A MENTIRA DA NOITE
A noite mentiu para mim, encolheu seus braços e não mais me envolveu. Passou a ser barulhenta e ruidosa. Até então, era o meu lar, meu cantinho de acalento. Não lembro mais o sabor do chá calorento com gosto de vida que costumava tomar enquanto era por ela acolhido. Agora restam cigarros apagados no cinzeiro, uma garrafa de vinho vazia, uma taça caída sobre a mesa e uma solidão que me olha quieta sentada ao canto com a mão apoiando o queixo. Até ela sente pena de mim e decide não importunar.
A cadeira de balanço ao lado da janela é quem me está a socorrer enquanto o breu gelado e amargo não tem fim. Acho que até ela já está cansada de mim.
Acendo um cigarro e intercalo um trago com uma dose no absinto, sinto o coração gelar e o corpo adormecer. É assim que preencho a outra parte de mim enquanto sigo sem consolo, sem afago, sem aconchego e sem lugar.