Aborto Acústico
(Gabriel Resgala - www.humanando.blogspot.com)
Quem é fã de Legião Urbana já deve ter pescado o trocadilho do título. Deve ter se lembrado que, no final da década de 70, surgiu em Brasília a primeira banda liderada por Renato Russo, considerada a primeira banda de punk nacional: o Aborto Elétrico. Concebida com a finalidade de divertir e extravasar as revoltas dos adolescentes entediados da cidade, a intenção da banda era chocar desde o nome; queriam algo que expressasse todo o “vômito” musical que era o punk da época. E deu certo: surgiram até lendas de que “aborto elétrico” seria na verdade o nome dado a um cacetete elétrico usado pela polícia durante o regime militar, e que teria causado a morte de um bebê ainda no ventre da mãe, uma vez que espancaram uma mulher grávida. Nada mais chocante.
Pois eu às vezes me pergunto se o nome “aborto elétrico” ainda causaria tanto choque entre os jovens de hoje em dia. Sim, porque a impressão que me dá é que a visão que se tem do aborto, neste início de milênio, é de algo bem mais light. Só um procedimento de planejamento familiar, diz o governo. Só um direito da mulher sobre o próprio corpo, dizem as feministas. Pois é, parece que o aborto está finalmente seguindo a tendência do rock contemporâneo, e passando por sua fase acústica. Não combina mais com gritos revoltados e guitarras distorcidas... está mais pra um banquinho e um violão.
Tem aqueles que acham até que ele será a salvação para tudo, como o governador do Rio, que recentemente escrachou a esperança que tem (e que com certeza vários também têm, mas não a exprimem por prudência) de que, legalizando o aborto, diminuir-se-á a violência. É lógico: menos pobres, menos marginais. Lindo, né? Já imaginei até uma trilha sonora específica, que poderia ser executada pra acalmar a mãe durante o “procedimento”, livrando-as das crenças alienantes incutidas na sua cabeça pela sociedade, e aliviando-a um pouco do remorso que forçam-na a sofrer: a música Flores, dos Titãs, em versão acústica. Aquela canção que, tocada com orquestra e com participação da Marisa Monte, nem parece que fala de morte. Ninguém se lembra disso, afinal fizeram um arranjo tão bonito... não vou negar, já namorei muito ouvindo aquela música. Ficou romântico cantar que as flores de plástico não morrem.
Mas... Pois é, eu sou um chato mesmo, pode falar. Desculpem, é mais forte que eu. Lamento ter que, às vezes, cortar o barato florido de alguém pra questionar algo. Me sinto aquele aluno curioso que, inocente, levanta a mão e faz pra professora aquela pergunta que ninguém teria coragem de fazer. Aquela que desconforta, que tira a paz. Que obriga a pensar.
“E as flores que estão vivas, morrem?”
Pronto. Me mandam pra diretoria. “Isso não é pergunta que se faça, menino! Isso é coisa religiosa, filosófica, não tem nada a ver com a ciência! Estamos discutindo é um mundo florido, não tem nada a ver com divagar sobre a essência das flores!”...
Já era. Não adianta nem argumentar que foi justamente a ciência que provou pra filosofia e pra religião que as flores têm vida. Te jogam números astronômicos, falam que é questão urgente de saúde pública, falam que você não pensa na mulher, que se fosse com você, você abortaria. Te chamam de hipócrita, reacionário, fundamentalista. Pior: de machista. Te desqualificam, humilham até. Mas não respondem à sua pergunta.
Ok. Então por enquanto também não vou responder aos seus argumentos que, embora sejam lançados como sólidos, se desmancham no ar. Por enquanto só vou te lembrar da versão original da canção, a elétrica, do tempo em que gritar que "flores de plástico não morrem" era só uma ironia pra dizer que não temos coragem de lidar com a vida como ela é.
Pare tudo e veja este vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=I1UVfg_vzF0
Depois conversamos.
(J. de Fora, 02.02.07 - www.humanando.blogspot.com)
(Para ver o vídeo, copie o link e cole na barra de endereços do seu navegador. Atenção: contém CENAS FORTES de uma ultrassonografia real de um aborto, leia a descrição do vídeo no youtube).
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