Da importância de não saber nada

"Para enxergar as coisas sem feitio é preciso não saber nada "

É preciso se despedir, se desarrumar para que, nú de razão e sem proteção da roupa do preconceito, se possa chegar ao Outro, ou objeto, e dessa troca outras possibilidades se apresentam.

Não saber nada é permitir, e permitir -se, que o que há de vir que venha. Que venha com todas incongruências, distorções, evidências, enfim, que venha como se não houvesse a mínima possibilidade do conflito. Que venha com a certeza, a única que se exige, de que o fruto do encontro será repartido e compartilhado, como se fosse o pão outrora repartido entre àqueles famintos de justiça e paz.

Não saber nada. O vazio a espera da primeira gota que encherá o pote. O vazio da terra que se realiza tão logo a semente germine e a árvore fará a sombra necessária ao descanso do lavrador.

Não saber nada para saber escutar.

Saciado o ouvido da bela canção do saber, como pétalas de rosas perfumadas, possam chegar àqueles àvidos por um jardim diverso e florido.

É isso que se busca quando não se sabe nada. É estar aberto, como uma janela sem tranca, onde se possa chegar, sem barreiras, às infinitas possibilidades de um novo encontro. De um novo porvir como se durante a espera, igual ao vinho que se matura com o tempo, a espera resultou no mais puro e genuíno saber.

Saber não saber, eis o início da primeira caminhada. Eis o começo de uma viagem, cuja passagem se paga com a disposição de embarcar sem a expectativa dos impacientes. Bem o contrário, do viajante se exige apenas a curiosidade da criança. Se exige nada além da disposição do beija -flor que suga o néctar sem matar a flor. De igual modo, do viajante se espera que do saber adquirido seja ele cuidado para que não pereça. Que o saber adquirido, como a criança que chegou à vida adulta porque conseguiu avançar, apesar dos percalços, possa o saber adquirido resultar num mundo compatível e compartilhado por todos, afinal, todos somos donos desse mundo comum. E de igual maneira, nenhum saber é posse de ninguém, ele é fruto das trocas que fazemos ao longo de nossa jornada.

Por fim, para enxergar as coisas sem feitio, ou seja, enxerga-las sem as falsificações das aparências, é necessário, é fundamental, que se tenha em mente que não há saber consolidado, não há saber absoluto. Tanto quanto nós o saber é algo que se renova, que se reformula a todo tempo. O saber não é um totem que se venera, nem que se deposita toda razão de nossa existência. O saber é a estrada por onde caminhamos com a certeza que nunca chegaremos, pois, é nesse caminhar sem fim, que aprendemos que não saber nada faz a coisa ser mais bela.