TDAH existe?
Este ensaio pretende discutir o porquê dos psicotrópicos estarem tão em moda. O texto é escrito a partir de Freud.
Os psicotrópicos servem para restaurar o desequilíbrio químico do cérebro, essa é a base lógica do tratamento psiquiátrico atual. Para justificar o uso dos medicamentos, há um diagnóstico, que é originário de um transtorno mental. Um exemplo: se uma criança é diagnosticada com TDAH e, portanto, com um desajuste cerebral, então, ela precisará de um tratamento. O medicamento serve para amenizar sua agitação psicomotora. Basicamente este é a principal forma de tratamento na atualidade. Existem outros terapêuticas, mas, o uso dos psicotrópicos é a principal terapêutica moderna.
Quais aspectos são problemáticos neste tratamento?
Em primeiro lugar, a psiquiatria trata o desajuste comportamental da criança como originário de um problema cerebral. “Comprova-se” por imagens mentais que o cérebro da criança com TDAH tem mais atividades cerebrais que de uma criança “normal”. No entanto, as correlações entre imagens mentais e desajuste químico não são comprovadas cientificamente. Há estímulos mais fortes no cérebro da criança com TDAH? Sim, há! No entanto, essa "comprovação" não consegue provar que o aumento de estímulos está diretamente ligado a um desajuste. Exemplo: se os exames mentais forem realizados em atores, é provável que se chegue à mesma correlação. Se se fizer esta mesma comparação com artistas plásticos, músicos ou qualquer indivíduo “imerso” no mundo artístico haverá as mesmas correlações, já que, empiricamente sabemos, os artistas tendem a serem mais intuitivos que racionais.
A atividade artística produz nos indivíduos uma capacidade de envolvimento além do normal. Estes se entregam para atividades que lhe sugam todo um "envolvimento" mental, criativo e motor. Isto prova que a afirmação do TDAH é falha, pois, se existem outros sujeitos com características mentais semelhantes, e que não são considerados doentes, a tese perde seu sentido. Ou seja: a psiquiatria biologizante confunde capacidade artística com agitação motora. O que se chama de Hiperatividade é uma forma bastante controversa tratada de forma superficial pela psiquiatria. Por exemplo: existem pessoas aceleradas com angústia, existem pessoas aceleradas sem angústia. A psiquiatria não sabe distinguir isso. Há indivíduos acelerados - encadeados - que têm na sua pressa uma forma pragmática de agir e isso, inclusive, é interessante do ponto de vista da relação que se estabelece com a realidade. Há, no entanto, indivíduos acelerados - desencadeados - que não tem qualquer relação com o significante (Lacan), e, portanto, estão agindo de forma desenfreada, isto é, com muitas angústia. O primeiro exemplo comprova uma pessoa interessante, o segundo não. O primeiro exemplo toma medicamento se for diagnosticado com TDAH e geralmente o é. O segundo também tomará o medicamento. O primeiro exemplo não precisa de medicamento. O segundo também não. O segundo, embora tenha angústia, poderia fazer análise ou psicoterapia, que seriam alternativas mais eficientes, visto que a questão tem vários aspectos. Para citar apenas um: muitas vezes as crianças hiperativas são filhas de pais super-protetores, isto é, pais que deixam os filhos jogarem videogames, ficarem grudados no celular, sem qualquer limite.
Os psiquiatras “inventaram” isso do nada? Não! De fato, existe um problema! Existem crianças que chegam no consultório do psiquiatra com uma inquietação fora do comum. Sim, existe, de fato, crianças (e não só crianças) com alterações em seu comportamento.
No entanto, a questão focada pela psiquiatria está errada. A psiquiatria foca no cérebro, quando deveria focar no mental. Há uma diferença entre cerebral e mental. Esse é o primeiro erro da psiquiatria. O segundo, é esquecer o aspecto social, que não é considerado em suas análises.
Cerebral é diferente de mental. Cerebral está ligado a ideia de organismo. Mental, tem um conteúdo. Um indivíduo depressivo, é visto pela psiquiatria como um sujeito que teve seus genes alterados. O indivíduo foi afetado – biologicamente – por essa doença, dizem os psiquiatras. Herdou dos pais, por exemplo.
“A hereditariedade explica cerca de metade da etiologia”. A psiquiatria desconhece o conceito de Identificação e Luto de Freud. Um indivíduo que passou por um trauma, por exemplo, com a morte do Pai, pode se identificar com isso. Ao invés de passar pela situação traumática de forma adequada, sofrendo e reconhecendo a morte do ente querido, o indivíduo pode, e isso é muito comum, negar o fato. Ao negar, que é um mecanismo de defesa frente a dor, o indivíduo, “insiste” em brigar com o luto. Ao invés de fazer o luto, portanto, aceitar a morte do Pai, portanto, sofrer, ele se torna resistente e passa a declarar uma luta interna. Não aceita a morte e viverá se “defendendo” desse trauma. Curiosamente, este indivíduo permanecerá num estado infantil de contestação a esta morte, se tornando um indivíduo que briga, culpa os outros, desenvolve uma paranoia e, por vezes, se entristece com situações banais do cotidiano. Esse desajuste comportamental não tem ligação com o cérebro, e, portanto, o elemento biológico pouco contribui neste caso. O elemento essencial é de ordem psíquica, portanto, mental.
A depressão que tomou este indivíduo não foi causada por uma simples “hereditariedade”, mas por questões mentais. Quando este indivíduo começa a fazer análise, inicia-se um reconhecimento do quão importante foi seu Pai em sua vida. Aí, inicia-se uma tentativa de reconhecimento de que o Pai foi embora, mas ele está vivo. “Está vivo agora” e não esteve vivo. O Pai está presente ainda pela identificação. Isso é um passo importante para se fazer o Luto. "O Pai não morreu!" Substituir o pai morto pelo pai vivo, isto é, porque aquilo que ele deixou de legado, é o que fará este indivíduo ao superar o luto na situação de análise. O luto precisa ser enfrentado e não escondido. O psicotrópico serve para esconder o luto, e não para enfrentá-lo. O psicotrópico faz o indivíduo deixar de chorar, sofrer, reconhecer a morte do Pai. Portanto, o medicamento não trata. Ele “congela” o organismo do indivíduo, ele paralisa a mente, ao invés de reabri-la. O psicotrópico serve para controlar e não para descobrir o que está na mente. Obviamente, que em situações de melancolia muito forte, o uso do medicamento é desejável. Mas não é este o caso. O que temos visto na atualidade é um uso indiscriminado dos medicamentos, inclusive, não combinado com a psicoterapia, o que é uma erro terapêutico terrível.
O medicamento não acessa o material recalcado, que está escondido na mente do indivíduo. Ele tão somente fecha o acesso ao Inconsciente. O material recalcado que é "reaberto" em análise, através da quebra das resistências, fazendo o indivíduo ter acesso a este material, na psiquiatria é fechado, fazendo o indivíduo deixar de acessar suas dores.
Como os remédios da mente não funcionam, tomado isoladamente, e considerando que este material não pode ser totalmente fechado, o próprio medicamente produz efeitos negativos, como pensamentos fantasiosos, paranoia, medo de morrer, vontade de ficar dentro de casa o dia inteiro. A tentativa, insistente, do uso de psicotrópicos não consegue fechar o acesso ao Inconsciente, e, contraditoriamente, produz no indivíduo um acesso – desorganizado – do material inconsciente. Isto faz os psiquiatras patinarem no gelo. “Vamos acertar o medicamento e a dosagem da próxima vez”. Eles não irão acertar, já que sua forma de mirar, sempre erra, quando troca o mental pelo cerebral. Os psiquiatras não lidam com o material recalcado: não lidam com o conteúdo das dores, além do que, há fortes indícios da dependência química criada pelo uso contínuo destes psicotrópicos.
Enquanto o indivíduo está sofrendo por não ter feito o luto, por não reconhecer que o Pai foi embora e este Pai era importante em sua vida, este indivíduo, enquanto não “colocar pra fora” essa dor, este sentimento, nunca conseguirá avançar. Enquanto o indivíduo não colocar em palavras sua dor, não externalizar esse sofrimento, não “sacar” que a morte do Pai não foi culpa sua – como acontece em vários casos – ele não superará esta morte. A morte do Pai está aí, presa na garganta, afetada na mente, boicotando sua forma de interagir com os outros, fazendo o indivíduo achar que o culpado foi alguém da família, ou foi a “sociedade”. A “sociedade não presta”, disse-me certa vez um paciente, quando, na verdade, esta forma de falar mal da sociedade é tão somente uma projeção. Coloca-se para fora a angústia de dentro afirmara Freud certa vez.
A psiquiatria, portanto, ronda de forma muito superficial um assunto que é muito mais complexo. A psiquiatria não lida com o conteúdo mental, mas tão somente reduz o sujeito complexo a um conjunto simplório de neurotransmissores. Nem nisso tem plausibilidade científica. Há estudos recentes “quebrando” a tese da relação entre serotonina e depressão. Esses mesmos estudos também estão no centro da crítica ao TDAH. Por exemplo: Turcke discute a relação entre concentração e tecnologias. Ele mostra que o uso das tecnologias acelerou nossa atenção, modificando nossa capacidade de se concentrar e, ao mesmo tempo, gerando sérios problemas na nossa forma de enxergar, escutar e ver pessoas e coisas. Este item é desprezado nos diagnósticos psiquiátricos.
Os medicamentos salvam vidas!
O critério de saúde mental adotado pela psiquiatria é vida e morte. Se o indivíduo está vivo, então ele está bem. Ora, se o critério de saúde mental for este, então a própria psiquiatria está entrando em contradição, afinal, o indivíduo que sofre angústia está mal. Estar bem seria diminuir sua angústia, e, não simplesmente, “estar vivo”.
A verdade é que o conteúdo da angústia não é acessada pelos antidepressivos. O conteúdo fica à margem. Não é considerado, não é levado em conta. O indivíduo com angústia, que a psiquiatria chamada equivocadamente de ansiedade – não é escutado na sua dor. A dor de ter perdido alguém, de ser ridicularizado pelos outros; o medo de apresentar um trabalho na Faculdade; a dor que sofre o indivíduo que briga com a mãe ou pai todos os dias. A culpa gerada pelo indivíduo que trata mal o marido; a culpa que o indivíduo carrega por ter um filho com deficiência. Tudo gera angústia!!!
Basta ver e olhar! Absolutamente todas nossas emoções estão ligadas a algum tipo de angústia. Mas a psiquiatria trouxe o "transtorno de ansiedade generalizada”. A psiquiatria desconhece a condição humana. Ela confunde a existência com a anormalidade. Ela chama de patológico o que é universal. Ela confunde singularidade com universalidade. Ela trata um, como exceção. Quando o “um” é a regra. Ela tenta consertar o inconsertável. A angústia jamais será consertada, mas os neurolépticos, a “pílula mágica do universo” tem esta pretensão. Falando melhor: a psiquiatria erra ao ignorar o universal e o social. O social está diretamente ligada ao mundo tecnológico que vivemos. Não há dúvida que as pessoas hoje estão mais aceleradas e esta patologia - que de fato - é patológico precisa ser freada pelas instituições, e não somente pelo indivíduo. É a escola que deve suspender o uso desenfreado do celular dentro de sala de aula e não substituir esta autoridade e limite por um medicamento. O problema está na ordem social e não no aspecto psicológico. A mesma questão serve para o lado universal. Diante de uma dor pelo fim de um relacionamento, o indivíduo, deve também aprender a suportar estas dores, para inclusive melhor no futuro e não "escamotear" a dor, para não sofrer. O medicamento, novamente é um erro aqui, pois ele supõe a supressão da dor, quando o sofrimento humano é importante em determinadas situações.
A psiquiatria confunde problema com questão. Problema se resolve, questão, não. Um carro com vazamento se resolve trocando uma mangueira. Um ser humano, não tem mangueira para trocar. Ele sempre terá angústia, embora esta possa ser remediada. Freud que o diga! Mas, mesmo em Freud não havia esta pretensão de acabar com a angústia. Freud se preocupou em propor alternativas para o indivíduo, mas nunca acabar com a angústia como tenta hoje, a psiquiatria moderna com seu controle absoluto sobre grande parte das pessoas.