ORGANISMOS VERBAIS E SUAS ESPECIFICIDADES

A beleza é o acordo entre o conteúdo e a forma.

- Henrik Ibsen

A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas.

- Johann Wolfgang Goethe

Ao estudar metodologicamente o vasto campo da Literatura, minhas palavras de alerta são sempre no sentido de que Poesia e poema não são sinônimos vocabulares nem designam o mesmo organismo verbal.

A Poesia, mesmo que pareça abstração devido à falta de aparente concretude, pode adquirir materialidade através do poema, corporificando-se, via de regra, pelo letramento: palavras-código em versos ritmados. Um é o continente, o outro, conteúdo. Vale dizer, aquilo que se contém em algo ou nalguma coisa.

Poesia é recipiente, invólucro ou continente: aquilo que em seu espaço contém algo. Poema é conteúdo, aquilo que ocupa, parcial ou totalmente, o espaço em algo; a capacidade de algo; aquilo de que algo é constituído, formado. Também aquilo que se contém ou é contido em algo. E este se corporifica, possui materialidade, forma, formato. Repetindo e sintetizando: Poesia é continente, poema é conteúdo.

Enfim, o poema é um organismo verbal que contém, emite, inspira ou suscita Poesia. Reitera-se: esta é fruto de uma possível abstração, enquanto o poema, vale dizer, a peça poética lavrada, tecida, pintada, digitada, virtualizada ou urdida por qualquer outro meio, pode se constituir na materialidade dela e representar a sua concretude formal.

Há poemas em que Poesia não comparece, bem como podem se corporificar em suas entranhas versos sem Poesia, ainda que contenham expressões com notáveis doses de doçura ou até mesmo ornadas de beleza estética aparente ou sugerida capazes de chamar a atenção do poeta-leitor, aproveitando a musicalidade rítmica com que se apresentam no texto.

Há monumentais versos e peças textuais na música popular brasileira (MPB) que, a rigor, não chegam a compor tais organismos verbais em que sobrepairam a poeticidade, no entanto, gozam de alta credibilidade e respeito nos mais variados redutos culturais. Tudo a rigor, com justas loas, flores, galanteios e muito brilho.

Nas relações da vida, no cotidiano, o usual é a utilização do prosaico, Poesia é sempre linguagem de exceção. Naquele, o sentido é o denotativo. Nesta, a conotação é a princesa da oralidade. Acresça-se que, nestes domínios, o que valida é a codificação da linguagem e sua maior ou menor dose de hermetismo.

O bom poema não é peça artística para ser lida somente uma vez. Ele, por ser palavra-código, leva tempo para se revelar. E o curioso é que não depende dele, e sim da entrega, talento e perseverança do leitor no trato com a eterna Palavra.

Também não é menos verdade que não há como manter-se falante em Poesia durante todo o tempo, aduziu a genialidade de Fernando Pessoa, no início do séc. 20, quando da entronização da modernidade poética lusitana.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2024.

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