O RACISMO NA LITERATURA BRASILEIRA

Eu tenho um sonho, que os negros e os brancos andassem em irmandade e sentassem-se na mesma mesa em paz.

[Martin Luther King]

O racismo sempre existiu na Literatura Brasileira tanto com relação a escritores e/ou poetas homens como em relação às mulheres em suas duas vertentes, ou seja, os que sofreram na pele o preconceito racial por serem negros e os que eram os próprios preconceituosos, refletindo esse preconceito em suas obras.

Os escritores negros que sofriam preconceito manifestavam sua luta contra ele através da denúncia e da crítica social em suas obras, retratando a escravidão e as péssimas condições de vida do negro na sociedade. Também manifestavam essa luta na criação de personagens, seja na cor da pele e/ou na ideologia e valores morais e sociais que defendiam, como Antonio Balduíno, um dos primeiros personagens negros da Literatura Brasileira, colocado como personagem principal no romance Jubiabá, de Jorge Amado. Também o poeta Castro Alves abordou o tema da escravidão em seu famoso poema Navio negreiro, denunciando as péssimas condições de higiene em que viajavam nos referidos navios.

Alguns exemplos de escritores que sofreram com o preconceito racial ou que disseminavam racismo em suas obras são:

a) Machado de Assis, insistentemente retratado como um homem branco e de origem elitista, embora fosse negro, nascido no morro e pobre, sem nunca ter frequentado uma universidade, apesar de sua grande genialidade;

b) Lima Barreto, também homem negro de origem humilde, denunciava em sua obra o preconceito racial, que ele mesmo sofreu quando tentou por três vezes candidatura à Academia Brasileira de Letras. Em suas obras aborda além do preconceito racial, o nacionalismo exacerbado (uma crítica à recriação de um passado indígena e misturado com um futuro progressista) e a violência contra a mulher. Era ainda contrário à moda de copiar tudo o que vinha da Europa e dos Estados Unidos.

c) Cruz e Sousa, outro grande poeta e expoente do Simbolismo Brasileiro, também de origem humilde, filho de escravos alforriados sofreu preconceito racial durante toda a sua vida, tendo lutado contra a escravidão e o racismo. Teve acesso aos estudos graças ao apadrinhamento do coronel Guilherme Xavier de Sousa, antigo "dono" da mãe do poeta e de quem herdou o sobrenome Sousa. Suas obras refletem a angústia, a presença e a obsessão pela cor branca, além da temática da pobreza, do preconceito racial e da morte.

d) Gilka Machado, poetisa precursora da poesia erótica feminina no Brasil, de origem pobre sofreu preconceito não só pela pobreza, mas também pela cor de sua pele e pela ousadia de falar em sexo no contexto sociopolítico da época da República. Recebeu vários comentários negativos dos críticos literários, entre eles, Afrânio Peixoto que a chamou de "matrona imoral" e de "mulatinha escura" ao reportar um encontro que tivera com Gilka para entregar-lhe uma carta, fazendo questão de enfatizar que sua casa "respirava pobreza". Outros críticos como Agripino Greco a chamavam de "bacante dos trópicos". Além disso, sua origem familiar também parecia contribuir para essa "devassidão literária" de Gilka, uma vez que sua mãe era registrada como prostituta para poder trabalhar como atriz de rádio e o pai um beberrão incorrigível que a batizou de Gilka, uma famosa marca de vodca.

Há ainda Monteiro Lobato, considerado caso um tanto polêmico na Literatura. Alguns estudiosos e críticos literários encontraram termos e trechos com conotação racista em seus livros. Um exemplo seria o tratamento dado pelo narrador à Tia Nastácia em Reinações de Narizinho ao referir-se a ela repetidamente como "negra" ou "preta", como na frase “A negra deu uma risada com a beiçaria inteira” (p.180) num sentido um tanto quanto pejorativo, além de atribuir características físicas distintivas como se a personagem fosse definida pela cor de sua pele.

Também se destacam as falas de Emília e Cinderela, no capítulo A coroinha, quando toma café com as princesas Branca de Neve, Rosa Vermelha, Capinha Vermelha e Cinderela que vão visitá-la no Sítio. Ao ser perguntada por Branca de Neve sobre quem é tia Nastácia, a boneca parece responder em tom de zombaria ao dizer que a cozinheira do Sítio é uma princesa de origem núbia, um povoado (os núbios) que se desenvolveu numa antiga região da África:

Pois não sabe? ─ respondeu Emília com carinha malandra. ─ Nastácia é uma princesa núbia que certa fada virou em cozinheira. Quando aparecer um certo anel, que está na barriga de um certo peixe, virará princesa outra vez. Quem vai danar com isso é Dona Benta, que nunca achará melhor cozinheira. (LOBATO, p. 174, 2019)

Um pouco mais adiante no diálogo estabelecido entre elas, Cinderela ao comentar que não toma café com medo de ficar com a pele escura, Emília concorda que ela não deve mesmo tomar café para não ficar com a mesma cor preta de Tia Nastácia:

[...] Todos tomaram café, menos Cinderela. ─ Só tomo leite ─ explicou a linda princesa. ─ Tenho medo de que o café me deixe morena.

─ Faz muito bem. ─ disse Emília. ─ Foi de tanto tomar café que Tia Nastácia ficou preta assim... (LOBATO, p. 174-175, 2019)

O autor tentou ainda editar uma obra intitulada O Presidente Negro, nos EUA, a qual não teve aceitação. Devido ao fato de carregar conceitos e ideologias de um racismo estrutural advindo de um passado de escravidão no Brasil, seu livro não tinha como ser aceito, uma vez que o país americano já havia abolido sua escravidão e os negros ainda sentiam o desafio de tentar se inserir na sociedade dominada por brancos. À la Orson Wells, num enredo distópico, que começa no Brasil na década de 1920, o personagem Ayrton sofre um acidente, sendo resgatado por uma espécie de cientista "maluco", que lhe apresenta suas invenções. Entre elas está uma geringonça chamada porviroscópio, uma máquina que mostra o futuro. Assim, através dela, eles começam a acompanhar a vida no EUA, que em 2228 passava por uma campanha eleitoral. A sociedade americana havia adotado algumas medidas como o fim da imigração, a execução de recém-nascidos com malformações e a esterilização dos doentes mentais. É então neste contexto que o candidato à presidência Jim Roy, um homem negro vence a eleição. Outro aspecto abordado na obra, é que no país não havia ocorrido a miscigenação como aqui no Brasil não causando uma degeneração da raça branca. Por fim, devido aos conflitos de convivência e aceitação entre negros e brancos, os negros sugerem a divisão do país e os brancos, indo mais além, sugerem que todos sejam extraditados para a Amazônia.

O autor teria rejeitado as críticas e os conselhos que recebeu dos editores norte-americanos acerca da publicação da obra. Atualmente vem sendo cancelado por estudiosos e por escolas que indicavam seus livros para leitura. Mas, apesar de toda a polêmica em torno de sua obra, não se pode negar o legado que ele deixou para a literatura infanto-juvenil no país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

D'ANGELO, Helô. Lima Barreto e o racismo do nosso tempo. Revista Cult. 11 de maio de 2017. <https://revistacult.uol.com.br/home/lima-barreto-e-o-racismo-do-nosso-tempo/> Acesso em 04/11/23

LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 1 ed. São Paulo: Ciranda Cultural, 2019.

MOREIRA, Éric. O livro que fez Monteiro Lobato quebrar a cara ao tentar conquistar os EUA. Revista Cult. 26 de fevereiro de 2023. <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-livro-que-fez-monteiro-lobato-quebrar-cara-ao-tentar-conquistar-os-eua.phtml>

RKAIN, Jamile. Uma pioneira no erotismo: lutando contra machismo e racismo, Gilka Machado escreveu sobre libertação da mulher pelo sexo. Em: <https://operamundi.uol.com.br/samuel/46618/uma-pioneira-do-erotismo-lutando-contra-machismo-e-racismo-gilka-machado-escreveu-sobre-libertacao-da-mulher-pelo-sexo> Acesso em 04/11/23.

Sobre Cruz e Sousa: <https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/cruz-e-sousa.htm> Acesso em 04/11/23.

Alessa B
Enviado por Alessa B em 22/11/2023
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