DANTE E SUA OBRA-PRIMA IMORTAL

"Nel mezzo del cammin di nostra vita

mi ritrovai per una selva oscura

ché la diritta via era smarrita".

(Livro Inf. Canto I).

 

INTRODUÇÃO

     Dante Alighieri foi um poeta que nasceu Florença em 1265 e morreu em 1321. Além de filósofo, político e escritor, foi o autor de duas obras de grande valor literário, entre elas "A divina Comédia" e "A vida nova".

       A trilogia dantesca é uma obra monumental de proporção universal, uma alegoria que narra a viagem do próprio Dante pelos confins das regiões espirituais dos perdidos, dos regeneráveis e dos remidos. É até hoje a melhor obra italiana e da literatura universal. A Divina comédia do poeta fiorentino Dante Alighieri é uma narrativa em versos, que contabiliza 100 cantos e aproximadamente 10.000 versos. Essa obra-prima retrata a viagem do próprio poeta italiano pelos reinos do além-túmulo-túmulo, formando uma trilogia exemplar (composta de Inferno, Purgatório e Paraíso) para qualquer cristão autêntico que busca na sua caminhada se alicerçar de fé, esperança e amor num mundo tão conturbado como o nosso.

  A comédia dantesca é mais do que fundamental para os nossos dias, pois nela está condensada os ensinamentos bíblicos, bem como alguns conteúdos provenientes da cultura grega e medieval. Ela nos traz toda uma riqueza de simbologias e alegorias... necessária, portanto, tanto para o desenvolvimento de nossa sensibilidade, quanto para a frutificação do  senso de verdade e responsabilidade. A palavra comédia leva esse nome justamente pelo fato do poeta no encerrar sua vida nos labirintos do inferno, mas encontrar caminhos possíveis através do purgatório em companhia de seu mestre Virgílio; em seguida, com a graça e a permissão do amor divinal, receber a condição de alcançar as regiões celestiais em companhia de beatriz, desde o primeiro círculo até o nono e último, a morada de Deus: o empírio. É nessa jornada que Dante conduz o leitor, retratando os seus medos, angústias, alegrias e desejo pelo infinito, no qual não dispensa súplicas e diálogos com os mais variados personagens de sua pátria e também de outros lugares e eras.

 

BREVE ESTUDO DA OBRA

     A divina comédia é um poema épico dividido em três partes, a saber, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Cada parte por sua vez é estruturada por mais de trinta cantos, sendo 34 cantos que compõe o Inferno e 33 cantos compondo o Purgatório e o Paraíso, respectivamente. Esse poema épico de 100 cantos é o maior que já foi produzido e escrito, o maior poema já escrito entre todos os já produzidos.

      O autor constrói uma cosmogonia com base nos melhores conhecimentos teológicos, científicos e filosóficos de sua época, mergulhando nas fontes da mitologia grega e nos princípios bíblicos para criar a sua narrativa cheia de simbologias, alegorias e personagens históricos e mitológicos. Numa descrição magistral do que foi essa literatura na era medieval, Edson Moreira vai diz o seguinte: "Síntese admirável de religião, ciência, filosofia, tem caráter particular e individual ao mesmo tempo que universal e genérico; temporal e ao mesmo tempo eterno; por sua natureza pode ser considerada o exemplar mais universal da poesia moderna, segundo Schelling, o título de 'poema dos poemas' ".

     Dante potencializou a beleza de sua obra divina  (intitulada de Divina comédia por ter um desfecho glorioso e bem-aventurado) principalmente nos dias do seu exílio, trazendo no imaginário ocidental as nuances da experiência do poeta no além-túmulo.

     Num rico prefácio do Paraíso escrito em italiano, Alessandro D'Avenia comenta sobre o objetivo principal da obra-prima de Dante. O autor  de  forma bem clara vai dizer que: "La commedia è proprio il viaggio que dona questi Occhi capaci de cogliere l'infinito nel finito, di salvare il desiderio attraverso l'Amore. Riprendiamo l'esempio dantesco: l'uscita del popolo eletto dall'Egito è un fatto storico che contiene, algo stesso tempo, il sovrasenso della liberazione del popolo di Dio, la Chiesa, dal peccato, in vista della salvezza eterna. Allo stesso modo il viaggio di Dante attraverso i tre regni e il suo ritorno a casa ("Nel mezzo del cammin di nostra vita/ mi ritrovai per una selva oscura", inf. I 1-2) è un fatto exteriore all'interno del quale c'è un percorso interiore che lui e il lettore devono compiere, ossia la progressiva liberazione dalla prigione che impedisce all'amore di fluire e all'uomo di essere felice. L' 'altro viaggio' è indirizzato al fine ultimo dell'uomo: la felicità, cioè l'incontro con l'amore stesso, con il Dio-amore che tutto muove".

     Para a composição do inferno, o poeta fiorentino soube extrair mais elementos concretos de inspiração do que as realidades do purgatório e do paraíso, até porque o mesmo vivia em constante conflito com os rumos da política de sua cidade natal e era bem consciente das condutas perversas de seus conterrâneos e também de muitos homens lendários e de figuras mitológicas com suas paixões e desejos nefastos.

     Boa parte da crueza de nosso mundo pecaminoso está profundamente retratado nos círculos infernais de sua obra-prima. Pois o mundo enquanto sistema que escraviza e aliena sempre foi o mesmo: cheio de violência, morte, cinismo e corrupção.

     Na sua época não foi diferente. O que era para ser o paraíso na terra, era apenas uma guerra constante entre grupos constantemente tentando tomar o poder. O próprio Dante percebeu a realidade inexorável de sua terra, se insurgindo contra a política do papa Bonifácio VIII, retratado duramente na sua obra como um condenado ao inferno. A partir dessas experiências negativas o poeta fiorentino então pode lapidar a primeira parte da trilogia com todos os requintes de pecados possíveis de sua época e ainda ressaltar no último círculo os traidores de todos os tipos e matizes; e para o mais profundo desse abismo, Dite, o anjo caído ao lado dos grandes traidores da humanidade, como Judas, Bruto e Cássio.

  No seu ensaio "As dores do mundo", Schopenhauer vai falar de onde o poeta se baseou para escrever sobre a primeira parte de sua grande obra. O filósofo vai dizer: "Onde iria Dante procurar o modelo e assunto do seu inferno senão no nosso mundo real? E contudo, é um perfeito inferno que ele nos pinta. Ao contrário, quando ele tratou de descobrir o céu e os seus gozos, encontrou-se em frente de uma dificuldade invencível, justamente porque o nosso mundo nada oferece de análogo. Em lugar das alegrias do Paraíso, viu-se reduzido a dar-nos parte das instruções que lhe deram os seus antepassados, a sua Beatriz e diversos santos. Daqui se deduz claramente que espécie de mundo é o nosso". Schopenhauer vê no inferno de Dante um reflexo do que é o nosso mundo: tão cheio de dores, sofrimentos e desespero.

    Já Cioran, no seu livro Silogismos da amargura, vai mais longe no seu pessimismo, ao definir cada parte da Divina Comédia de uma maneira um tanto quanto curiosa, desiludida e sarcástica:  "O Inferno -- tão exato como um atestado.O Purgatório -- falso como toda alusão ao Céu.O Paraíso -- mostruário de ficções e de insipidezes...A trilogia de Dante constitui a mais alta reabilitação do diabo empreendida por um cristão". 

    Por outro lado, para a criação do paraíso restou ao poeta sonhar e devanear sobre o amor que pouco se vê nesse mundo, um amor de caráter transcendente. Há nessa parte da obra um amor que move os seres, um amor inscrito no coração de sua amada solícita e misericordiosa; e, sobretudo, propiciado pela graça divina, no qual é de ordem celestial, elevado e sobrehumano para a salvação dos que vivem pela fé.

    Sobre a experiência do poeta com o Divino, Alessandro D'Avena mais adiante no seu prefácio vai explicar que: "Quando Dante fissa lo sguardo in Dio gli mancano le parole per descrivere ciò che vede, ma è sicuro di cosa gli accade: una trasformazione, l'ultima metamorfosi amorosa. In una sorta di abraccio infinito sente una pace mai provata, la felicità piena e realizzata, quella che esperimentiamo quando diciamo che il tempo 'se ferma', perché siamo già nell'eterno, cioè in una vita che non muore: 'ma già volgeva il mio disio e 'l velle, /sì come rota ch' igualmente è mossa/ l' amor che move il sole e l'altre stelle' ".

     Tamanha inspiração não deixa de ter seus encantos, belezas e impressões marcante em nosso ser. Faz com que nós, míseros leitores, busquemos ascender aos mistérios do paraíso para vivermos plenamente na graça desse amor tão louvado pelos cantos diáfanos do poeta.

     Acompanhar essa viagem visceral de Dante pelos abismos e alturas da condição humana, um autor de cuja obra nos revela tantos caminhos de sombras e luzes, dores e glórias, é também fazer um mergulho em nossa própria alma, ou seja, um olhar profundo no seu percurso de transformação, autoconhecimento e redenção.

     Através da solidariedade inspirando seres lendários, como o do sábio poeta Virgílio e da doce Beatriz , imaginamos Dante na sua jornada desde o mundo da perdição, passando pela região dos seres em processo de reconstrução, até o conhecimento pleno do amor sublime e elevado que move os seres no paraíso.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 19/10/2023
Reeditado em 09/01/2024
Código do texto: T7912237
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