CRISTOS DE ALUGUEIS

Não percam tempo: adquiram já a versão que mais te satisfaz!

Relatos de um anjo entediado

*Por Antônio F. Bispo

O telefone toca na C.C.C (Call Center Celestial).

-Por gentileza, é do serviço de alugueis de Deuses?

É a Srta. Neófita.

Uma humana comum, desejando o que pessoas comuns em estado mediano de intelecto almejam das supostas divindades metafísicas: FAVORES egoístas em troca de cultos e oferendas banais; PRIVILÉGIOS especiais em detrimento ao sofrimento alheio; SENTIR-SE bem ou acima da média e em relação aos demais, mesmo quando há dolo em curso; ou EMBRIAGAR-SE de falsas esperanças, apegando-se à supostas promessas divinas, leiloadas todos os dias nos locais de cultos e arrematadas por aqueles que tem o maior dízimo ou que demonstram maior estado de subserviência aos líderes ministeriais e suas hierarquias ascendentes, descendente ou condescendentes.

Estes últimos não veem problema algum em conscientemente pagar altas somas (ou serviços voluntários) para que seus pastores mintam sobre elas mesmas, afirmando publicamente que elas são o que de fato não são, que terão o que jamais seriam capazes de ter, ou que verão algum dia todos os seus “inimigos” debaixo dos seus pés, pois Deus assim o quis!

Mesmo sabendo que tais promessas não passam de uma enorme teia de mentiras, estar “ébrio na presença de Deus”, é melhor que estar “sóbrio com o mundo”.

Eles possuem plena ciência disso.

Por esta razão constroem versões do seu próprio ego, vendem-nas como se fossem algo desejável ou impõe aos outros, partes do seu próprio lado sepulcral, como se fosse algum tipo de potência divina elevada ao cubo.

A igreja sempre ensinou que fantasiar virtudes que não possuímos em nome dos deuses e que terceirizar nossas responsabilidades para as supostas divindades metafísicas é a melhor forma de ser um H-CAT (Hipócrita Consciente Aceito por Todos).

Após o devaneio matutando acerca dos humanos e de suas supostas interações com o sobrenatural, o atendente celestial recobrou sua atenção ao propósito do cliente. Seu emprego dependia daquela gente e atendê-los era uma questão de sobrevivência, não apenas de ofício.

Mensageiro era o nome daquele anjo, o atendente dos céus disponível a interagir com aquela humana naquele instante.

Em resposta à pergunta inicial da mulher ele respondeu:

- Olá Senhorita. Você ligou para o ramal errado. Aqui é do Serviço de Alugueis de Cristos (S.A.C). Nesse setor, apenas intermediamos a contratação ou sugestões de usos do Cristo Romano-Judaico e de suas dezenas de versões multifacetadas, usualmente cambiadas por comerciantes da fé, irmandades secretas, discretas, sincretistas e cristãos em geral desde o século IV da Era Comum. O Serviço de Aluguel de Divindades (S.A.D) fica em outro escritório desta mesma empresa. Gostaria de ser transferida para o ramal correto?

A mulher Respondeu:

- Não, não... De forma alguma! Perdoe-me, pois me expressei mal. Sou novata aqui. Quero prosseguir contigo mesmo, aqui e agora!

Feliz, o anjo disse prontamente:

-Obrigado Srta.! Não há mal algum nesse equívoco. É normal esse trocadilho entre alguns ocidentais. Deus e Cristo por vezes acabam assumindo o mesmo papel nessa parte do globo.

Seguindo o rito de todo telemarketing, o profissional acrescentou:

-Informo que esta chamada está sendo gravada em sua caixa craniana, pois é o único lugar onde potencialmente existimos. O número de protocolo deste atendimento é 299-171/CID-F20 a F29. Você pode retornar o contato quantas vezes quiser, caso precise pois foi para isso que a (confusa) mente humana nos criou.

Com toda delicadeza angelical peculiar à sua classe, o trabalhador celestial deu segmento:

-Meu nome é Anjo, mas gosto de ser chamado apenas de Mensageiro, termo que anuncia o significado original do meu nome e propósito entre os mortais. Sou todo ouvidos. É para isso que existo. Minha função primordial é a de levar e trazer mensagens ao mundo dos homens.

O anjo completou:

- Apesar de toda evolução tecnológica nas telecomunicações no reino dos sapiens, ainda bem que não fiquei desempregado. A princípio ficamos amedrontados com o surgimento do telefone e da internet. Logo depois vieram uma enxurrada de redes sócias para aproximar as pessoas. Por sorte ainda estamos com nossos empregos garantidos como nos velhos tempos.

A Srta. Neófita continuou atenta ao que dizia o ser do outro lado da linha:

-Enquanto sobrepujar a ganancia, o medo, a inveja, a ira, a soberba, a luxuria e o falso caráter entre o “povo santo”, jamais ficaremos obsoletos. Pessoas como você dá sentido às nossas vidas. Criar, venerar ou defender o improvável só para mascarar as próprias intenções é algo que só os humanos sabem fazer entre todas as espécies! Obrigado por nos empregar. Nossas vidas eram demasiadamente monótonas antes de vossa “criação e queda”. Era só cantorias o dia inteiro! Milênios de louvores intermináveis ao “Santo dos Santos”. Por eras ficamos confinados nesse coro sem sentido. Vossa espécie nos “libertou”!

A Srta. Neófita deu um risinho pelo canto da boca com a redundância do emissário.

Ele estava levando ao pé da letra o nome dela, que apesar da alcunha batismo, não era tão “iniciante” assim quanto ele pensava.

Ela era uma pessoa experiente no ramo dos disfarces e a contratação de cristos, deuses e entidades metafísicas como escudo defletor se torna inevitável a ocultação sustento de pessoas como ela.

Mandingas e feitiços já não eram bem vistos pelas sociedades modernas.

Amuletos e talismãs também faziam refletir um ar de permitividade, algo semelhante a um delírio a quem os possuíam.

Chás e ervas medicinais...bom, apesar de demonizados na idade média, esses nos acompanham desde sempre, pois foram e ainda são a causa de cura e prevenções de diversas moléstias que acompanham. Porém a mídia e as indústrias farmacêuticas só faltam chamar de Neandertal quem faz uso racional destas substancias.

A loucura é a prata da casa quando de igual para igual a insanidade pede passagem.

Esconder-se em igrejas ou atrás dos deuses sempre foi a melhor opção nesses casos. O meio gospel é mais requisitado e o com menos propensões à punições e rejeições entre os membros em caso de escândalos graves, quando descobertos.

As interações humanas por trás da fé nos deuses sempre escondem mais que aquilo que os sentidos comuns podem captar.

É imensa a confusão de sentimentos que os humanos experimentam todos os dias para tentar entender o universo interior e exterior. Por isso criam deuses.

Quando desejam escravizar uns aos outros sem serem visto como pessoas ruins, também recorrem a um panteão próprio, para que seja diminuto o peso da própria consciência enquanto maltratam a própria espécie.

Do micro ao macro, os humanos “salgam” tudo aos sabores das entidades, para que a realidade da vida seja melhor deglutida quando a razão tentar eclodir no cosmo da própria jornada.

Silencio...

O anjo sentiu aquela pausa de milésimos de segundos e julgou que a moça ali presente poderia estar fazendo o que todos os humanos fazem antes consultar os deuses: enterrando própria racionalidade a fim de serem recebidos com glamour no mundo das fantasias coletivas ou “amados” por aqueles que neste residem.

Ele também deu um sorriso de covinhas e como toda sutileza do mundo prosseguiu:

-Não se preocupe Senhorita. Hipoteticamente sou eterno! Por isso tenho todo tempo do mundo para explicar-te o que for preciso para sua comodidade ou intenções meramente egoístas quanto ao nosso “produto”. Milhões de cristãos ao redor do mundo fazem isso cotidianamente. Então, em que lhe posso ser útil?

Querendo logo ter seus anseios respondidos, ela foi curta e grossa:

-Grata pela gentileza moço. Vamos logo ao que interessa!

O anjo sentiu firmeza na voz do outro lado da linha. Ela emendou:

- Pois bem, sou cristã e quero alugar um cristo com todas as qualidades e atributos. Desejo-o para meu próprio benefício como todos fazem. Preciso ver quais versões estão disponíveis para uso exclusivo, pois se tudo der certo, após realizar meus intentos, irei ganhar muito dinheiro com essa franquia, como fez a igreja católica nos últimos 1700 anos e como faz todas as demais congregações que dela saíram. Também sou filha de Deus e mereço os benefícios de sua graça, não é mesmo?

Com arb de quem já sabia das exigências que viriam a seguir, o anjo falou com voz de pena e empatia simultânea:

-Claro Senhora, tens toda razão! A senhora também é filha de Deus e tem todo direito de exigir um Cristo para uso pessoal, porém para uso exclusivo...Você quer uma franquia que nunca tenha sido explorada.... É isso mesmo? Acho meio difícil!

Quase que em um surto de cólera a mulher retrucou:

-Como assim? Não há mais versões do Cristo disponíveis para alugar? Invente outra então!

Delicadamente o anjo a corrigiu:

-Não, Senhora! Há dezenas de versões de Cristo “existindo” simultaneamente, porém todas com uso e “patente” já reconhecida. Isso não impede de você adquirir uma franquia dessas multinacionais. Porém afirmo que não há nenhuma para uso particular, com direito de registro e tudo mais. Não inventamos deuses. Isso cabe aos humanos. Para vossa informação, as versões existentes do Cristo judeu já possuem franqueados licenciados. Todas elas a não ser a versão MATEUS-5.6.7!

A mulher exclamou:

-Oxe, que versão é esta? Nunca ouvi falar. Por que ninguém a quer?

O anjo pacientemente disse:

-Pois é senhora... A “grandiosidade” do cristianismo reside justamente nisto:

CONTINUA....

Texto escrito em 12/11/23.

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 12/11/2023
Código do texto: T7930598
Classificação de conteúdo: seguro