A ÁRVORE E O DRAGÃO- ESTUDOS SOBRE SIMBOLISMO

 

Na Cabala, na Alquimia, na Maçonaria- como em todas as tradições arcanas- o sentido das palavras é um e outro ao mesmo tempo. Quem quiser ater-se somente ao significado da letra jamais entenderá o seu sentido, pois nele se encaixa uma imensa profusão de inteligências, que só mesmo o espírito consegue acompanhar e desvendar.

Pelo caminho da razão jamais se chega a esse resultado. Por isso, quem quiser encontrar no simbolismo hermético uma verdade que se amolde á sua razão, na verdade só encontrará o que ele mesmo pensa que sabe. Nunca obterá verdadeiro conhecimento, pois este é resultado de um processo chamado iluminação.

Porém, os que chegarem á esse resultado pelos caminhos do espírito, verão que não existe um sentido mais racional do que esse. Esse é o objetivo deste ensaio. Apresentar aos leitores um breve estudo sobre o simbolismo hermético ligado à Cabala, à Alquimia e à Maçonaria, sendo, como são, essas três tradições, complementos umas das outras

 

Comecemos com o simbolismo da Árvore e do Dragão, que na literatura sagrada de todos os povos é encontrado como representação de forças da natureza que atuam no psiquismo humano.

Em todas as tradições herméticas encontraremos a imagem de uma árvore como canal por onde flui a força primordial da natureza. Essa força vem de uma semente, assim como a nossa vida também vem de uma. Na semente estão hospedadas todas as propriedades da árvore, assim  como no sêmem do homem todas as propriedades e características do futuro ser.

Paralelamente a esse conceito, a Cabala ensina que o núcleo central de toda a massa universal está numa “semente energética luminosa”, que os cientistas chamam de “quanta”[1].

Esse “quanta” nada mais é do que um fragmento da energia que Deus espalhou no nada cósmico quando Ele se manifestou como realidade ativa através da formidável explosão identificada pela ciência como Big Bang.

Nesse sentido, nós também somos resultados dessa atividade quântica que o Criador manifestou. Grãos dessa energia que Ele espalhou no vazio cósmico constituem o que chamamos de alma. Como sabemos, toda a massa física do universo é constituída por combinações atômicas de “pacotes” (quantas) de energia que se integram para formar os elementos químicos que constituem a massa universal.  Assim, a alma, na tradição cabalística, é vista como sendo feita de uma centelha dessa energia que o Eterno Deus espalhou pelo nada cósmico em uma formidável explosão luminosa.  

                                                                     

 Assim, para a Cabala, Deus manifestou a sua potência em forma de luz, e esta preencheu o vazio cósmico com todas as formas de matéria e massa que nele existem. E dentro dele a vida. Não é, pois sem razão, que os cabalistas, ao representarem a visão que eles têm desse processo, eles o fizeram através de um desenho mágico-filosófico chamado Árvore da Vida.

Porque Árvore da Vida? Simplesmente porque nela se retrata todo o processo que gera a matéria que preenche o vazio cósmico, dando como resultado o universo material. Nas dez séfiras que compõem a estrutura da Árvore, podemos identificar as etapas pelas quais a energia que está na origem de todas as coisas existentes no mundo devem passar até a sua síntese final, que é a vida. E nesta, a sua própria conversão em outro estado de qualidade, ou seja, a qualia que chamamos de espírito.

 

Toda árvore vem de uma semente. Em todas as tradições arcanas, essa semente é a nossa alma, grão de energia luminosa que o processo de formação da matéria universal submeteu à múltiplas interações para chegar à etapa que chamamos “vida”, e depois dessa interação, à etapa que chamamos “espírito”. Por isso, em várias concepções espiritualistas, considera-se o espírito como energia transformada em modalidades sutis, através do processo que conhecemos como pensamento. É nesse sentido que eles veem a alma como um princípio inteligente, que fornece ao homem o seu núcleo moral; o corpo, como um invólucro carnal no qual a alma se aloja para cumprir os desígnios de Deus; e o perispírito como um invólucro fluídico, semimaterial, que liga a alma ao corpo. [2]

Por isso compara-se uma semente ao grão de energia que chamamos de alma. Na semente está todo o estofo do que virá a ser, mais tarde, a árvore. Da mesma forma, em nossa alma- que é pura energia- encontra-se o estofo que dará sedimento à nossa existência material e espiritual.

Em termos de ciência genética, sabemos que a semente hospeda o núcleo primordial da vida, ou seja, o nosso DNA. O DNA, como sabemos, contém todo o “programa” genético que orientará o nosso desenvolvimento como criatura humana. Assim como uma minúscula semente, ele hospeda um germe de vida que pode conter, em sua composição, toda a própria conformação do universo, sendo o homem o que é – uma cópia do próprio universo, como sustentam todas as tradições herméticas.

Toda essa vinculação simbólica que a árvore nos sugere é um sinal bastante eloquente das associações que esse símbolo forma no Inconsciente Coletivo da Humanidade. Ele revela significados profundos no cipoal de influências que a mãe natureza coloca no processo de desenvolvimento da vida sobre a terra. Por isso aparece em todos os textos sagrados das civilizações antigas. Na Bíblia temos as Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e a Árvore da Vida; nos Vedas temos a Árvore do Mundo, na tradição persa a Árvore Dupla, a Árvore de Eridu, da tradição suméria etc.

Na tradição alquímica a árvore é um símbolo de extraordinário significado arcano. Ela simboliza a natureza feminina. Ela é a “mulher divina” que se associa às grandes deusas da antiguidade (Cibele, Astarte, Ishtar, Ìsis, Tammuz etc). No simbolismo da Cabala ela pode ser associada à Sheckinah, termo que define a manifestação da divindade no mundo real através de um fenômeno luminoso. No fundo, é a própria natureza feminina, na qual se manifesta o fenômeno da conversão da energia divina em materialidade.

E tudo isso se aglutina no simbolismo da árvore. A árvore dos argonautas, no Jardim das Hespérides, com seus frutos de ouro também está inserta nesse simbolismo. Variações desse tema também são encontrados nas lendas nórdicas, nas quais a Árvore de Yggddrassil, com seu dragão oculto nas raízes, guarda a Fonte de Mimir, que contém o princípio da sabedoria.

O simbolismo da árvore também está associado ao sol e à lua. Como sabemos, esses dois astros têm muita influência sobre a vida na terra. Por isso encontraremos em várias lendas antigas desdobramentos dessas tradições em alegorias de uma “arvore do sol”(que se conecta com a árvore da vida bíblica) e uma “arvore da lua”, que pode ser ligada à arvore do conhecimento, de onde Eva tirou o fruto proibido e causou a queda do homem. Essas “arvores” estão presentes em várias lendas medievais, como a lenda do Preste João, e as alegorias alquímicas, que muito se valem dessa imagem para figurar o poder da natureza. Na Bíblia esse simbolismo significa que a surgimento da vida na terra depende da conjunção de um princípio masculino (Adão, o sol) e um princípio feminino ( Eva, a lua). Registre-se que a moderna ciência astrológica acredita que a lua( assim como a terra e os demais planetas) foi formada a partir de um fragmento que se soltou do corpo do sol, dando assim uma conotação científica à visão bíblica de que a mulher foi “tirada” de uma costela do homem, mostrando que no Inconsciente Coletivo da espécie humana tudo se conecta.

No Budismo encontramos mais uma variante dessa tradição no episódio em que Sidarta, o Buda, encontra a iluminação em baixo de uma árvore, apesar dos esforços que Mara, a sua natureza material, faz para impedi-lo.  Por outro lado, Frazer, em seu estudo sobre o simbolismo das antigas religiões, também se refere ao velho mito do “Rei dos Bosques”, um herói casado com uma deusa-árvore ( uma árvore com frutos de ouro), que ele, na forma de um dragão, guarda dia e noite para evitar que os frutos sejam roubados. Quem prendesse e matasse esse dragão adquiriria o seu poder e o grande segredo oculto na deusa-árvore.[3]

 

Lendas e alegorias associadas á arvores e dragões, e sua conexão com os princípios masculino e feminino são encontradas em todas as tradições antigas, denotando uma estreita conexão desses símbolos com a própria natureza humana. Essa foi uma das principais pistas que levou Jung a deduzir a existência de um Inconsciente Coletivo comum á toda humanidade, que se expressava na frequência com que eles aparecem em todas as manifestações culturais dos mais diversos povos em todos os tempos. A Árvore de Brama, por exemplo, só pode ser cortada com as ferramentas da sabedoria. Na lenda grega dos argonautas Jasão tenta se apropriar dos frutos de ouro da árvore do Jardim das Hespérides e encontra, por isso, o seu trágico destino. Na tradição suméria é o gigante Gilgamesh que colhe o “fruto cristalino” de uma árvore na floresta encantada, o que o torna impedido de dela entrar novamente, mito esse que pode ter sido a inspiração para o episódio bíblico da expulsão de Adão e Eva do paraíso.

 

Por outro lado, em todas as alegorias herméticas encontraremos um dragão associado á uma árvore. Ele aparece como sendo uma espécie de guardião dos segredos contidos na raiz da árvore. No mito bíblico ele aparece na forma de uma serpente, na qual o Diabo se traveste para seduzir a mulher e levá-la a comer do fruto do conhecimento do bem e do mal. 

Nesse simbolismo está patente a ideia da existência de uma força universal, presente na natureza, concebida sob a forma feminina. Ela, ao mesmo tempo que confere ao ser humano o seu poder (a imortalidade através da procriação) também representa um perigo, pois faz o homem desejar, não somente a imortalidade através da prole, mas também o controle desse processo, violentando a natureza em busca desse segredo escondido nas suas raízes. Daí a soberania do homem sobre a mulher representar, em todos os tempos, a própria conquista do poder que a natureza possui, justificando, dessa forma, todas as antigas formas de submissão da mulher ao poder patriarcal, desenvolvido pelas sociedades antigas.

Em alquimia o símbolo da imortalidade é representado pela serpente cósmica chamada Oroboros, que representa a natureza em seus eternos ciclos, alimentando-se da própria energia que ela produz. Ou seja, a mulher, veículo pelo qual a energia do Criador se manifesta no mundo real, transformando-a em vida.  Isso explica também a estranha passagem bíblica na qual é centrada na serpente o veículo pelo qual o conhecimento do bem e do mal entra na terra e faz o homem tornar-se “igual aos deuses.” O dragão, ou serpente, é o guardião desse conhecimento, que para ser adquirido só ´pode ser transmitido espontaneamente por ele, ou obtido à força, por meio da violência.

Por isso, o homem, que acabou de adquirir o conhecimento através de uma manifestação espontânea do Dragão (o Diabo), é expulso do paraíso para que não coma também da Arvore da Vida e se torne imortal, o que o faria igual aos deuses.

Essa metáfora significa que o poder pertence aos deuses e ele está simbolizado no conhecimento e na imortalidade. Os deuses podem conceder aos homens esse poder, mas se o fizerem os homens se tornarão iguais a eles. Por isso eles impedem que o homem, concomitantemente com o conhecimento, adquira a imortalidade. Não obstante, o homem tudo fará para “vencer o dragão” e conquistar o reino da natureza, onde está oculto o segredo da imortalidade.

Nesse simbolismo está inserto o conceito freudiano do Complexo de Édipo. Este, como sabemos, é uma alegoria que significa a tentativa de conquista do poder que a natureza enfeixa na sua feminilidade. Aqui o homem mata o próprio pai- o dragão- para apoderar-se do seu reino, simbolizado na sua própria mãe – a deusa árvore. Como sabemos, Édipo é o príncipe que mata o pai e se casa com Jocasta, sua mãe. Na mesma vertente grega também temos Zeus matando seu pai Cronos para apoderar-se do seu reino. Cronos, nesse caso representa o tempo, que ao ser derrotado por Zeus e seus irmãos, confere ao seu vencedor o dom da imortalidade.

(continua).  

 


[1] Quantum, significa a a menor quantidade de energia que pode ser absorvida ou emitida como radiação eletromagnética. Em outros termos, é a quantidade mínima de energia que pode ser transmitida através de um comprimento de onda. Essa noção também diz respeito ao menor valor pode que uma grandeza pode adquirir no âmbito de um sistema físico ao modificar o seu estado energético.

[2] Veja-se a respeito Alan Kardec-  O Livro dos Médiuns- Edição FEESP, 4º Ed. 1994- São Paulo

[3] James Frazer- O Ramo de Ouro- Zaar Editores, 1965