ELIS QUEREM QUE VOCÊ MORRA.

Outro dia me peguei dando dicas para uma amiga bem mais jovem de como esconder um fio de cabelo branco. A moça estava aflita (tava não, recurso estilístico meu) porque começavam a despontar uns fios grises aqui e ali. Trocamos algumas dicas de procedimentos cosméticos, mais ou menos higiênicos, para esconder as evidências de que o tempo está passando. Rimos. Não somos o tipo de mulher que se preocupa com fios brancos, muito menos com o envelhecimento. Já enfrentamos travessias mais difíceis, circulando por aí com nossos corpos não convencionais. Se nunca foi fácil ser quem somos, porque seria agora, que começamos essa nova fase da vida? O fato é que existe um incômodo no ar — “Elis” querem que a gente morra. — Foi assim que começamos a falar e rir, sempre começando as frases dizendo: “elis não nos querem por perto” “elis ficam incomodados” “elis querem nos silenciar, nos apagar” Há muitos substantivos que cabem nesse pronome, que não se refere ao gênero. Elis é um corpo social que se articula feito um cardume de minúsculos peixes, criando uma imagem grotesca, para enfrentar um tubarão. Olhando bem de perto são só peixinhos, aflitos. Olhando bem de perto é só um tubarão, grandalhão. Mas de onde vem essa angústia que faz elis agirem assim? Por que juventude e velhice não podem conviver pacificamente, harmonicamente? Pronto! Lá fomos nós, moi e mon amie, dissertar sobre o tema, bem ao estilo escolástico, “desenvolva essa ideia”, enquanto nos refrescávamos com alguns goles de chope. Aliás, talvez elis consigam nos excluir porque com a menopausa a gente descobre que um lugar fechado com mais de cinco pessoas não é sustentável. Na lista que fizemos no guardanapo do bar tinha a tal “oportunidade profissional”. De fato, a exigência da experiência exclui muitos jovens dos processos seletivos. But experiência demais nos exclui. Confesso que unir essas duas palavras me causa estranhamento porque acredito que a experiência nunca é demasiada. O fato é que a experiência demasiada inaceitável ao mercado é aquela que coloca ordem no galinheiro, ou seja, vamos combinar: trabalho é trabalho. A romantização que transforma trabalho em missão de vida, acima da família, dos amigos e de nós mesmos não cola mais para os plus age. Entenda: tempo é vida não é dinheiro. E se alguém vai ganhar mais argent com a sua dedicação, exclusivérrima, não é você, trabalhador/a! Dito isso, batemos o martelo e prosseguimos. A caneta bic delimitou o segundo tópico “desigualdade acadêmica”, afinal, como dizia um sábio, quem conviveu com 10 pessoas de 80 anos viveu 800 anos. Isso também vale para a leitura, sobretudo, em épocas, nas quais, lê-se mal e porcamente. Para elis haveria uma deslealdade ao se confrontar o conhecimento de um/a jovem de vinte e poucos com alguém com o triplo da idade dele/a. Sim concordamos, ainda que se ressalve, que sabedoria não é posto de antiguidade. Há muitos velhos tolos por aí, burros mesmo. No entanto, também é preciso reconhecer que o número de mestres e doutores mais que triplicou no país. Cada vez mais cedo, jovens carregam o título de doutor/a em alguma coisa (sempre um nome composto, pomposo e ruidoso). Faço um aparte aqui – eu e minha amiga coroa chegamos ao doutorado agora, agorinha. Somos duas senhoras circulando pelo campus. Por que então o debate de ideias seria tão inconcebível e desigual, se a formação acadêmica passa, sim senhor/a, pelo aprovisionamento do conhecimento? Mestrar-se, doutorar-se é construir um lastro bem alicerçado por diversos saberes e possuir manejo suficiente da língua-mãe para bem comunicá-lo. Comunicar não só no dia da defesa, mas ao longo vida. Mas que chato isso, hein? Que cobrança desagradável! Eis uma questão para levar à terapia: por que nos submetemos a processos complexos, que não desejamos, sequer entendemos, apenas para agradar a elis? Pausa para agendar um horário na psicanálise. Feito, prossigamos. Próximo ponto: sexualidade, vida afetiva. Gente, mas essas coroas estão querendo ser novinhas! Bem, desistimos de argumentar sobre esse ponto porque teríamos que entrar noutros tópicos que envolvem machismo, misoginia, neurose, Freud e Lacan. Enfim, sem tempo irmã/o. Só vamos deixar uma pista — não fomos da geração fastfood-iphone-TikTok– gostamos de comida fresca, de bater papo, dançar (sem coreô) e dar risada. Ou seja, somos ir-re-sis-tí-veis! Resolvemos parar por aqui, ainda que outros tantos pontos nos acheguem. Avisamos que não vamos morrer para facilitar a vida de ninguém. Mas talvez façamos uma pausa, tiremos um cochilo, viajemos para outro país só para tomar um sorvete. Ah! O rímel castanho é ótimo para pintar os primeiros cabelos brancos.

 

Adelaide Paula

@adelaidepaulaafrofuturista

Doutoranda em Afrofuturismo

Professora de Literatura/Teoria Literária

Escritora, autora de quatro livros

Finalista do prêmio Maria Firmina dos Reis com o romance Mãe – o silêncio atrás da porta

Cofundadora do núcleo de escritoras pretas, @NPFIR_UNB

 

 

 

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 29/09/2023
Reeditado em 05/10/2023
Código do texto: T7897062
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