CÂNCER DE ALMA
Degenerados pela “unção divina”!
Quanto mais ungido, mais pervertido!
Parte 4 do texto O Vingado Celestial
*Por Antônio F. Bispo
Ao chegar naquele recinto para destilar meu ódio em meus “inimigos”, estava orgulhoso do meu suposto cristianismo, do que sentia, de minhas falas e condutas diante dos “ímpios”. Confundia ser imbecil e preconceituoso com ser santificado.
Agora sentia vergonha de minha própria existência.
Eu havia rogado todos os tipos de moléstias aos meus “adversários” e nada aconteceu.
Tudo isso tendo como base, falas e ações de personagens bíblicos do antigo testamento, modelos de fé e prática para a maioria dos cristãos do mundo inteiro.
Jejuei, orei, fiz votos, promessas...
Peguei vários envelopes e soquei todos com notas de altas cifras a fim de comprar do Deus bíblico, a sua ira e desgraça sobre meus inquisidores.
Como nada funcionara, eu havia ido implorar o auxílio daquele poliglota, conhecedor de várias ciências e de algumas línguas antigas, inclusive do hebraico, aramaico, grego e latim, modelos cuja escrita bíblia fora inicialmente utilizada.
Pensei que talvez assim, invocando encantos antigos em língua original, o furor do "Todo-Poderoso" pudesse ser acessado com maior eficácia, para que assim eu pudesse assistir à desgraça dos que me “humilharam”.
Eu não havia dito nada (dos pactos secretos com Deus para ver a queda dos que zombaram de mim), mas ele parecia saber de tudo e sondar meus sentimentos.
Como se não bastasse a humilhação, o reverendo complementou:
— Você sabia que apesar de condenar e demonizar ritos africanos, os cristãos (inclusive os evangélicos, pentecostais, tradicionais e adeptos da teologia da prosperidade) recorrem com frequência aos serviços de “mães e pais de santos” quando não conseguem na igreja o acesso ao VINGADOR CELESTIAL?
Gelei com aquela pergunta.
Havia rumores recentes de que algumas irmãs do nosso ministério, inclusive obreiras de alto escalão, estavam recorrendo a tais práticas, mesmo condenando publicamente tais ritos.
As “bonitinhas de Cristo” (era assim que elas se auto intitulavam), mesmo anunciado ao mundo que seus casamentos eram só beatitudes, que seus maridos eram escolhidos a dedos por Deus como propriedade única e exclusiva delas e que apesar de cobertas diariamente com tantas “profecias do bem” impetradas sobre a vida suas vidas e ministérios, proferidas por todo tipo de ungido e bajuladores, essas irmãs recorriam às escondidas ao apoio de entidades cultuadas em ritos de matriz africana.
Diziam ter receio de perder os seus “varões” para as “lobas”, os “laços” e os “tropeços” que o “diabo” enviava com frequência (segundo a paranoia delas mesmas). A suposta proteção divina e nem tão pouco a ira direta da divindade mesopotâmica cultuada como Javé, não eram o bastante para que elas se sentissem seguras.
As supostas “piranhas” que as “ungidas” sentiam ciúmes, incluía toda e qualquer mulher, principalmente as novas convertidas, aquelas mesmas que a igreja considerava perdidas, que diziam necessitar de um aprisco e ao custo de tempo ou recursos financeiros de outros crentes, montavam arapucas (propagandas) para atraí-las “aos pés de cristo”, para longo em seguida expurgá-las como se fossem pragas.
Assim que “iniciadas no evangelho” e depois “libertas por cristo”, essas coitadas passavam a ser alvos de intenções malignas e ritos de bruxarias daquelas que publicamente afirmavam que iriam ser suas protetoras espirituais.
Que baixaria!
A dirigente do círculo de oração, a missionária, a levita, a professora da EBD e até mesmo algumas mocinhas (apenas namorando), que na hora do “gozo do espírito” jubilavam pela suposta conversão de uma alma, às escondidas recorriam a todo tipo de feitiços e simpatias para aniquilar uma futura ou suposta concorrente a amante de seu esposo.
Quando não pediam isso, desejavam um tumor maligno nas partes mais íntimas daquelas pobres neófitas, agora fisgadas pela religião, disponível a todo tipo de vitupério em nome do sagrado.
Quanta nojeira nesse meio!
Senti náuseas só em relembrar de parte do lixo que todo fiel religioso procura varrer para debaixo do tapete com o intuito de não macular a imagem da própria igreja. Todos eles pensam que ninguém sabe, mas nada fica escondido, principalmente quando tenta exalar puritanismo.
Fui trazido outra vez à realidade com a voz firme do reverendo ali em minha frente que, parecia perscrutar meus pensamentos, enquanto meu devaneio me fazia reviver a hipocrisia de alguns que se escondem atrás da bíblia para maquiar suas más intenções.
Ele prosseguiu com seu discurso:
- Pois é! Um montão de “gente liberta por Cristo” também faz despachos nas encruzilhadas, sacrificam animais e até humanos (entes queridos) para alcançar algum desejo bestial e egoísta para depois dizerem que foram abençoadas por Deus. Por que você também não foi a este tipo de recinto dar vazão aos seus instintos selvagens ao invés de me procurar? Se a intenção é a mesma, a energia e as entidades envolvidas por acaso também não o serão? Ou você acha que quem deseja o mal alheio consegue ser superior em algum nível, só por que pôs um letreiro bonito com nomes pomposos na porta do recinto congregacional?
Gelei...
Ele parecia saber até os nomes das pessoas que me vinham à mente, “cristãos ungidos” que recorriam ocasionalmente a estes métodos tenebrosos de vingança ao mesmo tempo que diziam servir ao Deus de Israel.
Puder me dar conta da pior maneira que nesse quesito (desejar o mal alheio) não havia diferença nenhuma entre os ritos de fé, igreja, credo, etc.
Mesmo chamando de Deus, entidade de luz ou qualquer outro nome, o que havia mesmo era pura trevas no interior das pessoas que recorriam a métodos de fatalidade de seus adversários.
Ele continuou:
— Você sabia que alguns cristãos atuais, quando ofendidos e não obtém o que desejam nas entidades metafísicas, recorrem a pistoleiros, assassinos ou trombadinhas para liquidar ou dar uma “lição” em seus oponentes? Quando conseguem o que querem, também vãos às igrejas, ofertar, pagar dízimos e comemorar com outros cristãos pelas “bênçãos recebidas”.
Eu afundava ainda mais na cadeira!
Também conhecia mais de duas centenas de “gente santa” que pensavam ou diziam ter coragem de fazer tais coisas. Poucos dias atrás, inclusive, vi na TV o JUMENTO SANSÃO rogar a Deus publicamente que quebrasse a mandíbulas de seus adversários por simples divergências partidárias. Tudo isso ao vivo e em um podcast cristão brasileiro.
Ele continuou:
— E se eu te disser que esses mesmos cristãos, quando em posição de poder, manipulam pastores, políticos, generais, empresários, magnatas da mídia e uma horda inteira de advogados, com único intuito de prejudicar seus opositores ou se safar de crimes já cometidos, você acredita? Acha que um “servo de Deus” seria capaz de fazer tais coisas? O nome de Deus não lhes sai da boca, apesar de nada de sagrado conter em suas ações e intenções.
Eita, cruz credo, vixi Maria...
Nessa aí ele só faltou dizer o nome, endereço e CPF, pois o resto estava explicito!
Rapaz...
Eu estava com respiração elevada apesar de sentado e parado.
Estava suando frio apesar de fazer quase 38 graus naquele ambiente.
Estaria eu tendo um infarto naquele instante?
Provavelmente não!
Minha consciência estava a mil.
A menos que eu já estivesse “vendo a luz no fim do túnel”, revivendo assim minha vida e meus erros.
Mas era só o efeito do oposto da fé (a lógica) se manifestando.
Era tão dolorido quanto as supostas ofensas que já tinha recebido, porém, assemelhava-se a um bálsamo cicatrizante, removendo com destreza aquelas impurezas que a “bolha da fé” nos faz ter orgulho, ao invés de vergonha.
Suas palavras pareciam um triturador mágico, que fazia reduzir ao pó, não apenas as minhas ações, mas as de todas as pessoas do meu grupo com as quais já tinha vivido até então.
Todas elas apegadas aos rótulos, vangloriando-se de cargos nas igrejas, da guarda doentia de dias santos, ou dos usos e costumes que para nada serviam.
Sentiam orgulho de ações que de tão débeis e de pensamentos tão malignos, chegavam a ser piores que aqueles quais dizíamos viver na escuridão.
Era como se eu me afogasse no meu próprio vômito.
Me perguntei qual era o Cristo que servíamos e quais eram os céus que habitaríamos depois do “arrasta para cima”. Ou seria para baixo?
Por um instante cheguei a sentir o cheiro de enxofre e o calor do tridente do tinhoso cutucando minhas pernas como se já tivesse ido ao “paraíso” que muitos cristãos herdarão segundo suas próprias condutas.
Por sorte, a cutucada que senti nas coxas eram cãibras.
Afundei tanto na cadeira que a parte quadrada do assento parecia ter cravado em minha pele, obstruindo em partes a circulação, fazendo com que minha perna ficasse pouco sensível ao meu próprio toque.
Vendo minha agonia de alma, o reverendo deixou-me espairecer e quando me recompus ele complementou.
— Você sabia que cristãos também estupram, matam, roubam, esfolam, estrangulam, tomam em conjunção carnal os conjugues dos seus melhores amigos, dão calotes, planejam todo tipo de prejuízo intencional àqueles lhe depositaram crédito... tudo isso com o único intuito de ver em agonia àqueles que julgam miseráveis, inferiores ou dignos da ira divina. Quando conseguem o que querem também vão às igrejas (ou roda de amigos), dizer que é um abençoado, alguém cujo Deus zela e tem planos especiais para si, etc., etc., etc.
A cereja dessa fala foi:
— Alguns destes se acham o próprio martelo de Deus, sua bigorna ou seu próprio fogo transformador, quando causam danos irreversíveis ou retribuem com ódio àqueles que só lhes fizeram o bem. Como Davi e outros supostos heróis da fé, estes sonham em ver seus nomes lidos em citações sagradas ou cantados em canções chulas, após terem “cortado o prepúcio dos filisteus” ou de terem posto “fogo nas raposinhas” ou nos “milharais” de seus desafetos.
Eu já estava tonto de tanta “porrada”.
Nunca tinha visto alguém que se diz cristão, esculachar e apontar tanto os erros de sua própria trupe.
Seria ele mesmo um dogmático? Parecia mais um ateu me dando outra surra, porém com luvas de algodão.
Diferente de outros crentes, apesar de me sentir humilhado, eu queria ouvir mais do que ele estava dizendo.
Era como se me lavasse a alma.
Tinha tido essa perspectiva desde o início, só não tinha coragem de dizer!
Como golpe de misericórdia, ele completou:
— Você sabia que quase 95% das pessoas que superlotam os presídios em países cristãos, são cristãos? Na maioria são evangélicos, filhos de evangélicos, parentes de evangélicos ou desertores de igrejas, que ao saíram de tais recintos, estavam piores do que quando entraram lá, apesar de professarem diariamente que eram lavados e remidos pelo sangue de Jes...
Já passando mal, sufocado de tanto lixo jogado em cima de mim (ou seria meu próprio lodo?), o interrompi aos berros:
— Para! Chega! Entendi! Não aguento mais esse sermão! Só queria saber o que uma coisa tem a ver com a outra? Qual a relação da Ira do Vingador Celestial com todos esses desarranjos que tu me apontaste?
O reverendo rio como se duvidasse da pergunta que eu havia feito.
Ele retrucou:
— Como assim, o que tem a ver? Praticamente todos os que citei beberam da mesma fonte que tu desejas beber: do DEUS iracundo, irracional, insensível, cruel, doentio e vendido como coisa boa, que perdoa tudo ou fecha os olhos às maldades de qualquer um que o bajule com louvores e devoções vãs ou que pregue o terror de sua ira a outros desvalidos da racionalidade e razão humana.
Pasmei!
Fiquei sem ação!
Nunca O havia visto por esse ângulo!
Ele completou:
— Tem certeza que almeja ser possuído por essa “coisa” que você chama de DEUS DOS EXÉRCITOS? Quer mesmo beber desse poder? Por que se banhar nessa fonte de malignidade? Isso é realmente cabível a quem se diz seguir a filosofia de um Cristo? Me aponte uma única pessoa que defenda esse aspecto da divindade que não seja um pouco (ou demasiadamente) louco, ganancioso, presunçoso, preconceituoso, mau-caráter ou de confiabilidade duvidosa? Você não sabe o que está pedindo, meu rapaz!
Eu tremia como vara verde.
Parecia que eu tinha ido atrás do coelhinho da páscoa e tinha sido apresentado aos piores pesadelos que a mente humana já foi capaz de reproduzir em sua literatura ou cinema.
Eu sentia nojo de mim, de ter intentado invocar tal entidade, de um dia até já ter dito ser servo desta.
Quanta podridão!
O reverendo tocou em minhas mãos tremulas em cima da mesa e com voz paterna falou:
— Encontre uma só pessoa na bíblia, na história secular ou atualmente da igreja que não tenha sido envenenado ao se expor ou tentar manipular tal divindade.
Eu quase solucei.
Ele prosseguiu:
— Se invocares ou fores embebido por esse aspecto da divindade, terás um CÂNCER DE ALMA na certa. É um caminho sem volta. Você se tornará tão degenerado, tão pervertido, tão impuro e leviano que parte de sua humanidade será perdida e você terá dificuldades de se reencontrar como ser humano. As próprias trevas farão parte de ti e tu exalarás o fedor da perdição por onde passares.
O golpe de misericórdia foi quando ele disse:
— Encher-se de Deus (do Deus bíblico) é esvaziar qualquer centelha de luz que eleve o ser humano a um estado mais avançado de consciência. Quem assim o faz nunca avança: ou congela no tempo, ou só retrocede aos dias mais sombrios da humanidade, quando a civilidade e a paz entre as nações ainda eram ensaiadas por nossos antepassados e por vezes varridas ao esgoto por essa gente que se diziam seus servos, ungidos e profetas.
Ele fechou com a frase dita no início do nosso diálogo:
— Ou se é Cristão ou é servo do deus bíblico. Os dois não dá!
CONTINUA...
Texto escrito em 30/3/24
*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.
Obs.: Esta é a quarta parte de um texto-conto que tenho publicado nas últimas 4 semanas.
Eis aqui a ordem dos textos caso queiram acompanhar os anteriores.
1. O VINGADOR CELESTIAL.
2. O CAVALEIRO DO EGO DE CRISTAL.
3. MANDIGAS DE UM FIEL ATRIBULADO.
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