta, a do Adido Militar Coronel Vernon Walters, conforme registrado em um relatório do Serviço Federal de Informações e Contrainformações (SFICI), operado pelo EB. O Embaixador era Lincoln Gordon. Nesta altura, os EUA já haviam preparado um “Plano de Contingência”, mais conhecido como “Operation Brother Sam”. Mas, nenhum plano foi acionado, e os generais jamais aceitariam qualquer ingerência dos EUA. Não houve nenhuma intromissão na política interna do Brasil.

CONCLUSÕES

Em primeiro lugar, a revolta militar contra o governo comprometido com a esquerda foi legítima. Na verdade, ela iniciou em 30 de março com o Manifesto de Magalhães Pinto “desligando MG da Federação” (CPDOC/FGV).

Antes disso, em 20 de março, Castello Branco havia declarado que “A Insurreição é um recurso legítimo de um povo”. Mas, na verdade, a conspiração havia iniciado em Santa Maria no início da década, já protagonizada por Mourão Filho.

O governo Goulart acreditava, erradamente, que as FFAA eram partidárias das reformas propostas. Os valores defendidos pelos militares, como não podia deixar de ser, eram a manutenção da ordem social, a hierarquia, a disciplina e a luta contra o avanço comunista. Estes princípios eram mais importantes do que a ordem constitucional.

Vale salientar que a lógica de 64 foi a mesma da Intentona Comunista de 1935. O governo perdeu sua legitimidade ao pugnar pela divisão das FFAA, subvertendo assim o verdadeiro espírito castrense. Os militares partidários do golpe janguista/esquerdista foram rapidamente controlados. A sobrevida do populismo protagonizado por JG como herança de Getúlio Vargas perdeu a credibilidade. A solução democrática havia sido suplantada pela polarização; e daí, neste contexto, somente uma solução de força poderia proporcionar o controle do país pelos intervencionistas.

Conforme Hélio Silva (p. 34), o 31 de março de 64 foi um episódio da “guerra fria”.

Por outro lado, e o mais importante - a culminância da mobilização civil-militar foi quem causou a queda do governo e não um golpe das FFAA contra João Goulart. Sempre com o lema: “nisi utile est quod facimus, stulta est gloria” - Se não é útil o que fazemos, a glória é vã (Locução latina. Fonte: Fábulas de Fedro, III, 17, 12).

E, finalmente, qual foi o papel do STF neste contexto todo? Vejamos, em síntese.

A partir de 1960, o STF enfrentou diversas demandas: transferência do Rio para Brasília, aposentadoria de vários ministros, a renúncia de Jânio Quadros, o regime parlamentarista, o retorno ao presidencialismo e a prisão do Ministro Vitor Nunes Leal pelos sargentos em 12 de setembro de 1963.

O STF praticamente concordou com a intervenção de 1964. Basta dizer que seu presidente, Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, filho de general, compareceu à posse de Ranieri Mazzilli na noite de 1/2 de abril, quando João Goulart ainda estava no Brasil. Já empossado, Castello Branco fez uma visita formal ao STF.

“Na revolução de 31 de março se viu ruir, sem um gesto de defesa, um governo que poucas horas antes se jactara de um poderio e de um espírito de decisão intocáveis...” (Cordeiro de Farias).

(*) Coronel de Infantaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro

(NE – Deste minucioso relato foram omitidas mais de cinquentas notas explicativas e inúmeras fotos objetivando reduzir problemas de circulação)