ESSE TEXTO NÃO É SOBRE AMOR
Nossos corpos tinham urgências (Conceição Evaristo)
Escrever sobre você tem sido constrangedor.
Porque a cada palavra, eu quero que você leia, e eu nem gosto que as pessoas leiam sobre o que eu escrevo.
Preciso pensar que talvez o amor seja só um caminho para lavar as angústias do meu coração, para me ajudar a pensar outras formas de amar, e não cair em vãs ilusões. Mas é tão difícil não se deixar envolver.
Talvez pensar em coisas reais me ajudem a entender que a vida não é o conto de fadas que eu gostaria de viver.
Sou uma mulher, menina, negra, pobre, interiorana, estudante, preciso passar em um concurso público para me estabilizar financeiramente. E isso é um fato, e quem me amar precisa me apoiar nos fatos duros da vida. Mas quem me amar (e por favor, seja você) também vai me apoiar, me querer bem, ser meu suspiro em meio ao caos.
Estou cansada de ser um personagem em minhas próprias ficções. Quero viver, sair do plano das ideias e ir para o mundo real.
Mas ai um texto, uma tarefa, me situa no tempo e espaço. Me lembra que eu sou mulher-negra, e que isso me coloca há anos luz de distância de você. Me lembra que estamos distantes um do outro, e que cada um tem uma vida de adulto para se responsabilizar, e que, só talvez, na sua vida, não tenha espaço para mim.
Isso me entristece. Faz com que eu queira voltar a escrever poemas tristes. Achando que talvez o amor não seja para mim.
Ao fim ao cabo, aqui, você me pertence, e aqui, posso me deleitar com você.
Ter você em meus pensamentos já é uma demonstração de realidade que eu nunca havia imaginado para mim.
Graças à Conceição, consegui entender que, escrever me inscreve em um mundo que antes, era inabitável para pessoas como eu. Esse texto deixou de ser sobre amor.
Num instante eu entendi que tudo que eu estudei academicamente estava acontecendo na minha vida. Eu, me negando o amor, por condições sociorraciais, econômicas, territoriais. E não digo que não sou digna de amor, porque sou, sou foda pra caralho, mas a mulher que aqui escreve não é a mesma menina que aciona o discurso das emoções, e que se percebe como não digna de afeto.
Pois o amor e a escrita são dados a um lugar de insubordinação.