O problema ou a solução do humor

O humor é uma dimensão humana, uma maneira de existir do homem que, no mínimo, é curiosa.

O homem é um animal que ri. Mas, claro, assim como o cão é o animal que ladra, isso não faz parte da sua essência, mas é uma propriedade.

 

Eu acho que a questão do humor implica em distinguir o seu elemento. Qual é o elemento do humor? O que é exatamente o humor? Na medida em que ele é um elemento, poderíamos dizer que ele é uma tendência única, simples e singular (se ele é um elemento, ele é uma dimensão singular) da existência humana. Mas dá para dizermos que é da vida, é muito mais do que a existência humana. No caso da existência humana, ele tem incidentes específicos.

 

O humor é uma alegria. É com certeza uma alegria. É um prazer também? Claro, se é alegria, necessariamente o prazer decorre da alegria. A alegria é mais profunda do que o prazer. Então, se é uma alegria, é também um prazer.

E os seus efeitos, além de fruirmos, de alguma maneira gozarmos com o humor, é uma espécie de gozo, também ele tem uma direção muito curiosa, que é uma direção crítica. E por ser crítica, destrói.

O humor é um destruidor.

O aspecto crítico do riso funciona como um reformador extremamente reacionário. Por que é reacionário? Porque o riso vai produzir uma humilhação, um rebaixamento, e vai forçar a vida a se enquadrar. Existe um mau riso, que é o riso a partir da tristeza. Que tristeza merece ser conduzida para o riso?

 

Uma perspectiva de tempo imanente, não cronológico. Um tempo que emerge e se põe a diferenciar, como um modo de realidade que produz realidade ao se efetuar a partir desse ponto único e absoluto enquanto ponto de vista. Porque é absoluto. Se não fosse absoluto, não faria parte da cadeia infinita. O ponto de vista não tem como não ser absoluto. Não é um ponto relativo.

 

Esse é o centramento do homem — do homem que já não é mais homem, porque aqui você já ultrapassou a forma-homem, assim como a forma-deus. Não está mais na forma, você está na linha de acontecimento que te constitui. Você é uma linha de acontecimento. Você é um ponto de vista. Você é uma duração com o seu duplo lado, o dentro e o fora; com a dupla ponta do acontecimento, a futura e a passada. Eu sou uma dobra de tempo.

 

Enfim, isso é para já fazermos um contraste com o que nós normalmente fazemos da nossa vida e por quê. Desde que somos separados do que podemos, o que acontece? Nós nos tornamos seres sérios. E aqui eu queria chamar a atenção para uma sutileza. Ser sério não é não sorrir, não fazer palhaçada, não achar graça de nada. Não é dessa seriedade que estou falando. Existe um monte de gente que ri à toa, com o perdão das hienas. Comem merda e estão rindo de quê? Mas riem muito. Esse conformismo é uma seriedade. A vida é séria?

 

Gilles Deleuze. A Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes. – São Paulo: Perspectiva, 2015.

https://www.escolanomade.org/2022/09/07/o-humor-como-libertacao-de-si/

LucianaFranKlin
Enviado por LucianaFranKlin em 24/01/2024
Código do texto: T7983562
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.