CRENTE SEM FANATISMO: DE CARNE E OSSO — Ensaio Teológico III(16) “A Sabedoria Personificada: Uma Análise Crítica da Metáfora Bíblica”
A sabedoria é um conceito que tem sido valorizado e buscado por diversas tradições religiosas, filosóficas e culturais ao longo da história. Uma das formas de expressar a importância e o significado da sabedoria é através de metáforas, que são figuras de linguagem que estabelecem uma relação de semelhança entre dois termos. Uma das metáforas mais conhecidas sobre a sabedoria é a que a personifica como uma bela mulher, que oferece benefícios e recompensas para aqueles que a seguem.
Essa metáfora é encontrada no livro bíblico de Provérbios, que é uma coleção de ditos e ensinamentos atribuídos ao rei Salomão, considerado o homem mais sábio de sua época. No capítulo 8, a sabedoria se apresenta como uma mulher que clama nas ruas e nas praças, convidando os homens a ouvirem os seus conselhos e a aceitarem os seus convites. Ela afirma que quem a achar encontrará a vida e obterá o favor do Senhor (Provérbios 8:35). Ela também promete dar aos seus seguidores vida longa, riqueza e honra (Provérbios 3:16).
Essa metáfora tem um forte apelo retórico e emocional, pois associa a sabedoria a qualidades desejáveis e atrativas, como a beleza, a bondade, a generosidade e a fidelidade. Além disso, ela cria um contraste com outra mulher que também aparece em Provérbios: a mulher insensata, que é descrita como sedutora, enganadora, adultera e destruidora (Provérbios 5:3-6; 7:10-27; 9:13-18). Assim, a metáfora da sabedoria como mulher visa persuadir os leitores a escolherem o caminho da sabedoria e evitarem o caminho da insensatez.
No entanto, essa metáfora também pode ser questionada e criticada sob uma perspectiva analítica e realista. Isso porque ela simplifica e idealiza a relação entre a sabedoria e a vida, ignorando ou minimizando os aspectos complexos, contraditórios e imprevisíveis que envolvem a existência humana. A metáfora da sabedoria como mulher sugere que basta abraçar a sabedoria para garantir as recompensas prometidas, como se houvesse uma fórmula mágica ou uma lei infalível que determinasse o destino das pessoas.
No entanto, essa visão não corresponde à realidade, pois há muitos fatores que influenciam o sucesso e a felicidade das pessoas, além da sabedoria. Por exemplo, a longevidade não depende apenas da sabedoria, mas também de fatores biológicos, genéticos, ambientais e acidentais, que podem afetar positiva ou negativamente a saúde e a duração da vida. Da mesma forma, a riqueza não é apenas o resultado da sabedoria financeira, mas também do contexto econômico e social em que se vive, das oportunidades e dos obstáculos que se enfrentam, das injustiças e das desigualdades que se sofrem. A honra, por sua vez, pode ser subjetiva e relativa, dependendo dos valores culturais e individuais de cada pessoa.
Além disso, essa metáfora também pode ser confrontada com outra perspectiva religiosa presente na própria Bíblia: a do Evangelho de Jesus Cristo. O Evangelho apresenta uma visão diferente sobre a sabedoria e as recompensas que ela oferece. Em vez de prometer vida longa, riqueza e honra terrenas, o Evangelho promete vida eterna, riquezas espirituais e filiação a Deus. Essas recompensas são superiores e transcendentes às recompensas da sabedoria de Provérbios, pois não estão sujeitas às limitações e às contingências da vida material. No entanto, é preciso reconhecer que nem todos compartilham dessa fé cristã, e que há outras crenças religiosas que podem ter visões diferentes sobre a sabedoria e as suas consequências.
Em conclusão, a metáfora da sabedoria como mulher é uma forma poética e persuasiva de expressar a importância e o valor da sabedoria, mas não pode ser tomada como uma verdade absoluta e inquestionável. A vida real é mais complexa e dinâmica do que uma simples metáfora, e requer uma visão crítica e equilibrada sobre o papel da sabedoria em nossa vida. A sabedoria é um bem que deve ser buscado e cultivado, mas não é uma garantia de sucesso e felicidade. A sabedoria deve ser acompanhada de outras virtudes, como a humildade, a justiça, a compaixão e a fé, para que possamos viver de forma plena e significativa.