ARTE POÉTICA É FELICIDADE SEM CULPAS

Quando, no estudo da Poética, nos topamos com versos ou estrofes componentes da peça verbal, pode aparecer apreciável metaforização polivalente vertical ou profunda, fugindo da corriqueira monovalência, horizontalidade ou superficialidade.

Cabe ressaltar que o exercício autoral do sentir e do pensar ocorre através de significativo patamar de codificação em algumas palavras ou situações no corpo do poema, devido à utilização das figuras de linguagem ou de estilo, nas quais ressaltam metáforas e/ou metonímias.

De pronto pode ocorrer que tenhamos a impressão de que os signos componentes dos versos podem chegar a dificultar ou a impedir o entendimento do conteúdo ou assunto abordado no conjunto textual. Neste caso, somente através de várias leituras se poderá “abrir o poema”.

Na literatura poética contemporânea, vários poemas de Paulo Mendes Campos ou de Carlos Nejar têm esta característica. Aqui no Rio Grande do Sul, os poetas Zeferino Paulo Freitas Fagundes, falecido em 1989, e Luiz Nicanor, patrulhense que acaba de completar 80 anos, apresentam vários poemas de forte complexidade. Estes dois últimos talentos citados são naipes que, em boa dose, referendam o surrealismo no Brasil do Sul.

Esta causalidade sugere a lembrança crítica no tocante a dizer "colocar-se vários véus sobre a palavra submergida nas fendas turbulentas, turvas e/ou obscuras do Mistério".

Desta sorte, se torna altamente conveniente e oportuna a abordagem oralizada (em voz alta) do poema pelo seu autor perante grupos de interessados, sem nenhuma concessão ao lenga-lenga explicativo, até porque em Poesia não se deve explicar "o que o autor quis dizer".

Que nunca tenhamos de solicitar (o que me parece deselegante em Arte) uma espécie de "interpretação autêntica" ao criador poético, sob pena de se negar à Poesia (como gênero literário) capacidade para comunicar o assunto ou conteúdo em sua linguagem conotativa, mesmo que a saibamos bem diferenciada dos diálogos cotidianos do lugar comum da vida no plano da realidade dos fatos e que se caracteriza pelo sentido denotativo da linguagem.

É importante que sempre tenhamos em conta que “a Poesia ensina a pensar e este deve ser o norte filosófico esclarecedor das eventuais situações." Para tanto, nada melhor que o diálogo com o poeta-autor através de seu estro poético, talento e competência como dizedor de versos.

Que cada poeta-leitor faça sua própria, peculiar e individuada interpretação dos versos em voga, recriando o texto genuíno, original, desencadeador do processo interpretativo por aceitação (ou não) da proposta poética, podendo chegar-se à oportuna criação de uma intertextualidade temático-conceitual, aproveitando-se, por vezes, até mesmo da similaridade de formatação da peça artística que desencadeou o processo de criação derivado.

É bom que se alerte algo importante: a rigor, não interessa o que o autor “quis dizer ou explicitar”, e sim o quanto e como o poeta-leitor se apossa do fruto sazonado como fosse de sua semeadura, fazendo dele precioso instrumento do processo individuado de entronização do receptor aos prazerosos pomares do desejado quintal emocional, o qual designaríamos venturosamente como “Felicidade sem culpas ou restrições”.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2024.

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