Vida que se transmite
(Gabriel Resgala)
Uma amiga minha ficou grávida. Ela ainda não me contou, mas eu fiquei sabendo. E é a primeira vez, ela parece ter enfrentado um monte de problemas pra conseguir engravidar... Ela é daquelas que têm tudo pra se mãe, sabe? E imagino como desejou esse filho... Não deve estar cabendo em si de tanta felicidade! Deve estar pulando de alegria, dando bom dia ao cavalo da polícia, abraçando mendigo na rua. Ela já é uma pessoa radiante, deve estar mais ainda...
Gosto de ficar imaginando como ela está. Gosto de ficar imaginando a alegria do marido, que, embora não possa, obviamente, compartilhar do mistério maravilhoso de ser mãe, vai poder compartilhar a alegria de gerar uma nova vida com a mulher que ama. Dizem que ser pai é algo inexplicável - a todos que já perguntei como é, ninguém soube me explicar direito a sensação. Ser mãe, então, deve ser algo absolutamente inenarrável, intocável, sobrenatural de tão maravilhoso... Nós, homens, nunca saberemos dos sofrimentos de ser uma mulher. Mas também nunca poderemos gozar da experiência absolutamente transcendental de carregar uma vida no ventre – e uma vida no seu estágio mais frágil, mais inocente...
Nunca me imaginei como pai, sabe? Acho que está tão fora da minha realidade, hoje... Difícil me imaginar chegando em casa depois do trabalho, e encontrar uma mulher sorrindo a me beijar - ou chegar do trabalho antes dela, e recebê-la com um beijo – e ter alguns serezinhos parecidos comigo e com ela, mas diferentes – pessoinhas a carregar em si um pouco de mim e dela, mas sendo muito mais que a simples soma de nós dois... Crianças sob minha responsabilidade, que me chamarão de pai, e me admirarão pelo simples fato de eu ser realmente seu pai. Filhos que me darão alegria, entusiasmo, dúvidas, raiva às vezes, impaciência várias vezes, insanidade incessantemente... Pessoas que eu verei crescer, se tornarem adolescentes, adultos, seres com sua própria identidade, seu próprio caráter, sua própria contribuição para a humanidade. E pensar que tudo depende dos meus atos: um único ato meu pode começar isso tudo. E todos os outros podem orientar como vai terminar...
Temos a capacidade de dar vida, ou melhor, transmiti-la, a novos seres. Tudo depende da nossa vontade (ou, ao menos, deveria depender). Mas é a única capacidade humana que não podemos desenvolver sozinhos, temos que compartilhar o ato com uma outra pessoa. Já parou pra pensar que coisa louca? A humanidade tem em suas mãos o poder de continuar-se a si mesma – ou não. Nos países europeus eles já não estão querendo mais transmitir a vida, e com isso estão correndo o risco de deixar acabar toda sua civilização, milênios de tradição que poderão morrer, porque eles querem assim. Decidiram que não vale mais a pena perpetuar sua vida, cada um só quer viver sua vidinha e pronto, acabou. Não querem que um outro ser aprenda com ele, carregue no sangue e na memória tudo o que ele é, e principalmente o que foi ao lado da outra pessoa com quem compartilhou a geração daquela vida. Se contentam com uma vidinha de 80 anos, e só. Não querem viver mais, transmitir vida, ser um pouco imortal. Se contentam com pouco.
Pois minha amiga não é assim. Ela gosta de viver, sabe? Dá pra ver nos olhos dela. E ela já transmite vida a tanta gente, de formas tão lindas... Agora ela está cara a cara com a vida, da forma mais sublime e misteriosa possível. Está cara a cara com a Verdade.
Pois vai lá, menina. Mostra pra eles! Mostra que ainda é possível acreditar na vida, que a vidinha que você carrega aí dentro é a esperança que eu, que eles, que todos nós precisamos pra acreditar em nós mesmos! Mostra que ser mãe é mais do que saber cuidar – embora eu acredite que você deva saber cuidar como ninguém; mostra que ser mãe é saber amar, é saber viver, é amar saber viver! Mostra que pra quem busca o Amor tudo o mais é acrescentado, mostra que Ele é maior que tudo, que o relativismo, que o desânimo, que a falta de vontade de viver. Mostra que só é livre pra ter direito de escolha quem escolhe pela vida – porque escolher pela morte nunca é uma opção livre...
Mostra. Mostra ao mundo tudo aquilo que você já me mostrou.
E me deixa aqui, sonhando...
(J. de Fora, 17.10.07)
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