Olhos de Outono
Este observador, no alto de sua velhice, com olhos e corpo cansado de quem viu e sentiu as vis ações da época da ditadura militar, tentará levar ao leitor, a história que moveu este coração já cansado, com o intuito, de igual forma, de mover no leitor emoções parecidas. Contudo, únicas. É preciso levar em consideração à leitura o amadorismo deste que vos escreve. Não deixe que a inexperiência com as letras e a falta de conhecimento das regras da língua o impeça da experimentação que se trará ao sentimento. A história que se inscreverá nas próximas linhas tem por mostrar a juventude e sua pressa. Portanto, será retirada de nossa personagem as características de gênero e raça, pois, o que nos interessa é como os sentimentos, verdadeiros furacões, se move na materialidade das classes sociais com vigor descrito por quem a juventude foi levada pela luta material.
A personagem a que esse observador se prenderá, tinham olhos grandes, eram grandes e bonitos... grandes e bonitos olhos. Talvez seja ao leitor, impossível imaginar beleza sem definir cores, como as flores, olhos também nos encantam pela paleta. Mas não é o objeto aqui falar sobre cores, e sim sobre brilho. Em especial, o brilho dos olhos. Essas incríveis janelas que, quando abertas, levam às profundezas da alma. Para os que abrem, a possibilidade de enxergar a distopia em que se vive. Para os que admiram, a possibilidade de mergulhar na utopia possível.
Certa vez, caminhando pelo frio da cidade onde o vento quando encontra seu caminho por entre os prédios, ganham um zumbido que, não só estremece os ossos tíbios, mas também a alma. É que nossa história se desenrola.
Era início de inverno. Portanto, não era tempo de ousar caminhar pela cidade, principalmente a noite, quando as temperaturas despencam causando incômodo ao corpo. E os seres que rondam na escuridão para se manterem aquecidos fazem do álcool e outros entorpecentes, o carvão para manterem a locomotiva do corpo ativa e a mente descarrilhada dos trilhos da razão. Enquanto os passos tímidos que se estendiam pelo tapete de concreto das calçadas de uma rua com o nome de Consolação, fazendo com que a máquina do coração mantivesse não só a fornalha do corpo acesa, mas também a conversa que girava em torno de sonhos e futuro. Havia uma energia que desafiava a natureza, era como se na Via Lacta não existisse somente uma Alpha Orionis, mas duas, brilhando como estrelas gêmeas no cinturão de Orion. A energia com que aquele brilho no olhar dividia seus sonhos, apesar de condizer com o brilho da frustração de não ter passado no vestibular meses atrás, pela energia concentrada, não era a mesma. Mas é sabido que a energia viaja enquanto a matéria se expande. Era aquele brilho aceso pelo excesso de dopamina! Talvez pelo exercício da caminhada. Talvez pela presença da companhia.
A juventude a qual esse corpo cansado que vos escreve acompanhava, falava sobre suas experiências com a literatura e de seu futuro trabalho. Acabara de contar que mudara os caminhos da vida. Percebera que a realidade material posta por um sistema de privilégios não concedera tanta energia ao ponto de temperar as massas. Portanto, era preciso garantir certo capital (juventude é o momento da vida em que se busca renda imaginando essa ser capital), para continuar a movimentar os sonhos. Era tanta energia contida naqueles olhos grandes, era tão forte o brilho quando mirava esse ser que, contaminava a alma, fazendo um corpo aviltado, esperançar.
Dizia das possibilidades que a nova área poderia lhe dar. Nem parecia que uma semana atrás à obrigatoriedade, imposta pelas responsabilidades do viver, da mudança de cidade, havia acabado com sua vida e sonhos. “Aquele lugar é uma prisão!”, dizia aqueles olhos flamejando em raiva sete dias atrás por não ser dono de seu próprio viver.
Parafraseando Dóris, aquele ser em que a materialidade brindou com a segurança e as cores dos corais... Petulante, ousou, nadar em mares profundos, correntezas revoltas e enfrentar tubarões, desejo-te que, “continue e brilhar, continue a brilhar, continue a brilhar...”. Mas o que vinha a memória era o presente que ganhara dos olhos castanhos quando estava internado por conta da singeleza fraqueza do corpo ao tempo que se arrastava. Ganhara um livro de Lima Barreto (Vida e Morte de Gonzaga de Sá), no qual o protagonista que sede ao romance o nome adverte seu discípulo (o jovem Augusto Machado), “o Acaso, mais do que outro qualquer deus, é capaz de perturbar imprevistamente os mais sábios planos que tenhamos traçado e zombar de nossa ciência e de nossa vontade”. Apesar do desejo, não havia condições de externar o pensamento, pois ao mesmo tempo olhos castanhos tripudiava daquele deus zombeteiro.
Apesar do desequilíbrio mental da juventude perdida entre a depressão e a ansiedade, essa, espera sempre um diagnóstico para as dores sociais postas retirada de leitura da realidade do viés revolucionário de um velho utópico de esquerda e marxista a beira do fim da vida. Enxergar naqueles olhos castanhos e flamejantes faróis acesos a conduzir a esperança em meio aos tempos fascistas que emergia, era como um dever. É tão gostoso ver o amadurecimento jovial, mais ainda... quando se enxerga que este crescimento se dá num ponto cego do viver.
Esse observador permite-se a parafrasear Friedrich Engels. A juventude, obcecada com a árvore e não enxerga o bosque...