O BARROCO NA “TRISTE BAHIA” HOJE, E NO “TRISTE BRASIL” DE GREGÓRIO DE MATOS
O BARROCO NA “TRISTE BAHIA” HOJE, E NO
“TRISTE BRASIL” DE GREGÓRIO DE MATOS
As bonitinhas indiazinhas, ingênuas e nuas, lançavam-se nas águas salobras próximas aos barcos de aproximação na praia das caravelas. Lançavam-se elas, oferecidas, nos braços ávidos dos bucaneiros. A orgia sodomita da carne oferecida, atrevida, fazia subir o ponteiro da bússola nas musas nativas marcadas pela nuance erótica da História. Morenas, safadas e faceiras, elas dariam início às corcovas buchudas nos ventres livres das moças das tribos. Seus pares índios só ficavam olhando. Perplexos do sem nexus, no plexus solar dos marinheiros de Cabral.
A colonização portuguesa, com certeza tinha iniciando-se. Elas teriam filhos conhecidos pela cultura futura do pau Brasil: a marca registrada do futuro Brasil brasileiro tão cantado e decantado pela baianidade tropicalista nos anos setenta do século XX. As indiazinhas parideiras deram tudo, inclusive início à estruturante poesia de Gregório de Matos Guerra, cujo bordão, atualizado, reza: “Triste Bahia, Ó Quão Tão Semelhante”.
A cultura do boêmio Gregório de Matos era vasta, vastíssima. Ele, por falta de mais o que fazer, a desperdiçava em longas noites nos respeitáveis puteiros brasileiros na pândega noturna baiana regada de fanfarras à base da cachaça importada “made in Minas Gerais”. Nem precisava importação. A Cachaça Baiana, Ó Quão Tão Semelhante”. Entre porres porretas nos entrepernas quentes das noites de verão incandescente, a suavidade escaldante das dengosas meninas caprichosas e saltitantes dos lupanares. Todas com aquele jeitinho que deus deu, que deus dá, que deus dará. “Toda menina baiana tem um jeito que deus deu, que deus deu, que deus dá”.
Brotava nesses puteiros brejeiros, o expressionismo erótico nas danças de terreiro e seus patuás bentinhos, nas casas de candomblé Alaqueto, nascido na Casa Branca do Engenho Velho, cuja patrona, Maria Júlia da Conceição Nazaré, fundara em 1849. O nome “gantoá” originou-se de Eduardo Gantois dono do terreno onde o terreiro foi construído. Se o Eduardo Gantois não era boiola, deve ter “lavado a égua”. Se era americano deve ter dito às dançarinas da “Casa Branca”: “You Washed The Ass”???
Entrados no xuxa-xuxa, no veja-veja do suor erótico por debaixo das saias das filhas de mãezinhas, mulheres vestidas em largas roupagens redondas, nos terreiros das mães menininhas do cantuá, a cultura brasileira se irradiaria de debaixo dessas saias grandes, pesadas, dançantes nos terreiros de umbanda, territórios mágicos dos orixás dos quilombolas, quimbandas. e mocambos proibidos pela polícia... A “Triste Bahia” dava um jeitinho brasileiro de cantar e dançar: alegria, alegria, alegria. Havia outro jeitinho dessas meninas se alegrar??? Hem???
Sim, era preciso arejar as coisas, os trens e as cacarias das filhas de Eros pudentes que dançavam em curva nos terreiros. Sob as saias sobrecarregadas, a dança fazia suar as coxas morenas das moças desenvoltas, e mulheres brancas aprendizes das mães de santo baianas. O calor do corpo impregnava as formas de subterfugir e contornar. o Barroco oblíquo tergiversativo, como diria Sérgio Buarque de Holanda. A evasão e a digressão o aproximavam do estilo rococó, distanciado do estilo ornamental surgido na França sob os bagos de Luís XV.
O excesso das curvas caprichosas nos terreiros e também nos versos das poesias. A graça superficial e o peso da suavidade dengosa das voltas e voltas e voltas nas sessões de xuxaria. O buraco negro presente no centro do corpo das mulheres volteando no centro escondidinho das danças de terreiro. Para Gregório de Matos o ambiente não era o mesmo, mas sugeria as mesmas coisas das mulheres oferecidas nos puteiros.
Os estilos se imbricavam e brincavam de deformar e exagerar a realidade à maneira intensa do Barroco. Intensa e indireta, também nas danças. “O Barroco era muito irregular, ornamentado, exuberante, extravagante e excêntrico”, na minha compreensão, a Arte Barroca fora precursora do rococó e mensageira do expressionismo. Até mesmo os inimigos do “Boca do inferno”, a exemplo do famigerado ex-governador da Bahia, capitão general do Brasil, Antônio de Sousa Meneses, reconhecia em gregório de matos, a “sutileza, a inteligência, o discurso congruente por detrás do estilo dos excessos, exuberância e curvas caprichosas nos ornamentos estilísticos que representavam a dramaticidade na poesia do “Boca do Inferno”.
Permita-me o leitor uma transição no tempo histórico, uma alteridade literária, nesta narrativa, passando a um voo do Barroco histórico, literário e poético, à contemporaneidade do “tio” Feud que afirmou:
— “A Principal Tarefa Da Existência É Compreender A Própria Mente”.
A poesia barroca de Gregório de Matos nos incentiva nesta direção: na direção da compreensão da própria mente. A Compreensão da Mente Histórica, do Inconsciente Coletivo, do contexto memorial, autêntico, documentado, real e social.
Gregório de Matos antecipou-se ao estudo dos transtornos de personalidade limítrofe, que ainda hoje não se compreende bem nas clínicas psicológicas. O diagnóstico Borderline é feito com base nos sintomas do paciente, das pessoas que estão no bojo da bolha Borderline. Suas mentes tomadas por instabilidade emocional. Pela sensação de inutilidade. Pela insegurança e pusilanimidade das relações sociais que sugerem insegurança e medo.
Naquele momento histórico, primeira metade do século XVIII, na “Triste Bahia” existiam academias literárias com dupla função na sociedade colonial. Eram centros de propagação do Barroco e também agremiações voltadas para o ensino de conceitos da cultura humanística, afastada da religiosidade jesuítica: a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724/25). Academia Brasílica dos Renascidos (1759), ambas com sede na “Triste Bahia”. No Rio de Janeiro a “Academia dos Felizes” (1736/1740).
A sinestesia, o hipérbato, a hipérbole, o paradoxo, a antítese, a assonância, a metáfora foram as figuras de linguagem mais usadas pelos poetas da época. A expressão da literatura as utilizava devido ao perigo de ser ameaçados pela Inquisição. Ela matava nas fogueiras da própria ignorância do autoritarismo eclesial. Os desmandos, a corrupção e a desordem, a libertinagem e o desregramento excessivo dos sentidos, parecem que sempre foram um requisito social em épocas de opressão e mudanças na percepção das realidades sociais impregnadas de autoritarismo. Autoritarismo e negacionismo da importância social da popularização e conveniência da arte e da ciência literária.