Eu já segurei um coração

(Ok, ok... ele tava morto, despedaçado e enxarcado de formol. Mas não deixava de ser um coração).

E, mesmo não tendo a brilhante idéia de tirar a luva plástica pra poder sentir "na pele" o que é estar com o coração na mão, eu pude viajar um pouquinho, naquela aula de anatomia...

E me vi rindo, lembrando de um padre da minha cidade que dizia: "Vamos rezar agora... não com o coração, que é só um músculo, uma bomba cheia de sangue, mas com o cérebro, que é onde está toda a nossa vontade!..."

É... Mas não é que é?... Todos sabemos que o coração no fundo não tem nada de mais, ninguém se espanta mais de ouvir falar que vão transplantar o coração de alguém. Mas, volta e meia, tá todo mundo falando "fulano tem coração aberto", "olha que coração maravilhoso!", mandando um "beijo no coração"... Será que, no fundo, não passamos de canibais pervertidos doidos pra abrir o peito do outro e dar aquela lambida bem ali no ventrículo esquerdo?...

(Ok, ok... não sejamos tão freudianos...)

Talvez seja porque o músculo cárdico é o termômetro das emoções. É o coração que vira bumbo de bateria de heavy metal quando nos apresentam o microfone e não sabemos o que dizer, é ele que dá um nó danado quando nos espõem ao ridículo e somos obrigados a adiar as lágrimas. Enquanto o cérebro, esse só dá sinal de que existe nas enxaquecas da vida... E, mesmo assim, o coitado ainda dói de forma indireta. Nunca ouvi ninguém reclamar: "Nossa, que dor no córtex, vou tomar uma aspirina..."

Ainda não conseguiram inventar um dector de mentiras que as detecte pelo cérebro, mas pelos batimentos cardíacos sim! (apesar de ser muito estranho confiar num aparelho que "detecta mentiras" mas que não é capaz de detectar a verdade). E, se mentir é considerado um comportamento exclusivo do ser humano, podemos concluir que o coração nos faz mais humanos. Que ele é mesmo mais importante que o cérebro!...

(Ok, ok... também não sejamos tão "sertanejos"...)

O fato é que, apesar de ser o cérebro o centro de comando da parada, me desculpa, seu Padre, mas é o coração que nos lembra que estamos vivos. Que temos emoções, por mais que às vezes sejamos forçados a reprimí-las...

Vamos exercitar o coração, então! Andar de montanha russa, ver filme de suspense, reencontrar aquele amigo de anos, levar susto de criança levada, beijar quem se gosta, chorar se o final for triste, se for feliz também. Falar "oi" praquela paixão platônica. Brincar de pique-esconde. Dar bau-bau pro colesterol do tédio! Afinal, somos humanos...

Só não esqueçamos, é claro, de quem é que manda, quem é que deve domar a situação. Pois o que mais se vê por aí é coração descontrolado causando morte cerebral...

Afinal, não há real emoção sem razão. E nem razão de não tê-la...

(Cgla, 23/07/05 - www.humanando.blogspot.com)