Ai Jesus! Que medo de voar de novo!
Há dias atrás, peguei-me pedindo a mim mesma que "caísse na realidade". Foi um espasmo, aquela reação pronta que dispensa querer(...) não tive a culpa, e era segunda(...) Deixe-me demorar os costumes porque falar em alegorias é meu dileto trabalhinho!
Todos os dias, às sete e quarenta e cinco da manhã, pego a condução para trabalhar -- trabalhar demanda-me caminhar em concreto --, mas antes de ter de descer, dentro do ônibus, viajo em pé por predileção. Se os olhos fecham-se e não existe ônibus e nem gente, nem barra e nem chão, sagro à realidade o que eu queira sagrar enquanto o mundo existe só em mim. Caso o leitor -- escusa-me a pedrada -- for mal instruído, aprendeu a voar só agora. Assim é que se voa!
Justo. Já que sabes panhar vôo, veja, assim é que se desaba: esta feita de segunda foi uma das vezes pelas quais eu quis redigir as verdades da vida, aí então larguei asas num desarranjo que não carecia! Não faltava tanto para deixar a atmosfera em devaneios disfarçados de suposições muito possíveis. Pressentindo o perigo, temi a queda e caí, de medo, na realidade -- ela que tem a cor cinza-chumbo-cruel. É concreto. Diga lá, como é que não esfarfalha-se em mil pedacinhos por tão alto desencanto? Quando abri os olhos, vi-me escorada numa cadeira de ferro, morrendo de vergonha de voar. Explicando de menos: empurrei-me ao concreto. Isto já está bom dizer. Ai Jesus! Que medo de voar de novo!